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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.12 no.2 Assis dez. 2013

 

Resenha

 

Manfred Geier e sua breve análise das ideias de importantes filósofos acerca do riso e do humor

 

Mateus Pranzetti Paul Gruda

I Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Unesp

 

 

O discurso humorístico tem se mostrado um assunto altamente presente na atualidade. Podemos notar uma ampla e desenfreada difusão de seu código como de seus mecanismos de funcionamento ao olharmos para as mídias, para a publicidade, dentre tantas outras instâncias e dimensões sociais e discursivas (Lipovetsky, 2005), o que faz transparecer uma obrigatoriedade pela qual todas as coisas do mundo deveriam ser, ou perpassar pela via do divertido. Por conta disto, Gilles Lipovetsky (2005), sociólogo francês, apontou em um de seus livros – "A era do vazio" da década de 1980 –, que estaríamos vivendo imersos em uma Sociedade Humorística, na qual o código e o discurso humorístico permeariam as mais diversas práticas discursivas e sociais.

Entretanto, é curioso notar que esta proliferação e disseminação do humor por toda parte não está contemplada de todo, ou provoca uma ressonância maior na produção intelectual e acadêmica atuais, as quais somente acompanham, de maneira tímida, essa relevante manifestação humana. Quando não a encaram simplesmente como tema menor ou desimportante para o fazer acadêmico.

O livro "Do que riem as pessoas inteligentes?: Uma pequena filosofia do humor" de Manfred Geier – pensador nascido em 1943, na cidade de Troppau/República Tcheca, formado em Germanística, Filosofia e Teoria Política pelas universidades de Frankfurt, Munique e Marburg e Doutor em Teoria da Linguagem e Linguística Norte-Americana pela Universidade de Marburg –, publicado originalmente em alemão no ano de 2006 e que somente chegou ao Brasil no ano de 2011 pela editora Record, traduzido pelas mãos de André Delmonte e Kristina Michahelles, apresenta-nos uma tese do porquê de o riso e do humor terem sido relegados dentro do pensamento filosófico e intelectual ocidentais, bem como, nos traz uma outra visão histórica, na qual tais manifestações (riso e humor) são inseridas e abarcadas por proeminentes pensadores da humanidade.

Manfred Geier, já no prólogo da obra que resenhamos, descreve uma das ideias centrais em que o texto está apoiado, qual seja: a de que foi dentro das tradições socrática e platônica que o riso fora expurgado da Filosofia, pois tais filósofos gregos introduziram uma seriedade moral e um rigor gnoseológico que não permitiam aos pensadores tratar do riso ou sequer rirem. Como um forte contraponto a Platão, Demócrito, pensador que vivera no mesmo período histórico, inaugurou outra perspectiva filosófica, na qual o riso estava amplamente presente e abarcado. Podemos, inclusive, afirmar que o livro de Geier é uma tentativa de resgatar e recapitular tal cosmovisão filosófica. Para isto, o autor tcheco busca através do riso e das motivações do mesmo compreender sobre o que as pessoas riem e, concomitantemente, demonstrar que existiram filósofos ridentes "[...] em cuja vida e obra o humor [...] desempenhava um papel importante." (GEIER, 2011, p. 10-11).

No primeiro capítulo, "O riso é expulso da filosofia", Geier inicia as discussões discorrendo acerca da importância de Platão para a filosofia e o filosofar ocidental, apontando que, de certa forma, o método platônico se embasava em um estilo que privilegiava a seriedade, investindo nesta como o marco essencial ao verdadeiro amante da sabedoria. Para explicar esse rechaço platônico de que não poderiam existir filósofos ridentes, Geier recorre a uma metáfora curiosa. Segundo o autor tcheco, dentro da perspectiva platônica, o filósofo que ri é uma contradição inexorável como uma madeira metálica ou um leite preto.

Já no segundo capítulo da obra, "A história do filósofo que ri", o autor se atém ao filósofo que rivalizava com Platão: Demócrito, o qual teve um estilo de vida e de filosofia bem distintos do sério ateniense, uma vez que não tivera discípulos, não fundou escola alguma, não procurou reconhecimento social e tão pouco se manifestava no meio político. Nesta parte do texto, é notável aquilo que fora colocado anteriormente no prólogo, pois Geier enaltece fartamente o filósofo que ri, apontando a imensidão do quanto este sabia e buscava saber, afirmando que a ideia de Demócrito acerca da origem de tudo é única e fundada em um modelo atomista, onde coexistem os átomos e o vazio no qual aqueles se movem. Todavia, o riso é o aspecto mais salientado ao longo das páginas, algumas frases de Demócrito são elencadas e ilustrativas deste espírito ridente, tais como: "somente os tolos vivem sem alegria de viver"; "o melhor para os homens é passar a sua vida o máximo possível com alegria e se render o menos possível a um humor tristonho".

Ainda para proceder este resgate a Demócrito, Manfred Geier elenca os muitos pensadores que se utilizaram da perspectiva humorística do filósofo ridente, tais como, dentre outros: os oradores Cícero, Horácio, Sêneca (Geier aponta este, em particular, como um dos grandes popularizadores de Demócrito); o humanista Erasmo de Roterdã que em seu "Elogio da Loucura" (1508) exaltou, tal como Demócrito apregoava, o divertir-se impunemente com a vida humana; o escritor François Rabelais, o qual se filiava tão profundamente com a ideia de cômico do filósofo ridente que em seu tempo (no século XVI) era corrente que as pessoas os integrassem em uma cultura comum do riso.

Nos capítulos seguintes, Geier dá um salto histórico e enfoca os pensadores do século XVII em diante. São citados, como uma tríade filosófica: Christoph Martin Wieland (1733-1813), escritor alemão que em seus livros retomou Demócrito e Diógenes, outro filósofo que viveu no mesmo tempo histórico que Platão, além de igualmente ser antagonista da seriedade e da sisudez platônica – entretanto, Geier redargui que Wieland "limpou" e romantizou ambos os pensadores da antiguidade, sendo razoavelmente anacrônico ao descrevê-los e imputar-lhes características do humor que emergiam apenas no século XVIII; Anthony Ashley Cooper (1671-1713), ensaísta inglês que enaltecia o ridículo como forma de esclarecimento e atentava para a liberdade de zombaria que deveria existir a fim de se cultivar a civilidade – vale as ressalvas de que Cooper fora Conde, o que lhe restringia o conceito do que é civilidade, e de que suas ideias de promover o esclarecimento se encerravam no espírito iluminista da época; Immanuel Kant (1724-1804), nas palavras de Geier, um "filósofo livre-pensador", o qual – apesar da fama de ter sido um homem seco, mal-humorado, nada afeito ao prazer –, segundo depoimentos de seus alunos, era afável e detinha um bom humor, além do que, em suas primeiras obras, dizia que a "Razão é sublime, a Graça é bela" e, embora afirmasse que o riso não provocava reflexão alguma, sendo mero reflexo mecânico do corpo humano, entendia que rir era algo saudável e curativo. Adiante, Geier radiografa ideias relacionadas ao riso e ao discurso humorístico por parte de vários outros pensadores importantes, como: Montaigne, Descartes, Schopenhauer, Kierkegaard, Bergson, Heidegger, Freud.

Finalmente, àqueles que se interessam pela temática do humor e procuram por literatura acadêmica e filosófica acerca do assunto, este livro de Manfred Geier cumpre seu papel de resgatar o discurso humorístico e suas características principais (ironia, cinismo, mordacidade) em figuras proeminentes do pensamento ocidental. Além disto, o autor nos aponta, em suas muitas notas de fim, diversas referências que, mesmo em língua pouco usual ao público brasileiro (boa parte das obras referenciadas estão em alemão, embora diversas delas já tenham traduções em português ou em espanhol), instigam o leitor a procurar conhecer mais tanto os autores citados, como, principalmente, os textos que estes escreveram justamente sobre tema principal do livro de Geier: o discurso humorístico.

 

Bibliografia

Geier, M. (2011). Do que riem as pessoas inteligentes?: Uma pequena filosofia do humor. Rio de Janeiro: Record.

Lipovetsky, G. (2005). A era do vazio. Barueri, SP: Manole.

 

 

Recebido: 11 de maio de 2013.
Aprovado: 26 de novembro de 2013.