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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.15 no.2 Assis jul./dez. 2016

 

RESENHA

 

Abordando a pluralidade metodológica do campo psicológico

 

 

Érico Bruno Viana Campos

Unesp - Bauru / Email: ebcampos.online@gmail.com

 

 


RESUMO

Esta resenha tem como objetivo apresentar e criticar a segunda edição revista e ampliada do livro Metodologia de Pesquisa em Ciências: análises quantitativa e qualitativa, da autoria de Makilim Nunes Baptista e Dinael Corrêa de Campos, publicado pela LTC em 2016. Trata-se de um manual de Metodologia de Pesquisa que pretende abordar de forma prática e orientada as diversas etapas de um trabalho de pesquisa científico, desde seus aspectos procedimentais básicos até a apresentação da diversidade de enfoques metodológicos quantitativos e qualitativos de análise. Consiste em um manual geral, embora esteja mais caracterizado para a aplicação nos campos da saúde e da educação e com um viés para a área de psicologia, que é a área de formação dos organizadores.

Palavras-chave: Metodologia Científica; Psicologia; Análise Quantitativa; Análise Qualitativa.


ABSTRACT

This review aims to present and criticize the second and revised edition of the book Methodology for Research in Sciences: Quantitative and Qualitative Analysis, by Makilim Nunes Baptista and Dinael Corrêa de Campos, published by LTC in 2016. It is a Manual of Research Methodology that intends to approach in a practical and oriented way the various stages of a scientific research work, from its basic procedural aspects to the presentation of the diversity of quantitative and qualitative methodological approaches of analysis. It consists of a general manual, although it is more characterized for application in the fields of health and education and with a bias towards the area of psychology, which is the training area of the organizers.

Keywords: Scientific methodology; Psychology; Quantitative analysis; Qualitative Analysis.


 

 

O estudo de metodologia científica é uma tarefa inglória. Seu ensino normalmente é restrito a disciplinas dos primeiros anos da graduação, apresentando os fundamentos e normas gerais de forma desvinculada do contexto da prática profissional e de pesquisa específica da área, e acaba sendo vista pelos alunos como maçante e pelos docentes como inoperante. O aprendizado de metodologia de pesquisa ocorre efetivamente na prática. Na graduação, quando há oportunidades reais de pesquisa, como em iniciações científicas e TCCs, mas muitas vezes só em nível de pós-graduação. Nesse nível, contudo, o aprendizado já é muito mais específico e avançado, focado nas técnicas e problemas específicos da linha de pesquisa que se desenvolve, assumindo-se que o aluno já está plenamente de posse do repertório básico de competências e habilidades. Contudo, isso raramente ocorre, de forma que a ponte entre os fundamentos abstratos da metodologia científica e a apropriação concreta e madura dos instrumentos e procedimentos da prática de pesquisa é algo que depende de um longo e tortuoso percurso.

Além disso, o problema tem se tornado mais complexo, na medida em que as ferramentas disponíveis para fundamentação metodológica e o próprio rol de técnicas de coleta e análise de dados só tem aumentado com o passar do tempo, de forma que uma ou duas disciplinas gerais de metodologia científica, abordando os fundamentos do método científico e a metodologia do trabalho científico se tornam insuficientes. Hoje em dia há pelo menos dois grandes paradigmas da pesquisa científica: um quantitativo, derivado da tradição das ciências naturais, e um qualitativo, derivado das ciências humanas e sociais. Não obstante, mesmo dentro dessas tradições, a pluralidade é a tônica e os desdobramentos são muito variados. Isso faz que a tarefa de escrever um manual de metodologia científica hoje seja igualmente inglória e é raro encontrarmos um livro texto que congregue uma resposta às principais demandas de formação na área.

Nesse sentido, o livro organizado por Makilim Baptista e Dinael de Campos, docentes e pesquisadores vinculados à USF de Itatiba e a UNESP de Bauru, é uma obra preciosa, pois aborda de forma integrada e extensiva não só as principais técnicas e delineamentos nas abordagens quantitativa e qualitativa de análise em pesquisas empíricas na área de saúde e humanas, mas também orientações sobre a prática de pesquisa em seu nível mais metódico e normativo. Em ambas as tarefas que se propõe, o livro tem a vantagem de trazer exemplos ilustrativos, além de capítulos que abordam as técnicas com base em relato de pesquisas específicas, com a preocupação de apresentar o detalhamento dos procedimentos metodológicos utilizados. Por fim, é um livro que, a despeito do nome genérico, é particularmente voltado para o campo da psicologia, dado que os organizadores e muitos dos colaboradores trabalham nessa área. Esta última característica, por sinal, é a que mais se destaca no contexto geral das publicações de metodologia científica, já que são poucos os manuais que combinam os dois paradigmas e raros os que o fazem para o campo da psicologia.

Diante disso, não parece ser casual que o livro já esteja em sua segunda edição e venha se destacando na área de psicologia. De fato, na psicologia não contamos com manuais específicos. Além dos manuais genéricos, que funcionam bem nas disciplinas básicas, como o já clássico e insuperável livro de Severino (2007), os manuais mais detalhados normalmente abordam a metodologia das ciências naturais mais tradicional, ou a metodologia da pesquisa em ciências sociais em geral. Contudo, os modelos em metodologia científica passaram por uma substancial mudança desde a segunda metade do século XX, por um lado, com o desenvolvimento do chamado paradigma qualitativo, que tem uma vertente forte na educação e na chamada pesquisa social (MINAYO, 1999), e por outro, com os desenvolvimentos das práticas baseadas em evidências na área da saúde, que levaram a uma sistematização e padronização mais ou menos consensual dentro do que hoje se chama de paradigma quantitativo de pesquisa em saúde. Na área da psicologia temos carência de uma apresentação sistemática desses novos enfoques. Isso é curioso, porque o campo da psicologia é bastante diverso em suas orientações, de forma que tem sistematicamente incorporado as proposições que vêm da educação, das ciências sociais e da saúde, além daquelas que se desenvolvem intrinsicamente a ele, como as propostas de caráter mais clínico. Tamanha diversidade resulta em uma dificuldade de síntese e integração, de forma que as tradições metodológicas acabam por traçar seus caminhos próprios, alinhadas às diversas orientações que se opõem no âmbito do espaço de saberes e práticas psicológicas. Por conta disso, o ensino das metodologias em psicologia acaba sendo compartimentado e regionalizado em suas diversas abordagens teórica e áreas de atuação.

Uma notável exceção a esse quadro de pulverização e desarticulação é o tratado de Turato (2003), que propõe uma síntese metodológica própria, congregando relativamente bem a pluralidade de técnicas do paradigma qualitativo e da tradição clínica no âmbito da saúde. Essa proposta tem bastante ressonância com a problemática metodológica do campo da psicologia, mas peca por tentar ser sintética, integrativa e autoral demais, apagando especificidades e também a riqueza que a diversidade do campo pode proporcionar. A proposta de Baptista e Campos, por sua vez, é suficientemente extensiva e fiel à diversidade dos modelos existentes, instrumentando melhor o pesquisador para fazer o seu percurso e opções metodológicas.

O livro está divido em três partes. A primeira, intitulada "Ciência e Pesquisa", traz a apresentação dos problemas gerais da pesquisa científica, mas de forma mais prática e operacionalizada, trazendo dicas de planejamento e execução da pesquisa, dos constructos e projetos, até a apresentação dos resultados. Esta parte é bastante útil para um tutorial mais prático para os alunos que se engajam em pesquisa, principalmente os de graduação, já que o foco é o TCC. Nessa parte, a segunda edição trouxe algumas alterações. Em especial nos capítulos que tratam de referências e citações, além de divulgação e publicação, em função da necessidade de manter atualizadas as informações e parâmetros dessas questões. Também traz um capítulo completamente novo sobre a construção de instrumentos de avaliação, que é bastante interessante e muito específico para a área de psicologia, uma vez que a avaliação psicológica é instrumento restrito da prática profissional do psicólogo.

A segunda parte trata dos "Métodos Quantitativos", e nela são apresentados os modelos de delineamento atualmente padrão em ciências da saúde, dentro da chamada hierarquia de evidências. Há capítulos que tratam do survey, dos estudos de correlação, de caso-controle, de coorte, experimental, quase-experimental, além de modelos animais e clínicos. Há também um capítulo específico de tratamento estatístico e um, que foi incluído nesta segunda edição, sobre revisão sistemática de literatura. Alguns capítulos foram trocados ou reposicionados, mas a estrutura é basicamente a mesma. Esta parte do livro é bastante consistente e integrada, refletindo a unificação dentro do paradigma quantitativo. O destaque é a atenção dada às revisões sistemáticas de literatura, uma vez que na última década houve mudanças substanciais na forma de empreender revisões de literatura, com o desenvolvimento de metodologias e protocolos muito específicos para a revisão sistemática, que se tornou agora o delineamento que está no topo da hierarquia de evidências.

A terceira parte trata dos "Métodos Qualitativos", e nela é apresentado um bom capítulo geral de apresentação do olhar qualitativo na contemporaneidade, seguido de vários capítulos que ilustram delineamentos qualitativos em psicologia. Esta parte reflete a heterogeneidade e dispersão dentro do paradigma qualitativo, de forma que não consegue ser suficientemente exaustiva ou mesmo integrativa. O que é digno de nota nesta parte é que os capítulos apresentam abordagens relativamente novas ou, pelo menos, secundárias aos modelos mais tradicionais da pesquisa social em psicologia. Não há capítulo sobre os modelos já bem estabelecidos e conhecidos da observação participante, pesquisa-ação, materialismo histórico-dialético ou representações sociais. Traz variações menos comuns do rol das pesquisas interventivas, como o recurso a oficinas e estudos de caso, utilizando abordagens da etnometodologia e do construcionismo social. Há pelo menos dois capítulos em que se destacam as técnicas de análise de conteúdo, o que vem preencher uma lacuna importante, já que a referência clássica para os trabalhos da área continua a ser o livro esgotado e português de Bardin (1977). Também há de se destacar o enfoque no estudo de caso e em outros delineamentos mais próximos da clínica, que normalmente são pouco explorados nos manuais e na própria psicologia, que tende ultimamente a priorizar os modelos da pesquisa social, obliterando a tradição clínica do campo. Nesse sentido, há um capítulo ilustrando a pesquisa fenomenológica. Contudo, não há um capítulo específico sobre a pesquisa psicanalítica, o que é uma carência significativa para a área da psicologia.

Nesta última parte não houve mudanças substanciais de inclusão ou exclusão de capítulos na nova edição. Chama a atenção que é a parte menor do livro, mesmo sendo os métodos qualitativos os de maior extensão e diversidade. Caberia, nas próximas edições, ampliar um pouco mais o escopo dessas possibilidades técnicas e apresentar um pouco melhor o panorama das técnicas e modelos, diferenciando, por exemplo, a vertente de pesquisa social da vertente clínica. O capítulo introdutório situa bem o contexto, mas poderia ser mais didático na organização dos modelos que se seguem. Por fim, nesta parte também se poderia indicar mais diretamente o tipo de delineamento metodológico que o capítulo ilustra já no título, como foi feito na segunda parte. Isso facilita uma consulta rápida no sumário em busca de um capítulo ilustrativo de um tipo de delineamento, como é esperado de um manual.

Em síntese, pode-se afirmar que o livro resenhado é uma gloriosa contribuição ao campo da metodologia de pesquisa na área da psicologia e suas interfaces. É sugerido para alunos de graduação e pós-graduação tomarem como referência rápida e instrumental, além para docentes utilizarem como livro-texto para disciplinas básicas e avançadas de metodologia de pesquisa. Vem preencher uma lacuna de apresentação sistemática e ilustrativa de modelos atuais em metodologia quantitativa e qualitativa de pesquisa, tornando aquela ponte entre os fundamentos básicos e a aplicação concreta mais fácil de transpor e de operacionalizar.

 

Referências

BAPTISTA, M. N.; CAMPOS, D. C. de (Orgs.). Metodologias de pesquisa em ciências: análises quantitativa e qualitativa. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016.         [ Links ]

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.         [ Links ]

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1999.         [ Links ]

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.         [ Links ]

TURATO, E. R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Vozes, 2003.         [ Links ]

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