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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.15 no.1 Assis jan./jun. 2016

 

ARTIGOS

 

Os sentidos do trabalho e o papel das incubadoras de empreendimentos solidários do Paraná

 

The work of the solidarity business incubators at Paraná and their meanings

 

 

Rosely Jung Pisicchio

Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

A Economia Solidária vem crescendo e se desenvolvendo como forma alternativa de geração trabalho e renda. Este artigo resulta de pesquisa realizada junto às Incubadoras de Empreendimentos Solidários do Paraná e reflete sobre suas atividades e sobre o papel que desempenham no âmbito da Economia Solidária. O objetivo foi aproximar-se das cinco principais Universidades do Paraná e, por meio de entrevistas com os coordenadores e trabalhadores assessorados, entender como realizam o seu trabalho. Os resultados indicaram a relação dos envolvidos, suas dificuldades e os seus principais significados. Mostram-se ainda alguns dilemas políticos e estruturais pelos quais as Incubadoras passam e como elas podem se aprimorar para que a Economia Solidária possa ser um conhecimento gerado e fundamental para essas instituições.

Palavras-chave: Incubadora; Economia solidária; Processos identitários.


ABSTRACT

The solidarity economy has been growing and developing as an alternative way of work and income. This paper presents research about solidarity business incubators in the state of Paraná and will discuss their activities and explain the role played by them in the field of solidarity economy. The goal of the research investigated the process of work in incubators throw interview of workers and coordinator of the incubator in the five largest Parana s Universities. The results evince the relation between the people doing this work, their difficulties and the meanings attributed to work. The results also show some of the fundamental and political dilemmas that the incubators face on daily activities and how they can improve themselves.

Key-words: Incubators, Solidarity economy, Identity process.


 

 

Introdução

Ao longo da história da sociedade, o trabalho foi se modificando e passou a ocupar lugar central na vida da população. As críticas ao regime capitalista, o agravamento das condições de emprego e a falta de perspectivas de geração de trabalho e renda, com base nos modelos tradicionais, têm inspirado diversos movimentos sociais a construir alternativas. Nesse contexto, principalmente nas classes sociais com baixa qualificação, a Economia Solidária vem ocupando um espaço importante no mercado de trabalho. Nos últimos anos presenciamos vários trabalhadores se organizando em cooperativas, grupos informais etc.; um exemplo clássico é a dos catadores de materiais recicláveis. Esse tipo de iniciativa vem sendo apoiada por políticas governamentais, organismos internacionais, organizações não governamentais (ONGs), igrejas, universidades, o que torna a proposta alvo de estudos e objeto de pesquisas. Um marco para a Economia Solidária em nosso país foi a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária, em 2003, que possibilitou um maior alcance dessa modalidade de trabalho e auxilia os envolvidos com a temática.

Matrizes teóricas da Economia Solidária veem da tradição marxista e das teorias em torno dos movimentos sociais, bem como da sociologia econômica dos trabalhos de Karl Polany, que foi sociólogo pioneiro em destacar as relações entre economia, sociedade e cultura. Para esse autor, o sistema de ¨livre mercado¨ seria a causa da alienação dos seres humanos e de sua natureza externa, da subordinação e da racionalidade individualista (POLANY, 2000, p.4). Essas contribuições mostram com convicção a realidade plural da Economia Solidária e a sua profunda relação com o social e o político.

Nesse universo, destacam-se alguns conceitos da Economia Solidária que comportam distintas ênfases e abordagens, com diferentes sentidos e dimensões. Não é objetivo do artigo elencar todos os diferentes conceitos da Economia Solidaria; no entanto, autores como Razeto, um dos primeiros a citar a Economia de Solidariedade (RAZETO, 1993, p.40), Coraggio, primeiro autor que usou o termo ¨economia do trabalho¨, destacando a microeconomia como unidade doméstica dos trabalhadores (CORAGGIO, 1999, p. 6) e Kraychete, que fala da ¨economia dos setores populares¨ que são as atividades que possuem uma racionalidade econômica ancorada na geração de recursos monetários ou não destinados a prover e repor os meios de vida e na utilização de recursos próprios (KRAYCHETE, 2000, p.2). E, por fim, cito Lechat, autora que utiliza o termo ¨economia social¨ com ênfase nas políticas públicas e relaciona a Economia Solidária às políticas na área de educação, saúde e moradia (LECHAT, 2002, p.4). Todos esses autores contribuíram para o entendimento da proposta de Economia Solidária.

Ainda me parece importante citar os autores França Filho e Laville (2004), que ressaltam a ampliação da visão econômica de forma mais plural, afirmando que essa economia é composta de diversos setores - economia de mercado e não mercado -, que se organizam baseados em fatores humanos. Nessa economia, ocorre a criação de laços sociais valorizados por meio da reciprocidade1 e adota formas comunitárias de propriedade. Conceituam a Economia Solidária, conforme segue:

[...] como um conjunto de atividades contribuindo para a democratização da economia a partir de engajamentos de cidadania, o desafio que se coloca a este fenômeno, a nosso ver, não é aquele de um substituto da ação estadista, como uma perspectiva filantrópica, por exemplo, que seria sintomática de um processo de desregulamentação da economia. Mas ao contrário, seu objetivo é muito mais de uma articulação junto à esfera pública a fim de produzir uma reimbricação da economia num projeto de integração social e cultural. É neste sentido que consideramos que a Economia Solidária se apresenta como emanação de ações coletivas, buscando a instauração de novas formas de regulação, tanto no plano internacional quanto no local, a fim de completar as regulações nacionais ou suprir as suas falhas. (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004, p.118)

Não poderia deixar de citar Singer (2002, p.112), um dos idealizadores da Economia Solidária, que considera a Economia Solidária uma alternativa que a sociedade civil tem para se organizar e estabelecer processos emancipatórios, isto é, a promoção da comunidade que por sua própria iniciativa e empenho melhore suas condições de vida¨. Em seu referencial teórico, o autor usa o apelo de "uma outra economia", que deve acontecer de forma coletiva e com o princípio da participação, isto é, "um sócio", "um voto", denotando assim que todos têm direitos e deveres em relação ao trabalho. Na gestão democrática do negócio, na responsabilidade e na forma de produzir, os trabalhadores tecem uma nova relação de trabalho, baseado nos princípios de solidariedade, autogestão e também pela dimensão econômica, gerando produtos que busquem a preservação ambiental. Para reafirmar esses pontos, o autor registra:

A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação destes princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. (SINGER, 2002, p.10)

Campo teórico e político que ainda pode ser considerado em construção, a Economia Solidária se tornou alternativa de inserção produtiva para muitos trabalhadores, tanto para aqueles que estão há muito tempo fora do setor formal quanto para aqueles que jamais estiveram nele. Sua expansão tem contado com o apoio de movimentos e organizações sociais diversas. Neste sentido é que surgem as Incubadoras universitárias, como um espaço de interlocução e de trocas de conhecimentos, oferecendo apoio técnico e a materialização na organização de programas, atendimentos e divulgação da Economia Solidária dentro das universidades.

Atualmente, há mais de 80 incubadoras2 espalhadas pelo Brasil, que realizam diferentes tipos de trabalho. O trabalho das incubadoras paulatinamente vem sendo reconhecido e divulgado. Segundo Eid (2004, p.189), ¨uma incubadora pode constituir-se em um espaço importante onde se desenvolvem pesquisas teóricas e empíricas sobre Economia Solidária, cuja ação política pode voltar-se para atender uma classe social desprovida dos meios de produção ¨.

Embora a criação do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC) tenha ocorrido em 1998, somente a partir de 2003, com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e de um comitê gestor que auxilia no acompanhamento e avaliação, é que sua ação se ampliou e passou a ocorrer um aumento de editais que tornaram o programa mais abrangente.

No último relatório do PRONINC, foram analisadas 54 incubadoras universitárias, das quais, 35,1% tinham sido criadas nos últimos quatro anos, 34,1% têm entre cinco e oito anos e 40,8% têm nove anos ou mais. Afirma-se ainda que o PRONINC teve um papel decisivo, visto que 74,1% das incubadoras receberam apoio do referido programa (IADH, 2011, p.34).

Esses dados demonstram não apenas a importância da criação das incubadoras no meio acadêmico, como também a importância do PRONINC. Neste artigo, o objetivo é fazer uma análise das principais incubadoras paranaenses e, por meio dos dados coletados, entender como realizam os seus trabalhos. A pesquisa foi bastante ampla, mas aqui serão discutidos apenas os sentidos do trabalho e o papel de cada incubadora.

O grande desafio colocado para as incubadoras universitárias está na exigência de elaboração de uma nova cultura de trabalho. Essa cultura exige participação das pessoas nos projetos de Economia Solidária e respeito ao diferente arranjo organizacional que esse tipo de organização exige; e isso, por si só, já compõe um desafio para as incubadoras. Afinal, trabalha-se com aspectos subjetivos e com valores de participação com alto nível democrático/coletivo, e este é o padrão que o nosso cotidiano não valoriza. Há vantagens nesse tipo de trabalho, mas ele exige um novo paradigma de relações.

[...] ampliam a democracia participativa, estendendo o princípio de cidadania à gestão de empresas. Semelhante ampliação da democracia tem efeitos emancipatórios evidentes, por cumprir a promessa de eliminação da divisão da empresa hoje entre a democracia política, de um lado, e o despotismo econômico do outro. (SANTOS, 2002, p.37)

As relações de trabalho, com a modernidade e com o modelo de empreendedorismo em desenvolvimento, principalmente na atualidade, vêm valorizando as relações participativas e democráticas, mas é necessário elucidar se essas características estão realmente ocorrendo nos empreendimentos de Economia Solidária. Esse alerta também faz pensar no trabalho das incubadoras, como atuam e se suas

ações/práticas com a população que atendem não são apenas um paliativo aos efeitos da economia liberal, ou se realmente querem potencializar política e socialmente os trabalhadores da Economia Solidária.

Assim, a pesquisa tentou responder a pergunta: Qual é o trabalho executado nas Incubadoras Paranaenses, seus sentidos e o seu papel na consolidação da Economia Solidária?

Antes de responder esse questionamento, pontuo a heterogeneidade dos participantes da Economia Solidária, que faz que as respostas sejam complexas; afinal, encontramos diferentes níveis de participação, diferentes níveis culturais e de formação.

A pesquisa entrou nesse universo e, ao analisar o trabalho das Incubadoras de Empreendimentos Solidários do Paraná, espera contribuir com sua relevância, pois trata-se de importante área para o desenvolvimento de programas com formas organizacionais inovadoras.

 

Método

Um primeiro aspecto a ser destacado é que a pesquisa teve a intenção de dialogar com as Incubadoras Paranaenses com o intuito de conhecer o lugar que elas ocupam nas universidades, como se posicionam e como realizam o seu trabalho com os trabalhadores da Economia Solidária. Foram cinco incubadoras pesquisadas: Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES), daUniversidade Estadual de Londrina, Núcleo Incubadora Unitrabalho, da Universidade Estadual de Maringá, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (IESOL) da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, da Universidade Federal do Paraná e Incubadora de Direitos e Organizações Solidárias (INDIOS) da UNIOESTE, Campus Foz do Iguaçu.

Para o objeto da pesquisa em pauta, a metodologia qualitativa se mostrou a mais adequada. O trabalho das Incubadoras de Empreendimentos Solidários é cheio de representações que precisam ser entendidos, já que nela está o propósito de disseminar a Economia Solidária e auxiliar trabalhadores dos empreendimentos, para que possam operacionalizar suas atividades numa modalidade diferente do modelo capitalista. A pesquisa qualitativa foi escolhida para dar oportunidade aos atores de expressarem sua forma de ver e de entender, provocando reflexões e oferecendo respostas. Assim, realizaram-se entrevistas com cinco (5) coordenadores das Incubadoras Paranaenses, e esse material foi complementado com entrevistas de vinte (20) trabalhadores da reciclagem que recebiam assessoria de uma das incubadoras pesquisadas.

Para a coleta de dados, o instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada. As perguntas para os coordenadores referiam-se a dados sobre as atividades e caracterização da forma de trabalho (histórico, atividades, rotina, tarefas, oficinas aplicadas, e como a Economia Solidaria era disseminada). Num segundo momento, os aspectos identitários eram questionados, ressaltando o papel do estado, da universidade e também dos próprios trabalhadores. Já para os trabalhadores da reciclagem, as perguntas versavam sobre todos esses aspectos, acrescentando o papel efetivo das incubadoras relacionadas à mudança antes e após o processo de assessoria. As entrevistas foram realizadas individualmente pelo próprio pesquisador, após a aprovação formal do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 099/2012 - registro no CONEP 5231).

Após a realização das entrevistas, elas foram transcritas integralmente e assim os tópicos foram selecionados. A sistematização se deu por meio da análise de conteúdo, isto é, todo o material coletado foi organizado até que se conseguissem identificar tendências e padrões relevantes. Num primeiro momento, as perguntas e respostas foram colocadas em conjunto, obtendo-se uma ideia da visão de cada incubadora perante as diferentes questões abordadas. Em seguida, foram delimitados recortes/trechos mais significativos para cada pergunta; na sequência, foram organizadas 3 categorias de análise, assim esquematizadas: sentido do trabalho e o papel das Incubadoras: Estado e Universidade e, por fim, limites e desafios das Incubadoras Paranaenses. Para este artigo, acredito ser mais significativo o recorte que será detalhado a seguir:

Sentido do trabalho e o Papel das Incubadoras Paranaenses - aborda a visão de Economia Solidária, o sentido de cada incubadora em relação ao trabalho que realizam, seu funcionamento geral e o que pensam em relação ao trabalho que desenvolvem.

 

Resultados e discussão

Para este estudo, optou-se por fazer uma discussão após a apresentação dos relatos referentes ao mesmo tema, sinalizando falas importantes dos atores entrevistados. Como se trata de relatos de entrevistas, será utilizado o código ¨C¨ para designar os coordenadores das incubadoras e ¨T¨ para os relatos dos trabalhadores, visando manter o sigilo das fontes.

A pesquisa mostrou que há uma relação em construção entre as Incubadoras e os trabalhadores da Economia Solidária. O papel que cada um assume e exerce no desenvolvimento da Economia Solidária não está totalmente esclarecido, pois sofre alterações conforme cada estrutura, modo de vivenciar as atividades, organização e até mesmo como cada uma das Universidades visualiza o projeto.

Em relação ao Sentido do Trabalho e o Papel das Incubadoras Paranaenses, a diversidade é o que predomina, tanto em relação aos conceitos de Economia Solidária quanto às funções de cada incubadora, as dificuldades e as formas de se trabalhar com os Empreendimentos Solidários. Ao analisar o conteúdo das falas dos coordenadores, percebe-se que a função de ¨transformação¨, de ¨apoio à inclusão social¨ e a ¨melhoria de vida¨ dos que participam do projeto é destacada; como exemplo, selecionamos esta fala: ¨[...] é um trabalho de resgate, de cidadania, trabalho digno, geração de renda e ultrapassa meramente a questão social.¨ (coordenador C1). Encontro respaldo analítico em Dagnino (2010, p.19), que afirma: ¨[...] as incubadoras sociais partem de uma hipótese na qual a cooperação de sujeitos pode resolver problemas de acesso ao trabalho e renda e, com isso, gerar dinâmicas de cidadania¨.

Na pesquisa, a diversidade e a importância do trabalho das incubadoras foram pontuadas, como mostra o exemplo a seguir: ¨[...] trabalhar toda a comunidade, a cultura, o território [...] sair das áreas temáticas para fazer algo novo [...] cruzar áreas de conhecimento e divulgar todo este trabalho, [...] valorizar as questões regionais, trabalhando as oportunidades numa perspectiva libertadora¨ (coordenador C2). Será que é possível atender tantas demandas?

Encontrei coordenadores bastante preocupados e envolvidos com essas questões, questionando o que cabe a cada incubadora desenvolver. Trata-se de relatos que deixam claro que o interesse é potencializar tanto a equipe como os trabalhadores assessorados, mas também de ampliar o alcance da Economia Solidária, voltando-se para aspectos regionais, culturais e territoriais. No entanto, esses aspectos, na avaliação das incubadoras, são difíceis de serem alcançados.

Todas as incubadoras pesquisadas afirmam a importância da Economia Solidária e de seus princípios como base de seu trabalho, e que as incubadoras são responsáveis por disseminar esse jeito diferente de produzir. Essa função de apoiar e de levar à Economia Solidária está relacionada ao conceito do Ministério Trabalho e Emprego (MTE), que diz: "As incubadoras são organizações públicas e/ou privadas que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto, assessoria, assistência técnica junto aos empreendimentos de Economia Solidária" (www.mte.gov.br acessado em 20/02/2017). Assim, a pesquisa foi trazendo à tona as diferentes ações das incubadoras e as várias atividades que realizam em relação ao marco jurídico, técnico e produtivo4, visando gerar trabalho e renda.

Destaca-se, ainda, um conjunto de atividades que visam organizar e assessorar os empreendimentos solidários com base na Economia Solidária. Essas atividades fazem parte do trabalho das incubadoras, ou seja, desenvolvem metodologias para ações educativas, em que são gerados instrumentos pedagógicos de gestão e controle aplicados aos empreendimentos solidários. O coordenador C3 afirma: "[...] a incubadora tem um papel importantíssimo em construir este aporte e não só ficar na geração de trabalho e renda, porque se ela ficar na geração do trabalho e renda ela vai ter várias decepções, como nós já tivemos [...]". Fica implícito que a incubadora necessita avançar em relação às suas atividades estratégicas organizativas e investir em formação cultural, educação e cidadania, além de buscar em uma tecnologia social apropriada aos grupos, para assim não se "decepcionar" e obter o sucesso tão almejado, conforme a própria fala transcrita.

Cabe aqui uma ressalva: já que as incubadoras são responsáveis por assessorias em diferentes áreas, como administrativas, contábeis, jurídicas e comerciais, é importante que elas possam desenvolver instrumentos e tecnologia social apropriada para ser acessada por esses trabalhadores assessorados, melhorando o seu potencial produtivo e, consequentemente, a renda e sua qualidade de vida. O coordenador C4 diz: "[...] ela também não pode ficar só no nível acadêmico, só de discussão, então, por isto é uma tecnologia social, nós ainda não alcançamos, estamos buscando, [...] formas para construir esta tecnologia social, de fortalecer esta Economia Solidária junto com os grupos e com a nossa equipe".

Há, portanto, uma preocupação intensa com a relação de assessoria, entre a equipe da incubadora e os trabalhadores, com a forma como são transmitidos e repassados os conteúdos, ou seja, como são implementadas as técnicas, o conhecimento da estrutura organizativa e coletiva e as orientações do processo de produção por parte dos envolvidos.

Na pesquisa, percebeu-se que há limitações nesse sentido, pois o grupo pesquisado ainda funciona como unidade de produção isolada. Os trabalhos muitas vezes são realizados "juntos", mas de forma individualizada, "estão presentes como grupo" mas não trabalham coletivamente, demonstrando assim que mecanismos de participação e de gestão coletiva precisam ser intensificados. Percebeu-se que a transmissão de determinados conhecimentos, por parte da equipe de assessoria, não é acompanhada de discussão a fim de esclarecer sobre a responsabilidade coletiva de todos. Assim, alguns tomam para si determinadas responsabilidades, no entanto, o coletivo, a reponsabilidade grupal e como cada um irá participar no processo fica em segundo plano. Discutir o coletivo de trabalho, discutir o papel dos trabalhadores e o papel das incubadoras, na minha visão, é um ponto importante para recuperar e inserir, como forma principal de organizar, os trabalhadores na proposta da Economia Solidária, além de dar um melhor sentido às questões citadas anteriormente.

Já o coordenador C5 faz uma crítica interessante em relação ao papel das incubadoras universitárias, inclusive ressaltando o papel de formação dos alunos que fazem parte desse projeto:

[...] qual é o papel de uma incubadora universitária perante a sociedade, uma discussão que nós travamos muito forte... por quê? Nós entendemos o seguinte: que nós enquanto universidade temos um papel perante a sociedade, e esse papel é de sistematização e de formação de acadêmicos; o nosso produto final, por qual nós vamos ser avaliado, é o aluno [...].

Aqui encontrei a função acadêmica, ou seja, a incubadora formando os alunos, fazendo-os conhecer a Economia Solidária e sua proposta de trabalho, que poderá ser difundida no próprio trabalho quando eles forem profissionais já formados. Ressalto que o universo pedagógico pode ser ampliado, não só na academia, mas nas escolas de ensino fundamental e médio, nas comunidades e nos projetos culturais e de sustentabilidade que tenham relação com o trabalho da Economia Solidária. Esse universo, de modo geral, precisa ser ampliado pelas incubadoras pesquisadas.

Outro ponto importante citado pelos entrevistados diz respeito à responsabilidade social que se coloca para as incubadoras, ou seja, o atendimento a uma população de baixa renda. Essa responsabilidade social é como um "insumo" fundamental para as incubadoras, pois representa a multiplicação e a viabilização de iniciativas econômicas de geração de trabalho e renda, das condições de vida de uma parcela da população excluída dos benefícios do progresso técnico e do crescimento econômico.

A questão social faz que surja um dilema para o trabalho das incubadoras retratado nas falas de seus coordenadores. Esse dilema está na dificuldade em discernir entre o papel social, ou seja, as questões de orientação e de apoio a uma população de alta exclusão social, com históricos de preconceito e de baixa escolaridade, e o papel de geração de renda, que se relaciona aos aspectos técnicos e organizativos tão importantes e que fazem parte do processo desenvolvido pelas incubadoras.

A coordenadora C1 exemplifica: "[...] grupo de mulheres que não flui, por exemplo, que é o da saúde mental, mas elas produzem patchwork, as atividades delas é social, então você não vai incubar?" O coordenador C5 também faz um relato nessa linha de atuação: "Tem situações que não é da incubadora, tem situação que é do CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], da política pública, o papel da incubadora é discutir a questão do direito e buscar a inserção, a inclusão, e utilizar a rede de serviço que está à disposição". As atividades de geração de renda aparecem como meio de atingir o desenvolvimento humano pelo resgate de cidadania, melhorias de qualidade de vida e cultivo a valores solidários.

No entanto, quando as incubadoras se deparam com problemas sociais graves, ficam várias perguntas e questionamentos relacionados aos objetivos e àquilo que cada incubadora quer alcançar, serviços que possam garantir aos empreendimentos apoio técnico, político e também social. Como buscar renda para uma população com problemas sociais graves? Há uma articulação difícil entre as fragilidades sociais e o objetivo de gerar renda.

O trabalho de assessoria se vincula a esses fatos, já que se relaciona ao aprender, ao entendimento da proposta de Economia Solidária. Conforme Singer (2002, p.112): "[...] para uma ampla faixa da população, construir uma economia solidária depende primordialmente dela mesma, de sua disposição de aprender e experimentar, de sua adesão aos princípios de solidariedade, da igualdade e da democracia". Esse jeito diferente de trabalhar é ressaltado como no relato de C5 abaixo:

[...] no entanto, é preciso trabalhar várias vezes para que eles possam perceber a importância e a diferença deste trabalho que é desenvolvido, por exemplo: ah mais a fulana não veio aquele dia, e aí ela não pode ganhar o mesmo que eu, mas o que aconteceu com ela? O que ela faz não é igual? Por que é diferente? Será que nós não podemos fazer um rodízio e entender o outro, de forma dinâmica e prática, por isto a gente não pode colocar só a geração trabalho e renda, é mais que isto e eles precisam ir entendendo tudo isto.

Essa nova forma econômica e moral alternativa causa um forte choque identitário nos trabalhadores que dela participam e desconhecem, em muitos momentos, como agir com o outro, como descrito no relato. Como entender o que está acontecendo e agir de forma solidária? Como discutir e partilhar as dificuldades para assim tomar as decisões? O princípio está no "entender o outro", e as incubadoras participam diretamente desse processo na construção de aprendizagem e nas relações interpessoais, com o intuito de fazer que os grupos reconheçam as diferenças entre o modelo capitalista e a Economia Solidária.

Estudos mostram que a autogestão, a solidariedade e a coletividade podem se consolidar quando os trabalhadores se direcionam na busca de soluções por meio da auto-organização. Segundo Gaiger (2009, p.296), isso se daria em outras instâncias, sem ser a econômica:

[...] a atuação coletiva de trabalhadores, além da melhoria das condições materiais de vida, encerra práticas que conduzem a uma tomada de consciência frente a temas que extrapolam a gestão dos empreendimentos, ensejando relações com o entorno local e com demandas que nele afloram. A promoção de espaços de deliberação em comum induz o compromisso cívico e o engajamento ético dos sujeitos.

Nesse sentido, novamente foram expostas questões de ampliação do trabalho das incubadoras em relação aos seus trabalhadores, ou seja, a busca por uma Economia Solidária mais ampliada. O Coordenador C2 diz: "[...] criando alternativas de renda, com os aspectos culturais, com assembleias que possam discutir o território e as dificuldades como um todo como: habitação, o transporte, educação e outros. Não somente a produção, mas as várias pontas das relações."

O processo de autogestão pode auxiliar nessa ampliação, pois implica e faz que os trabalhadores sejam protagonistas da experiência de seu trabalho, melhorando a visão de mundo e compartilhando valores e práticas diferentes das experiências de trabalho heterônomo. Essas diferenças necessitam ser discutidas pelos assessorados, aspecto também citado na entrevista com os coordenadores, que reflete no trabalho de assessoria e acompanhamento, no processo de diagnóstico dos grupos de trabalho e no esclarecimento do papel da incubadora, como no relato do coordenar C2:

[...] muita gente quer ser empregado, quer ter carteira assinada, ela não quer ser dona daquilo que ela faz, então os grupos em que a gente atua, a gente tem que falar, e estes grupos não querem ser empregados, não querem carteira assinada, querem autonomia, não faz diferença nenhuma a carteira assinada [...].

No meu entender, as vantagens e a superioridade desse tipo de relações devem ser repassadas e apropriadas pelos trabalhadores pelas incubadoras. Para finalizar esta parte da discussão, trago uma última frase, que acredito ser muito importante, do coordenador C5: "[...] só a geração trabalho e renda, é mais do que isto, e eles precisam ir entendendo, o que o grupo quer, o que o grupo sonha e o que é possível."

Discutir as potencialidades, as contradições, criando dispositivos transformadores que potencializem a construção desse projeto, isso sim, no meu entender, é o papel das incubadoras.

Por fim, ressalto as dificuldades estruturais que causam um descompasso e tornam a incubadora mais difícil de ser administrada. Como nos diz o coordenador C3: "[...] pois para viver a incubação são estas atividades, projetos, acompanhamentos, editais que muitas vezes esbarra na burocracia e que torna o trabalho desgastante."

Esse desgaste se reflete na morosidade para conseguir determinados recursos, para ampliar os atendimentos ou até mesmo para conseguir equipamentos. Há necessidade de se comprovarem todos os recursos, de realizar as compras com prazos pré-fixados, orçamentos conforme prescrito e compor o relatório com as determinações dos editais. Parece sempre haver necessidade de um entendedor desses processos, o que acaba deixando professores, coordenadores e até o próprio grupo sem entender muito

bem o funcionamento do projeto. Na fala do coordenador C2: "[...] ficamos com muitos serviços internos para fazer toda a institucionalidade." Essa institucionalidade tem uma forma de ser e o seu entendimento requer domínio das instâncias e dos controles burocráticos. A burocracia tem efeito sobre a autonomia das incubadoras, isto é, afeta o desenvolvimento das atividades, torna a incubadora mais lenta. Essa foi a principal dificuldade relatada pelas cinco incubadoras paranaenses entrevistadas.

As questões administrativas são apontadas pelos coordenadores das incubadoras paranaenses como algo que influencia diretamente no trabalho que desenvolvem. Apontam que essas questões afetam o sentido e o papel das incubadoras, como relatado pelo coordenador C3: "[...] mas a incubadora se volta muito para as questões administrativas, porque a universidade não dá este suporte e, às vezes, acaba preterida a parte política e técnica"; e também pelo coordenador C1, que diz: "[...] são as dificuldades do cotidiano, a forma de trabalhar, o transporte, a burocracia e quando o nosso estagiário está bom... ele vai embora e assim vai... ficamos com muitos serviços internos para fazer toda a institucionalidade."

Barros (2004, p. 200) reflete sobre esses aspectos estruturais:

Ter a economia solidária como horizonte ético, político, ideológico, educativo e econômico requer novos comportamentos e novas estruturas organizativas na cooperativa popular incubada, assim como na própria incubadora. Assim, dois fatores, dentre tantos outros, revelam-se centrais nesse perfil contraditório da maioria das ITCPs. O primeiro parece relacionado com a rígida estrutura hierárquica instituída nas universidades; e o outro à fragmentação das equipes segundo a lógica das etapas de incubagem [...] essa fragmentação somada à estrutura verticalizada pode ser indicativo das dificuldades que a incubadora terá que administrar [...].

Relatórios de avaliação das incubadoras apontam para os aspectos institucionais e administrativos citados. No relatório de 2011, realizado pelo IADH (p.256), já havia preocupação com a estrutura administrativa das Instituições de Ensino Superior e com problemas encontrados nas incubadoras como: "sobrecarga de trabalho, desestímulo e fragilidade das estruturas administrativas das incubadoras, falta de servidores técnico-administrativos de transportes, falta de servidor administrativo para expansão futura". Também no relatório do Encontro das Incubadoras e Programas/Projetos de Economia Solidária realizados em Brasília, em 2013 (p. 42), novas avaliações e sugestões foram discutidas com as incubadoras participantes, entre elas, a institucionalidade e as dificuldades de manutenção do projeto. Observava-se que "[...] as incubadoras apenas como executoras é um desperdício pois devem ser órgãos que contribuam, pensem, colaborem na formulação de políticas e projetos estruturados". Isso foi evidenciado durante a pesquisa e coincide com as avaliações ocorridas nos anos de 2011 e 2013. O relato do coordenador C4 é esclarecedor:

O grande ponto negativo são as exigências administrativas, jurídicas e burocráticas das incubadoras, controle de licitação, contratação da equipe, relatórios, e isto tudo é difícil de ser administrado. A lógica de funcionamento é esta, e isto não é fácil de conciliar, no final das contas sobra às vezes muito pouco para o grupo, que é efetivamente quem demanda e quem precisa.

Percebe-se, portanto, que a lógica do trabalho das incubadoras está atrelada aos financiamentos, à burocracia política e a uma gestão de prestação de contas bastante rígida. O espaço que a incubadora ocupa dentro da Universidade impõe desafios para organizar e administrar o projeto, e também limites, no sentido de avanço, desenvolvimento e criatividade, devido à condição estrutural em que cada incubadora se insere.

Esses são alguns pontos que a pesquisa mostrou. Passo a elencar alguns aspectos sobre o papel e o sentido das incubadoras em relação aos trabalhadores assessorados. Como já exposto, a pesquisa entrevistou trabalhadores da reciclagem e mostrou que há um universo ainda a ser explorado nas relações sociais e nos vínculos que se formam entre a equipe de assessoria e os trabalhadores da Economia Solidária. Alguns entrevistados não sabem o que é e o que faz uma Incubadora; portanto, as incubadoras, com o seu conhecimento, podem explorar o trabalho, o saber, os vínculos para que se tornem mais eficientes a esses trabalhadores.

Os trabalhadores entrevistados demonstraram desconhecimento dos objetivos da incubadora e do seu papel, e percebeu-se que o diálogo com a incubadora se restringe muitas vezes ao presidente da cooperativa. As visitas, em muitas ocasiões, ocorrem de forma rápida, sem a preocupação de deixar todos informados, ou seja, não é repassada à cooperativa como um todo. Encontrei uma "acomodação" por parte de alguns trabalhadores que não se envolvem no processo de assessoria, que restringem o trabalho a um diálogo sem responsabilidades pré-definidas, baseadas mais no relacionamento interpessoal, fornecendo assim uma imagem restritiva da incubadora, como mostra o seguinte relato de T1:

O trabalho da incubadora? ... aqui é bom... sim é bom... ter alguém pra ouvir e nos ajudar nas reclamações... a gente aqui tudo se conhece, é bom, um ajuda o outro, dá uma força um pro outro, nas necessidades, nas dificuldades, um sabe do outro e procura ajudar.

O cuidado na relação da incubadora com os trabalhadores no sentido de sempre esclarecer, informar e melhorar a relação de assessoria não deve ser compromisso apenas de um lado, mas de todos os envolvidos. Há necessidade de ouvir, acolher demandas, ensinar, mas também de "cobrar" resultados do trabalho desenvolvido. Esse cuidado se reflete nas visitas aos empreendimentos, que devem ocorrer principalmente conforme solicitação de cada grupo, com conteúdo previamente planejado, a ser repassado pelo interesse desses trabalhadores e assim garantir uma "escuta" e "ação" dos envolvidos. O entendimento da parte de todos faz que as visitas tenham significado e, consequentemente, se crie uma relação de confiança que extrapola as orientações técnicas.

Em relação ao trabalho das incubadoras e o que elas são ou representam para esses empreendimentos, novamente houve um desconhecimento geral. A fala de um dos trabalhadores (T2) é significativa: "[...] não sei não... eles fazem reunião com a gente e dá alguma informação sobre o trabalho pra gente."

Associam o trabalho da incubadora a conseguir recursos, como observa outro trabalhador (T3): "[...] mas se eles podem ajudar precisa ver com a Prefeitura o negócio do transporte, porque é uma bagunça pra gente chegar até aqui." Ou para a consecução de equipamento, como afirma T4: "[...] olha precisamos de uma empilhadeira, de equipamentos de segurança, luva, porque nós temos muito perigo aqui". Ou, ainda, a função de mero informante auxiliador nas questões de resolução de problemas de organização de trabalho, como é explicitado na fala de T5: "Pior, eu só sei que eles gostam de nos ajudar, de passar notícias e de dizer coisas importantes para que o nosso trabalho sobreviva... ajudam a fazer as contas, nos falam da separação e do preço dos produtos."

As funções das incubadoras citadas acima mostram uma visão utilitarista e bastante reducionista, que precisa ser ampliada. Para que isso aconteça, é necessário contextualizar os diversos fatores que norteiam os rumos e o cotidiano das cooperativas; entretanto, de modo algum cabe aos assessores decidir pelos associados. A ação e a autonomia dizem respeito aos trabalhadores, e as incubadoras podem auxiliar a engendrar a potência de ação, conhecer os sentidos que os sujeitos dão às mazelas do seu cotidiano, como as vivenciam e o que querem alcançar, quais os seus sonhos, esperanças ou desesperanças, como significam o conjunto das relações sociais das quais necessariamente participam.

Nesse sentido, as mudanças relacionadas ao apoio social, motivacional, entre os trabalhadores e a equipe de assessoria, ou seja, as questões subjetivas, aparecem, mostrando que há um vínculo entre os trabalhadores e as incubadoras e o quanto essa relação é permeada por idealismos em relação às melhorias das condições de trabalho e qualidade de vida.

Os sentidos incluem uma forte expectativa de transformação, de superação dos problemas, a fim de que o projeto possa ir ao encontro de uma sociedade mais justa e que eles consigam melhorar sua vida. Portanto, idealizam esse projeto, que precisa ser construído, como observado no relato de T5:

[...] quando eles [jncubadora] vêm dão esperança, falam com a gente pra não parar, pra ter ânimo, eles apoiam, mas a prefeitura não ajuda, diz que vão melhorar, mas até agora nada... eu acho que não é só a universidade, tem que ter apoio da Prefeitura, mas a prefeitura não ajuda, porque tem que ter transporte, banheiro, refeitório, barracão, tudo isso, mas eu sei que a incubadora ajuda, fazem o que podem, mas tá difícil, acho que falta estrutura para nós, quando chove... não tem por onde correr, molha tudo, até o material, e nós também, então é isso... acho que eles vêm conversar, dá ânimo, mas precisa da prefeitura mesmo.

O trabalho da incubadora em relação aos trabalhadores está, portanto, relacionado à ajuda e assistência ao empreendimento, ora compreendido, ora não compreendido pelos seus assessorados, demonstrando assim contradições. Durante a pesquisa, percebeu-se que as reuniões, a forma como se explica o trabalho, e a linguagem utilizada são determinantes para o entendimento da proposta. Em algumas visitas, observou-se que esse diálogo fica muito superficial, havendo necessidade de um aumento de participação e clareza nas metas a serem alcançadas, como na fala de T7: "[...] eles falam lá, já participei de reunião, mas eles falam na linguagem deles lá, e eu não entendo nada [...]"; ou de T8 "[...] porque nós aqui dentro só trabalha, só separa, a gente não tem capacidade de pesquisar prá nós algo diferente, prá melhorar, a cabeça da gente é daqui pra casa e só isso".

Essas falas mostram novamente que há um desconhecimento sobre o que a incubadora pode ajudar a realizar e quais as atividades que, juntamente com seus assessorados, podem ser implementadas. De acordo com Leite (2013), que realizou várias pesquisas sobre o trabalho da reciclagem, incluir os catadores na gestão participativa dos sistemas integrados seria uma solução importante para esses trabalhadores, que podem ser orientados e esclarecidos pelas incubadoras. A autora afirma:

A inclusão dos catadores por meio da gestão participativa dos sistemas integrados representa a possibilidade de converter a lógica do lucro para uma lógica de eficiência pública, ambientalmente correta e socialmente justa. Por gestão participativa dos sistemas integrados compreende-se a participação dos catadores não apenas na execução da coleta seletiva, mas na tomada de decisão sobre a estruturação do sistema. Isso precisa ocorrer para que a coleta seletiva não seja entendida como um adendo nos contratos de limpeza pública, mas que o sentido da separação adequada do lixo e da destinação correta seja estruturante de todo o sistema. (LEITE, 2013, p.369)

As Incubadoras Paranaenses apresentaram preocupação com o envolvimento dos trabalhadores nas diferentes instâncias de participação, pois no âmbito da Economia Solidária é comum esse tipo de atividade de formação. No entanto, vale ressaltar que são poucos os trabalhadores da reciclagem esclarecidos nesse sentido e que participam ativamente do movimento dos recicladores, ou mesmo da política de Economia Solidária. Os trabalhadores não se envolvem, não veem no trabalho associativo uma forma de ação democrática e politicamente emancipadora, mas como uma alternativa de renda para quem não tem outras opções, ou pelo menos enquanto essas opções não aparecem. Os relatos são esclarecedores:

Eu gosto e estou aqui pra trabalhar... não sou muito de reunião. (T11)

A reunião é o presidente que participa, eu mesmo preciso disso aqui sim, pra sobreviver, trabalhar, e o que eu quero saber mesmo é do preço. (T12)

Existe antagonismo na percepção dos trabalhadores em relação ao processo participativo; a vulnerabilidade a que estão submetidos impede o sentido político. As respostas às perguntas sobre participação/Economia Solidária demonstram certo desconhecimento e desinteresse pelo tema, em parte também pelas dificuldades que enfrentam no trabalho. Percebe-se que os processos de participação precisam ser incentivados pelas incubadoras, pois, por meio da participação amplia-se a capacidade de criar informações, valores, códigos e práticas que culminarão no solidarismo e na autonomia.

Assim, as dificuldades de se construir uma cooperativa dentro dos parâmetros de autogestão e de valores solidários são grandes. Os traços de cooperação e de autogestão foram pouco marcantes nos trabalhadores entrevistados.

A questão de sobrevivência, já colocada anteriormente, se sobrepõe ao modo de organização do empreendimento, mostrando que a reestruturação subjetiva pela qual esses trabalhadores teriam que passar ainda é incipiente, ou seja, marca a dificuldade de se trabalhar num modelo mais autônomo, coletivo e de solidariedade, como relatado por um de seus trabalhadores:

Prá nós aqui funcionário, é assim tem que obedecer o Presidente da cooperativa, por exemplo quando tem o trabalho das máquinas, um tem que ajudar o outro, mas falta liderança, falta organizar direito, colocar certinho... porque é material que precisa ser certo e organizado (T10).

Nesse contexto, mostra-se que há um sentimento de hierarquia e a espera de melhorias no formato capitalista; há dificuldades de os trabalhadores perceberem as vantagens do sistema democrático e coletivo, como visto na citação anterior. Assim, o paradigma capitalista, com sua organização, liderança e forma de gestão, faz parte do universo subjetivo desses trabalhadores.

A falta de democracia interna do empreendimento assim como a falta de entendimento do que é preciso realizar, do papel e responsabilidade de cada um nesse tipo de projeto impossibilitam uma troca produtiva entre os trabalhadores e a equipe de assessoria que por ali circula. Torna-se necessário garantir ações que propiciem uma visão de mundo e uma ação conjunta que tornem os participantes do projeto atores responsáveis e reflexivos frente às determinações exteriores. O conhecimento sobre Economia Solidária está sendo repassado, mas faltam informações mais detalhadas aos trabalhadores sobre temas como: mercado, políticas públicas, redes solidárias, comercialização, legislação cooperativista, organização social, entre outros.

Entender a Economia Solidária é um esforço intelectual intenso, e pode-se afirmar que, na incompletude desta pesquisa, há um conhecimento que está presente nos grupos, nas incubadoras, numa dimensão material e imaterial que precisa ser acessada, ligando os elementos citados neste artigo, para que se possam criar condições de reprodução da Economia Solidária.

O conhecimento das relações entre incubadoras e trabalhadores perpassa a realidade que os cerca. A pesquisa mostrou que há necessidade de almejar e construir propostas que norteiem a produção de espaços portadores de Economia Solidária.

 

Referências

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1 Entendida como a relação estabelecida entre várias pessoas por meio da sequência durável de dádivas [...] fundada sobre a dádiva como fato social elementar - a existência da dádiva estando ligada a uma contradádiva (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004, p. 32).
2 A rede ITCP possui 41 incubadoras em todo o Brasil, enquanto a Rede Unitrabalho possui 44. Segundo o site, todas integram programas, projetos dentro de universidades em nosso país. (www.redeitcp.org.br e www.unitrabalho.org.br consultado em 20/03/2017)
3 O código civil brasileiro possui legislação especial para a Política Nacional de Cooperativas Populares (Lei 5764/71), sendo que no marco legal são apontadas as características peculiares das cooperativas, estabelecidas no artigo 1094 do mesmo código. Recentemente temos a PL4685/2012 que dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e os empreendimentos econômicos solidários.

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