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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.12 no.2 Assis dez. 2013

 

Artigo

 

A constituição do espaço Fórum a partir do Paradigma da Atenção Psicossocial

 

The constitution of the Forum space from the Psychosocial Attention

 

 

Damaris Bezerra LimaI

I Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Unesp

 

 


RESUMO

Temos por objetivo apresentar a constituição do espaço do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos como possibilidade de um processo instituinte, um espaço coletivo de discussão onde as redes, os vínculos e a coresponsabilização podem ser consolidados. Ao longo do texto nos propomos a pensar esse espaço coletivo a partir dos parâmetros do Paradigma Psicossocial, refletindo sobre o contexto que possibilitou essa configuração, destacando o parâmetro dos modos de organização das relações interinstitucionais e intra-institucionais, o qual valoriza o protagonismo dos sujeitos e a intersetorialidade.

Palavras-chave: fórum; Atenção Psicossocial; intersetorialidade; implicação.


ABSTRACT

We aim to present the constitution of the Permanent Intersectorial Forum of Mental Health of the Ourinhos region as a possibility of an instituing process, a collective space of discussion where the networks, bonds and shared liability can be consolidated. Throughout the text, we propose to think this collective space from the parameters of the Psychosocial Attention, reflecting on the context that enabled this setting, highlighting the parameter of the interinstitutional and intrainstitutional relations of the modes of organization, which values the protagonism of the subject and intersectoriality.

Keywords: Forum, Psychosocial Attention, Intersectoriality, Implication/Protagonism.


 

 

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. (Paulo Freire)

 

O espaço Fórum

Na Roma Antiga, o Fórum era um espaço pavimentado, uma ampla praça pública, que ocupava geralmente dois quarteirões, característico das grandes cidades romanas, centro de todo o seu planejamento. Era um lugar de feira onde os habitantes das aldeias vizinhas vinham trocar produtos. A estes lugares de mercado, os romanos chamavam Fora. Devido à sua situação privilegiada, à atividade comercial, aos encontros e discussões que aí se realizavam, estes Fora deram origem a povoações e cidades importantes. É o caso de Roma, que, fundada sobre a colina Palatina, se desenvolveu em torno de um fórum, que, de mercado, iria tornar-se num centro político. Portanto, na sua origem a palavra fórum designava o espaço central da cidade – lugar da mais importante atividade política, religiosa, social e comercial. A noção de um Fórum como espaço de intercâmbio mantém-se ainda hoje, embora ligada a novos contextos. Fala-se de Fórum não só para designar um espaço físico urbano, bem delimitado, mas, sobretudo para traduzir uma possibilidade de interação, discussão e troca1.

A partir dessa definição podemos identificar a visibilidade nos últimos anos de espaços fóruns, com o objetivo de trocas, compartilhamento e posicionamento diante de temas variados. Talvez dentre os mais conhecidos mundialmente possamos citar o Fórum Social Mundial que acontece anualmente desde 2001 e que em sua página na rede de computadores se autodefine como "um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil". Esse Fórum ainda se intitula não confessional não governamental e não partidário, respeitando a diversidade e a pluralidade, se propondo a facilitar a articulação de forma descentralizada e em rede, de entidade e movimentos que lutem, seja localmente ou mundialmente, "pela construção de um mundo melhor"2.

Imbuídos da mesma ideia, no sentido de espaço coletivo de compartilhamento que articule a rede é que espaços como o do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos foram se constituindo, além de outros espaços intitulados fóruns espalhados pelo nosso país em muitos setores e voltados a diferentes temas. Na área de Saúde Mental não foi diferente, podemos citar estudos referentes ao Fórum Gaúcho de Saúde Mental (Russczyk, 2008) e Fórum de Saúde Mental do Estado do Espírito Santo (Reis, 2009). Porém destacamos o pioneirismo de nosso estudo em registrar o processo de formação de um espaço fórum regional e intersetorial e não estadual.

A partir desse entendimento e pautados pela possibilidade real de coresponsabilização e cogestão, tal como definida por Campos (2000) como o compartilhamento da tarefa da gestão, visando o surgimento de sujeitos e da construção de sentidos para a ação, a partir do desejo dos trabalhadores em participar desse processo; e baseado nas diretrizes da Política Nacional de Humanização é que se inicia a construção do espaço regional intersetorial, o Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos (FPISMO).

 

O Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos

O Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos nasceu da angústia e da necessidade, presente no dia a dia dos gestores e profissionais de saúde mental que atuam na região do Colegiado de Gestão Regional de Saúde (CGR) de Ourinhos, relacionadas à escassez de equipamentos de saúde para apoio e cuidado à pessoa em sofrimento psíquico, bem como à dificuldade de articulação com os demais setores que de uma forma ou outra poderiam estar envolvidos com a saúde mental.

Os gestores de saúde e seus técnicos através do Colegiado de Gestão Regional (CGR) de Ourinhos, composto por 12 municípios (Bernardino de Campos, Canitar, Chavantes, Espírito Santo do Turvo, Ipaussu, Óleo, Ourinhos, Ribeirão do Sul, Salto Grande, Santa Cruz do Rio Pardo, São Pedro do Turvo e Timburi) iniciaram uma discussão, com a participação e apoio acadêmico da UNESP-Assis, na busca de propostas e alternativas para a Saúde Mental na região, especificamente, num primeiro momento, relacionado à dependência química. Decidiu-se realizar a I Oficina de Planejamento da Política Intersetorial Regional sobre crack e outras drogas, em fevereiro de 2011 que contou com a participação de profissionais de diferentes setores. Como resultado da oficina, estabeleceu-se algumas diretrizes regionais e a proposta da criação de uma rede intersetorial. A maioria dos municípios continuou a realizar reuniões mensais para estabelecer essa rede, seguindo as diretrizes propostas e, regionalmente, iniciou-se a construção do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos, tendo sua primeira reunião em 13 de abril de 2011.

O Fórum foi definido por seus participantes como um espaço coletivo de discussão, com o objetivo de refletir sobre as ações e levantar propostas, num primeiro momento, relacionadas à dependência química e outros assuntos relacionados à saúde mental. Pressupõe uma cogestão, para além de um modelo de gestão em que a iniciativa da participação parte do gestor, mas tendo como base a implicação de profissionais preocupados com a produção de si e de outros, por meio da aposta na produção de sujeitos mais livres, autônomos e capazes, valorizando o protagonismo nas práticas em saúde mental e na efetivação de uma política regional. A possibilidade de formular, concretizar e implantar políticas regionais de saúde mental desta forma, articulando diferentes saberes e setores, propicia um espaço coletivo em que a gestão é de fato compartilhada, por meio de análises, decisões e avaliações construídas coletivamente, resultando em mais e melhor produção de vida e reafirmando pressupostos éticos no fazer em saúde mental.

Essas iniciativas só se fizeram possíveis, a partir da realidade estrutural da saúde mental no território em questão. Um território "pouco organizado" nesse sentido e carente de espaços de produção de vida que não possibilitava aos trabalhadores nem da saúde, nem dos demais setores a reflexão sobre sua prática.

 

Por que considerar esse processo como instituinte?

A dificuldade na emergência de processos instituintes e na reinvenção de espaços coletivos de discussão das problemáticas comuns a diferentes setores é sentida não só pela Saúde Pública, mas por toda a sociedade.

Utilizando a definição de Lourau (2004, p.47), para instituinte como "contestação, a capacidade de inovação" o qual é definido também por Baremblit (2002, p.33) como "sempre processual, criativo e transformador por excelência", podemos considerar que o espaço do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos pode ser considerado um espaço instuinte porque sua formação e manutenção provocam novas configurações no contexto da saúde mental na região, aparecendo dinamicamente como processo e não como resultado estático.

As demandas provenientes dos encontros mensais do FPISMO se constituem em provocações e incômodos aos atores envolvidos na gestão e na Atenção Psicossocial, o que gera inovações, sendo uma das principais a possibilidade de diferentes setores sentarem para conversar, articular, compartilhar e transformar o contexto inicial relacionado ao sofrimento psíquico na região, o que não ocorria anteriormente.

Para haver mudanças nas organizações, nos processos de trabalho é preciso que ações instituintes ocorram no interior das instituições. E para que essas ações existam é preciso, conforme dizia Lourau (2004) que a sociedade instituída colabore nessa empreitada.

A sociedade instituinte ameaça a sociedade instituida; porém a sociedade instituída precisa da sociedade instituinte para progredir, ao passo que a sociedade instituinte necessita da sociedade instituída para erguer seu projeto de transformação permanente (Lourau, 2004, p.63)

Os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental no país (Lei 10216/2001) colaboraram para a existência de espaços como o do Fórum aqui apresentado. Pois a Reforma Psiquiátrica Brasileira veio assegurar o princípio de territorialidade, resguardando assim, a descentralização do atendimento e garantindo o acesso a todos que passam por sofrimento psíquico, tratando-os integralmente em serviços abertos, e na rede substitutiva ao hospital psiquiátrico. Conceitos como esse de território, pressupõem organização de coletivos para discussão e propostas de enfrentamento das situações da comunidade. Entendendo o espaço da região do CGR de Ourinhos como um território, tem-se o FPISMO como uma possibilidade de apoio na organização de redes de serviços e cuidado que se norteiem a partir dos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e da Política Nacional de Saúde Mental, transitando para uma mudança paradigmática, devendo atuar de acordo com os parâmetros do Paradigma Psicossocial e não do Paradigma Psiquiátrico ainda vigente, sendo o sujeito em sofrimento psíquico visto como um cidadão, portanto com direitos que precisam ser respeitados por todos os setores da sociedade, mas para, além disso, como efetivamente um sujeito.

 

Atenção Psicossocial e seus parâmetros

O conceito da Atenção Psicossocial é definido por Costa-Rosa, Luzio e Yasui (2003) como aspirando à outra lógica, outra fundamentação teórico-técnica e outra ética, que não mais as do paradigma psiquiátrico. Ainda de acordo com esses autores este conceito quando relacionado às políticas públicas de Saúde Mental, tem a pretensão de incluir os vários aspectos que fazem parte da vida do ser humano, como componentes do sentido amplo que se pretende articular, ou seja, aspectos políticos, econômicos, culturais.

Dentro do contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira temos a utilização inicial do termo Apoio Psicossocial para os dispositivos de atendimento às pessoas em sofrimento psíquico, contudo como forma de abarcar o sentido mais amplo do conceito passou-se a designar esses espaços como de "Atenção Psicossocial", entendo Atenção como "dar e prestar atenção, acolher, receber com atenção, tomar em consideração, levar em conta e escutar atentamente", sendo esta uma parte fundamental nas práticas em Saúde Mental no contexto brasileiro atual (Costa-Rosa, Luzio, Yasui, 2003).

Costa-Rosa (2011) nos apresenta que o termo "psicossocial" conota um Modo Psicossocial e este se constituiu como um Paradigma, na "tentativa de designar as formas de produção das Instituições de Saúde Mental capazes de se contrapor dialeticamente à lógica do Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador"3. Entendendo Paradigma como "conjuntos articulados de valores e interesses que se estratificam, criam dispositivos (leves e pesados) e podem chegar à polarização" e ainda no campo da Saúde Mental como um "conjunto mínimo articulado de parâmetros capazes de darem conta das dimensões teórica, técnica e ética". Assim, a lógica do Paradigma Psicossocial assume ética e tecnicamente a indissociabilidade entre saúde psíquica e subjetividade.

Portanto, Costa-Rosa (2011) expõe quatro parâmetros fundamentais que considera componentes necessários mínimos à composição de um Paradigma, nesse caso do Paradigma Psicossocial (PPS) e o diferencia do Paradigma Psiquiátrico Hospitalocentrico Medicalizador (PPHM).

1. Concepção do "objeto" e dos "meios" de seu manuseio como fatores do modo de produção. No PPHM a relação dos "meios" com o "objeto" é de objetivação, objetificação, e alguns de seus efeitos são: exclusão, clausura, medicalização, alienação, os quais produzem subjetividades serializadas. Já no PPS, o "objeto" é o sujeito em sua existência-sofrimento, sujeito do inconsciente suscitando a emergência de sentidos novos, em movimento, onde ocorre a ascensão do sujeito à condição de protagonista no "cuidar-se".
2. Modos de organização das relações intra-institucionais e interinstitucionais como um fator essencial das relações intersubjetivas possíveis, ou seja, modo de produção de saúde e subjetividade. Neste ponto o autor destaca a horizontalização necessária nas relações intra e interinstitucionais para que se configure o PPS, ocorrendo então espaços possíveis de controle social e cogestão, com maior participação dos sujeitos do sofrimento, familiares e trabalhadores da instituição. Essa função produtiva do dispositivo é requisito para produção de subjetividade singularizada e saúde. Mais uma radicalidade contrária ao PPHM onde as relações são verticais e hierarquizadas e não há voz para a participação social, e a subjetividade é serializada.
3. Modos de relação da instituição com a clientela, a população e território e a recíproca. Considera-se o modo como a instituição se apresenta e situa no espaço geográfico, no imaginário e no simbólico, ou seja, até onde seus meios são capazes de responder também ao nível das pulsações da Demanda Social e não apenas ao das encomendas; também no sentido inverso, como a instituição é percebida pela população, levando-se em consideração as heranças, os sentidos que certas instituições carregam dados os estratos históricos dos quais fizeram parte. No PPS a instituição seria uma instância de interlocução e de locução, na qual o valor recai sobre a palavra e onde o saber é do sujeito. Esse modo de funcionar é fator decisivo para a maneira de se perceber o sofrimento, permitindo o reposicionamento subjetivo e social. Já no PPHM, a instituição se apresenta de modo a reproduzir o vínculo que lhe é típico, reafirmando o sentido dos significantes com que é designada: relação entre loucos e sãos, e a verticalização já citada anteriormente pelo autor.
4. Modos dos efeitos produtivos típicos da instituição em termos de terapêutica e de ética. Dado que não se admite a produção de saúde psíquica independente da produção de subjetividade, entendem-se as instituições de Atenção ao sofrimento psíquico como dispositivos produtores de processos de subjetivação. No PPS a ética vigente é a do "bem-dizer", do intercessor, a qual visa a posição do sujeito no desejo e no carecimento. Para os trabalhadores da Atenção Psicossocial há de ocorrer a persistência numa ética capaz de facultar a clínica como processos de subjetivação e singularização, tanto dos sujeitos do sofrimento quanto de nós, trabalhadores dessas instituições.

Assim, tomando como base esses quatro parâmetros temos claramente que a constituição de espaços coletivos de discussão que visam à cogestão e ao compartilhamento, à troca de experiências e a manutenção de um trabalho em rede e interprofissional, só se configuram e se mantém se estiverem pautados pelo Paradigma Psicossocial.

Refletindo sobre a disputa de sentidos constante no campo da Atenção Psicossocial, e consequentemente em espaços como o fórum, onde profissionais pautados por um por outro Paradigma (PPHM ou PPS) se encontram e discutem questões relacionadas à saúde mental, podemos entender como uma das principais disputas a relacionada ao modelo de saúde e de atenção ao sofrimento psíquico que cada profissional reproduz em sua prática diária.

As ações em saúde e atenção ao sujeito em sofrimento que se pautam em um modelo biomédico de saúde e dentro do PPHM são baseadas no médico somente, tendo-o como o centro da atenção em saúde, além de estarem firmadas no hospital como única forma de tratamento para pessoas em sofrimento psíquico e no remédio como única resposta possível.

Já ações em saúde e atenção ao sujeito em sofrimento psíquico fundadas em um modelo descentralizado de atenção e dentro do Paradigma Psicossocial, são pautadas por equipes interdisciplinares, no tratamento no território em que o sujeito em sofrimento é o centro do processo, onde as possibilidades de respostas são muitas, em rede e de forma intersetorial. E desde que possibilitem a responsabilização de todos no processo, propiciando espaços de escuta, de diálogos e conversas possíveis entre todos os envolvidos no caso.

Apreendemos que espaços como o do FPISMO só se configuraram como possibilidade após o início da Reforma Psiquiátrica Brasileira, fundamentado nos princípios do Paradigma Psicossocial. Portanto, há uma mudança radical da visão e das ações voltadas para o sujeito em sofrimento psíquico, que antes estavam pautadas no Paradigma Psiquiátrico para o Paradigma Psicossocial. O qual coloca o sujeito como o centro das ações, e estas ocorrem em rede, realizadas por equipes interdisciplinares e dentro de uma clínica ampliada, sustentadas por uma atenção que se preocupa com os efeitos éticos e políticos dos serviços públicos oferecidos, bem com a participação do sujeito em seu projeto terapêutico singular, além da responsabilização do profissional. Sustentados por uma implicação dos atores envolvidos com o sofrimento daquele sujeito, que conversa e dialoga, que pensa em vida. Espaços como o do Fórum são potencializadores de vez e voz aos trabalhadores, gestores, familiares e para os sujeitos em sofrimento.

É na pratica cotidiana que podemos constituir uma rede de Atenção Psicossocial que favoreça a produção de novas subjetividades, a construção de laços afetivos, a promoção de saúde e a existência alegre e positiva de vida.

 

Modo de organização das relações interinstitucionais e intra-institucionais - o protagonismo e a intersetorialidade.

A partir do parâmetro dois, proposto por Costa-Rosa (2011), e não desconsiderando os demais parâmetros, podemos destacar no processo de construção do FPISMO a presença de dois conceitos importantes para que essa configuração existisse: o protagonismo dos profissionais e a intersetorialidade. Esses dois termos se constituem como essenciais para esse novo modo de organização das relações interinstitucionais e intra-institucionais.

Para pensarmos a atuação profissional e o protagonismo é necessário entender o conceito de implicação. Mais do que simplesmente envolvimento ou participação, pensamos em implicação conforme define Lourau (2004),

A teoria da implicação, nós veremos, tem qualquer coisa que flerta com a loucura. (...) Pois não é a implicação, cada vez mais claramente, o objeto de análise das relações que temos com a instituição e, antes de tudo, com nossa instituição de pertencimentos mais próxima aquela que possibilita nossa inserção nas situações sociais de intervenção, de formação e de pesquisa? (Lourau, 2004, p.133)

Dessa forma, o protagonismo dos atores envolvidos na constituição de espaços como o do FPISMO, passa provavelmente pela implicação deles com a instituição que representam. Seja numa postura passiva ou ativa, todos estamos sempre implicados com a instituição.

Ao longo do processo de construção do FPISMO, foi possível perceber a participação de profissionais implicados com sua prática e na sua prática, verdadeiros agentes de transformação em seus territórios. Esse processo aconteceu para além do desejo de alguns indivíduos pautados por uma ética, mas também por ter se configurado na região um cenário de forças que colaboraram para a constituição desse espaço coletivo. Confirmando o que René Lourau (2004, p.59) já afirmava ao dizer que "na qualidade de agente de transformação e, mesmo que se leve em conta o papel desempenhado por personalidades determinantes, é sempre como coletivo que o particular se manifesta".

Em consonância com o pensamento de Lourau, temos que tão importante quanto a implicação dos profissionais para constituição do espaço coletivo é que ocorra, principalmente a análise dessa implicação, vislumbrando os efeitos éticos dessa ação.

Ceccim e Feuerwerker (2004, p.50), afirmam que "desse modo, transformar a formação e a gestão do trabalho em saúde não podem ser consideradas questões simplesmente técnicas, já que envolvem mudança nas relações, nos processos, nos atos de saúde e, principalmente, nas pessoas". Por isso, espaços como o do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos, possibilitaria o devir desse protagonismo, dessa implicação dos profissionais com a sua prática.

Atuar profissionalmente a partir do Paradigma Psicossocial, nos remete ao conceito de integralidade em saúde, uma vez que a pessoa é o centro do processo e consequentemente o seu contexto. Faz-se indispensável compreender que o entendimento da integralidade em saúde passou a abranger outras dimensões, aumentando a responsabilidade do sistema de saúde com a qualidade da atenção e do cuidado. A integralidade implica, para além da articulação e sintonia entre as estratégias de produção da saúde, a ampliação da escuta dos trabalhadores e serviços de saúde na relação com os usuários, quer individual e/ou coletivamente, de modo a deslocar a atenção da perspectiva estrita do seu adoecimento e dos seus sintomas para o acolhimento de sua história, de suas condições de vida e de suas necessidades em saúde, respeitando e considerando suas especificidades e suas potencialidades na construção dos projetos e da organização do trabalho sanitário (Política Nacional de Promoção de Saúde, 2006).

Mas, o que seria esse acolher e essa responsabilização em saúde? Yasui discorre sobre essas questões e nos alerta que:

Acolher e responsabilizar-se não são importantes conceitos apenas para a produção de cuidado e para a organização dos serviços substitutivos de saúde mental: são instrumentos conceituais centrais para uma proposta de mudança de modelo assistencial em saúde. (Yasui, 2010, p.142)

Portanto, destaca-se o acolhimento, que seria um processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde que implica a responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a chegada até a saída, ouvindo sua queixa, considerando suas preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários. Garantindo atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/articulação das redes internas dos serviços e redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência quando necessário. Convém então pensar no conceito de intersetorialidade.

A intersetorialidade é primordial para que ocorram mudanças. Todos têm que atuar em prol de todos porque a saúde é dinâmica e vive em constante mudança de acordo com a realidade em que se vive. Claro que quando temos envolvimento de muitos setores para chegarmos a um consenso, fica realmente difícil achar a melhor solução porque acabam ocorrendo conflitos de interesses e então nem sempre conseguimos uma resposta para os problemas. Porém, quando todos os setores se comprometem e conseguem trabalhar de forma articulada, quem ganha é a população que tem mais qualidade de vida.

Através da rede intersetorial estabelecida no território, organizada e efetiva em suas ações, o cuidado integral em saúde mental torna-se possível. Pois inerente à intersetorialidade surge a responsabilidade compartilhada no planejamento e efetivação de ações chamando os gestores e os técnicos de cada setor para um ato dialógico e decisivo pactuado com os profissionais nesse cuidar e com os sujeitos que fazem parte desse local.

Trabalhar na lógica do Paradigma Psicossocial e a partir de Políticas Públicas que embasam esses cenários de sustentação dos espaços coletivos, é trabalhar na lógica de empoderamento do cidadão como Sujeito, seja trabalhador, usuário ou gestor.

Assim, investimento nas relações com as instituições, com o trabalho e com as nossas ações possibilitam resultados positivos para todos e sensação de cumprimento das funções que nos são designadas e dos papéis públicos que representamos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto de formação do FPISMO vários atravessamentos estão presentes para que o movimento se inicie e permaneça. Dentre eles, podemos citar a pressão da própria sociedade por uma ação diante da situação da saúde mental com relação ao álcool e outras drogas, fazendo com que os gestores e os técnicos de saúde da região, consequentemente, se posicionassem de forma a atender a esta demanda, procurando "respostas" ao problema apresentado; a vontade política e o interesse do instituído (DRS, CDQSUS,CGR), em permitir espaços de "escuta" aos trabalhadores para que se mostre acessível às necessidades da saúde mental; e o desejo de alguns profissionais que pautados por uma ética, se apropriam da condição de sujeitos de sua prática e interpelam ao instituído com propostas, para que lhes seja dado voz, olhando para a difícil situação da saúde mental na região e refletindo sobre suas práticas, propiciando o surgimento de uma práxis.

É provável que outros movimentos ocorram com relação à saúde mental ou a outros temas na região. Pois, todo movimento que hoje é instituinte provavelmente logo será instituído, dando lugar a novos movimentos instituintes, ocorrendo a autodissolução. Conforme ensina Lourau:

Outra contradição paradigmática surge com relação ao conceito de institucionalização. A institucionalização é o devir, a história, o produto contraditório do instituinte e do instituído, em luta permanente, em constante contradição com as forças de autodissolução (...) o movimento, ou força de autodissolução, está sempre presente na instituição, embora esta possa ter a aparência de permanente e sólida (Lourau, 1993, p.12-13)

Dessa forma, importante para a saúde mental na região de Ourinhos e que aqui se registra é a possibilidade de ações instituintes, a possibilidade da cogestão em assuntos complexos e amplos, como é o da saúde mental, a possibilidade de atuação e protagonismo de profissionais implicados com e na sua prática, independentemente de categoria profissional.

Bibliografia

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Recebido: 14 de outubro de 2012.
Aprovado: 09 de novembro de 2013.

 

 

1 Disponível em http://www.prof2000.pt/users/hjco/forumweb/Pg000200.htm, acessado em 07 de setembro de 2011.
2 Disponível em http://www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=2&cd_language=1, acessado em 06 de julho de 2012.
3 O Paradigma Psiquiátrico Hospitalocentrico Medicalizador (PPHM) é designado por Costa-Rosa (2011) como aquele que melhor expressa o Modo Capitalista de Produção, tendo como dispositivos-Estabelecimentos o Manicômio Psiquiátrico, o Hospital de mesmo sobrenome, o Discurso Médico e os medicamentos, atualmente chamados de manicômio químico (ver a Tese de Livre-Docência-Ensaio 1).