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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.16 no.1 Assis jan./jun. 2017

 

ARTIGOS

 

O fazer e aprender pesquisa numa perspectiva menor: narratividade no processo de produção de conhecimento em saúde

 

Learning and making process based on a minor perspective: the discursiveness in health research

 

 

Renata Flores Trepte; Alcindo Antônio Ferla

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

A escrita que segue ensaia sobre o fazer pesquisa em saúde como aprendizagem. Advindas de uma dissertação de Mestrado, as discussões desenroladas neste trabalho versam sobre os conhecimentos menores evocados pela experiência de pesquisa que tendem a não compor os relatórios finais e que ficam invisíveis por não serem reconhecidos como produções científicas. Trata-se, então, da visibilidade da dimensão micropolítica do fazer pesquisa e produzir conhecimento. Na Saúde, herdamos da Medicina um histórico de cientificização muito específico, de controle, de dominação. Nas ciências da saúde se privilegiou o controle sobre um corpo biológico abstrato, constituído por imaginários e estatísticas e atravessado pela lógica de mercado, o que tem efeitos diretos não só nos serviços e nas práticas de saúde para quem recorre a esses serviços, como nas pesquisas na área. As pesquisas em Saúde e, inclusive no campo da Saúde Coletiva, não estão imunes a isso. Considerando o que Deleuze e Guattari chamam de ciência régia e como ela opera nas práticas científicas e no trabalho, este ensaio evoca suas dobras e escapes, cuja visibilidade não decompõe a ciência, mas cria condições de alargamento de suas lógicas contemporâneas. A pesquisa em saúde não se esgota na análise sobre si. Produz também efeitos colaterais, relativos à lateralidade do como se analisa.

Palavras-chave: Metodologias de Pesquisa. Pesquisa em Saúde. Narrativa. Educação Permanente em Saúde.


ABSTRACT

The text deal with the practice of research in the field of Health as a practice of learning. Deriving from a Master's Thesis, the discussions developed in this work examine the minor knowledge evoked by the experience of research which tend not to compose its final reports and which remain invisible for not being recognized as scientific production. It inquires, therefore, the visibility of the micropolitical dimension of research practices and the creation of knowledge. Regarding its Medicine background, Health Sciences have privileged the control over a biological, abstract body, constituted by imaginaries and statistics and traversed by the logic of the market. It has direct impacts not only the Health Care Services and its practices for those resorting to these services, but also the research in this field. The research in Public Health is not immune to this. Considering what Deleuze and Guattari call Royal Science and how it operates through scientific and work produção de conhecimento em saúde practices, this essay evokes its folds and escapes, whose visibility does not decompose Science, but creates the conditions to widen its contemporary logics. Research in the field of Health does not end in its self-analysis: it also produces side effects, relative to the laterality of how one conducts this analysis.

Keywords: Research Methodologies, Health Research, Narratives, Continuous Educational Process in Health Field.


 

 

Introdução

Esta escrita em formato de ensaio discute a narrativa nas pesquisas em saúde como estratégia para tornar visíveis os conhecimentos evocados pela experiência de pesquisa que tendem a não compor os relatórios finais e que ficam invisíveis por não serem reconhecidos como produções científicas. Trata-se, então, da visibilidade da dimensão micropolítica do fazer pesquisa e da produção do conhecimento em saúde.

No processo de pesquisa em saúde somos apresentados a diferentes modos de fazer pesquisa; temos, na ida a campo, contato com outras clínicas possíveis, com outros profissionais. É uma oportunidade de aprender com as pequenas cenas, de deixar as diversidades das distintas localidades produzirem alteridade no modo de pensar e compreender os contextos em análise. Por que os despreocupados gestos do cotidiano de pesquisa não vão constar no relatório final da pesquisa? Seriam menos ciência? Ou o problema é o que entendemos por ciência? "A literatura sobre a ciência é gigantesca. Mas, tal como a teologia ou a apologética, no caso da religião, ela supõe que se considere a ciência como fato adquirido" (Latour & Woolgar, 1997, p. 19).

Há conhecimento científico sendo invisibilizado pela própria ciência vigente. Se a ciência régia1 opera nas práticas científicas e no trabalho, também existem dobras e escapes cuja visibilidade não decompõe a ciência, mas cria condições de alargamento de suas lógicas. A pesquisa em Saúde não se esgota na análise sobre si. Produz também efeitos colaterais, relativos à lateralidade do como se analisa.

Esta discussão constrói seu alicerce teórico inspirada nas produções brasileiras no campo da Saúde Coletiva, nas pistas metodológicas da cartografia, na Análise Institucional, na narratividade de Benjamin, na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, entre outras obras e autores, buscando disjunções e interfaces entre eles. Esteticamente, tomamos de empréstimo do Movimento Tropicalista a antropofagia crítica da cultura do outro externo, como as culturas norte-americana e europeia, e do outro interno, a cultura dos ameríndios, afrodescendentes, eurodescendentes, descendentes de orientais. Assim como não se deve negar nem imitar a cultura estrangeira, aqui as teorias não são imitadas, mas deglutidas para produzir outras elaborações. É no entre desses autores, teorias, narrativas e experiências que este artigo cria corpo.

Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. (Deleuze & Guattari, 2011, p.49)

A nossa proposta de narrativa se inspira nos platôs de Deleuze e Guattari (2000): zonas de intensidade contínua, mapeamentos cujos movimentos descrevem um mesmo percurso, revelando, assim, a heterogeneidade, a coexistência, as imbricações e a importância das diferentes linhas que compõem uma multiplicidade. Parte-se do interior de um ou mais estratos e de seus dualismos na direção de suas condições de possibilidade, das máquinas abstratas que os efetuam e que os determinam como atualizações; simultaneamente, os estratos são associados como agenciamentos de poder que lhes são anexos e primeiros (Abreu Filho, 1998). Na narrativa, formulação do problema, introdução, referencial teórico e objetivos são coexistentes, e as suas divisões correspondem a placas, estrias paralelas com diferenças de escala, de correspondências e de articulações entre os platôs, estes datados, mas copresentes. Em conjunto formam uma rede, um rizoma. Num rizoma entra-se por qualquer lado, cada ponto se conecta com qualquer outro, não há um centro nem uma unidade presumida. São imanentes - imbricados uns nos outros, coexistem e se transformam.

A aposta em narrativas aposta também na utopia, justamente quando o nosso saber se faz insuficiente. É do precário, da insuficiência das categorias conceituais e do nosso interesse pela dor dos outros que podemos convocar nossa responsabilidade diante da escuta das histórias que precisam de testemunho (Sousa, 2007). E a produção de saúde e de cuidado está inserida na história de cada pessoa, se compõe com a história e modifica a história, mesmo que tenhamos aprendido que a ciência do cuidado transcende essa dimensão da vida.

 

Saúde e Medicina: há brechas na relação saber/poder?

A área da Saúde herda da Medicina um histórico de cientificização muito específico de controle e dominação. O século XIX viu o advento de uma Medicina Científica crítica à Medicina Clássica exercida até então. A nova medicina exigirá novas práticas institucionais e configurará novas relações de saber-poder. Esse mesmo século XIX assistiu às descobertas de Pasteur e Koch no campo da microbiologia, passando a atribuir patógenos determinados para certas doenças, passíveis de intervenção e prevenção. O desenvolvimento de tecnologias médicas, impulsionadas pelo Movimento Iluminista e por uma ciência cartesiana, inspirada nos ideais positivistas, consolidou a Medicina Científica Moderna. Nas narrativas sobre o nascimento da clínica e do hospital, Foucault (2004) apresenta a criação da experiência médica moderna e o surgimento de um "olhar anatomoclínico"2. O processo de surgimento da anatomoclínica e sua consolidação como uma nova vertente de caracterização das doenças não mais como um fenômeno vital, mas como a expressão de lesões celulares - funda a doença como a categoria central do saber e da prática médica (Nogueira, 2010; 2014).

Mas a ruptura mais feroz com o saber médico clássico não se dá por um refinamento conceitual ou pela nova utilização de instrumentos técnicos mais potentes. Há uma mudança de objetos e métodos segundo uma estratégia de controle biopolítico dos corpos, demarcando um deslocamento epistemológico de uma arte de curar indivíduos doentes para uma disciplina das doenças. A essa política voltada para a regulamentação dos processos e corpo das massas Foucault (2008) chamará de biopolítica. A biopolítica exige uma tecnologia direcionada para dispositivos que devem assegurar a vida da população, pois sua meta é controlar aquilo que possa limitar a vida do homem não em particular, mas enquanto força produtiva, enquanto consumidor, enquanto conjunto da espécie humana. Ao instituir a doença e o corpo como objetos, excluindo do campo da cientificidade a vida, a saúde e a cura, a medicina se inclui na racionalidade científica moderna (Luz, 2004).

[E]ssa série de fenômenos que me parece bastante importante, a saber, o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral de poder. Em outras palavras, como a sociedade, as sociedades ocidentais modernas, a partir do século XVIII, voltaram a levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma espécie humana. É em linhas gerais o que chamo, o que chamei, para lhe dar um nome, de biopoder. (Foucault, 2009, p. 3).

O biopoder, como tecnologia de exercício do poder, denuncia que as relações não acontecem somente no plano do sujeito em seu espaço restrito, mas se amplia também para o espaço da população. É enquanto saber capaz de servir como instrumento de biopoder que a medicina se legitimará. A perspectiva do fenômeno individual de adestramento do sujeito vai ser ampliada e, agora, serão levados em conta os fenômenos coletivos, a preocupação com a saúde e o bem-estar da população. A medicina é o reservatório de garantia de preservação da população e, também, política de policiamento que evita tudo aquilo que possa ameaçar a vida saudável da população. Vários procedimentos serão tomados para que se alcance o objetivo de preservar a vida considerada saudável da população, como, por exemplo, "uma medicina que vai ter, agora, a função maior de higiene pública, com organismos de coordenação dos tratamentos médicos, de centralização da informação, de normalização do saber, [...] de campanha de aprendizado da higiene e da medicalização da população" (Foucault, 2005, p. 291). Essas medidas são importantes para que se tenha controle de problemas como a natalidade e a mortalidade.

[A] ciência é, portanto, parte do Estado, fruto histórico da necessidade de sua intervenção na vida social e sobre a vida de populações que precisavam ser organizadas de acordo com a lógica das novas relações sociais. No capitalismo, a ciência não faz parte das 'idéias dominantes': ela é sua idéia dominante, sua mais brilhante idéia. (Luz, 1982, p. 16).

As ciências da saúde privilegiaram o controle sobre um corpo biológico abstrato, constituído por imaginários e estatísticas e atravessado pela lógica de mercado, o que tem efeitos diretos não só nos serviços e nas práticas de saúde, mas também nas pesquisas na área. As pesquisas em Saúde Coletiva não estão imunes a isso. Este ensaio, entretanto, trabalha na perspectiva de dobra3 possível, apostando que há inflexões das forças, brechas na ciência vigente, seja no modo como ela esquadrinha a vida para produzir conhecimentos, seja como constrói evidências sobre a produção da saúde. A imbricação da Ciência Régia na Saúde Coletiva será explorada a seguir. A desmontagem dessa trama entre os saberes-poderes-desejos da ciência aponta para uma produção outra de pesquisa, que aposte na potência das experiências de pesquisa em saúde como estratégias inovadoras. Desmontar conceitualmente em busca de outras saídas, para que se possa fazer furo nesse ideal social de verdade e de domínio sobre o corpo e a vida.

A Medicina racional, científica e moderna exigiu transformações no ensino e na prática médica desde o início do século XIX. O hospital - que torna possível reunir um grande número de doentes e realizar as observações necessárias ao estabelecimento das descrições anatomopatológicas e de necrópsias - se transforma em uma máquina de pesquisa e de ensino baseada na ciência cartesiana (Foucault, 2004). O saldo da medicina hegemônica se exerce como mecanismo intra e extramuros do hospital, um cuidado exercido como linha de montagem disseminada por todo o corpo social. Desse modo, ramifica-se uma microfísica das relações de poder, que é da ordem do exercício de individualização dos corpos, agindo para intensificar potencialidades e habilidades de forma concomitante à docilização política incitada pelo capitalismo e pela ciência (Ferla, Oliveira & Lemos, 2011).

Em uma análise da dimensão biopolítica, a vida é presa em sua quase totalidade, o capitalismo aposta na serialização e na reprodução de modos de existência. Potência, capacidade de invenção e produção são moduladas, capitalizadas, direcionadas para o consumo e para a uniformidade (Romagnoli, 2007).

No caso do Brasil, as políticas e instituições de saúde desempenharam um papel histórico inegável para a constituição e a estabilização da ordem sociopolítica (Luz, 1982; 2013). A vocalização frequente do discurso da biomedicina pelas políticas e instituições governamentais fez com que constituísse a categoria teórica de "instituições médicas" para designá-las. Em seu trabalho de analisar a constituição das instituições médicas no Brasil, Luz (1982) destaca que as práticas comuns às relações de poder-saber entre Medicina e Estado ajudaram a modelar certos traços estruturais da ordem social, entre os quais a tendência à concentração do poder e à exclusão das classes populares dos circuitos de decisão econômica, política e cultural do país, tendo a Medicina colaborado para um Estado centralizador e excludente. Tomando por base o discurso de neutralidade e instituição de Verdade da ciência, Medicina e Estado adquiriram o direito de intervir na vida das populações no sentido de higienizá-las, discipliná-las e organizá-las de acordo com a lógica das novas relações sociais.

 

Saúde Coletiva e o cuidado em saúde: entre a ciência vigente e suas tensões

A Saúde Coletiva, enquanto área do conhecimento, nasce a partir de uma tensão desnaturalizante da cristalização dos saberes da medicina moderna em torno da saúde e da vida. É, ela própria, fruto do multidisciplinar, impura, tensionando as distinções teoria-prática. A Saúde Coletiva é identificada como movimento que "contribuiu decisivamente para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e para enriquecer a compreensão sobre os determinantes do processo saúde e doença" (Campos, 2000, p. 220). A saúde coletiva nasceu da crítica ao positivismo e à saúde pública tradicional, constituída sob os alicerces da tecnociência e do modelo biomédico (Carvalho, 1996). É necessário, entretanto, reconhecer os desafios que a institucionalização do campo vem enfrentando, tanto no âmbito científico quanto no de práticas (Almeida Filho & Paim, 1999), pois esse processo tem bloqueado a reconstrução crítica dos saberes e práticas da Saúde Coletiva, afiliando-a ao cientificismo positivista.

Pois bem, apesar dessa origem, nota-se o recrudescer de um certo neopositivismo, advogando-se como método de trabalho [...]. Quer pela insuficiência do pensamento social incorporado à saúde coletiva para impulsionar práticas e projetos sanitários concretos, quer pela pressão exercida pelas agências financiadoras e pela própria instituição universitária no sentido de que a saúde coletiva adote, em sua construção teórica, normas e procedimentos padrões bastante assemelhados aos da medicina em particular ou aos da tecnociência em geral, observa-se um crescimento de prestígio do objetivismo na produção científica da área. [...] Outro não tem sido o procedimento dominante na medicina, que desautoriza, em princípio, todo o saber e toda a prática sobre saúde, produzidos fora de sua própria racionalidade. (Campos, 2000, pp. 221-2)

Em sua tentativa de se legitimar enquanto campo científico, a Saúde Coletiva não produziu a mesma crítica que a caracterizou no âmbito político. A Saúde Coletiva não aceitou o conceito de saúde como fato dado, desconstruiu a díade biologicista saúde-doença, inovou e afirmou novos saberes, mas em sua empreitada de institucionalização se deixa capturar pela ciência régia. Para Merhy (2004), a Saúde Coletiva trabalha com dois grandes caminhos nos processos de investigação científica. O mais consagrado deles, constitutiva e tipicamente cartesiano, "é composto por estudos que obedecem a desenhos investigativos, nos quais é clara e fundamental a separação entre o sujeito do conhecimento e o seu objeto de estudo" (Merhy, 2004, p. 3), conhecidos também como estudos quantitativos. De outro lado, reconhecido mas com menor visibilidade, há o conjunto dos estudos qualitativos, "que reconhecem a íntima relação entre sujeito e objeto, criando métodos de pesquisas que transformam esta 'relação-contaminação' em componente dos procedimentos epistemológicos, e que devem ser trabalhados na investigação da forma a mais objetiva possível" (Merhy, 2004, p. 3). Merhy (2004) aponta, entretanto, que estes dois tipos-padrão de estruturação dos estudos, que se ancoram na distinção pesquisador X objeto, não dão conta da complexidade vivida no cotidiano e na construção do conhecimento:

Pois, estas situações não têm se configurado como possíveis de serem capturadas pela construção pressuposta do sujeito epistêmico, para operar, depois, com garantias de objetividade e cientificidade, a construção de formas de conhecimentos e de saberes enquadráveis no campo legitimado e validado como científico. Seja sob a capa da investigação objetiva das ciências duras, seja sob a das ciências históricas e sociais (p. 4).

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por importantes análises da categoria médica de pensadores fundantes para o campo da Saúde Coletiva brasileira (Donnangelo, 2011; Luz, 2013; Merhy, 2014). Entretanto, num contexto de mudanças no padrão de consumo, acumulação de capital no setor saúde e inserção do médico no mercado de trabalho, foi produzido um esvaziamento dessas produções, como se os estudos clássicos já existentes fossem suficientes para clarificar os desafios políticos contemporâneos postos aos médicos e ao campo da saúde como um todo (Gomes, 2016).

Em sua recente tese de Doutorado, Gomes (2016) aponta que os estudos já existentes de análise da atuação médica são insuficientes para ajudar a construir, na atualidade, agendas de superação das lógicas vigentes. Para o autor, a categoria médica não se constitui como bloco político monolítico ordenado a partir das entidades médicas tradicionais, mas como multiplicidade, operando por dentro e por fora das organizações que pressupõem representála. Ainda assim, teríamos chegado a um ponto em que praticamente todos que compõem os grupos do movimento médico, seja por fora das organizações tradicionais ou os que operaram por dentro das entidades médicas, apostam: a biomedicina é que tem respostas para os problemas de saúde que enfrentamos. [...] o movimento médico, em suas várias formas de atuar, sinceramente, aposta na biomedicina (Gomes, 2016, p. 253).

Ao construir um olhar científico de profundidade sobre o corpo humano, a racionalidade biomédica desencadeou um adensamento tecnológico sem precedentes e se tornou predominante, apesar da fragmentação e redução do Sujeito. Quando o corpo é tomado em sua dimensão estritamente biológica, sem relação com os contextos, histórias e afecções do sujeito, excluem-se outros campos de saberes e outras práticas do cuidado à saúde. Sob o paradigma cartesiano, visando cumprir um rigor formal da ciência vigente, a medicina estipulou para si uma pretensa neutralidade a respeito das relações entre o sujeito que detém o saber e aquele que é objeto de seu olhar e da sua prática. E é nesta mesma aposta biopolítica que recai a Saúde Coletiva em sua institucionalização enquanto campo científico. Neste campo, colado ao modelo vigente, a pesquisa ainda dissocia pesquisador, campo e objeto.

Em sua produção, Ferla (2007) destaca uma crise da medicina moderna: ao analisar o conteúdo das produções veiculadas na Revista da Associação Médica Brasileira (RAMB) - a qual faz circular a produção mais geral da entidade médica brasileira no terreno científico -, o autor destaca um "silêncio" de produção científica. Para uma prática social que se fortaleceu e legitimou justamente pelo atributo de cientificidade, a circulação da ideia de crise nas produções científicas é um sintoma grave de uma doença na sua própria institucionalidade. Por outro lado, Ferla (2007) aponta alternativas emergentes à clínica e à pedagogia médicas, considerando a inovação como tensão capaz de produzir ruptura e transição do paradigma vigente, com reconfiguração de poderes e saberes.

No contexto desta crise, abre-se um conjunto de novas possibilidades de emancipação social, de reinvenção da democracia, de emergência de práticas e racionalidades [...] que foram colonizadas pela ordem moderna, institucionalizadas num conjunto de valores e práticas que foram se consolidando e apontaram, durante os séculos da sua vigência, regimes de verdade, ordenamentos para o espaço social, configurações identitárias, possibilidades legítimas. [...] aprisionaram-se as demais possibilidades de ser, existir e fazer, que são fortalecidas com a crise que atualmente se apresenta, juntamente com aqueles que foram se engendrando nos lugares periféricos, afastados das luzes da razão moderna. (Ferla, 2002, p. 213).

Que outras perspectivas de produção de conhecimento em saúde são possíveis, se desaprisionada a ciência do paradigma cartesiano, biomédico? O nomadismo da clínica (Ferla, 2002), como abandono das representações estanques para se comprometer com a qualidade e com a intensidade de vida, aposta em um cuidado capaz de escutar a vida e de produzir atenção à saúde configurada a partir de dimensões ético-estético-políticas e não-identitárias ou baseadas em evidências fisiopatológicas impessoais, atemporais e a-históricas.

Assim como a clínica pode apostar no nomadismo, entendemos que a pesquisa pode apostar na narratividade, enquanto elucidadora das intensidades da pesquisa e dos conhecimentos que excedem o paradigma cartesiano.

Merhy (2002) já apresentara uma gestão da estética do cuidado ao formular as naturezas tecnológicas que operam no trabalho e que o organizam. A tecnologia leve, além de constituir-se por um conjunto de tecnologias de natureza relacional utilizadas no cotidiano do trabalho, pode operar como gestora das ofertas para o usuário, singularizando o cuidado. Visualizar essa composição micropolítica do trabalho em saúde permite perceber um espaço de autonomia dos diferentes atores que requer protagonismos4 de todos que atuam na cena do cuidado, evidenciando uma dimensão criativa necessária para o cuidado, que está imerso num conjunto de fatores mais complexos do que os problemas de saúde inscritos na lógica biomédica. Ampliando a potência dessa análise para a produção de conhecimentos como trabalho, poderíamos refletir sobre a dimensão micropolítica na dependência de métodos e técnicas da ciência régia, reconhecendo que somos todos portadores de saber e em relação com o entorno, produzindo conhecimentos, desejando e disputando modos de viver, mesmo que sem reconhecimento acadêmico. São as pistas para refletir sobre uma dimensão relacional da produção do conhecimento.

A conceituação de "levante" proposta pelo filósofo anarquista Hakim Bey (2001), que se ocupou em estudar a sociedade de piratas e corsários do século XVIII, é ponto de partida na busca de fazer uma analogia com as brechas do conceito de ciência, para expandi-lo, como aceno para o que há de potente de produção de conhecimento. Segundo Bey (2001), as palavras "levante" e "insurreição" são utilizadas pelos historiadores para dar conta de revoluções que, supostamente, fracassaram por não haver a "tomada do poder". Mas o aparente fracasso seria, na verdade, o grande mérito do levante, pois tensiona a cristalização do poder ao fugir do ciclo "revolução, reação, traição, fundação de um Estado mais forte e ainda mais opressivo -, a volta completa, o eterno retorno da história, uma e outra vez mais, até o ápice: botas marchando eternamente sobre o rosto da humanidade" (Bey, 2001, p. 5). O levante produziria uma Zona Autônoma Temporária, enfatizando-se aqui o caráter transitório que, a partir de um pico de liberdade, questiona toda a estrutura do Estado, mas não o desmonta diretamente. "Libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se refazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la" (Bey, 2001, p. 5).

Brincando com a proposição de Bey (2001) e com as construções genealógicas foucaultianas a respeito da produção de conhecimento, diríamos que fazer ciência produz levantes na medida em que compõe espaço de resistência à vigência e que permite reconhecer os outros conhecimentos disparados no seu interior. Espaço que inventa a contramola que resiste5 e que acena para outra produção de ciência. O reconhecimento de tais pontos de ruptura como focos de resistência política é da maior importância, já que ataca a lógica do sistema não como abstração, e sim como experiência vivida (Guattari & Rolnik, 2013). Em um contexto de homogeneização que opera através da apreensão da vida, colando-a ao capital, pensar reversões dessa estratégia propicia deslocamentos. É importante frisar que é exatamente no que o poder investe que se ancora a potência de resistir. Produz-se levante e ruptura por dentro do instituído. Pensar a relação entre ciência e conhecimento é explorar também a política e os mecanismos cada vez mais sutis de dominação e de poder que gerenciam o cotidiano das subjetividades, em todos os domínios, e aqui, mais especificamente, no território da pesquisa em saúde.

 

A narratividade como estratégia

Entendendo que literatura não é o mesmo que ciência, mas tampouco o seu oposto, este artigo propõe como estratégias as narrativas densas, a partir da ideia de que realidades narrativas incitam reflexões metodológicas e teóricas (Morawska-Vianna, 2007).

Onocko Campos e Furtado (2008) produzem um trabalho de revisão sobre o uso da narrativa em pesquisas em Saúde e concluem ser a narrativa um dispositivo de mediação, uma ferramenta metodológica entre o que se diz e o que faz (discurso e ação). Para nós, entretanto, a narrativa é, em si, a metodologia e o produto: não faz mediação. Ela explora a capacidade de construir novos olhares sobre a pesquisa, não é codificada, lida, dissecada e interpretada em termos de teoria - é, ela própria, produtora de densidade, de rigor, de densidade analítica e de suavidade. A narrativa "não está interessada em transmitir o 'puro em si' da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele" (Benjamin, 1994, p. 205).

Walter Benjamin (1994) tinha como conceito central de sua filosofia a experiência e, como expressão desta, a narrativa, considerada a arte de contar uma história, um acontecimento infinito, "pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois" (p. 37). Não é a lembrança acabada de uma experiência, pois ela se reconstrói à medida em que é narrada. Para Benjamin (1994) , a narração tem como alvo a transformação do presente através da articulação do passado.

"Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como ele de fato foi'. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo" (Benjamin, 1994, p. 224). Benjamin (1994) não está colado com a pretensão de Verdade ao evidenciar a impossibilidade de narrar o passado "como ele de fato foi" (p. 224). A narrativa não firma compromisso com o discurso pretensamente universal da ciência positivista.

A contrapelo, portanto, das histórias oficiais, nas suas brechas, nas suas ruínas, nas histórias não contadas dos vencidos (barbárie) que subjazem aos seus monumentos (cultura) - é onde Benjamin situa, ética e politicamente, o ofício do historiador. Interessado nos restos, nos trapos do passado que foram esquecidos e que jazem inúteis, arrancando-os do contexto em que foram encerrados para arranjá-los em novos ordenamentos, consoantes ao presente, o historiador benjaminiano age como um trapeiro e colecionador. A narração da história, assim, não trata de enumerar sequencialmente os acontecimentos, mas, "fazendo emergir momentos privilegiados para fora do continuum cronológico". (Onocko-Campos, Palombini, Leal, Serpa Júnior, Baccari, Ferrer, et al., 2013, p. 2851)

Essa não é uma problemática que afeta somente a produção de conhecimentos pela história. Passos e Barros (2015) discutem uma "política da narratividade": "No trabalho da pesquisa e da clínica, de alguma forma, é sempre de narrativas que tratamos" (p. 150). Facilmente entendida como uma estratégia de coleta de dados, a narrativa pode reiterar uma percepção positivista de pesquisa, que separa pesquisador de seu objeto e que, ainda, utiliza-se das narrativas do sujeito de pesquisa para, através de um conhecimento superior, desvelar a verdade que ali habita. Mas a política da narratividade aqui é entendida na sua radicalidade, não só para tomá-la como estratégia de coleta de dados, mas para ter a própria narrativa como produto da pesquisa, do pesquisador-objeto.

Sobre a política da narratividade, Passos e Barros (2015) destacam que a escolha de uma posição narrativa não pode ser encarada como desarticulada das políticas (de saúde, de pesquisa, de subjetividade) em jogo, tendo em vista que, de saída, toda produção de conhecimento se dá a partir de uma tomada de posição que nos implica politicamente.

Em texto de 2004, Merhy discorre sobre as dificuldades encontradas por um de seus orientandos, que se depara com a insuficiência da noção de que o pesquisador não é neutro, produzindo uma reflexão sobre o sujeito implicado:

O seu problema é que além de sujeito interessado você é um sujeito implicado. Você é o pesquisador e o pesquisado. E, assim, o analisador e o analisado. Você é um sujeito militante que pretende ser epistêmico e os desenhos de investigação que temos como consagrados no campo das ciências não dão conta deste tipo de processo. Necessitamos pensar melhor sobre isso e encontrar novas pistas (Merhy, 2004, p. 2).

As pistas apontam, primeiro, para o reconhecimento da aposta das investigações hegemônicas em validações dos conhecimentos a partir do encontro entre sujeitos epistêmicos, armados de teorias e métodos - sujeitos epistêmicos constituídos a priori de qualquer pesquisa, integrados às lógicas de poder, da ideologia e dos afetos, inclusive do sujeito amoroso no processo de pesquisa (Merhy, 2004). Há, entretanto, estudos em saúde que procuram uma saída para a construção do conhecimento, não o reconhecendo dependente da ciência régia, convidando para ver, de um ponto de vista otimista e amoroso, outras ciências sendo feitas (Merhy, 2004).

Através de narrativas densas o narrador transmite uma história sem se colocar no ponto de vista de autoridade sobre um assunto natural e explicado. Ele efetua o papel de seguir transmitindo as experiências mesmo que nem tudo seja explicado, deixando aberturas para compreensões diversas.

Quando se percebe a pesquisa como ato de produção de aprendizagem, demarca-se a travessia entre o visível/sabido e a fronteira da produção de outras alternativas para aprender e desenvolver o trabalho (Ceccim & Ferla, 2008). Para dar conta dos desafios da pesquisa é preciso olhar a dimensão micropolítica e identificar a tensão, o ruído entre formas instituídas e o que pede passagem por todos os lados. Na dimensão micropolítica possibilita-se o desenvolvimento de tecnologias, inclusive de tecnologias leves, para superar os impasses do cotidiano de pesquisa (Merhy, 2014). Importante relembrar, como nos apresenta Luz (1988), que a matriz do conhecimento que embasa os modos vigentes de formar e pesquisar em saúde está colado num padrão de racionalidade que se distancia dessa expectativa e, portanto, há ousadia e inovação nessas iniciativas de pesquisa.

Destaque-se que o ensaio não se pretende como processo de desenvolvimento de ferramentas metodológicas para extrair do campo dados mais fidedignos. A narrativa não deve trabalhar para reiterar a ciência régia, mas para dar visibilidade aos intercessores6 que constituem a prática de pesquisa. Um intercessor produz movimento para a descoberta, para o não-saber. Parte-se do que se tem, do que se sabe, para o que não se tem, o que não se sabe, até, por exemplo, em práticas quantitativas. E nem ali o pesquisador é neutro, pois toma-se dos dados, produz ação política ativa e, nessa produção, contamina-se ao dar passagens para múltiplos processos de subjetivação e de fabricação de mundos.

Apontando afecções da pesquisa, o corpo do pesquisador sendo afetado pelo mundo, a narrativa depara-se com novos desafios: de que ordem é o rigor da pesquisa quando reconhecemos nossa implicação? "O rigor aqui é mais da ordem de uma posição ontológica do que metodológica, intelectual ou erudita: é um rigor ético/estético/político" (Rolnik, 1993, p. 6). E é seguindo as proposições de Guattari e Rolnik (2013) a respeito de pensar o compromisso que firmamos em nossa atuação, seja clínica, de pesquisa ou perante a vida, que estabelecemos um rigor ético-estético-político. Não se trata de um conjunto de regras tomadas como valor em si, metodológico, nem um regime de verdades, ou campo de saber, pois ambos são de ordem moral. O que Rolnik (1993) define por ético é o rigor com que escutamos as diferenças que se fazem em nós e afirmamos o devir a partir dessas diferenças. Estético porque não é domínio de um campo já dado, mas sim o de uma criação que encarna as marcas no corpo do pensamento, como numa obra de arte. Político porque este rigor é o de uma luta contra as forças em nós que obstruem as nascentes do devir. A maneira de produzir ação no mundo se faz na invenção de novos modos de viver e de intervir nas relações que nos impedem de vivenciar o estranho, o novo. Cartografar esses movimentos na experiência de pesquisa aponta para o rigor com que encaramos o campo. Ligar a pesquisa, o fazer da política pública que ela analisa e a aprendizagem que decorre desse processo na sua dimensão ética-estética-política. Esse é um desafio que faz sentido. Mas como realizá-lo no cenário da ciência contemporânea, que outorga legitimidade para o fazer acadêmico? São fragmentos, experimentações do pesquisador, mapeamentos da implicação que, "ao invés de viés de pesquisa, possam tornar-se, no tensionamento com a teoria, uma ferramenta para o revezamento teoria e prática" (Ferla, 2007, p. 19).

Toda e qualquer pergunta de pesquisa indica, em maior ou menor grau, o lugar de onde fala o pesquisador. Lugar teórico, epistemológico, ético, instituído e instituinte de possibilidades de olhar, de compreender, de (re)conhecer e de ser (re)conhecido, o que demarca a inexorável condição social do próprio pesquisador e do que investiga (Zanella & Sais, 2008, p. 684)

Há uma superfície de contato aqui que é negada na pesquisa feita na estreita observância da ciência régia. Se há superfície de contato, há possibilidade de contato. Um plano de contato que objetualiza e nega (como trabalho morto, trabalho alienado) e um plano de contato que potencializa (como trabalho vivo). A pesquisa precisa potencializar o acontecimento para tomar-se pelo compromisso político de produzir emergências contra o que atenua a vida e atenua também a autonomia7 do pesquisar. A pesquisa pode ser aprendizagem do pesquisar.

A pesquisa em Saúde Coletiva é um espaço de formação em ato, em que o pesquisador atua como gestor da produção de conhecimento. A aprendizagem da pesquisa como dispositivo para produzir capacidades profissionais fortalece a autonomia do sujeito no exercício do trabalho. A oportunidade de fazer conexão entre teoria e prática, de construir estratégias de atuação, contribui para a aprendizagem e autonomia. A pesquisa deve ser tomada como oportunidade de integrar os conhecimentos desenvolvidos no seu interior e de fortalecer a incorporação do trabalho coletivo de diferentes atores sociais, estudantes, professores, profissionais da saúde, usuários e gestores dos serviços públicos em saúde. Essa integração traz possibilidades e desafios para todos os envolvidos e fortalece a construção do conhecimento em saúde.

Os caminhos e modos de fazer pesquisa que se compreendem enquanto processo reverberam e ecoam em várias direções, produzindo efeitos e diferentes regimes de verdade que não necessariamente produzem certezas, mas novas perguntas e reflexões sobre o próprio objeto. Ou seja, não só produzem novas visibilidades e dizibilidades como também engendram processos inusitados de subjetivação, com a criação de outros sentidos no próprio processo instituinte da pesquisa (Cerqueira, Merhy, Silva, Abrahão, Viana, Rocha, et al., 2014).

A essa altura, a reflexão sobre o fazer-aprendendo na pesquisa nos faz encontrar com a educação permanente em saúde, ou seja, a aprendizagem que se faz no cotidiano do trabalho, a partir das questões que pertencem ao fazer cotidiano (Ceccim & Ferla, 2008). O fazer pesquisa pode gerar conhecimento significativo e desenvolver capacidades profissionais diversas daquelas "entre pares", disciplinares e fragmentárias da formação tradicional. Aqui, fazer pesquisa é negociar pontos de vista e deslocar-se o tempo todo; aprendizagem de si e do mundo; processo permanente de autoanálise.

 

Conclusão: apontamentos de um conhecimento menor

Não por acaso as análises deste trabalho remetem a relatos de viagem. O viajante tem pelo menos dois ondes, um dentro e um fora, um perto e um longe. O viajante é um aqui forasteiro (Pereira, 2017, p. 120).

Foi tentando tornar visível o desperdício da experiência que caracteriza a ciência vigente (Santos, 2002) que este artigo discute a impossibilidade de reduzir o fazer pesquisa a uma totalização abstrata dos fatos em busca da Verdade. A narrativa como estratégia de produção de conhecimento dá à pesquisa em Saúde, ao mesmo tempo, uma abordagem metodológica relativa à experiência do narrador que analisa e descreve, formulando um convite ao diálogo, uma vez que a narrativa não é exterior ou superior aos fenômenos que aborda, diferentemente dos modelos metodológicos totalizadores característicos do pensamento acadêmico vigente. Ganha-se, também, a abordagem empírica de quem percorreu diferentes campos, percebendo continuidades e descontinuidades do processo de fazer pesquisa. A Saúde é, aqui, simultaneamente campo empírico de pesquisa e dispositivo para a aprendizagem sobre a pesquisa, tornando-se parte da temática da narrativa.

Tomada pelas margens da pesquisa, a narrativa, antes de tudo, aponta para a força que a própria noção possui, em seus dois principais componentes: a escrita e a vida. Enquanto recolhimento de fragmentos e criação (e não somente como representação de um real já dado por um passado vivido), a narrativa se coloca diante de uma prática em pesquisa que tensiona toda metodologia positivista que separa pesquisador-objeto-experiência e que, dominado o "sujeito-pesquisador" e o objeto da sua pesquisa pelo conhecimento prévio e pela técnica, torna o processo, de certa forma, uma tautologia do já sabido.

Somos por dobrar as inconsistências do campo a partir da diversidade de experiências, através de movimentos inventivos, não prescritos ou reproduzidos. A aprendizagem como transformação é condição de autonomia, pensada como capacidade de produzir-se pesquisador e de produzir novas conexões. Trata-se de fazer pesquisa produzindo e intercambiando saberes, desenvolvendo a metodologia em paralelo à sua aplicação em contextos concretos da saúde. Pesquisa, portanto, com o gosto de Educação Permanente em Saúde.

Há aqui uma produção de sentido distinta do que se faz usualmente para a "formação", com base na produção epistemológica que embasa a educação permanente, tanto quando considerada como política do SUS, como também modo de produção do ensino-aprendizagem. A educação, nesse caso, é permanente também na pesquisa, por estar associada intimamente ao cotidiano. Uma associação (educação, pesquisa e cotidiano) que não é de mera aplicação do conhecimento disponível sobre o tema, mas de uma transversalidade, como propuseram Foucault e Deleuze. Não se trata apenas, na maior parte das vezes, de absorver conhecimentos e traduzi-los em dados, relatórios e avaliações. Trata-se de, o tempo todo, produzir deslocamentos com base na análise e pactuação de iniciativas locais, inclusive com o conhecimento prévio, que opera aqui como uma ferramenta para produzir tensões com a prática de pesquisa e o cotidiano do trabalho e, ao fazê-lo, transformar-se em novos conhecimentos e teorias. São essas tensões entre o instituído do fazer pesquisa e as brechas do cotidiano que a narrativa tenta tornar visível.

As narrativas não buscam o sentido lógico, uma razoabilidade de resultados, mas o entrelaçamento dos planos de afecções e das disciplinas, tomando como critério as suas diferenças e especificidades, assim como (e principalmente) as suas sombras e zonas de indistinção. Pode-se dizer que buscamos percorrer os conhecimentos menores da pesquisa. Para Deleuze e Guattari (2014), o menor de algo se estabelece na sua relação como diferença e pluralidade frente ao que se considera como padrão e norma8, propondo uma dobra na natureza do que é fixado e que se apresenta como identidade - no nosso caso, os conhecimentos despendidos pela ciência régia. Não é centralmente uma crítica à ciência régia o que se pretende aqui, visível também no campo da Saúde Coletiva, mas antes a afirmação de outras perspectivas para a pesquisa. As pesquisas em Saúde demonstram efeitos visíveis, quantificáveis e descritíveis, mas geram também aprendizagem pelas dobras: essa é uma afirmação que se quer registrar aqui pela narrativa.

Em um dos diálogos com Claire Parnet, Deleuze discorre sobre a escrita conjugar-se em fluxo aos devires-minoritários do mundo. Nesse aspecto, há determinadas literaturas que se apresentam como agenciamento, pluralizando linhas de fuga que promovem a criação desses devires, produzindo multiplicidades e efeitos, movimentando-se no seu devir. Segundo o autor, as "três características da literatura menor são a desterritorialização da língua, a ligação do indivíduo no imediato-político, o agenciamento coletivo de enunciação" (Deleuze & Parnet, 1998, p. 41-42). O campo da literatura nos permite a transversalidade, uma vez que se trata de uma análise sobre a vigência de certo modo de fazer nesse campo. "É o mesmo que dizer que 'menor' não qualifica mais certas literaturas, mas as condições revolucionárias de toda literatura no seio daquela que se chama grande (ou estabelecida)" (Deleuze & Guattari, 2014, p. 39).

Flanando por essas três características, a narrativa busca apontar o desvio do majoritário na ciência, descolar a produção de conhecimento de uma subordinação ao cartesiano. Os conhecimentos que dobram o padrão desrespeitam o critério de medida estabelecido e interiorizado como natural. Assim, "desterritorializar" tem a ver com provocar o pensamento e voltar-se aos movimentos micropolíticos da pesquisa. Não é apenas uma clínica biomédica que se identifica no cotidiano da pesquisa em saúde, senão um tensionamento dessa com o cotidiano das localidades e das pessoas, dando-lhe movimento (Ferla, 2007). Esse efeito se torna visível porque existe sensibilidade da pesquisa. Clínica e pesquisa requerem movimentos.

Há uma indicação importante de transposição da compreensão de tecnologia-leve do espaço da clínica para a pesquisa. A dimensão relacional, que precisa estar presente na gestão clínica, se apresenta no cotidiano da pesquisa. Minayo (1994) já destacava que "nada substitui, no entanto, a criatividade do pesquisador" (p.16); há uma dimensão artística necessária no cotidiano da clínica e da pesquisa, que trata de um plano relacional entre o pesquisador e a pesquisa, como entre o profissional e o usuário na clínica. Quando percebemos os indicadores forjados a partir da Epidemiologia, correlatos às tecnologias duras e leve-duras do fazer em pesquisa, percebemos que a produção do conhecimento capaz de fortalecer a diversidade e potencializar o caráter inclusivo das políticas públicas, quando se trata de avaliá-las, só se dá quanto acionamos uma dimensão relacional para agenciar os saberes.

Como parte da política de saúde e das instituições médicas9, a pesquisa em Saúde é, também, atravessada pelo biopoder. Nesse nível mais geral, então, o conceito de biopoder serve para trazer à tona um campo composto por tentativas mais ou menos racionalizadas de intervir sobre as características vitais da existência humana. Enquanto Foucault é de certo modo impreciso em seu uso dos termos no campo do biopoder, podemos usar o termo "biopolítica" para abarcar todas as estratégias específicas e contestações sobre as problematizações da vitalidade humana coletiva, morbidade e mortalidade, sobre as formas de conhecimento, regimes de autoridade e práticas de intervenção que são desejáveis, legítimas e eficazes (Rabinow & Rose, 2006). O biopoder e a ciência vigente, abraçados, estão constantemente engenhando e reinventando formas de captura.

Não é fácil pensar um poder que está nas infraestruturas, nos meios que as fazem funcionar, que as controlam e que as erguem. Como contestar uma ordem que não se formula, que se constrói passo a passo e sem palavra. Uma ordem que se incorporou nos próprios objetos da vida quotidiana. Uma ordem cuja constituição política é a sua constituição material. Uma ordem que se revela menos nas palavras do presidente do que no silêncio do seu funcionamento ótimo. No tempo em que o poder se manifestava por editais, leis e regulamentos, ele deixava lugar à crítica. Mas um muro não se critica: destrói-se ou grafita-se. (Comitê Invisível, 2016, p. 70).

O "poder tomou de assalto a vida" (Pelbart, 2015, p. 57), isto é, o poder penetrou em todas as esferas da existência e as mobilizou e as pôs para trabalhar em proveito próprio. Desde os genes, o corpo, a afetividade, o psiquismo até a inteligência, a imaginação, a criatividade, tudo isso foi violado e invadido, mobilizado e colonizado, quando não diretamente expropriado pelos poderes. Mas o que seria a resistência, senão algo que está em cena com o poder vigente? Este trabalho não sugere a possibilidade de completa superação das tendências descritas, o que significaria cair na mesma armadilha metodológica criticada e estabelecer um novo maior. Buscamos visibilizar as cores presentes no cotidiano cinza da ciência vigente, grafitar e abrir brecha nesse muro, encontrar as suas linhas de fuga. A narrativa revira o biopoder desde dentro, desde o interior da ciência e das políticas públicas de gestão da vida, afirmando que a pesquisa pode e deve ser também outra coisa mais intensiva do que extensiva, mais narrativa do que planilha, mais afetiva do que informativa. Tendo inspirações cartográficas e uma radical política de narratividade como estratégia10 de produção do conhecimento, percorrem-se os deslocamentos, registram-se os vestígios de encontros, dando passagem às intensidades que buscam meios de expressão. As cartografias são "resultados parciais, lances de uma viagem em terras estrangeiras. É essa a potência que o cartógrafo quer alcançar, de sentir-se estrangeiro dentro da própria morada, ele que de porto em porto se vê em um tempo outro, que empurra, traveste, ora rasga e ora costura o mesmo e o faz diferir" (Regis & Fonseca, 2012, p. 273). O cartógrafo-narrador aproxima-se da metáfora do flâneur (Benjamin, 1994), personagem urbano que sai de casa por sair e, nesse trânsito sem destino traçado, atenta para a cidade e vê além da uniformidade aparente. Como o flâneur, o cartógrafo desenvolve uma capacidade de estranhamento que o desenraizará tanto da percepção do habitualmente reconhecível quanto do utilitarismo herdado da sociedade capitalista moderna, no que se refere à produção científica. Transpondo um movimento que nasce no urbano do século XX para as paredes das salas de pesquisa, para o cotidiano do campo, o fazer metodológico nessa perspectiva quer registrar os movimentos, encontros e desencontros, e não a observação de objetos em suspensão (Regis & Fonseca, 2012).

O rigor dessa teoria está na coexistência entre extensivo e intensivo. Em seu trabalho conjunto, Feuerwerker e Merhy (2011) ponderam que a cartografia participa e desencadeia um processo de desterritorialização, uma construção espacial subjetiva no campo da ciência para inaugurar uma nova forma de produzir o conhecimento, um modo que envolve a criação, a arte, a implicação do pesquisador/autor/cartógrafo/narrador. Sobre o fazer cartográfico, Latour (2012) descreveu como uma espécie de "guia de viagem", na qual o pesquisador deve colocar-se "â deriva", bem como sugerimos narrativas que rastreiem os dentros e os foras da própria pesquisa. O que se busca não são as relações da causalidade ou os estatutos de Verdade, mas as afetações por força de um fora. Esse "fora" pode ser um afeto, um regime de signos, uma força que leve o pensamento a se tornar ativo, a envolver-se com a criação de conceitos que saltam como acontecimento, que possuem vibração intensiva. O conhecimento não é só o que é formulado a partir da reflexão; o conhecimento produz-se na experiência, expressão de formas de produção de conhecimento que operam não na cisão paradigmática sujeito-objeto da ciência régia, mas na perspectiva da constituição do sujeito pesquisador no mundo, in-mundo com o objeto (Cerqueira, Merhy, Silva, Abrahão, Viana, Rocha, et al., 2014). Interessado nos restos, nos trapos, nos acenos da pesquisa, o pesquisador-narrador aproxima-se do historiador benjaminiano e aponta para um possível desenvolvimento posterior do trabalho, evidenciando o caráter transdisciplinar da estratégia narrativa do ensaio, que extrapola o campo da Saúde. É quando a Filosofia, a Literatura, a Saúde, a Psicologia e a Educação importam, mais pela potência de afecção gerada pelos seus cruzamentos do que pelo estudo ou análise dos seus campos específicos. Segundo Deleuze (2002, p. 226), é de grande interesse pedagógico jogar no interior de cada disciplina as ressonâncias entre estes níveis e domínios de exterioridade.

 

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1 Gilles Deleuze e Félix Guattari (2012) discorrem sobre uma ciência nômade que se desenvolve excentricamente, muito diferente das ciências régias ou de Estado. Aquela não para de ser "barrada", inibida ou proibida pelas exigências destas, que impõem a sua forma sobre as invenções da ciência nômade e só retêm aquilo de que pode se apropriar, do resto fazendo um conjunto de receitas estritamente limitadas, sem estatuto científico ou simplesmente reprimido e proibido. É o limite dos fenômenos fronteiriços onde a ciência nômade exerce uma pressão sobre a ciência de Estado e onde, inversamente, a ciência de Estado se apropria e transforma os dados da ciência nômade.
2 Foucault (1980) inicia o prefácio de "O nascimento da clínica" com uma sentença explicativa contundente sobre o seu projeto: "Este livro trata do espaço, da linguagem e da morte; trata do olhar" (p. VII). A partir desse anúncio, o autor constrói uma narrativa sobre o deslocamento histórico de uma medicina clássica, fundamentalmente humoralista, cujo objeto é a doença como essência abstrata, para uma medicina anatomoclínica, uma medicina do corpo e das lesões. Houve uma conversão do olhar médico, que passou a incluir a morte em seu conjunto técnico e conceitual, já que "a morte era a única possibilidade de dar à vida uma verdade positiva" (Foucault, 1980, p. 166).
3 Peter Pal Pelbart (1989) nos interroga sobre o fora e a dobra. A força é relação com outra força, sem realidade em si, sua realidade íntima é sua diferença em relação às demais forças, que constituem seu exterior. Cada força define-se pela distância que a separa das outras forças, a tal ponto que qualquer força só poderá ser pensada no contexto de uma pluralidade de forças. Essa pluralidade é o Fora. O exterior da força é também sua intimidade, pois é aquilo pelo que ela existe e se define. O Fora não é a plenitude de um vazio onde viriam alojar-se as diferentes forças previamente constituídas. O Fora é a distância entre as forças, isto é, a Diferença.
4 Merhy (2002) utiliza-se da metáfora do trabalho vivo (na verdade, uma categoria marxista para a análise do trabalho) para dizer de um trabalho criativo, no sentido de expressar uma dimensão ética, estética e política do trabalho como condição de humanidade.
5 "Primavera nos Dentes" no álbum "Secos e Molhados" de Secos e Molhados (1973).
6 Intercessor, segundo as proposições de Deleuze e Guattari, remete "ao verbo interceptar, com suas conotações de deriva, devir, desvio; ou, paralelamente, ao verbo interceder, menos por suas ressonâncias religiosas do que pela função de correlação recíproca que implica - em um 'ceder entre', nada se preserva como antes do próprio ato" (Rodrigues, 2011, p. 236).
7 Ferla (2007) aponta que o discurso da corporação médica define a autonomia profissional como subordinação do profissional e dos saberes que mobiliza para exercer sua clínica de acordo com as melhores evidências do conhecimento. Ou seja, o profissional se torna assujeitado pelo discurso da ciência vigente e pelos valores que a sustentam. Na pesquisa, o domínio da técnica assujeita o pesquisador e produz nele cegueira em relação ao seu objeto de pesquisa. Nesse artigo há antes uma proposta de pesquisa como trabalho vivo, produção de si, aprendizagem (Merhy, 2002).
8 "A noção de minoria, com suas remissões musicais, literárias, linguísticas, mas também jurídicas, políticas, é bastante complexa. Minoria e maioria não se opõem apenas de uma maneira quantitativa. Maioria implica uma constante, de expressão ou de conteúdo, como um metro padrão em relação ao qual ela é avaliada. Suponhamos que a constante ou metro seja homem-branco-masculino-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual qualquer (o Ulisses de Joyce ou de Ezra Pound). É evidente que 'o homem' tem a maioria, mesmo se é menos numeroso que os mosquitos, as crianças, as mulheres, os negros, os camponeses, os homossexuais... etc. É porque ele aparece duas vezes, uma vez na constante, uma vez na variável de onde se extrai a constante. A maioria supõe um estado de poder e de dominação, e não o contrário. Supõe o metro padrão e não o contrário" (Deleuze & Guattari, 2011, p. 55).
9 Instituições médicas é categoria teórica produzida por Madel Luz (1982) para referir-se à predominância do discurso biomédico nas políticas de saúde.
10 Edgar Morin (1996) define a opção pelas estratégias de pensamento em detrimento dos programas de pensamento: "Um programa é uma sequência de atos decididos a priori e que devem começar e funcionar um após o outro, sem variar. Certamente, um programa funciona muito bem quando as condições circundantes não se modificam e, sobretudo, quando não são perturbadas. A estratégia é um cenário de ação que se pode modificar em função das informações, dos acontecimentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso da ação. Dito de outro modo: a estratégia é a arte de trabalhar com a incerteza. A estratégia de pensamento é a arte de pensar com a incerteza. A estratégia de ação é a arte de atuar na incerteza" (p.284).

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