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Revista de Psicologia da UNESP

On-line version ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.14 no.1 Assis Jan. 2015

 

Artigo

 

A produção de Dante Moreira Leite (1927-1976) na compreensão das relações étnico-raciais no Brasil

 

The production of Dante Moreira Leite (1927-1976) in the understanding of ethnic-racial relations in Brazil

 

 

Renata Rocha Tsuji da CunhaI, Alessandro de Oliveira dos SantosII

I,II Universidade de São Paulo / Instituto de Psicologia

 

 


RESUMO

Este artigo analisa como as categorias raça, povo, preconceito racial e racismo são compreendidas e se articulam nas produções de Dante Moreira Leite (1927-1976), procurando dar visibilidade ao pensamento desse psicólogo social sobre as relações étnico-raciais no Brasil. Desde suas primeiras produções, o autor demonstra sua contraposição ao preconceito, à intolerância e à dominação, e critica os paradigmas positivistas e etnocêntricos dos ideólogos brasileiros até meados do século XX, rompendo com a visão de que o Brasil seria um país marcado pela cordialidade e pela harmonia entre os grupos raciais. Com essa crítica, contribui para o enfrentamento da invisibilidade do racismo e do preconceito racial pela psicologia social brasileira. No entanto, como autor de determinado período histórico, cultural e político, Dante ainda mobiliza e afirma a categoria raça, não em seu sentido social, utilizado na atualidade como dispositivo para construir e manter privilégios, mas no sentido biológico, como explicação e justificativa para desigualdades e diferenças.

Palavras-chave: Dante Moreira Leite; psicologia social; relações étnico-raciais; racismo; caráter nacional brasileiro.


ABSTRACT

This paper analyses how the categories race, people, racial prejudice and racism are understood and articulated in Dante Moreira Leite the theoretical productions (1927-1976), seeking to give visibility to the thought of this social psychologist on ethnic-racial relations in Brazil. Since his first productions, the author demonstrates his opposition to prejudice, intolerance, and domination. He also criticizes the positivist and ethnocentric paradigms of Brazilian ideologues until mid-twentieth century, breaking with the view that Brazil is a country marked by cordiality and harmony between racial groups. It was very helpful to confront the invisibility of racism and racial prejudice by Brazilian social psychology. However, as an author of early twenty century, Dante still mobilizes and affirms the category race, not in its social sense (used today as a device to build and maintain privileges), but in its biological sense, as an explanation and justification for inequalities and differences.

Keywords: Dante Moreira Leite; social psychology; ethnic-racial relations; racism; Brazilian national character.


 

 

Introdução

Dante Moreira Leite (1927-1976) foi um dos principais autores em Psicologia Social entre as décadas de 1950 e 1970. Desde sua graduação em Filosofia, interessava-se pelo estudo do pensamento brasileiro disseminado em produções culturais, especialmente na literatura. Em suas primeiras produções procurou analisar os conceitos morais, o preconceito racial e o patriotismo presentes nos livros didáticos.

Doutorou-se em Filosofia pela USP em 1954 com a tese Caráter nacional brasileiro: estudo de ideologias e estereótipos – hoje, um clássico para a psicologia. Nela, procurou desvendar os preconceitos e os estereótipos subjacentes às teorias sobre o caráter nacional presentes na produção literária brasileira. De 1959 a 1970, foi professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, ministrando disciplinas de Psicologia e de Psicologia Educacional no Departamento de Pedagogia. Em 1964, tornou-se Livre Docente em Psicologia Educacional, com o estudo Psicologia e Literatura, que fundamentou um campo mais amplo de investigação, resultando em A literatura infantil e o desenvolvimento da criança. Em 1973, obteve o título de Professor Titular no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, onde foi chefe de departamento e, posteriormente, diretor.

Dante realizou estudos em psicologia e educação, psicologia e literatura, personalidade e cultura, desenvolvimento infantil, entre outros. De forma geral, suas pesquisas estiveram voltadas para a área de psicologia social, dialogando com a filosofia, a sociologia e a antropologia (Bosi, 2000; Paiva, 2000; Franco et al., 2006). Para Schimidt e Neves (20001), a obra de Dante ocupa “um lugar de intersecção entre a Psicologia e a Literatura, entre o discurso racional-científico e o artístico, remetendo a certa interdisciplinaridade”.

Ao todo, publicou cinco livros: O Caráter Nacional Brasileiro: História de uma Ideologia (1954/1969); Psicologia e Literatura (1964); O Amor Romântico e Outros Temas (1964); Psicologia Diferencial (1966) e O Desenvolvimento da Criança: Leituras Básicas (1972). Também publicou cerca de 60 artigos, em periódicos e jornais, versando sobre seus temas de pesquisa. Dante foi ainda bastante ativo como tradutor: foram 47 títulos traduzidos, na grande maioria, livros e manuais de Psicologia.

Este artigo analisa como as categorias raça, povo, preconceito racial e racismo são compreendidas e se articulam nas produções de Dante, dando visibilidade ao pensamento deste psicólogo social sobre as relações étnico-raciais no Brasil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental de sua produção sobre o tema, no Centro de Documentação (CEDOC) e no Centro de Memória da Biblioteca do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Foram selecionadas as seguintes produções para análise de conteúdo e produção de resenhas críticas: o artigo Preconceito racial e patriotismo em seis livros didáticos primários brasileiros (1950); e os livros O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia (1969/2007) e Psicologia diferencial e estudos em educação (1966/2008).

Raça, povo e preconceito racial

No livro Psicologia diferencial, o autor preocupa-se em relativizar a objetividade científica e pondera que o/a pesquisador/a não permanece neutro/a, pois sempre há certo enviesamento oriundo de suas convicções e objetivos que interfere na realidade estudada e em como ela será compreendida. Assim, em um extremo estariam aqueles/as que consideram que os indivíduos são distintos e que as diferenças entre eles seriam insuperáveis. No outro extremo, estaria o princípio de que todos são fundamentalmente iguais e que as diferenças se devem exclusivamente a fatores de desenvolvimento. Aceitar um ou outro princípio, por conseguinte, interferirá nos resultados almejados e alcançados.

Quando se supõe que os negros são menos capazes de aprender, admite-se igualmente que a criação de escolas para negros seria um desperdício econômico. (...) Por isso, o princípio tende a ser confirmado na realidade, pois, sem escolas que permitam seu desenvolvimento, é provável que as mulheres e os negros terminem por ser menos competentes do que os homens e os brancos, respectivamente (Leite, 1966/2008, p.16).

Para Dante, ainda que, do ponto de vista moral, todos os indivíduos devam ser considerados basicamente iguais e merecedores das mesmas oportunidades e direitos, as possíveis diferenças psicológicas entre eles não são eliminadas, nem a efetiva necessidade de diferenciação existente na sociedade contemporânea, especialmente no contexto do mundo do trabalho.

O autor define raça como uma “designação de grupos com características físicas hereditárias e semelhantes”. Assim, “tem sentido falar em raça branca ou negra, mas é absurdo falar em raça alemã, brasileira” (Leite, 1966/2008, p.97). Dessa forma, a raça está relacionada exclusivamente a aspectos físicos e hereditários, em especial, a cor da pele. Já o conceito de povo ora está mais próximo de etnia, como um conjunto de indivíduos que histórica ou mitologicamente têm um mesmo ancestral, uma língua em comum, mesmas religião e cultura, e compartilham o mesmo território (Guimarães, 2003); ora de grupos nacionais como, por exemplo, alemães, brasileiros e norte-americanos. Dante relaciona, por exemplo, povo ao etnocentrismo, o que parece confirmar sua possível identificação com o conceito de etnia: “quase todos os povos se caracterizam pelo etnocentrismo, isto é, a supervalorização de seus costumes e criações, e a desvalorização de outros povos” (Leite, 1966/2008, p.15). Entretanto, em outro trecho, raça e povo parecem confundir-se e mesclar-se: “Na maioria dos casos os indígenas americanos [raça/povo] tinham desenvolvimento técnico muito inferior ao dos europeus [povo], e sua cultura foi quase inteiramente destroçada pelo contato com os brancos [raça]” (Leite, 1966/2008, p.115, grifos do autor).

No que concerne às diferenças entre as raças, Dante realiza uma breve revisão histórica e conclui que a grande maioria dos/as psicólogos/as de seu tempo já admitia que essas diferenças, principalmente de inteligência, podiam ser explicadas pelas diferentes condições econômicas e educacionais a que estão submetidos os grupos raciais. Ele afirma que, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, negros/as se destacam em domínios que não exigem educação formal prolongada, como os esportes e a arte-popular, e que, principalmente, não apresentam preconceitos muito acirrados contra sua participação. Ou seja, ter maior habilidade para o futebol, por exemplo, não constitui uma característica racial de negros/as, mas se deve ao fato de aí encontrarem oportunidades para expressar-se e desenvolver-se, o que com frequência não acontece em outros campos da vida social. Nesse sentido, pode-se concluir que “as características psicológicas aparentemente ligadas às raças decorrem de suas condições de vida, transformando-se de acordo com essas” (Leite, 1966/2008, p.102).

Isso porque, “quando dois grupos raciais vivem numa mesma sociedade, quase nunca têm direitos e oportunidades iguais. Geralmente, um dos grupos foi dominado pelo outro, seja pela guerra, seja pela situação econômica” (Leite, 1966/2008, p.103). Indígenas e negros/as constituem um exemplo dessa dominação no Brasil e, “como têm características físicas distintas, podem ser facilmente identificados, e dificilmente são aceitos como iguais pelo grupo dominante” (p.103). Para Dante, do ponto de vista econômico, o preconceito cumpre a função de manter os privilégios do grupo dominante, por dificultar a ascensão social do grupo dominado e impedir uma possível competição. Porém, do ponto de vista psicológico, a situação é mais complexa e os sentimentos que se desenvolvem, tanto em dominadores quanto em dominados, “são muito intensos e contraditórios, o que torna impossível o estabelecimento de uma regra fixa e imutável para sua descrição” (p. 104). Em muitos casos,

O grupo dominante tende a atribuir características indesejáveis ao grupo dominado, e a justificar, por meio delas, a situação de inferioridade em que se coloca este último. Em contrapartida, o grupo dominado, pelo fato mesmo de o ser, tende a ver-se com os olhos do grupo dominante, e a identificar-se com este. O processo é compreensível, pois todas as influências estéticas e morais a que está submetido são impostas pelo grupo dominante. (...) [Chegando a] sentir preconceito contra seus semelhantes, pois esta é a forma de continuar a identificar-se com o grupo dominante (Leite, 1966/2008, p.104).

Ao final, o autor analisa a psicologia do povo brasileiro. Para ele, os/as brasileiros/as e os povos americanos tendem a se desvalorizar. Sua hipótese é que os americanos não tiveram uma cultura que pudesse se opor à europeia e, depois de dominados, passaram a ver-se com os olhos dos dominadores e a acatar as características indesejáveis que estes lhes atribuíam. Quanto à suposta tolerância do brasileiro, Dante pondera:

Se pensarmos nas relações entre grupos raciais no Brasil, podemos ter a impressão de menos conflito que na região sulina dos Estados Unidos ou da África do Sul. Essa impressão pode ser falsa, pois a situação de inferioridade do grupo negro ainda não permite que este ameace diretamente o grupo branco; a tolerância neste caso não é um sentimento democrático, mas paternalismo do grupo dominante (Leite, 1966/2008, p.119).

Para Dante, diversos intelectuais brasileiros procuravam compreender e justificar o porquê de o Brasil não ter progredido como os Estados Unidos, apontando diferentes aspectos como o problema educacional, a colonização portuguesa, a miscigenação entre as raças, ou ainda culpabilizando as camadas mais pobres da sociedade, formadas majoritariamente por negros/as – “no Brasil, como nos Estados Unidos, a teoria da superioridade racial tem sido empregada pelos grupos conservadores como justificativa do preconceito não só de raça, mas também de classe” (Leite, 1966/2008, p. 122). As descrições de características psicológicas daí decorrentes seriam mais uma forma de explicar o atraso do país, o que Dante considera um absurdo, já que as diferenças psicológicas não poderiam ser compreendidas como explicação de condições sociais, uma vez que estas é que determinam as características psicológicas, que só depois irão interagir com e sobre o meio.

Em 1950, Dante publica no Boletim 3 de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP o artigo intitulado Preconceito Racial e Patriotismo em Seis Livros Didáticos Primários Brasileiros, onde analisa livros didáticos adotados desde o final do século XIX até os anos 1940, explicitando o preconceito racial dos autores desses livros. Para Dante, o preconceito racial é um “juízo, certo ou errado, não justificado logicamente, que se faz de uma raça, seja a nossa ou não” (Leite, 1950, p. 207, grifo do autor). Ele percebe que, tanto nos casos de patriotismo como de preconceito racial, há uma seleção do real: cria-se uma realidade específica, muitas vezes deformada, adaptada para servir ao objetivo que se propõe. Nos livros analisados (Livros de João Köpke, Terceiro Livro de Leitura de Arnaldo de Oliveira Barreto e Romão Puiggari, Nosso Brasil de Luiz Amaral Wagner, Alma de meu paiz de Isabel V. Serpa e Paiva e Meninice de Luiz Gonzaga Fleury2), a população negra pouco aparece e, quando aparece, ora é retratada em situação social inferior à de brancos/as, ora como digna de piedade, ora, ainda, como raça inferior. Em uma descrição de Homem, de Luiz Gonzaga Fleury, por exemplo, a raça branca é definida como “a mais bela e a de mais poderosa inteligência”. Dentre os livros, apenas um, de Luiz Amaral Wagner, combate o preconceito racial argumentando pela igualdade entre as raças. Neste livro, um pai explica ao filho que a raça negra é igual à branca e que não há raças superiores, mas desigualdade de recursos para elevar o nível material e cultural. A ausência de negros/as nas histórias ou sua apresentação unicamente como empregados/as podem ser interpretadas como desprezo, colocando-os em um plano diferente de brancos/as:

Por essas histórias, pensamos poder ver a atitude dos autores diante da raça negra: colocá-la numa situação inferior à branca. Não existe condenação explícita (...) a maneira de ver a posição das raças se traduz pelo lugar destinado aos negros no mundo social (Leite, 1950, p.216, grifo do autor).

Sendo assim, mais importante do que notar as atitudes de preconceito racial explícito seria notar a forma pela qual tal fenômeno estava revestido. Para o autor, o que nos tem feito pensar que nós, brasileiros, não temos preconceito racial é que a nossa ideia de preconceito é modelada e pautada pela forma de preconceito em outros países, principalmente os Estados Unidos. Se lá o preconceito racial é “ativo e combatente”, aqui configura-se como desprezo e certa sensação de superioridade da raça branca, muitas vezes, traduzida em piadas, ditos jocosos e “caracterização das raças através de uma caracterização do ridículo” (Leite, 1950, p. 226).

Por fim, no artigo, Dante mostra possíveis interlocuções entre sentimento patriótico e preconceito racial: a noção do estrangeiro oposta à do natural da terra e o fato de se utilizar o patriotismo para se desculpar a raça contra a qual se tem preconceito. Nesse sentido, parece aproximar o preconceito racial do etnocentrismo: considerando que o preconceito racial pode estar relacionado à exaltação dos próprios hábitos culturais como os únicos certos ou bons.

O preconceito, seja em relação a raças seja em relação a povos, é sempre um conjunto de sentimentos irracionais, justificado a partir de falsas racionalizações. Para exemplificar, Dante afirma que, na Alemanha, onde não existia um grupo racial negro, o povo judeu era descrito com características semelhantes àquelas atribuídas a negros/as nos Estados Unidos. Mas, enquanto o preconceito contra judeus e judias era justificado por sua suposta ambição e usura, o preconceito contra negros/as era justificado pelo motivo oposto: falta de ambição e conformismo. Assim, é possível perceber a contradição dessas racionalizações, que cumprem a função social de evitar a competição com o grupo dominante e garantir a manutenção de seus privilégios (Leite, 1966/2008). Destarte, se o preconceito cria descrições negativas de grupos que convivem numa mesma sociedade, o etnocentrismo tende a atribuir características indesejáveis a grupos estranhos ou estrangeiros. Em casos extremos, como aqueles ocorridos durante a colonização americana e o holocausto, um povo tende a considerar-se o único verdadeiramente humano, e a admitir todos os outros como desprovidos de qualquer humanidade e, portanto, destinados unicamente à submissão e/ou ao extermínio.

Paiva (2000, p.8) afirma que Dante em suas produções “assimila o preconceito racial ao preconceito de classe ou, ao menos, associa muito intimamente um ao outro”. Nesse artigo sobre os livros didáticos, porém, Dante parece diferenciá-los, considerando a questão racial para além das desigualdades de classe:

É difícil saber até que ponto a atitude de desprezo pelo negro vem do fato de ele ser de outra situação na sociedade ou se, pelo contrário, (...) por ser negro deve estar nessa situação. A indicação que temos é que [nos livros didáticos] aparecem outros pobres, brancos, que, pela sua honradez, são exemplos para os meninos: não aparece nenhum preto nessa situação (Leite, 1950, p. 217).

O preconceito racial tem, portanto, a função de assegurar e justificar a estabilidade social e os privilégios de brancos/as, na medida em que cristaliza noções sobre a suposta inferioridade de negros/as.

O racismo

Em 1969, Dante revisou sua Tese de Doutorado e publicou o livro O caráter nacional brasileiro, isto é, a atribuição ao povo brasileiro de características psicológicas descritas como típicas. Nessa obra, procurou mostrar a inconsistência do conceito de caráter nacional, por ser um fenômeno social marcado por estereótipos e preconceitos, carregado de valores subjetivos e culturais, cuja principal função era justificar a continuidade de formas de dominação entre classes sociais e povos.

O racismo é compreendido, nesse contexto, como uma ideologia que justifica as diferenças entre classes e castas, dentro de um mesmo grupo, e o domínio de uns povos por outros. Dante circunscreve a primeira expressão do racismo em Aristóteles, para quem algumas raças estariam destinadas à escravidão, enquanto outras ao governo. Esse princípio iria perdurar ao longo da época áurea do racismo – entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. Continuando numa perspectiva histórica, Dante comenta a obra do Conde de Gobineau, figura emblemática das teorias sobre o racismo no século XIX, em cuja produção se encontra mais nitidamente a identificação entre raça e classe social; isto é, o racismo aparece nitidamente como justificativa para as diferenças e desigualdades entre as classes sociais.

A teoria de Gobineau exaltava a suposta supremacia da nobreza e legitimava a dominação de europeus sobre outros povos. Mais tarde, com a teoria nazista, o racismo deixaria de ser a justificativa para a dominação de determinadas classes para se tornar uma teoria sobre “povos senhores e povos escravos” (Leite, 1969/2007, p.38); e, assim, passaria de uma teoria de classes para uma teoria de nações. Em seu momento áureo, o grande prestígio do racismo devia-se à sua própria constituição, como justificativa para a expansão imperialista e o domínio branco, ao mesmo tempo que era endossado pela teoria evolucionista, na qual as raças estariam em diferentes graus de evolução e sobreviveriam apenas os racialmente mais fortes e mais capazes.

Os estudos sobre caráter nacional, contemporâneos a Dante, revelavam um nacionalismo exacerbado, “capaz de substituir ideologicamente o racismo (...) no momento em que o racismo já não pode ser a justificativa do imperialismo, este se justifica por características psicológicas, supostamente criadas pelos processos educacionais de determinadas culturas” (Leite, 1969/2007, p.166). Nos países menos desenvolvidos em termos econômicos, como é o caso do Brasil, os estudos de caráter nacional procuravam, especialmente, explicar as diferenças e desigualdades com relação à situação dos países mais ricos. Assim, após a exposição de um panorama sobre os estudos de caráter nacional, Dante focaliza os estudos sobre o caráter nacional brasileiro, desde os tempos coloniais até a década de 1950, com destaque para a análise da produção de intelectuais como Silvio Romero, Afonso Celso, Euclides da Cunha, Raimundo Nina Rodrigues, Oliveira Viana, Arthur Ramos, Manuel Bonfim, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Florestan Fernandes.

Já nos poemas nativistas da fase colonial, referentes à descrição e à celebração do Brasil e dos brasileiros, Dante identifica a existência de preconceito contra os mestiços. Porém, é durante o período romântico que o conteúdo ideológico torna-se mais nítido, em especial no indianismo, pois os indígenas representavam apenas uma imagem idealizada do passado – muitas vezes mítico – não constituindo, portanto, nenhuma ameaça à ordem vigente, sobretudo à escravidão. Nesse sentido, a suposta desadaptação do indígena ao trabalho era explicada, nesse período, como efeito de seu espírito livre e de sua coragem:

Os escritores, políticos e leitores identificavam-se com esse índio do passado, ao qual atribuíam virtudes e grandezas; o índio contemporâneo que, no século XIX como agora, se arrastava na miséria e na semi-escravidão não constituía um tema literário. (...) a idéia de que o índio não se adapta à escravidão servia também para justificar a escravidão do negro, como se esse vivesse feliz como escravo (Leite, 1969/2007, p.226).

Dos autores realistas do século XIX, marcados pelo pensamento cientificista, Dante destaca Sílvio Romero, que, de um lado, aceitava uma teoria aristocrática – o racismo – e esperava que o país progredisse com o branqueamento da população por meio da imigração europeia; e, por outro, quando descrevia a história econômica, não mobilizava a categoria raça, mas o sistema de propriedade e de trabalho. Dante sugere que suas obras eram marcadas pelo preconceito de raça e classe, ainda que de forma menos nítida que nos autores seguintes. Sílvio Romero foi o primeiro a enfrentar a questão de como um povo considerado (racialmente) inferior interpreta essa inferioridade. E essas ideias persistiram por muito tempo nas explicações sobre o Brasil e o caráter nacional brasileiro.

Já Afonso Celso, bastante nacionalista, na mesma época procurou ressaltar as qualidades das três raças formadoras do povo brasileiro, principalmente em comparação com outros povos. Considerava o preconceito de cor inexistente no Brasil, “como o provam várias leis portuguesas do período colonial, segundo as quais em determinados cargos não deveria haver distinção entre brancos e negros” (Leite, 1969/2007, p.260). Ao falar dos mestiços, porém, cita apenas o mameluco, fruto da união entre o branco e o indígena, e o cafuzo, resultante da união entre o indígena e o negro, ignorando a existência do mulato, o que Dante compreende como sinal de preconceito consciente ou inconsciente, já que o mulato seria o mestiço mais frequente no Brasil.

A literatura regionalista do século XIX, por sua vez, configura-se como um movimento contrário ao nacionalismo, pois procurava salientar as diferenças e peculiaridades de brasileiros/as de diferentes regiões do país. Em Os sertões de 1903, Euclides da Cunha terá dificuldades em aplicar as teorias raciais à realidade brasileira, entrando em contradição: por um lado, considera que não existia uma raça brasileira, por outro, considerava o sertanejo como uma raça autônoma, mais forte que os mestiços do litoral; e que, a partir dela, o Brasil poderia se desenvolver como nação autêntica, contrapondo-se à ideia de branqueamento para a formação da raça brasileira. De acordo com Dante, as observações de Cunha a respeito do mestiço pareciam corretas, embora as explicações estivessem erradas, pois as características observadas não se devem a fatores biológicos, mas sociais.

No capítulo dedicado às raças e aos mitos, tema que atravessa todo o livro, Dante inicia sua exposição pelo médico Raimundo Nina Rodrigues, em cujos escritos há exposições explícitas de preconceito racial. Em um de seus estudos sobre as diferentes raças e o Código Penal de 1894, por exemplo, ele sustenta que as “raças inferiores” – negros/as e indígenas – teriam uma mentalidade infantil e, portanto, não poderiam ser tão responsabilizados quanto as raças superiores pelo Código Penal. Para ele, a raça negra sempre iria se constituir como um dos fatores da inferioridade do povo brasileiro; e, se podia haver algum otimismo em relação ao futuro, devia-se ao fato de terem vindo para o Brasil alguns negros mais adiantados, considerados pelos antropólogos da época como ramos da raça branca. De acordo com Dante, “essa distinção sutil tem ainda outra vantagem para o branco: diante de um negro de indiscutível capacidade intelectual, é sempre possível dizer que pertence a esses falsos negros ou brancos disfarçados” (p.289). No entanto, Dante reconhece que coube a Nina Rodrigues realizar os primeiros levantamentos sobre a língua e a religião de matriz africana na Bahia; e, embora sustentasse uma teoria racista, parece ter se aproximado de uma concepção cultural do negro (Leite, 1969/2007, p.284).

Na obra de Oliveira Viana, de 1961, Dante destaca a falsidade de seus métodos e teorias, e sua fidelidade ideológica à aristocracia brasileira. Sua tese era a de que a desorganização e os defeitos do país começaram a partir da abolição do trabalho escravo em 1888; e, portanto, o Brasil precisava de um governo forte e autoritário para colocar “ordem na casa e devolver moralidade à senzala”. Para ele, as características psicológicas de um povo é que determinariam o tipo de colonização e a possibilidade ou não de ascensão social. Dessa forma, os motivos econômicos são ignorados ou apresentados como aspectos secundários (Leite, 1969/2007, p.302). Contudo, para explicar a origem das teorias de Oliveira Viana, Dante recorre a supostos aspectos psicológicos do autor – baseados na ideia de raça – e não às características sociais e históricas de seus escritos: Oliveira Viana era “mulato escuro, o que leva a supor que sua teoria do arianismo e da aristocracia era uma forma de identificar-se com o grupo dominante” (Leite, 1969/2007, p.292 e 305).

Arthur Ramos foi um dos primeiros autores a divulgar o conceito de cultura no meio intelectual brasileiro, como também interpretações psicanalíticas de mitologias e cerimônias religiosas de origem africana. Era um adversário das teorias de superioridade racial; no entanto, manteve-se preso a uma concepção evolucionista das diferenças entre os grupos raciais, “de forma que se o negro não é visto como raça inferior é analisado como possuidor de uma cultura atrasada, de que deve ser lentamente libertado” (Leite, 1969/2007, p.314).

Dante contesta a concepção de Arthur Ramos, mas, por outro lado, continua a hierarquizar as culturas em função de serem “mais ou menos adequadas”. Assim, considera que a população negra ainda mantém sua cultura – menos eficiente à realidade brasileira que à africana – devido à falta de acesso à cultura civilizada e às diferentes condições econômicas e sociais a que são submetidos os grupos raciais:

As culturas negras são tão verdadeiras quanto às brancas: basta pensar nas formas de habitação de um país frio e nas de um país quente para entender esse processo de ajustamento. Está claro que as culturas negras não deveriam ser mantidas integralmente no Brasil, pois aqui os negros estavam diante de uma cultura mais eficiente (...). Será que os negros tiveram acesso a essa cultura mais adequada para condições reais? (Leite, 1969/2007, p.317).

Em seguida, Dante comenta a obra de autores do início do século XX, que começavam a romper, em maior ou menor grau, com as teorias racistas e com a visão de inferioridade do povo brasileiro, como Manuel Bonfim, apontado como um autor incompreendido em sua época por ser nacionalista e socialista, num momento pouco favorável, em que a doutrina fascista ganhava defensores e simpatizantes. Bonfim defendia que, desde os tempos coloniais, o Brasil, como o restante da América Latina, padecia do parasitismo das nações europeias, o que resultou na degeneração e no conservadorismo da sociedade, que procurava manter uma situação de privilégio. Dessa maneira, considerava que a teoria de superioridade e inferioridade das raças era apenas uma “justificativa europeia para o domínio e escravização do resto da humanidade” (Leite, 1969/2007, p.335). Sustentava, ainda, que os supostos defeitos dos mestiços resultavam do deficit educacional e do abandono social em que viviam. Dante realça que Manuel Bonfim pôde perceber os equívocos das teorias raciais já no início do século XX; por outro lado, Bonfim ainda sustentava a ideia de transmissão biológica de traços psicológicos.

Em Casa grande & senzala, de 1933, Gilberto Freyre procurou explicar a História do Brasil a partir do processo de miscigenação e da organização da produção econômica: latifúndio, monocultura, trabalho escravo; e, especialmente, a família patriarcal brasileira, sua casa, a ocupação do território e as técnicas de produção. Dante afirma que, já na década de 1960, com a independência dos povos africanos e a luta de negros/as estadunidenses por direitos civis, as suposições de Freyre sobre as relações étnico-raciais pareciam inevitavelmente datadas e anacrônicas. Essa avaliação deve-se ao fato de que, ainda que dispusesse de uma teoria correta – a tese culturalista de Franz Boas, considerando as diferenças entre os grupos raciais como consequência do ambiente social, e não de características raciais inatas – , Freire ignorava os fatos e distorcia a realidade (Leite, 1969/2007, p.360). Freyre tinha acesso a uma ampla documentação da violência sofrida por negros/as escravizados/as, mas continuava a sustentar que, de modo geral, suas condições de vida na metade do século XIX eram melhores do que a de operários/as europeus da mesma época. Suas interpretações também eram contraditórias e partiam unicamente do ponto de vista da classe dominante, aproximando o autor das forças políticas mais conservadoras. Nesse sentido, Dante destaca os preconceitos raciais arraigados na classe dominante brasileira, revelados por Freyre:

A obra de Freyre revela uma profunda ternura pelo negro. Mas pelo negro escravo, aquele que ‘conhecia a sua posição’ – como o moleque da casa grande, como o saco de pancadas do menino rico, como cozinheira, como ama-de-leite ou mucama da senhora moça. Nesses casos, o branco realmente não tinha preconceito contra o negro, podia até estimá-lo. (...) E nada revela melhor esse preconceito contra o negro – ou, seria melhor dizer, essa atitude escravocrata – do que as idéias de Gilberto Freyre. (...) Para ele, o negro vivia melhor sob a escravidão do que no regime de liberdade de trabalho. (Leite, 1969/2007, p.372)

entanto, pondera Dante, Freyre compreendia a história brasileira como resultante do trabalho de dois grupos antagônicos – senhores e escravos / proprietários e trabalhadores – de forma que ultrapassava a parcialidade de outros autores da época, e salientava a contribuição negra, “ainda que se possa dizer que sua perspectiva indica apenas o pitoresco nessa contribuição” (Leite, 1969/2007, p.375).

Para Sérgio Buarque de Hollanda, por sua vez, a cordialidade seria o traço fundamental do brasileiro. Dante se contrapõe, dizendo que a suposta cordialidade muitas vezes é expressão de paternalismo, pois, como a distância entre as classes sociais é muito grande, a classe dominante acaba por ser condescendente com a classe dominada, contanto que essa não ameace seu domínio. E,

(...) essa mesma distância mascarou o preconceito racial no Brasil: os negros, colocados em situação que não ameaça os brancos, são tratados cordialmente. No entanto, quando os negros ameaçaram essa posição, foram tratados com crueldade: é suficiente lembrar a história do bandeirante que exibia as orelhas dos negros mortos em Palmares. (Leite, 1969/2007, p.387)

Nos últimos capítulos, Dante apresenta os rumos dos estudos realizados a partir da década de 1950, considerado como um período de “superação das ideologias”, que se dá devido à acentuação da industrialização brasileira, quando a economia e a luta pela independência econômica substituem as explicações da inferioridade nacional. Outro aspecto importante de ruptura com as teorias de caráter nacional refere-se à crítica sobre as teorias racistas. A partir da década de 1950, foram iniciadas novas pesquisas sobre as relações étnico-raciais, indicando que o Brasil não é um país sem preconceito racial; “é a partir daí que o negro deixa de ser analisado pelo seu aspecto religioso, ou pelas sobrevivências religiosas na cultura brasileira, para ser analisado como parte da sociedade” (Leite, 1969/2007, p.420). O estudo de Florestan Fernandes de 1965 é citado como o mais significativo para mostrar “as raízes da desorganização do grupo negro, bem como sua impossibilidade de integração numa sociedade que se industrializa, e na qual encontra a competição de imigrantes brancos” (Leite, 1969/2007, p.421).

No Brasil, principalmente no período considerado por Dante como a fase da ideologia do caráter nacional brasileiro, que se estende de 1880 a 1950, a teoria racial é aceita para justificar o domínio das classes mais ricas, além de explicar o atraso do país pela existência de raças inferiores e mestiças. Para explicar por que essas teorias foram aceitas, Dante afirma que:

De um lado, como sua aceitação coincide com a abolição da escravatura, poder-se-ia pensar que as teorias racistas constituem a forma de defesa do grupo branco contra a ascensão social dos antigos escravos. De outro, poderia ser apenas a justificativa para a manutenção desses grupos numa condição de semi-escravidão. E assim como os europeus justificavam seu domínio pela incapacidade dos povos mestiços, as classes dominantes justificavam seus privilégios pela incapacidade de negros, índios e mestiços. (Leite, 1969/2007, p.433).

A teoria culturalista, adotada a partir dos anos 1950, por outro lado, às vezes foi empregada pelos ideólogos brasileiros como outra teoria para justificar a inferioridade não de raças, mas de estágios culturais, aproximando-se do racismo e produzindo efeitos semelhantes, pois “como a história e a cultura são criadas pelo homem, é freqüente que a biologia, expulsa pela porta da frente, acabe voltando pela porta dos fundos” (Leite, 1969/2007, p.171).

Em suas produções posteriores, O caráter nacional (1969/2007) e Psicologia Diferencial (1966/2008), o racismo aparece como justificativa para a dominação entre classes sociais e de uns povos por outros. No Brasil, mais especificamente, a teoria racista se volta ao conteúdo “mais primitivo”, empregada como “arma na luta de classes, pois também no Brasil a linha de classes tende a coincidir com a linha das raças” (Leite, 1969/2007, p.38, grifo nosso). Dessa maneira, para Dante não havia uma identidade a priori entre as diferenças e desigualdades de raça e classe social, mas uma coincidência forjada ideologicamente para justificar a exploração e dominação socioeconômica, pois o racismo “sempre teve o caráter de justificativa para as desigualdades entre classes e povos” (Leite, 1969/2007, p.39).

Assim, Dante denunciou a forte conotação racista do pensamento ideológico e do caráter nacional brasileiro, uma vez que as características pessimistas neles estabelecidas se destinavam às classes pobres constituídas, em grande maioria, por mulheres e homens negros descendentes de escravos (Graciano, 1976; Bosi, 2000; Paiva, 2000). Nesse contexto, Dante afirma que a situação vivenciada após a independência do Brasil pouco contribuiu para a alteração desse quadro social, já que a escravidão – principal questão da vida social e econômica do país – não era discutida pela classe dominante, e a classe dominada não tinha acesso à cultura. “É isso que, provavelmente, dá a grande parte da vida intelectual brasileira o seu caráter de fuga, de maneira de evitar e não enfrentar os problemas raciais” (Leite, 1969/2007, p.384).

Considerações Finais

Revisitar a produção de autores/as em psicologia que se debruçaram sobre as relações étnico-raciais é importante para (re)construir as raízes do pensamento psicológico brasileiro acerca deste tema, e também para mostrar que a psicologia, sobretudo a social, constituiu-se e sempre esteve voltada à compreensão das diferenças e desigualdades no país. A análise das produções de Dante revela sua preocupação no que concerne às diferenças: “o tema da diferença apresenta-se como uma espécie de fio que perpassa as obras” (Schmidt & Neves, 20113). Desde suas primeiras produções, Dante demonstra contraposição ao preconceito, à intolerância e à dominação, o que irá se estender por outras obras.

Dante relaciona a categoria raça a aspectos físicos e hereditários, em especial, à cor da pele; já a categoria povo está mais próxima do conceito de etnia e/ou de grupos nacionais. Contudo, em alguns trechos de suas obras, tais categorias aparecem associadas ou fundidas. O preconceito racial, por sua vez, refere-se a um conjunto de sentimentos irracionais supostamente justificados a partir de falsas racionalizações. O racismo, por fim, é compreendido como uma ideologia que justifica as diferenças entre classes e castas dentro de um mesmo grupo, além de justificar também o domínio de uns povos por outros.

Em suas produções, o autor critica os paradigmas positivistas e etnocêntricos dos estudos de ideólogos/as brasileiros/as produzidos até meados do século XX, rompendo com a visão de que o Brasil seria um país marcado pela cordialidade e pela harmonia entre os grupos raciais. Portanto, Dante contribui para o enfrentamento da invisibilidade do racismo e do preconceito racial pela psicologia social brasileira.

No entanto, ao mesmo tempo que se contrapõe ao racismo, em diversos momentos, Dante mobiliza e afirma a categoria raça (compreendida como um dado biológico) como explicação e justificativa para desigualdades, diferenças e, até mesmo, como objeto de estudo e teorizações de seus interlocutores – como no caso de Oliveira Vianna – ou na hierarquização entre as culturas negras e brancas. Dessa maneira, Dante incorre naquilo que Schucman (2010, p.44) caracteriza como racismo brasileiro atual:

Considero racismo qualquer fenômeno que justifique as diferenças, preferências, privilégios, dominação, hierarquias e desigualdades materiais e simbólicas entre seres humanos, baseado na idéia de raça. Pois, mesmo que essa idéia não tenha nenhuma realidade biológica, o ato de atribuir, legitimar e perpetuar as desigualdades sociais, culturais, psíquicas e políticas à “raça” significa legitimar diferenças sociais a partir da naturalização e essencialização da idéia falaciosa de diferenças biológicas que, dentro da lógica brasileira, se manifesta pelo fenótipo e aparência dos indivíduos de diferentes grupos sociais.

Nesse sentido, podemos concluir que a categoria raça nas produções de Dante, como autor de determinado período histórico, cultural e político, não remete à ideia de raça social conceituada na atualidade – isto é, baseada em “constructos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios” (Guimarães, 1999, p. 153) – mas, pelo contrário, aproxima-se da ideia de raça biológica elaborada pelos teóricos da ciência moderna, entre os séculos XIX e XX.

 

Bibliografia

Bosi, E. (2000). Dante Moreira Leite: Mestre da Psicologia Social. Psicologia, USP, 11(2), 15-23.         [ Links ]

Graciano, M. (1976). Dante Moreira Leite face a preconceitos e ideologias sobre caráter nacional. Cadernos de Pesquisa, 17, 9-12.         [ Links ]

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Guimarães, A. S. A. (2003). Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, v.29, 93-107.         [ Links ]

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Leite, D. M. (2007). O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia (7ª ed. rev. ampl.). São Paulo: Editora Unesp.         [ Links ]

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Paiva, G. J. (2000). Dante Moreira Leite: um pioneiro da psicologia social no Brasil. Psicologia USP, 11(2), 25-57.         [ Links ]

Schmidt, M. L. S. & Neves, T. F. S. D. (2000). Dante Moreira Leite: ciência psicológica, interdisciplinaridade e diferença. Psicologia USP, 11(2), 59-88. Recuperado em 8 de Janeiro de 2014, de:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642000000200004&script=sci_arttext        [ Links ]

Schucman, L. V. (2010). Racismo e Antirracismo: a categoria raça em questão. Psicologia Política, 10(19), 41-55.         [ Links ]

 

 

Recebido: 24 de fevereiro de 2015.
Aprovado: 20 de março de 2015.

 

 

Notas

1 Na versão online deste artigo não há especificação do número de página.

2 No texto, Dante não especifica o ano de publicação dos livros analisados.

3 Na versão online deste artigo não há especificação do número de página.

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