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Revista de Psicologia da UNESP

On-line version ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.12 no.2 Assis Dec. 2013

 

Artigo

 

Algumas considerações sobre o termo Psicanálise Aplicada e o Método Psicanalítico na análise da Cultura

 

Some considerations on the term Applied Psychoanalysis and the Psychoanalytic Method in the analysis of culture

 

 

Eduardo Toshio KoboriI

I Universidade Estadual Paulista - Unesp

 

 


RESUMO

Este artigo tem como intuito elucidar o conceito de "psicanálise aplicada", conceito este apenas nomeado por Freud diversas vezes em seus textos como "aplicação da psicanálise", sem que o termo em si fosse devidamente conceituado. Entretanto, o criador da Psicanálise utilizava a psicanálise aplicada com o objetivo de analisar outras áreas da produção humana, além da clínica de onde a Psicanálise proveio. Assim como Freud, seus sucessores continuaram seu legado ao analisarem outros domínios não-clínicos, desde os primórdios da Psicanálise até os dias de hoje. A partir das ideias de autores como Jean Laplanche, Fábio Herrmann e Renato Mezan, este texto pretende discutir conceitualmente a psicanálise aplicada.

Palavras-chave: Psicanálise; Psicanálise Aplicada; Psicanálise – Metodologia.


ABSTRACT

This article intends to elucidate the concept of "Applied Psychoanalysis", this concept was named by Freud several times in his texts like "Application of Psychoanalysis", but this nomenclature has never duly developed. However, the creator of Psychoanalysis used the Applied Psychoanalysis with the goal to analyze other areas of human production, besides the clinic whence psychoanalysis has come from. As Freud his successors continuous up his legacy in analyzing others non-clinic areas since the early days of Psychoanalysis until the current days. From others author's ideas as Jean Laplanche, Fábio Herrmann and Renato Mezan, this paper intends to discuss the concept of Applied Psychoanalysis.

Keywords: Psychoanalysis, Applied Psychoanalysis, Psychoanalysis Methodology.


 

 

Introdução

"Que é que um psicanalista faz? Ele aplica o método psicanalítico." (Fábio Herrmann, 1999, p. 23)

A psicanálise aplicada, também conhecida por clínica extensa por Fabio Herrmann (2001) e psicanálise extramuros por Laplanche (1987) se baseia em aplicar o método psicanalítico fora do contexto clínico, da clínica tradicional. Apesar de Freud nunca ter trabalhado este termo de forma conceitual, nomeou este tipo de exercício de análise, bem como fundou a revista Imago, periódico especializado na aplicação da psicanálise. Entretanto, a psicanálise aplicada sempre esteve presente ao longo de sua obra, isto é, Freud não se ateve a analisar apenas os seus pacientes, mas da mesma forma, utilizava o método psicanalítico para analisar obras de arte, a cultura, a sociedade e o funcionamento psíquico do ser humano (Mezan, 1985).

Talvez esta opção de Freud por não conceituar a psicanálise aplicada, se deva ao fato de estar implícito o uso do método psicanalítico tanto dentro da clinica quanto fora dela, quando se utiliza a Psicanálise para enxergar os fenômenos humanos de qualquer natureza. Em outras palavras, utilizar o método psicanalítico é condição sine qua non para que uma análise se realize. Mesmo estando teoria, técnica e método de certa forma interligados, não se chega à teoria ou a à técnica sem ter em vista o método a priori (Herrmann, 1983).

A criação da Psicanálise se deve ao desenvolvimento do método psicanalítico. Este método nasce de uma prática, consistindo em três fatores fundamentais: observação, investigação e interpretação. Por meio desta lente, foi possível entender a histeria e, a partir daí a psique humana. Até o momento pré-psicanalítico, apenas existiam noções nosográficas a respeito desta patologia e tentativas de tratamento sem muito sucesso, como a hipnose por exemplo. Entretanto, o contato com a técnica da hipnose foi essencial para Freud pois, a partir dela um esboço sobre a origem etiológica das neuroses começou a se formar (Herrmann, 1983).

Todavia, o material clinico e teórico em seus escritos sempre que possível era acompanhado de mitos, obras literárias e estudos antropológicos, como forma de comparação, ilustração ou exemplo, tanto para facilitar o entendimento da comunicação, quanto para reforçar seu argumento, o que na época, era necessário devido à grande oposição à Psicanálise no meio científico (Mezan, 1985).

A aproximação cultural que Freud possuía sua paixão pelos clássicos e obras de arte, junto ao desejo de entender e investigar as questões que permeiam o ser humano contribuíram para que textos como O Moisés de Michelangelo (1914), A Interpretação dos Sonhos (1900), Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen (1907), entre outros, fossem produzidos. Estes escritos são análises realizadas por meio do método, fora do contexto clinico. Segundo Mezan (1985), Freud realmente almejava que a Psicanálise como ciência conseguisse ir além do consultório, alcançando outros campos, e assim como na clínica, inaugura também a utilização da psicanálise aplicada.

A partir de então, de acordo com Mezan (2002), inúmeros trabalhos têm sido realizados por psicanalistas, seja no meio acadêmico ou não, com o intuito de utilizar o método psicanalítico como metodologia de pesquisa e investigação, em diversas áreas para além das quatro paredes do consultório.

Portanto, este artigo pretende elucidar o conceito de "psicanálise aplicada", segundo a visão de diversos autores ao longo de seu percurso histórico, partindo de Freud e seus textos pré-psicanalíticos até sua implicação na utilização prática como metodologia de pesquisa no meio acadêmico.

 

Um Breve Histórico

Em 23 de outubro de 1896, um acontecimento acaba direcionando Freud rumo à formulação da Psicanálise. Nesta data, falece Jakob Freud, seu pai. "É a partir do luto ocasionado por esta morte que Freud se lançará na autoanálise, momento decisivo entre todos da elaboração de sua disciplina" (Mezan, 1985, p. 174). Segundo este autor, é de suma importância este evento pois, Freud inicia a investigação de seus próprios sonhos, tema este que se torna cada vez mais interessante para si, neste momento pré-psicanalítico e em toda a sua obra.

Este interesse pelos sonhos se manifesta na carta 50 a Fliess, onde relata o sonho tido após o funeral de seu pai (Mezan, 1985). Deste momento em diante, cada vez mais faz referências aos seus sonhos, analisando-os e formulando hipóteses a cerca de seu funcionamento, culminando em 1900 com a publicação de A interpretação dos sonhos (Bettelheim, 1982).

Esta obra de Freud é o marco inicial da Psicanálise como ciência. É nela que se verifica a validação do método terapêutico e de entendimento da psique humana, como uma lente que possibilita enxergar os fenômenos humanos. Ilustra por meio da tragédia grega Édipo-Rei de Sófocles, o "Complexo de Édipo", conceito central da Psicanálise, e, segundo Mezan (1985), prova de que a tragédia do ser humano tem caráter universal. A Interpretação dos sonhos trabalha ao mesmo tempo os fenômenos oriundos da experiência clínica de Freud e de sua autoanálise, bem como tenta explicar, por meio do método psicanalítico, o funcionamento dos sonhos. Utiliza-se, portanto, da "psicanálise aplicada" na teorização do Complexo de Édipo, e demonstrando que psicanálise "pura" e "aplicada" estão intimamente imbricadas.

Em 1907, Freud publica o que viria a ser o "abrir terreno da 'psicanálise aplicada'" (Mezan, 1985, p. 273), com o texto: Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Este artigo analisa esta obra literária, Gradiva, sob o viés psicanalítico, todavia, não como ilustração ou metáfora para explicar outro tema principal, como aparecera anteriormente em diversos escritos anteriores a este, onde cita Shakespeare, Goethe e outros. Desta vez se dará uma análise minuciosa deste romance, destrinchando-o em seus detalhes do começo ao fim, marcando o inicio da psicanálise aplicada aos diversos campos além da clinica.

 

Do termo "psicanálise aplicada"

Os analistas pós-freudianos que citam a psicanálise aplicada em suas obras, como Renato Mezan (1985), Fabio Herrmann (2001) e Jean Laplanche (1987), concordam que o termo "aplicação" da psicanálise gera um entendimento equivocado, de que a Psicanálise é um conhecimento pronto e acabado, podendo ser meramente "aplicado" a outras áreas do conhecimento humano. Este equívoco que o termo "psicanálise aplicada" provoca distorce seu sentido e coloca de lado a implicação do método como procedimento que contém um valor heurístico, pois a "análise não é a aplicação de um conhecimento, mas invenção de um saber" (Mezan, 1988, p. 329).

Neste sentido, o conceito de psicanálise aplicada é substituído por Laplanche (1987), que opta por chamá-la de psicanálise extramuros mantendo os pressupostos metodológicos da psicanálise clinica/aplicada, e evitando a conotação de ciência, teoria e métodos apenas abstraídos e transferidos para fora do consultório.

Da mesma forma, Herrmann (2001) argumenta a não utilização do termo psicanálise aplicada e a batiza como clínica-extensa. Preserva o caráter investigativo e metodológico da clinica, salvo suas diferenças, para a extensão além da clinica, estendendo-a para a sociedade e para a cultura.

Embora Renato Mezan não tenha definido um novo termo à psicanálise aplicada, concorda com os autores anteriores que a psicanálise aplicada não pode ser apenas uma transposição da análise ou de conceitos de um lugar para outro. Acredita ser "inadmissível falar-se em psicanálise aplicada para designar esse tipo de trabalho" (Mezan, 1988, p. 62). E vai mais além, endossando a importância da cultura no pensamento freudiano:

Vimos assim que a referência cultural se introduz nos momentos em que se torna necessário recorrer ao testemunho do passado ou daqueles que não podem ser tidos por cúmplices da aventura freudiana, a fim de universalizar as hipóteses estabelecidas de início no terreno da psicopatologia, verificadas em seguida pela análise dos sonhos e, a partir de 1898, também dos lapsos e das recordações encobridoras de Freud. (Mezan, 1985, p. 220)

É evidente a recorrência que Freud faz à cultura com a finalidade de verificação de suas hipóteses do caráter universal da psique humana, refletida nas produções humanas e nos fenômenos culturais. Tal recurso fortalece a argumentação de Freud, não apenas no sentido de ilustração, mas como evidências de suas hipóteses, por exemplo, na teorização do Complexo de Édipo, na Interpretação dos Sonhos. A tragédia grega serve de exemplo comparativo da tragédia humana contida em cada pessoa, e a psicanálise "sustenta que tudo o que é humano traz a marca do inconsciente e é portanto, da sua alçada". (Mezan, 1988, p. 61).

Assim, tanto a teoria quanto os conceitos oriundos da clínica se presentificam na análise da cultura e dos fenômenos culturais e vice-versa. O que demonstra a importância equivalente das duas áreas para a Psicanálise. A psicanálise aplicada sempre proporcionou contribuições fundamentais à teoria, como na análise do caso Schreber, entre outros.

E como funciona a psicanálise aplicada? Partindo do pressuposto de que a análise clínica e a análise da cultura somente se dão por meio do método psicanalítico, este se torna ferramenta indispensável para que as mesmas se realizem. Isto é, por meio do método, que pode ser considerado uma lente para enxergar o mundo de maneira diferente da habitual, revela-se um novo saber sobre o objeto de estudo.

 

O Método Psicanalítico

O método psicanalítico consiste em: observação, investigação e interpretação. Sobre o primeiro, desde as histéricas de Freud, o olhar clínico, detalhista, nosográfico, aprendido com Charcot, fora essencial no terreno da psicopatologia (Freud, 1893/1977). Estas características do Método estão intrinsecamente relacionadas, na medida em que esta observação minuciosa possui como objetivo a investigação do fenômeno, a busca pelo sentido oculto, velado, inconsciente, que revela a mensagem do sintoma ou a estrutura psíquica do sujeito, fundando a interpretação como característica essencial à Psicanálise.

A partir deste olhar investigativo, próprio do método psicanalítico que, o analista em atenção flutuante, buscará um sentido latente dentro do manifesto da obra, ou seja, conteúdos reprimidos que ressoam de maneira inconsciente tanto no autor da obra como no destinatário, pressupondo que, este material é semelhante, de maneira emocional, em ambos. Desta forma, é concebida uma comunicação cifrada inconsciente a inconsciente, tornando possível uma reconstrução do processo criativo a partir da emoção sentida pelo espectador. É neste sentido que, mesmo sem as associações do autor, pode-se chegar a uma interpretação do conteúdo inconsciente por meio do analista que fará as associações suscitadas pelo material, pelas pistas inconscientes e da forma como estas o atingem emocionalmente, confirmando o sentido desta interpretação em outros indícios da obra (Mezan, 1985).

Observamos desta forma, algumas semelhanças do processo de interpretação comuns à clinica, como a atenção flutuante, que se dirige principalmente à escuta do discurso do paciente na clínica. Mas, na análise da cultura, dependendo do objeto de estudo, como no caso de uma estátua ou uma pintura, por exemplo, a atenção flutuante do analista estará voltada para o olhar, que será o meio de contato com a obra.

É evidente a importância da emoção que a obra de arte pode despertar ao espectador, ao analista, que pode sentir pelo conteúdo da obra de maneira contratransferencial, as sensações oriundas do autor, e de seu inconsciente, que de certa forma o marca na obra. Se não há um paciente portando um discurso para ser analisado, por outro lado há a própria obra de arte como, por exemplo, um texto literário, que falará por si mesmo, proporcionando ao analista, emoções que o discurso de um paciente em associação livre também o faria. (Mezan, 1988).

A associação livre do analista em sintonia com a contratransferência suscitada pela emoção da obra de arte, não difere daquela em situação clínica durante a sessão, pois imerso no discurso do paciente, o analista em atenção flutuante também "associa" os conteúdos do discurso do paciente e formula ligações que contenham algum sentido, junto à emoção contida nas representações. Portanto, a obra de arte não associa, apenas oferece o material para ser associado pelo espectador, enquanto a forma que o paciente oferece o material é a própria associação livre.

Estas aproximações aparentemente técnicas da psicanálise clínica e aplicada são fatores de execução do método psicanalítico para a análise. Demonstram que a Psicanálise, seja ela clínica ou aplicada, obedece a critérios metodológicos comuns à sua ciência. A análise psicanalítica não é aquela que utiliza das técnicas, teoria ou conceitos da Psicanálise e sim a que utiliza o método psicanalítico como ferramenta de análise, sem perder o caráter heurístico da interpretação.

Outro fator importante da psicanálise aplicada é a verificação da hipótese formulada. Esta deve ser testada em outro ponto do material analisado a fim de confirmar o efeito emocional no analista, ou se o fenômeno foi uma projeção do próprio analista sobre a obra. A este respeito, Mezan afirma que:

[...] para evitar que a análise seja simplesmente projeção das fantasias do analista sobre o assunto analisado, é preciso utilizar um método comparativo. É por meio dele que se dão, por um lado, a percepção dos elementos dissonantes, e, por outro, a formulação de paralelos com outros pontos, a fim de verificar se a nossa hipótese se justifica ou não. (Mezan, 2002, p. 375)

A partir da formulação e verificação das hipóteses, abre-se caminho para o estudo metapsicológico dos dados obtidos. Tanto no sentido de um exercício de revisão teórica, ou seja, elucidar o fenômeno em questão segundo um ponto de vista teórico, comparando-o com a nova hipótese. É desta forma que surge a possibilidade de reformulação da teoria, "alteração" de um conceito, no sentido de atualizá-lo ou mesmo invenção de um conceito desde que "essa alteração se coaduna com a natureza da psicanálise". (Mezan, 2002, p. 390).

Diferente da ciência positivista, o objeto de estudo da Psicanálise não é algo mensurável por meio de estatísticas ou escalas quantificáveis. O método psicanalítico de análise e investigação, desde que foi criado, preserva o caráter heurístico em sua construção de conhecimento, ou seja, privilegia o não saber, a descoberta, o velado, onde no resultado surgirá algo de novo. Como já dizia Fábio Herrmann (2004), utilizar um método quantitativo para investigar a psique, o subjetivo, seria como tentar entender o funcionamento de um relógio usando luvas de boxe, a ferramenta não se adéqua ao objeto.

As análises realizadas por meio do método psicanalítico, as ditas aplicadas ou da cultura, levam em conta a implicação da subjetividade do analista que fará parte da análise e do processo de descoberta de conteúdos inconscientes, pistas inconscientes, que estão contidos na obra e que ressoam no inconsciente do analista. Este, a partir das emoções suscitadas, interpretará, isto é, traduzirá o latente em linguagem metafórica. E, a partir deste material, realizar a revisão teórica já citada anteriormente. Este processo permite que, assim como na clínica, o analista faça surgir uma das verdades contidas no paciente ou na cultura, mas nunca esgotando-as, como se fosse uma verdade única e irrefutável.

 

A Psicanálise Aplicada nas Universidades

Quando se fala em pesquisa cientifica dentro das universidades, logo se remete à pesquisa empírica, ao modelo positivista. As pesquisas quantitativas e suas tabelas, gráficos e demonstrações concretas sobre o objeto estudado. A Psicanálise, diferente deste modelo, segue outros paradigmas, possui um modelo próprio de investigação e demonstração de resultados, ainda que seja possível fazer uma pesquisa psicanalítica qualitativa e quantitativa simultaneamente.

Segundo Herrmann (2004), os analistas são receosos quanto a este tipo de pesquisa quantitativa. Para os mesmos, seu método de investigação/pesquisa é suficiente e ideal para abarcar os fenômenos a que se predispõe. Na singularidade do paciente ou fenômeno da cultura, alguns elementos podem ser observados, da mesma forma, em escalas maiores, da singularidade para a universalidade e vice-versa. Naturalmente, dependendo do objetivo da pesquisa, seu objeto de estudo e as condições para o mesmo, toda a metodologia deve ser revista e adequada, e nem sempre é possível fazer uma pesquisa psicanalítica.

Mas o que difere uma pesquisa em psicanálise de uma pesquisa psicanalítica? A primeira utiliza-se da teoria psicanalítica e seus conceitos para defender ou reforçar um argumento, ou a própria teoria é o objeto de estudo, no caso de teses conceituais, discussão da teoria e referenciais teóricos. Estes tipos de pesquisa utilizam outros métodos para investigar seu objeto, que não o psicanalítico. Embora, o tema e o referencial teórico em que se apoiem, seja a Psicanálise. (Herrmann, 2004).

A pesquisa psicanalítica tem como condição de metodologia, o uso do método psicanalítico. Ou seja, utilizar o método criado por Freud, com o objetivo de construir um novo conhecimento, a respeito do ser humano, da sociedade, da cultura. O uso do método, ou seja, da Psicanálise, não se limita a curar, mas está presente da mesma forma, onde não há doença (Herrmann, 2004). Portanto, uma série de pesquisas clínicas são realizadas, a respeito dos procedimentos, da técnica, da psicopatologia. Da mesma forma que pesquisas não clinicas também o são, como as institucionais, as análises de filmes, obras literárias, entre outras.

Então, a pesquisa psicanalítica, mesmo que dentro do rigor acadêmico, obedece aos pressupostos do método freudiano. A metodologia é a mesma, utilizando a prática do método psicanalítico já exposto anteriormente. Baseado na interpretação produz um sentido novo ao tema estudado, mais interessante, de acordo com Herrmann (2004), que discussões puramente teóricas e repetitivas, que podem chegar a qualquer conclusão, dependendo de seu direcionamento.

Além disso, a pesquisa com o método psicanalítico pode ser realizada junto a outro método, por exemplo, o quantitativo, preservadas as ressalvas do método freudiano. Fábio Herrmann (2004) exemplifica este tipo de pesquisa, o que se tornou posteriormente um projeto real. O autor propôs que se elaborasse um questionário para gestantes e que, a partir deste, fosse perguntado o sexo do bebê. A partir da hipótese de que algumas gestantes intuem o sexo do bebê, isto seria verificado, após a ultrassonografia. Até este ponto, levantadas as devidas estatísticas, a pesquisa se caracterizaria como quantitativa, empírica. O próximo passo seria investigar psicanaliticamente, de que maneira ocorre os acertos ou erros, se existe alguma fantasia a este respeito, fatores biológicos, psicossociais, entre outros. Desta forma, utilizam-se dois métodos de coleta de dados, mas a maneira de enxergá-los é psicanalítica. O autor ainda enfatiza que o importante é não misturar os métodos, mas utilizá-los de forma adequada de acordo com a proposta da pesquisa.

 

Algumas considerações finais

A utilização do termo psicanálise aplicada gera uma conotação de transposição de um saber/teoria acabado, da clinica para fenômenos além da clinica, como cultura e sociedade. Esta condição do já sabido nega os pressupostos metodológicos da Psicanálise como ciência, impossibilitando a utilização do método psicanalítico de forma adequada. O equívoco que o termo postulado por Freud pode provocar levou autores pós-freudianos à reflexão e a renomear tal termo. Apesar desta mudança, o conceito de maneira geral não sofre alterações teóricas ou metodológicas para nenhum dos autores citados.

A importância da psicanálise aplicada no pensamento freudiano, verifica-se quando Freud se serve da cultura, da antropologia, dos fenômenos sociais, para demonstrar o caráter universal da psique humana. Ainda, era também seu desejo que a Psicanálise como ciência avançasse além da clinica, para outras áreas do conhecimento humano.

Para Fabio Herrmann (1992), os mitos e obras de arte em geral não recebem o tratamento devido como fora outrora, durante os primórdios da Psicanálise. Este fato nega os princípios do método psicanalítico, onde por meio do mesmo, seria feito o mesmo percurso de Freud, na clínica e na esfera cultural, objetivando a construção da teoria e a constante renovação da Psicanálise. Ao contrário do que têm acontecido com diversos autores contemporâneos, alvos de críticas de Herrmann (1992), que reproduzem a Psicanálise se utilizando apenas da teoria, desprezando o Método e seu caráter heurístico, consequentemente as contribuições para aperfeiçoamento das técnicas e teorias psicanalíticas, bem como as leituras do sujeito contemporâneo. Como ficou exposto neste texto, não se pode simplesmente dissociar a Psicanálise em área clinica da área não clinica pois, o objeto de estudo da Psicanálise não é apenas a psicopatologia. A psicanálise pode revelar e investigar outros aspectos do que concerne ao humano. Portanto, dentro ou fora do consultório deve-se fazer um movimento convergente no sentido de complementar a Psicanálise como ciência.

 

Bibliografia

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Herrmann, F. (1983). O que é Psicanálise: para iniciantes ou .... (13ª ed.). São Paulo: Psique.         [ Links ]

Herrmann, F. (1992). O divã a passeio. (2ª ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Herrmann, F. (2001). Introdução à teoria dos campos. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

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Mezan, R. (1985). Freud, pensador da cultura. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Mezan, R. (1988). A vingança da Esfinge. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Mezan, R. (2002). Interfaces da Psicanálise. São Paulo: Companhia das letras.         [ Links ]

 

 

Recebido: 13 de junho de 2013
Aprovado: 13 de novembro de 2013.