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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.18 no.spe Assis  2019

 

ARTIGOS

 

O Grupo psicoterapêutico no discurso do analista: um novo dispositivo da clínica na Atenção Psicossocial1

 

Psychotherapeutic Group in the disc ourse of the analyst: a new device of the clinic in Psychosocial Care

 

 

Abílio da Costa-Rosa

Psicanalista e Analista Institucional, Professor Livre-Docente do departamento de Psicologia Clínica da UNESP/Assis, SP. Foi um importante trabalhador, teórico e militante do campo da Saúde Mental Coletiva. Nos últimos vinte anos de sua vida, dedicou-se, apaixonadamente, à formação de trabalhadores para esse campo, atuando como professor nos cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia na Universidade Estadual Paulista (UNESP) - campus de Assis. Fundador do "Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (LATIPPSS) - associado ao Grupo de Pesquisa "Saúde Mental e Saúde Coletiva" inscrito no diretório de grupos do CNPq

 

 


RESUMO

Procura-se fundamentar teórica e tecnicamente uma nova proposta de grupo psicoterapêutico a partir da psicanálise, com as contribuições de Jacques Lacan: na releitura de Freud, na proposição de uma teoria dos discursos como laços sociais, e em suas considerações sobre a grupalidade. Tomo como ponto de partida e apoio para a reflexão e elaboração um texto importante de Jurandir Freire Costa sobre a teoria e prática dos grupos psicoterapêuticos, procurando fazer uma leitura crítica com base nas contribuições citadas de Lacan, e na minha experiência como psicoterapeuta de grupos e como pesquisador do tema. Partindo da redefinição lacaniana de alguns conceitos importantes na psicanálise de Freud - inconsciente, sujeito, transferência e interpretação - chegamos à proposição de um modo diferente de realizar o grupo psicoterapêutico; de um contorno ainda não praticado para a função do psicoterapeuta; e de uma concepção particular de seu funcionamento e dos seus efeitos. Propomos a redefinição do grupo, assim conceituado, como um possível operador fundamental das práticas da Atenção

Palavras-chave: Grupo Psicoterapêutico, Psicanálise, Atenção Psicossocial, Lacan


ABSTRACT

We aimed substantiating theoretical and technically a new proposal of psychotherapeutic group based on psychoanalysis, with the contributions of Jacques Lacan: In Freud's rere ading, in a proposition of the discourses theory as social bonds, and in his considerations about the group. I've been taking as a starting point and support for reflection and elaboration an important text of Jurandir Freire Costa about the theory and the practice of psychotherapeutic groups, seeking to make a critical reading based on the contributions of Lacan, and in my experience as a group psychotherapist and as a researcher on the subject. Starting from the Lacanian redefinition of some important con cepts in Freud's psychoanalysis - unconscious, subject, transference and interpretation - we've coming to the proposition of a different way of performing the psychotherapeutic group; of a contour not yet practiced for the function of the psychotherapist; and of a particular conception of its functioning and its effects. We propose the redefinition of the group, conceptuallized as a possible fundamental operator of the practices of Psychosocial Care, in the intercession with the psychic and subjective impas ses that currently present in the field of Collective Health.

Keywords: Psychotherapeutic Group, Psychoanalysis, Psychosocial Care, Lacan


 

 

Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar uma hipótese de trabalho com o dispositivo grupo psicoterapêutico, dentro dos pressupostos teóricos e técnicos da psicanálise de Jacques Lacan, partindo da seguinte pergunta: o grupo de psicoterapia ainda será um bom dispositivo de produção para os impasses de subjetivação que, expressos em sofrimento psíquico, se apresentam atualmente no campo da Saúde Coletiva?

Num primeiro exame geral das principais conceituações, chama a atenção certo impasse das correntes e dos autores para definir o grupo psicoterapêutico. As influências da psicanálise, presentes desde a origem das primeiras experiências, têm em comum a utilização do conceito de inconsciente, embora nem sempre definido de modo consensual, e às vezes mesmo pouco claro como conceito. A esse propósito, o ponto de partida teórico, conforme seja mais freudiano ou kleiniano, parece influenciar a produção de concepções ora mais, ora menos, reificadas do inconsciente; concepções que se refletem na configuração teórica e prática do grupo psicoterapêutico que acaba prevalecendo.

Minha hipótese de trabalho se apóia na releitura lacaniana de alguns conceitos freudianos fundamentais: inconsciente, transferência, sujeito e interpretação; apostando em que ela nos prestará inestimáveis serviços na redefinição do conceito de inconsciente, bem como do grupo de psicoterapia como um dispositivo de produção. Esta redefinição do grupo psicoterapêutico também se apóia na conceituação lacaniana dos Discursos como laços sociais, especificamente o laço social denominado Discurso do Analista, que descreveremos a seguir.

Para sublinhar nossa conceituação da consistência do grupo psicoterapêutico como dispositivo de produção, acrescentamos a tese de Marx (1978), que enuncia que toda a produção humana é simultaneamente produção da produção e reprodução das formas estruturadas e dos modos dessas formas de produção; formas e modos que incidem diretamente sobre seus produtores. Portanto, também no caso dos grupos, sejam quais forem seus objetivos produtivos, sempre estará em questão a produção/reprodução subjetiva dos seus componentes. Ainda mais radical poderá ser a validade dessa tese, quando se tratar dos grupos de psicoterapia, pois por considerarmos que na produção de saúde psíquica, ou seja, na produção de sentido para as injunções da vida cotidiana, os sujeitos do sofrimento são os principais produtores, redobrando, assim, esses efeitos de subjetivação.

A superação de certas visões reificadas do inconsciente, do sujeito, da transferência e da interpretação, que caracterizaram uma das contribuições da psicanálise à psicoterapia dos grupos; a caracterização da especificidade do grupo como dispositivo de produção, e da especificidade própria dessa produção; a designação de quem são, nesse caso, os produtores principais poderão nos permitir tirar consequências mais eficazes e eficientes da utilização do dispositivo grupal para as práticas psicoterapêuticas junto à Demanda Social2 que se expressa nos diferentes impasses psíquicos que pedem intercessão e (inter)locução nos espaços territoriais dos municípios.

No campo da Saúde Mental Coletiva há uma série de implícitos e representações sociais sobre o que é sofrimento psíquico, a quem se dirigem as demandas de ajuda e (inter)locução, e quais são os diferentes tipos e modos consensuais de resposta à disposição. Essas representações dependem radicalmente da capacidade que as instituições do Território têm de dar continência aos impasses da população. Capacidade que, por sua vez, depende dos modos como tais instituições efetivamente se situam, e de como elas se vêem e são vistas por essa população. É nesse contexto que interessa situar o grupo psicoterapêutico, apresentando-o como dispositivo de produção. Procuraremos defini-lo como um meio capaz de interferir derrogando os circuitos doença-cura, traduzidos em outros circuitos mais imediatos como queixa-internação, queixa-medicalização, queixa-suprimento, entre outros; capaz também de ajudar a superar as visões da instituição como interioridade do Território. Visões que se traduzem também em diferentes formas de adonar-se das questões dos sujeitos que procuram as instituições, desde aquelas simplesmente maternalistas e paternalistas, até outras mais sofisticadas teórica e tecnicamente, mas cujo resultado não difere no tamponamento das pulsações instituintes presentes nas queixas e pedidos de ajuda.

Nessa perspectiva o grupo como dispositivo nos parece próprio para dar processamento às pulsações instituintes encarnadas nos sujeitos dos sintomas e de outros sofrimentos, na medida em que sua ética visa à organização e ao processamento dessas pulsações pelo próprio grupo, compreendido, portanto, como autopoiético. Na modalidade de grupo psicoterapêutico proposta, o lugar do psicoterapeuta "desenha o vazio central que toma o lugar da exceção, do governo do conjunto" (Laurent, 1998a, p. 247). A elaboração desse vazio central de liderança, "vazio de especialista", coincide com a construção do grupo como coletivo de trabalho, como dispositivo analítico. Esse vazio de especialista não pode ser confundido com vazio de psicoterapeuta, que continua com seu lugar e função essenciais. Na definição proposta para a função do psicoterapeuta, exceto no imaginário de seus participantes, ele não terá mais qualquer lugar central, talvez mesmo o próprio vazio em que ele opera não possa mais ser considerado central; consequência da velha tese das transferências multilaterais e do descentramento, operado nesta modalidade de grupo psicoterapêutico, do indivíduo em direção do sujeito compreendido como produção de sentido inconsciente.

 

Um texto como (pré)texto

Tomarei como base inicial para esta elaboração algumas afirmações inseridas no livro "Psicanálise e Contesto Cultural: imaginário psicanalítico, grupos e psicoterapias", de Jurandir Freire Costa (1989), uma contribuição fundamental das mais recentes à teoria e prática da psicoterapia de grupo elaboradas no campo da psicanálise. Suas afirmações desempenharão a função de pedra de toque e fornecerão alguns dos pontos de apoio para desdobrarmos as hipóteses com que pretendemos discutir e analisar as possibilidades de realização da psicoterapia de grupo a partir da teoria freudiana relida e desenvolvida por Jacques Lacan; sobretudo, sua teoria dos Discursos como Laços Sociais (Lacan, 1992). Convém assinalar que embora façamos falar os argumentos de Costa um pouco além dos seus enunciados imediatos, procurando captar algo do seu processo de enunciação, jamais pretendemos criticá-lo por afirmações ou objetivos que não foram originalmente os seus.

 

Crítica ao "grupo como essência"

Destacamos como essencial, para as proposições em que pretendemos fundamentar nossa proposta do grupo psicoterapêutico, alguns pontos nodais dessa parte do texto de Costa (1989).

Argumenta contra a idéia do grupo como fato natural, como essência a priori, que se manifestaria na oportunidade da reunião entre indivíduos para fins diversos. A diversidade das propostas quanto à fundamentação teórica, técnicas de trabalho do psicoterapeuta, finalidade dos grupos é suficiente para ele justificar a tese de que os grupos psicoterapêuticos não são fatos naturais; que, portanto, não existe uma grupalidade como "essência" dos grupos, capaz de se manifestar a priori. Fica implícito, como é sabido desde os primeiros relatos com grupos, que a grupalização é uma tarefa do trabalho do grupo e no grupo. Vários autores, com destaque para Bion (1975), deixaram isso suficientemente demonstrado.

Nessa argumentação também fica patente que algo se manifesta de imediato, quando os indivíduos se reúnem com fins diversos. Trata-se da atualização da dimensão imaginária, que pode ser pensada em duas direções: como imagem coletiva, social ou extra-individual que o grupo apresenta, e como fantasia particular que o indivíduo faz do grupo. A atualização do imaginário congrega um conjunto importante de fenômenos, cuja consideração é fundamental para a realização do grupo psicoterapêutico. Costa (1989) afirma que, embora seja uma realidade específica no campo sociológico, portanto um fato em si, o grupo, quando funciona como tal no campo da psique individual, opera efetivamente como fantasia. Extrai daí a importância de se incluir no campo da análise a própria imagem do grupo para cada um dos componentes, com as fantasias e valores de que é portadora.

A essa importância do imaginário - que irá manifestar-se transferencialmente no grupo, segundo a lógica elucidada por Freud (1981) para o indivíduo, de modo muito mais complexo como transferências cruzadas - convém acrescentarmos uma formulação de Lacan (1979) sobre o mesmo tema: para ele, antes de tudo no início da transferência está o saber. O tema da transferência, fundamental para qualquer tratamento psicanalítico, será também um dos parâmetros da compreensão do grupo baseado na teoria dos laços sociais elaborada por Lacan (1992), sobretudo no que diz respeito às passagens de discurso.

Ao argumentar contra a hipótese do homeomorfismo entre aparelho psíquico individual e um suposto aparelho psíquico grupal, nos termos propostos por Kaës (1977), por exemplo; faz uma ressalva que vale a pena destacar para nossos fins: considera que pode haver algo interessante na idéia do homeomorfismo, embora não pelos motivos arrazoados por Kaës. Mesmo não revelando seus motivos, podemos supor que são os de Freud (1980): todo o individual é simultaneamente social, pois não há indivíduo que seja formado fora das relações sociais. Procuraremos tirar consequências teóricas e técnicas no trabalho com o grupo psicoterapêutico, a partir do desdobramento dessa ideia realizado por Lacan (1998c): se todo o sujeito se forma a partir de sua inserção na linguagem, então "o coletivo não é nada senão o sujeito do individual" (p. 213).

 

A função do psicoterapeuta de grupo: primeira caracterização

Na sequência de seu texto, Costa (1989) faz uma síntese que também nos interessa analisar. É a oportunidade para introduzirmos sua hipótese a respeito da função do grupo para os indivíduos que o formam e também apresentarmos as primeiras idéias sobre a função e o modo de operar do psicoterapeuta de grupo no dispositivo grupal tal como estamos propondo sua definição.

Costa começa afirmando que os supostos básicos de Bion configuram a hipótese de que no grupo se produz algo da ordem do imaginário, que é irredutível à problemática individual, quando os sujeitos se reúnem com o objetivo da psicoterapia; que a contribuição de Pichon-Rivière mostra que é necessário contextualizar os grupos; e que mesmo a definição, de Kaës, do grupo como realidade em si, existente antes dos indivíduos que o compõem, iria na mesma direção.

Destacamos os aspetos da discussão que interessa recortar a partir da questão: o que é o grupo e quais são o lugar e a função do psicoterapeuta?

A propósito da análise das intervenções dos terapeutas grupalistas o autor reencontra novos argumentos para fundar sua hipótese sobre a naturalização do grupo em vários deles. Cita alguns jargões presentes nas comunicações realizadas no grupo, ou quando se referem a ele teoricamente ou em loco: "o grupo pensou..., o grupo sentiu..., fantasiou..., foi interpretado desta ou daquela maneira" (Costa, 1989, p. 47). De fato, isso pode ser constatado através das leituras desses autores, entretanto, parece tratar-se muito mais de argumentos de Costa para introduzir, com mais impacto para o leitor, as primeiras formulações sobre seu manejo técnico dos grupos terapêuticos: "se o que se vê é um indivíduo imaginando o que seja um grupo ou um grupo de pessoas imaginando o que seja um indivíduo (...) por que não se referir diretamente à pessoa em questão" (p. 47) em vez de dirigir-se ao pretenso ser do grupo? O autor acata o pressuposto de que no grupo o objeto da interpretação são fatos transindividuais ou interindividuais, porém reforça sua tese de que isso não autoriza o terapeuta a dirigir-se a um suposto grupo, em vez de fazê-lo diretamente com as pessoas ou com os agrupamentos dentro do grupo: "em vez de dizer o grupo está sentindo isso ou aquilo; por que não dizer eu acho que o senhor e a senhora estão sentindo... o que os senhores acham e o que as outras pessoas acham?" (Costa, 1989, p. 48, grifo nosso). Não havendo nenhum ser grupal que pudesse responder e mesmo ao terapeuta ou mesmo contestá-lo, teríamos aí mais um argumento para nos dirigirmos sempre aos indivíduos e não ao grupo como tal.

 

O grupo psicoterapêutico no Dispositivo do Discurso do Analista

É hora de introduzirmos um comentário mais extenso, justamente sobre a concepção do grupo e do lugar e funções do terapeuta de grupo. Sobre o grupo como dispositivo de psicoterapia convém agregarmos duas idéias importantes referidas anteriormente: o que mais importa no grupo são os fenômenos transindividuais e interindividuais, e o grupo é um representante-representação das pulsões (esta, vinda de Kaës); idéias de que talvez ainda não se tenha tirado as melhores consequências para a prática dos grupos psicoterapêuticos.

Distinguimos, com Costa, a idéia dos acontecimentos relevantes no grupo como inter e transindividuais, das idéias sobre um pretenso a priori da grupalidade do grupo. Quanto à primeira idéia, creio que só podemos tirar dela as consequências pertinentes se trocarmos o nosso pano de fundo teórico-técnico psicanalítico. Ou seja, ultrapassando as confusões entre indivíduo e sujeito, poderemos pensar o sujeito como transindividual. Para Lacan (1979; 1998c), o sujeito é o efeito da entrada do homem na linguagem, o sujeito dividido entre consciência e inconsciente, daí deduz que o sujeito do coletivo é o mesmo que do individual; por outro lado, ultrapassando dialeticamente a concepção freudiana do inconsciente como "outra cena", recalcado da história individual, Lacan introduz a noção de sujeito como corte, como efeito de enunciação no campo dos enunciados; o sujeito representado por um significante no Outro. Isso permite que avancemos para a compreensão do inconsciente como produção dinâmica de sentido novo veiculado pelos significantes enunciados no grupo, em cadeias e sob transferência, cadeias especialmente articuladas ao modo do enxame (Lacan, 1979). Isso nos facultará a hipótese de que esse sentido pode ser produzido tanto individual quanto coletivamente sem precisarmos recorrer a outro a priori famoso, que é o do inconsciente coletivo. Ou seja, o grupo, ligado sob a modalidade da transferência de trabalho, pode construir várias cadeias de sentido que sejam apropriadas por cada um dos seus diferentes componentes, e mesmo conjuntamente em algumas situações. A própria produção de sentido pode ser individual ou trans-individual.

Apenas esses argumentos parecem suficientes para concebermos o grupo como dispositivo de subjetivação em termos inteiramente novos. É nessa direção que talvez possamos tirar novas consequências da hipótese, baseada em Freud e Lacan, do grupo como representante-representação das pulsões. Tentemos tornar menos abstrata essa formulação. Os representantes-representação (V orstellungsrepräsentanz) das pulsões são justamente as primeiras categorias significantes, inscrições com sentido, que permitem às pulsões serem "palatáveis" ao sujeito. Através dos representantes-representação o real angustioso, traumático, pode ser inscrito em elementos simbólicos. Dito de outro modo, certas dimensões da experiência angustiosa que não encontram correspondentes entre o conjunto dos significantes recalcados do indivíduo podem ganhar no grupo novas inscrições de sentido, através dos significantes produzidos pelos componentes do grupo, incluindo o psicoterapeuta, vinculados tansferencialmente e numa posição de implicação subjetiva em relação a seu próprio sofrimento. Pois bem, se aceitarmos a hipótese de que o grupo pode ser um dispositivo de produção dinâmica de sentido significante, por que ele não poderia ser também âmbito de produção de representantes-representação da pulsão?

Neste momento da nossa argumentação também parece respondida a questão a respeito da consistência individual ou coletiva da produção do grupo psicoterapêutico.

 

Funções do terapeuta de grupo e discursos como laços sociais

Passemos agora para a análise das funções do terapeuta de grupo. Também aqui é necessário acrescentar algo essencial além do pano de fundo teórico considerado por Costa. Se fossemos caracterizar o terapeuta que é o referente da sua crítica, teríamos que dizer que ele ainda é algo como um amálgama de mestre, psiquiatra e chefe. Analisado à luz da teoria lacaniana dos discursos como laços sociais (Lacan, 1992), que definiremos a seguir, não há como evitar introduzi-lo no lugar do agente ora no Discurso do Mestre ora no Discurso da Universidade; e não é que Costa tenha precisado tirar essa figura de sua própria imaginação: a realidade está povoada, aparentemente até demais, por essas figuras de analista-terapeuta-mestre. É claro, por outro lado, que um terapeuta assim situado como agente no Discurso do Mestre não vai dirigir-se aos indivíduos, no grupo, como sujeitos; toma-os no máximo como indivíduos portadores de saber consciente. Como já vimos, o nosso pano de fundo teórico e ético distingue claramente o sujeito e o indivíduo. Ademais, o modo da argumentação de Costa que consiste em criticar tal terapeuta por suas ações vindas desse lugar de mestre-agente, sem referência ao fato de que essa é apenas uma das possibilidades de ele agir, entre outras, traz um problema para sua argumentação. Parece acabar por reafirmar essa posição como cabível ao terapeuta de grupo fundado na psicanálise, sem ver que essa é apenas uma leitura existente da psicanálise, embora bastante frequente. Ou seja, acaba criticando aquilo que deveria ser posto abaixo da crítica, deixando fora de análise outras posturas que não se incluem no modelo criticado. Estas talvez pudessem representar uma transição para a configuração do modo de funcionamento do grupo proposto por ele.

Veremos que seu modo de operar no grupo recupera algo fundamental da postura freudiana que consiste em deixar ao sujeito o lugar de protagonista fundamental de produtor do sentido capaz de dar conta do seu sofrimento. Parece apropriado partirmos de uma análise mais ampla dessas possibilidades de laços inter-humanos sociais para pensar a ação do psicoterapeuta, seja ele grupal ou individual. A referência necessária a Freud torna inevitável o recurso direto à psicanálise pós-freudiana de Lacan, especificamente sua teoria dos discursos. E principalmente às consequências que são tiradas da definição do Discurso do Analista como um laço social de produção específico, e da consideração das passagens discursivas como possibilidades de enunciar diferentes modalidades de produção nos grupos psicoterapêuticos.

Nesse laço discursivo se especificam os lugares, as funções do analista e, por consequência, as funções dos psicoterapeutas que se pautam pelo Discurso do Analista como horizonte do laço social da psicoterapia. Essas consequências dizem respeito principalmente aos efeitos produtivos quanto a sua consistência e direção, ou seja, quanto aos resultados terapêuticos possíveis e suas implicações éticas.

Dessa parte da teoria dos discursos é suficiente explicitarmos os aspectos que interessam a nossa reflexão imediata. Trata-se de um dispositivo de quatro lugares, que podem se preenchidos por elementos que se revezam em cada lugar, determinando, conforme a ocupação de tais posições, as diferentes possibilidades discursivas, isto é, as várias modalidades de laços sociais de produção. Esses quatro lugares são especificados na estrutura discursiva como: o agente, o outro, a produção e a verdade, na seguinte disposição (figura 1).

 

 

Da verdade é preciso dizer que ela é definida como "não-toda", pois nenhuma ação de produção é capaz de atingir cabalmente seus fins, por melhores ou piores que sejam. Esses lugares podem ser ocupados pelo sujeito ($), o objeto (a) e os significantes (S1 e S2), símbolos da álgebra lacaniana, cujo sentido pode variar segundo o contexto teórico e da práxis em que são empregados. Nesse caso, a conotação de $ repete a hipótese freudiana do sujeito do inconsciente: entendamos o $ como emergência de sentido inconsciente; o a conota o semblante dos objetos do desejo, o objeto-causa do desejo, a dimensão pulsional da existência, e o gozo; S1 conota o significante mestre, por sua propriedade de introduzir cortes radicais de sentido, e também por ser o primeiro significante introduzido por um sujeito particular na cadeia de significantes; S2 conota o saber em geral, o conjunto dos significantes, figurando, às vezes, o próprio campo simbólico, ou o campo do saber inconsciente para um indivíduo. Do S1, como significante mestre, convém destacar, ainda, o recorte que é efeito do encontro bifurcante de S1 e S2, do seguinte modo, considerando, por exemplo, um sujeito em análise: emerge um saber inconsciente - chiste, sonho, lapso, etc. - (S1), mais outro (S1), mais outro (S1) e assim por diante, até que esses significantes novos podem se potencializar e conseguem mudar o estatuto de S2, ou seja, mudar uma parte decisiva do conjunto de sentido inconsciente para um sujeito; essa mudança pode ser capaz de determinar, por exemplo, transformações na posição subjetiva em relação ao sentido do sintoma e mesmo no seu estilo sintomático. O significante S1, definido como significante-mestre e como enxame, é capaz de fazer divergir o sentido de S2. Esses fundamentos nos permitiram definir, em outro lugar, a clínica na Atenção Psicossocial, como clínica do clinâmen, da bifurcação de sentido, por oposição à clínica médico-psiquiátrica que está em consonância com o princípio doença-cura; e mesmo por oposição a um conjunto amplo de psicoterapias ditas psicanalíticas, que também situam, de diferentes modos, o sujeito na posição de objeto (Costa-Rosa, Luzio & Yasui 2003).

Lacan define do seguinte modo o significante mestre: S1 (S1 (S1→ S2))). O significante mestre é esse encontro do saber inconsciente novo com o saber inconsciente estabelecido, capaz de produzir seu clinâmen, seu inclinar-se em outra direção, seu divergir de sentido, recolocando o sintoma ou outras formas do sofrimento psíquico em novo estatuto (Quinet, 1999).

Vejamos agora algumas características desses laços sociais que nos serão úteis para a análise dos grupos psicoterapêuticos: o Discurso do Mestre (DM), o Discurso da Histeria ou do Inconsciente (DH/I) e o Discurso do Analista (DA). Lacan formula ainda o Discurso da Universidade (DU) e o Discurso do Capitalista (DC), transformação do DM (figura 2).

 

 

Discurso do Mestre: vemos que o lugar do agente é ocupado pelo significante mestre, num sentido um pouco diferente daquele que lhe atribuímos genericamente. Este mestre (S1), no sentido do senhor de escravos antigo, se dirige ao outro como saber (S2); para que ele produza os objetos que resolvam a questão do mestre-sujeito; podemos ter aqui tanto o escravo antigo, quanto o sujeito do sofrimento psíquico, paciente/usuário, na injunção em que é posto pela relação típica médico-paciente (Clavreul, 1983).

No caso do paciente, o agente médico-psiquiatra se dirige a ele para que produza, em tese, informações que permitam mobilizar um saber de mestre capaz de administrar um suprimento medicamentoso com a finalidade de mitigar o sofrimento. Procura agir diretamente sobre o gozo, fazendo curto-circuito da linguagem, portanto do simbólico, para tamponar o sofrimento que faz com que o indivíduo apareça dilacerado em sua divisão subjetiva; ou mesmo para eliminar os efeitos de real, reconduzindo pretensamente o indivíduo à sintonia com a realidade social. Está em ação a pretensão de que um saber de mestre é suficiente para reconduzir à razão e à consciência, efeitos de um sistema neurológico saudável. Nesse laço social e intersubjetivo (DM), age-se, além de através de artefatos como medicamentos, também através da produção de sentido de cunho imaginário, portanto, de certo modo, ortopédico; é o próprio saber da ciência (químico-farmacêutica) que é veiculado como saber de mestre. Esses saberes e esses objetos, porém, não podem dar conta da verdade do sofrimento do sujeito, conforme indicam as barras paralelas que separam $ de a no quadrípode. O $ situado no lugar da verdade também nos indica que o mestre quer recalcar o fato de que é um sujeito como os demais (no dispositivo, as barras horizontais também são barras de recalcamento); no caso do psiquiatra-cientista, indica que ele pretende iludir a subjetividade em ação nesse laço social de "produção de saúde"; indica mesmo que a nega ostensivamente. É conveniente assinalar, de imediato, que a complexidade do processo de "produção de saúde" no campo da Atenção ao sofrimento psíquico só pode ser profundamente analisada através dos laços sociais discursivos como modos de produção se fizermos notar que há sempre passagens de um Discurso a outro. No caso da relação médico-paciente típica da psiquiatria, há certa oscilação entre o laço social Discurso do Mestre e Discurso da Universidade; neste, o saber enciclopédico opera como agente fazendo de objeto de estudo e de intervenção o sujeito do sofrimento tomado como paciente. Ao falar do psiquiatra, no entanto, não pretendemos eludir o fato de que tal performance pode caber a qualquer outro dos profissionais da chamada equipe interdisciplinar.

Para que cheguemos a operar no Discurso do Analista é condição necessária a produção de alguns deslocamentos discursivos da função de mestre médico (S1) e da função de saber enciclopédico (S2); deslocamentos da posição do agente.

Considerando a já assinalada oscilação inevitável das práticas de Atenção ao sofrimento psíquico no campo da Saúde Coletiva, tal como estão estabelecidas no momento atual, entre DM e DU, faremos nossa análise incidir na estrutura de produção correspondente ao DU. No campo da Atenção em Saúde Mental Coletiva, bem como na representação social geral daquilo que pode ser essa Atenção, é ineludível que o protagonismo cabe ao psiquiatra como aquele que encarna a suposição de saber e poder para curar; o fato de ser aquele pode administrar os psicofármacos também lhe confere a posição de agente investido do discurso da Ciência e da indústria químico-farmacêutica.

Imaginemos a situação mais comum dos indivíduos que recorrem à ajuda psíquica nas instituições públicas organizadas para esse fim. Dilacerado por sua angústia e sofrimento, o indivíduo (em maior ou menor implicação em sua situação de divisão) chega "instruído" por sua percepção do campo das ofertas da Atenção presentes no Território, ofertas de possibilidades transferenciais, e por sua percepção do que é sofrimento e daquilo que são os meios de tratamento existentes. Nessa posição de angústia está predisposto a instituir aquele a quem se dirige como o detentor de um saber de mestria sobre o que lhe acontece e sobre como tratá-lo. O futuro do "tratamento" dependerá crucialmente do lugar ocupado pelo outro a quem se dirige o sujeito, na estrutura antes designada como quadrípode. Se o terapeuta, no lugar do outro, encarna de forma estática a função de quem tem o p h á rmakon como objeto infalível para curar, ou encarna um saber de mestria sobre o sujeito, imediatamente se instala na posição de agente no DU. Essa movimentação do terapeuta para a posição de agente de saber (S2 em ação) opera o tamponamento da inicial divisão subjetiva a muito custo aberta, e que fez com que o indivíduo procurasse ajuda. Com esse passo o $ se inscreve como objeto, no lugar do outro (a, como objeto depositário, de estudo diagnóstico, de cuidado, etc.). Quanto mais dilacerado o sujeito em sua queixa inicial, mais disposto parece à aceitação de sua instalação como objeto no discurso da ciência.

Após a operação de sutura química ele pode manter-se dependente desse tamponamento, recuperando parte de sua adaptação anterior ao laço social; ou ter reforçada sua queixa pelo redobramento angustioso, efeito produtivo do laço de produção que o coloca na posição de objeto. Notemos que um dos efeitos prováveis dessa objetificação do sujeito na posição do outro no DU é o reaparecimento da dimensão subjetiva, isto é, o $ no lugar da produção como produto. Isso pode demandar a abertura de outras possibilidades de resposta terapêutica diferentes da anterior, dependendo das ofertas à disposição no Território.

Se, por outro lado, o terapeuta no lugar do outro no quadrípode, encarnando a posição de "Sujeito Suposto Saber", elucidada por Lacan (1979, 1998b), suspender o saber de mestria e o suprimento químico como respostas a priori, pode abrir-se a possibilidade do $ instalar-se no lugar do outro. Isto é, instalar-se na posição de trabalho subjetivo capaz de produzir as respostas de sentido para seu sofrimento. O terapeuta dá passagem, desse modo, à abertura do sujeito que chegou como dividido no lugar de agente, dando consistência à estrutura produtiva que Lacan nomeou Discurso da Histeria ou Discurso do Inconsciente. Com essa passagem da mestria à operatividade do S1 como significante mestre, enxame, está facultada a possibilidade da passagem para um laço social de produção absolutamente singular, que Lacan definiu como DA.

 

Outros acréscimos conceituais a partir de Lacan

Para fazermos operar o grupo psicoterapêutico no laço DA precisamos de outros acréscimos conceituais introduzidos por Lacan no campo freudiano.

O conceito de interpretação e sua prática sofrem transformações importantes a partir de Lacan, que têm consequências diretas fundamentais para a nossa compreensão das ações do psicoterapeuta em geral e do psicoterapeuta de grupo como procuramos conceituá-lo. Diremos sinteticamente, de imediato, que ele não se atém mais às clássicas interpretações laudatórias, ainda comuns em outras vertentes da psicanálise. Pela própria posição de intercessor nos processos de produção de sentido empreendidos pelos sujeitos do sofrimento, e pela concepção que ele tem de que a produção de sentido é um efeito direto dos processos de enunciação, sua função principal é de fazer surgir a palavra e fazê-la circular, procurando relançar o sentido3 da enunciação que sempre emerge na produção dos enunciados pelos indivíduos em situação de psicoterapia. Trabalha com escansões, assinalamentos, com a função fática da comunicação, todos expedientes para relançar o sentido da enunciação (Dor, 1989), e levar o sujeito ou os sujeitos à significação e à significantização dos impasses que os fizeram vir em busca de ajuda. No dispositivo do Discurso do Analista a psicoterapia de grupo também consiste num processo de produção de sentido que, do ponto de vista da transferência, visa a encetar nos participantes uma transferência de trabalho, através da performance do psicoterapeuta no lugar do agente, como objeto-causa. Sua função é instituir os sujeitos no discurso, no lugar do trabalho. "O ato analítico é assim liberado do paradigma hermenêutico e pode ser qualquer ato que instaure (institua) o sujeito na palavra" (Laurent, 1998, p. 245).

A psicoterapia de grupo realizada no laço social do Discurso do Analista, através das necessárias revoluções de Discurso, supõe ainda a consideração das outras transformações na teoria e na técnica, do dispositivo analítico estritamente freudiano, realizadas por Lacan. Sobretudo nos conceitos de inconsciente, de sujeito do inconsciente e na teoria da transferência. De imediato são necessárias mais algumas.

O conceito de sujeito do inconsciente, e o próprio conceito de inconsciente, freudianos, também são ampliados pela teorização de Lacan (1979; 1998c). De acordo com ele, o sujeito ($) está representado no discurso, ou seja, é o que um significante (S1) representa para outro significante (S2), mediante a extração de uma parte de gozo, condensado no objeto (a), que funciona também como causa do desejo. Vemos que há aqui uma concepção de sujeito como sentido resultante da circunstância estrutural (necessária) de que, para se constituir, o homem entre no simbólico. Ou seja, o efeito desse processo de constituição é que ele habita simultaneamente o plano da existência e o plano do sentido (ex-sistência). Portanto, destaca-se o sujeito como sentido, efeitos-sujeito. Nessa perspectiva o sujeito tanto é o indivíduo com um inconsciente, sujeito dividido por sua necessária entrada na linguagem como campo do simbólico, acepção em que o termo inconsciente adquire o sentido de recalcado da história individual; quanto o sujeito pode ser a figuração dos próprios efeitos de sentido advindos do processo de enunciação, do encontro dos significantes; o sujeito como o que é representado por um significante no Outro, S1 como significante mestre: "S1 (S1 (S1 (S1→ S2))) S1, esse um, o enxame, significante-mestre, é o que garante a unidade, a unidade de copulação do sujeito com o saber" (Lacan, 1982, p. 196). E "uma vez que o sujeito advém pela linguagem é, portanto, no próprio ato da articulação significante, isto é, na enunciação, que ele advém" (Dor, 1989, p. 118).

Portanto, o sujeito tanto é o homem em sua divisão, quanto os efeitos-sujeito. Esses efeitos-sujeito podem produzir deciframento na dissolução sintomática, quanto podem permitir a inscrição pulsional nas situações angustiosas, contribuindo para a mudança da posição do sujeito no sintoma, na fantasia fundamental e também nas suas relações sociais e intersubjetivas. A definição do sujeito está inteiramente imbricada com a de inconsciente.

No Discurso do Analista, o analista no lugar do agente, como semblante de objeto (a), dirige-se ao sujeito ($), ou seja, à hipótese de que há um saber inconsciente do Outro. Em outros termos, está implícita uma concepção do inconsciente como produção de sentido e não apenas como retorno do recalcado. E esse sentido inconsciente se produz sob a forma de significantes mestres (S1) que são capazes de mudar o estatuto do saber inconsciente (S2), em relação ao qual se situava o $. Conforme dito acima, S1 são significantes capazes de produzir clinâmen em relação a S2: S1 (S1 (S1 (S1→ S2))). No DA o S2 é concebido como a totalidade em infinita totalização, conjunto dos significantes inconscientes do indivíduo; inclui, portanto, aquilo que se refere tanto aos sintomas que desconcertam o indivíduo, quanto o que diz respeito ao sofrimento angustioso de que se queixa.

Portanto, vislumbramos algumas das possibilidades do nosso psicoterapeuta grupal até se situar no lugar do agente no dispositivo Discurso do Analista. As passagens e a ocupação dessas posições não são meros artifícios técnicos; supõem a possibilidade, pelo sujeito psicoterapeuta que as ocupa, de fazer o dispositivo funcionar para lá de quaisquer empatias, antipatias, afetações, identificações imaginárias, ranços de mestre.

Propor desse modo o laço social da psicoterapia de grupo significa sustentar "novas instituições, lugares de trabalho onde o Discurso do Analista possa ser operante, centradas em torno de um vazio real de saber-poder" (Laurent, 1998, p. 246)4; significa ampliar as possibilidades da psicanálise em intensão (Julien, 2002).

Lacan formula, ainda em outros termos, a situação e as condições que regem a ação desse agente especial nesse laço social sui generis. Sob a perspectiva da transferência, o psicoterapeuta psicanalítico ocupa a posição de Sujeito Suposto Saber (Lacan, 1979). Sua performance de "semblante de objeto" é um dos modos de neutralizar o saber de mestre (de estatuto consciente), para fazer surgir o saber inconsciente, do Outro, por parte do $, que está situado no lugar do outro no quadrípode, também chamado lugar do trabalho. Nessa neutralização Lacan pretende que o laço discursivo se desdobre na direção contrária à suposição alienada inicial com a qual os indivíduos chegam, e que faz supor que o saber é o psicoterapeuta quem o tem. Desse modo, o psicoterapeuta de grupo, como o definimos, situa-se no confronto da confusão entre a "hipótese de que há quem sabe" e a "hipótese inicial do próprio sujeito de que há saber". Para Lacan, na transferência, antes de tudo, está o saber do sujeito, ou seja, a transferência é antes transferência de saber. Por isso a estratégia consiste em fazer o sujeito "concluir", por exercício da própria produção de saber inconsciente, que o saber de que se trata é atributo e encargo seu.

 

Superposição de Discursos

Feita essa pequena caracterização geral das transformações na teoria e na técnica, que embasam nossa proposta de psicoterapia de grupo, é útil recorrermos outra vez à teoria dos discursos para assinalar alguns movimentos de superposição discursiva na situação concreta da psicoterapia, que podem caracterizar as passagens de um modo de produção a outro, nos diferentes momentos da psicoterapia grupal. Tal como na situação da psiquiatria assinalada anteriormente, em que se superpõem o DM e DU, há outra superposição de dois laços discursivos: Discurso do Analista, que rege a situação de condução da "cura" psicoterapêutica, e o Discurso da Histeria, também nomeado do Sujeito ou do Inconsciente, no qual o $ se situa como agente da demanda de sentido. A análise dessa superposição pode nos permitir vislumbrar melhor a situação dos sujeitos que demandam psicoterapia grupal e alguns de seus possíveis movimentos.

No discurso do inconsciente o sujeito ($), em seu sofrimento, se dirige ao suposto mestre analista ou psicoterapeuta (S1 em quem supõe o saber) para que ele produza o saber enciclopédico (S2), que seja capaz de remover o sintoma e seu sofrimento (a , aqui expressando o gozo do sintoma e sua própria irredutibilidade absoluta). Sabedor de que o saber capaz de dar conta do gozo/sofrimento do sintoma só pode ser o do inconsciente, produzido pelo sujeito, no lugar do outro, o psicoterapeuta trabalha na direção de se deslocar do lugar do outro, mestre (suposto ao saber) no DH, para a posição de semblante, objeto a, no lugar do agente no DA. Dando, desse modo, as condições para que se opere o deslocamento do $, do lugar inicial do agente no DH para posição do outro, também dito lugar do trabalho, no DA. Com essa passagem os indivíduos podem produzir os significantes mestres (S1) que são capazes de dar conta do sentido e do gozo dos sintomas e de outros impasses inconscientes, permitindo mudanças na sua posição anterior com relação aos significantes no Outro (S2). Faz parte do saber do psicanalista, que Lacan chama de ignorância douta, que ele conheça seus limites, e seu limite principal é não poder saber pelo outro (Lacan, 1979, 1998b). Nossa caracterização vai elucidando e caracterizando um laço social de produção, possível para os grupos, capaz de transcender aquele especificado por Freud como característico do grupo-massa.

 

Do grupo "acordo formal" ao grupo "dispositivo de produção de sentido inconsciente"

Costa (1989) prossegue seu debate dirigindo-se a um interlocutor imaginário que o acusaria de definir o grupo a partir do critério da visibilidade. Seu contra-argumento inclui: os "objetos" invisíveis - dedutíveis do que vemos ou ouvimos (sociedade, natureza, inconsciente) - e a própria visibilidade de "objetos" como sociedade e cultura, depende da visibilidade das regras, instituições, comportamentos. Para ele os grupos existem como objetos empíricos: grupos de "torcedores", de políticos, até de psicanalistas e, certamente grupos de indivíduos que se juntam ou são juntados pela busca de ajuda psicoterapêutica. Essa existência empírica decorreria de constantes comuns: estabelecimento de mesmos objetivos explícitos e conscientemente aceitos, que se materializam em regras de conduta que estão além de objetivos pessoais exclusivos. Afirma que essa concepção de grupo os psicoterapeutas não aceitam, por isso insistem em afirmar que o grupo possui características genéricas, determinadas por processos inconscientes. Contra-argumenta: "(...) o inconsciente do grupo não pode ser deduzido de nenhuma visibilidade, porque a única visibilidade existente é a dos inconscientes individuais" (Costa, 1989, p. 50). Acrescenta que também não procede a afirmação de que as regras não são suficientes para definir a natureza inconsciente do grupo. O contrato explícito acordado por todos reconduz o grupo terapêutico a mais um grupo empírico como os citados anteriormente. Conclui: "(...) o grupo terapêutico é apenas um conjunto de pessoas que aceitam explicitamente submeter-se às cláusulas do contrato psicoterápico" (Costa, 1989, p. 51). Destaquemos alguns dos argumentos principais de Costa que nos permitirão ir ampliando o delineamento da nossa proposição de trabalho com grupos psicoterapêuticos.

O primeiro ponto é sua afirmação radical, sobejamente fundamentada, de que os grupos existem como objetos empíricos, condição de que não escapariam os grupos psicoterapêuticos. Estes se definiriam pela prática, pelos objetivos explícitos em torno dos quais se formam.

Embora saibamos que não é nisso que o autor acredita, como psicanalista que é, vemos aqui a oportunidade para uma importante questão: como deduzir do consciente, o inconsciente?

Uma vez que estamos no campo dos "grupos psicanalíticos", não vemos como seria possível reduzir o grupo a seus aspectos materiais e visíveis, fundando sua existência apenas no fato de haver objetivos conscientes trans-individuais. Certamente uma grupalidade dos grupos existe, porém ela só pode ser função do próprio trabalho de grupalização, pelo qual toda a psicoterapia de grupo deve iniciar. Essa constituição do grupo como dispositivo de trabalho será o meio fundamental de sua eficácia. Os indivíduos, tanto isoladamente quanto em grupo, formulam suas suposições de saber e, no mesmo movimento, designam o Outro em quem esse saber é suposto. Com isso são disparados todos os fenômenos da transferência conhecidos pela psicanálise, ao mesmo tempo em que se criam as circunstâncias para a emergência de uma dimensão do saber inconsciente como algo cuja produção pode ser coletivizada. Essa modalidade do processo de trabalho grupal não ocorre por desenvolvimento espontâneo, ao contrário, supõe um operador decisivo: um psicoterapeuta que visa a situar-se como agente no laço social de produção Discurso do Analista. A operatividade singular desse agente como semblante de objeto-causa (a), isto é, como aquele que não opera através de suprimentos reais ou imaginários, é a condição mínima para que a partir do consciente, o inconsciente possa produzir-se. Esse saber produzido pode abranger tanto o recalcado das histórias, nesse caso necessariamente plural, quanto como saber novo produzido pelos encontros significantes no trabalho da "associação livre" individual e, sobretudo, grupal. Nossa experiência tem demonstrado que a associação livre produzida pelo conjunto dos participantes do grupo tende a se estabelecer mais rapidamente ainda do que nas psicoterapias ditas individuais. Esses encontros significantes que dependem da escansão vinda do psicoterapeuta, capaz de fazer advir sua dimensão de enunciação, parecem produzir-se com maior espontaneidade no grupo. Parece que, estabelecidos os vínculos resultantes das transferências colaterais, cada um se deixa afetar pelas questões e pelas falas dos demais, de modo que se cria um campo coletivo de enunciação, ou seja, de produção compartilhada de sentido inconsciente. Ao terapeuta cabe uma função de continência e até de amparo, dado o fato dessas ocorrências nem sempre aguardarem o tempo de estabelecimento da "transferência de trabalho".

Um segundo ponto que merece destaque é a afirmação do autor de que não há, nos grupos, características genéricas determinadas por processos inconscientes. A prova estaria no fato de que a visibilidade do inconsciente só se sustentaria em eventos individuais.

Parece-nos que uma conclusão desse teor de radicalidade só poderia ser resultante de uma leitura da psicanálise freudiana que ainda não consegue ultrapassar a dos autores criticados, quando se trata de transladá-la para o campo dos grupos. Fica claro que a concepção de inconsciente que funda a reflexão de Costa, e mesmo a ação, ainda é a de "outra cena", recalcado da história individual, daí decorreria não se conseguir vislumbrar outra dimensão inconsciente própria do grupo psicoterapêutico. A insistência do autor em afirmar que o grupo terapêutico só pode ser mais um caso de grupo empírico parece decorrer também dos mesmos motivos: não pode considerar que o trabalho dos grupos constitui um processo no qual os enunciados também podem ir dando lugar aos efeitos de enunciação, do mesmo modo como ocorre no trabalho psicoterapêutico individual. Disso também parece decorrer que aplique a sua definição de grupo psicoterapêutico, que é uma boa definição da situação inicial do grupo, ao processo grupal em sua totalidade.

A proposição de um "inconsciente de grupo" exige que nos remetamos aos comentários feitos anteriormente sobre o conceito de sujeito do inconsciente.

Se a referência fundamental de Costa é apenas o inconsciente freudiano como "outra cena", como recalcado da história individual, ele só pode deixar fora de consideração a hipótese de um inconsciente como produção, da qual pode ser deduzida a hipótese de um inconsciente como produção coletiva (totalmente diferente do "inconsciente coletivo" de Jung). Ao considerar a hipótese lacaniana do inconsciente concebido como processo de produção de sentido através do encontro da dimensão enunciativa dos significantes propomos a hipótese de que pode haver produção coletiva de saber inconsciente (S1). É fundamental relembrar aqui nossa discussão inicial sobre as relações possíveis entre produção e apropriação.

Ademais, nos parece que a crítica à grupalidade dos grupos, fundada apenas na crítica à hipótese de Kaës (1997) sobre a homogeneidade da estrutura do aparelho psíquico individual e do aparelho psíquico grupal, está longe de esgotar a questão do componente grupal que emerge na situação dos indivíduos reunidos para a psicoterapia. Vejamos um exemplo que pode dar melhor visibilidade à questão e ajudar na tentativa de ampliar um pouco nossos horizontes teórico-técnicos. Trata-se da teoria e técnica dos grupos psicoterapêuticos elaborada por Bion (1975). Admitamos que todos os indivíduos em sua constituição como sujeitos humanos passaram por processos grupais, sociais, intersubjetivos. Por que não admitir que eles pudessem, ainda mais quando se juntam uma circunstância de crise para eles, tender à reprodução desses padrões grupais e sociais, incluindo também a atualização de padrões inconscientes, e mesmo outros anteriores à constituição do inconsciente no sentido freudiano? É aí que pode ser discutida a pertinência ou não da hipótese dos supostos básicos elaborados por Bion.

Esse autor fez uma contribuição à teoria dos grupos, que produziu importantes ressonâncias que persistem até o presente. Formulou a hipótese de que há nos grupos um movimento de posições básicas de consistência proto-mental, "inconscientes" num sentido muito específico, uma vez que remontam a um modo de funcionamento psíquico anterior à constituição da realidade psíquica no sentido freudiano. Essas posições básicas a que os indivíduos regridem na situação de grupo psicoterapêutico influenciam radicalmente o estilo e os efeitos da produção grupal. Nomeou-as supostos básicos: de "dependência", de "luta-fuga" e de "acasalamento". Também está implícito em sua teorização que esses supostos se referem a momentos lógicos que, ao contrário de uma sequência temporal, podem ocorrer simultaneamente. Apesar de suporem uma sequência de graus mais sofisticados na direção de consolidarem os objetivos que reuniram o grupo, também podem ocorrer fora dessa sequência. A função do terapeuta se expressa na interpretação desses supostos inconscientes, mas principalmente no silêncio, supondo que isso ajudaria o coletivo a se deslocar na direção da maior possibilidade e objetividade para a solução dos problemas que justificavam a inclusão dos indivíduos no grupo (Bion, 1975). Poderíamos, até certo ponto, reler o dispositivo de Bion a partir da teoria dos discursos como laços sociais de produção, de Jacques Lacan. Essa aparente sintonia não é casual. Lacan teve oportunidade de observar in loco o trabalho de Bion com os grupos de soldados: relata depois sua boa impressão dessa experiência; "o pequeno grupo sem chefe" (Lacan, 1989, p. 21) pareceu-lhe uma inovação de consequências radicais.

O próprio Costa (1989) admite, de passagem, esses supostos básicos, inconscientes: "a instituição formada pelo conjunto de pessoas que querem se tratar serve de suporte para a projeção de fantasias de um ou de alguns de seus membros", introduzindo "(...) algo que não corresponde às regras que formam sua configuração material explícita" (Costa, 1989. p. 50). A consideração crítica das proposições de Costa, bem como as pontuações sobre o trabalho de Bion com grupos fornecem alguma base para nossa hipótese do grupo como dispositivo coletivo de produção de sentido, porém seu fundamento essencial está na psicanálise de Freud e nos desdobramentos realizados por Jacques Lacan.

Entretanto, foi considerando o conjunto dessas proposições que acrescentamos ao nosso estudo mais uma hipótese de trabalho. Estamos analisando também se, quando se trata de subjetividades funcionando na perspectiva da constituição por recalcamento-Verdrängung (Freud, 2004), não poderá ocorrer que, para além de sua singularidade, se crie e atualize uma condição comum aos indivíduos componentes do grupo, além daquelas geradas a partir dos acordos formais. Afinal, os sujeitos também são a resultante de processos grupais e sociais e intersubjetivos concretos. Essa condição poderia constituir o solo comum para o surgimento de fenômenos transferenciais inconscientes comuns, capazes de emergir como recalcado das histórias, logo no início. Evidentemente não pensamos à maneira referida: inconsciente individual "igual a" inconsciente grupal. Mas, na direção dos indivíduos para o conjunto. Ou seja, de cada um pode destacar-se algo que é comum ao conjunto, permitindo essa evocação como fenômeno grupal ou subgrupal. Nossa experiência com grupos psicoterapêuticos fundada na teoria dos Discursos como laços sociais de produção tem sido indicativa da pertinência preliminar dessa hipótese.

Nessa mesma ordem de considerações pode-se propor que o Bion psicoterapeuta apresenta-se como alguém que, por conceber essas posições básicas como projeções comuns, elabora sua teoria do deslocamento do psicoterapeuta em relação do lugar de mãe nutridora, de mestre, de tutor, de "suposto ao saber", assumindo uma posição homóloga à de "semblante de objeto" ou "objeto-causa", permitindo aos indivíduos e ao conjunto deslocarem-se na direção de uma transferência que, após Freud, tem sido denominada transferência de trabalho (Miller, 1987). Parece-nos que Bion (1975), ao falar em "grupo de trabalho", já se referia à mesma situação, ainda que a seu modo e em seu contexto.

 

O psicoterapeuta de grupo: função ou lugar?

Costa expõe importantíssimos dados da sua experiência como psicoterapeuta de grupos, que servem de base à nossa reflexão.

Observa que as situações do grupo produziam o aparecimento de investimentos imaginários de uns sujeitos nos outros (transferência lateral) e o aparecimento de fantasias sobre a razão de ser do grupo. Nessas situações sua conduta como terapeuta era reenviar, aos participantes, a matéria do discurso e perceber como cada um pensava ou como cada um reagia à emergência de tal ou qual fantasia. Como terapeuta, economizava as interpretações de sentido. Atento ao discurso de superfície limitava-se a assinalar a emergência de fantasias, lapsos, chistes. Isso lhe permitia constatar que

os indivíduos com suas próprias palavras e seus próprios significados re-elaboram suas histórias biográficas e fantasmáticas. (...) interpretava quando surpreendia o disparate, a persistência dos mesmos conteúdos ideacionais ou fantasmáticos (...) a interpretação se resumia a repetir o que havia sido dito ou a perguntar, pontuando-se as brechas do discurso (...) as interpretações visavam pontos de re-equilíbrio narcísico com vistas ao retorno das associações, que permitirá a emergência de novos sem-sentidos (...) o terapeuta dispensa o papel de tradutor simultâneo ou de máquina de traduzir (...) limita-se fundamentalmente a assinalar o que foi dito (...) nesta circulação da cadeia associativa o terapeuta limitava-se a assegurar a fluidez do discurso, apontar a emergência das formações do inconsciente e a guardar o lugar transferencial e imaginário de que tem a última palavra sobre o assunto (Costa, 1986, p. 52-3).

Como primeiro ponto, é interessante analisarmos sua constatação de que os indivíduos não demonstram estar reagindo às fantasias de grupalidade do grupo, afirmando que se estas ocorrem, só podem estar sendo induzidas pelo imaginário dos terapeutas. Este é um fato que tem sua importância para considerações sobre a técnica, e da relevância que tem a concepção da contratransferência nos efeitos das ações do terapeuta. Porém, essa importância pode tornar-se relativa, quando se atenta para as evidências de como os significantes circulam no coletivo grupal, dando expressão e sentido próprios à associação livre como meio fundamental de produção de significação.

A observação de que o "saber inconsciente" se produz nas brechas dos enunciados e na intersecção dos dizeres, demonstra um momento do processo grupal em que aquele conjunto de pessoas pode engajar-se na produção de sentido como se fosse uma unidade de trabalho. Também serve de material clínico que permite perceber que a produção-apropriação de saber no grupo não é apenas de cada um para si, ou de um para todos, mas de "todos" para "cada um". Nossa experiência também indica que isso ocorre, sobretudo, quando se passa à posição de transferência de trabalho, superando posições iniciais de demanda do saber (e de outros suprimentos), dirigidas ao terapeuta ou a outros participantes colocados no lugar do mestre supridor. Aqui, eventualmente, pode fazer sentido falar em interações inter-individuais e trans-individuais. Podemos dizer que o grupo, após a superação do momento de dependência se encaminha na direção do Um que pode contar a si mesmo, Um da unidade e não da unificação. Ou seja, vai superando o laço típico da massa freudiana. Essas transformações no grupo supõem alguma correlação com as mudanças em cada um de seus componentes, principalmente na relação com o sintoma, cujo estatuto se espera que vá mudando, de resposta para pergunta (Quinet, 1991). Nesse caso, portanto, que haja "Um" não entra em contradição com o fato de que não haja "todo", por que o grupo, nesse momento, só pode ser "não-todo".

Grupo de "dependência", "luta e fuga", "acasalamento", "grupo sujeitado", "grupo sujeito" e grupo em "transferência de trabalho" podem nomear os diferentes modos de realização de sua função de dispositivo de produção; de produção do próprio dispositivo grupal, uma vez que o grupo não é dado a pri ori, como vimos. Todos esses aspectos da produção no grupo psicoterapêutico, mais a produção de significação (inconsciente freudiano), e da produção do sentido novo que pode significantizar, cifrar, o gozo dos sintomas e do sofrimento (inconsciente lacaniano) são possibilidades que podem ser relidas e analisadas à luz das passagens de Discurso.

O acesso pelos indivíduos a tais passagens de uma posição a outra, e a elaboração delas permitirão mudar a posição do sujeito na relação com o sintoma e com a "fantasia fundamental". Ou seja, podem permitir mudanças no complexo de vínculos e significações que lhe permitem estar implicado, de um certo modo, nos conflitos e contradições que ele atravessa e pelos quais é atravessado; mudanças tanto em relação ao seu sofrimento e ao desejo e ao gozo, quanto na dimensão social e intersubjetiva de suas relações.

O segundo ponto a destacar desse trecho é a descrição, feita por Costa, das ações do terapeuta. Inadvertidamente ou não, acaba definindo o desempenho que considera adequado ao terapeuta de grupo em congruência com a postura do agente no Discurso do Analista (conforme definida anteriormente). Ou seja, percebe que dessa posição as interpretações são mais raras; percebe que o inconsciente está na superfície; que o terapeuta assinala as rupturas nos enunciados; que sua função é fazer circular a palavra. De certo modo percebe que esta tem mais a função de enunciação do que de enunciado (Dor, 1992).

Um terceiro aspecto que merece comentário e desdobramento refere-se à desmistificação da função do terapeuta como tradutor. Isso nos revela simultaneamente a presença de uma concepção clássica daquilo que se chama interpretação, em que aparece uma função do terapeuta como guardião do significado. Atua na superfície do dito para produzir uma espécie de tradução que, então, é enunciada por ele como um texto didático que se atém à esfera do significado. Aparentemente, trata-se de um modo de operar terapeuticamente colocando o saber enciclopédico (S2) no lugar do agente, o que o faz recair no Discurso Universitário. É claro que nesse caso só se pode esperar como efeito, uma prática professoral, que é a negação radical do "modus operandi" do saber inconsciente, e cujo efeito é redobrar o valor dos significantes em que se expressam os sintomas e suas dimensões angustiantes. Costa acaba concluindo a pertinência de se superar esse erro de cálculo posicional e assumir uma função que se parece mais com a de parteiro expectante, que participa como facilitador dos processos que devem ser realizados pelo coletivo e pelos sujeitos singulares. Freud e Lacan definem precisamente essa posição e essa ação do psicoterapeuta como situar-se na "atenção flutuante" e na "acuidade de sentido" (Dor, 1989); únicas capazes de acompanhar simultaneamente as cadeias do sentido significante, relançando para os sujeitos os fenômenos de abertura de sentido inconsciente produzidos por eles. Essas aberturas são o único modo capaz de fazer divergir, bifurcar, o sentido inconsciente anterior: S1 (S1 (S1 (S1→ S2))). Ou seja, são capazes de fazer circular, em outra direção, as significações dos significantes em que se aprisionaram os significados sintomáticos. Já vimos que isso é possível quando o psicoterapeuta opera do lugar do agente no dispositivo Discurso do Analista, posicionado como semblante, como "vazio" de saber-poder, permitindo ao próprio coletivo chegar à posição de "transferência de trabalho". O saber do psicoterapeuta nessa posição de agente no DA tem a consistência de um saber que Lacan chamou de "ignorância douta", por conhecer seus limites, sobretudo o impossível de saber pelo sujeito o de que se trata no sofrimento e no sintoma (Lacan, 1997).

No mesmo trecho percebemos que essas coincidências do trabalho de Costa com o embasamento teórico-técnico e ético lacaniano parecem casuais e inadvertidas. Isso o deixa dizer (e fazer) que é função do terapeuta de grupos "(...) guardar o lugar transferencial e imaginário de quem tem a última palavra sobre o assunto" (Costa, 1989, p. 53). Sem muito esforço depreendemos daí sua concepção de transferência, ao menos no manejo dela na psicoterapia grupal. Creio que essa concepção é correlativa das afirmações anteriores a respeito do grupo como efeito dos acordos conscientes que congregam os indivíduos que o compõem. Ou seja, essa proposição de manter o lugar transferencial imaginário de dono da última palavra sobre o assunto parece consequência de não conseguir escapar à dimensão imaginária da transferência. Assume e resguarda o lugar de autoridade depositado nele, aparentemente não dando importância suficiente ao fato de que tal lugar é consequência da alienação subjetiva que faz com que os indivíduos depositem no Outro aquilo que sentem faltar-lhes. Ora, a perspectiva lacaniana sobre a transferência nos indica, de forma elementar, como esses são justamente os pontos de partida que devem permitir ao terapeuta deslocar-se, pondo em ação a dimensão simbólica da transferência, através da qual poderá ser invertida a posição de quem tem o saber: os sujeitos na relação "entre si" e na relação com o Outro como campo do simbólico, apenas mediado pelo terapeuta como Outro em semblante. Nessa operação também será transmutada a natureza e consistência do saber (de saber de mestria para saber inconsciente). Portanto, possuir a última palavra é só um momento lógico da operação mais fundamental de relançá-la ao Outro como o único meio de efetivar o reconhecimento dos sujeitos do sofrimento como seus proprietários. O poder que lhe resta é, então, o de relançar a palavra; porém, como sabemos, no grupo ele já não é o único que possui essa função e esse poder. Também seria possível outra leitura dos enunciados de Costa nesse ponto: "guardar o lugar transferencial de quem tem a palavra" equivaleria a preservar sua posição de semblante, daquele que pode ter a última palavra, não sobre o assunto, mas sobre o relançamento do sentido da enunciação, quando isso for necessário. Porém, essa é justamente mais uma dimensão fundamental da ação do psicoterapeuta de grupo em consonância com a proposta de psicoterapia de grupos fundada na psicanálise de Freud e Lacan, sobretudo, a teoria dos discursos como laços sociais de produção, que não são mencionados nesse ponto de seu texto.

Já temos indicado com suficientes elementos que tal proposta só pode ser operada no laço social específico, designado a partir dos discursos de Lacan, que determina o terapeuta no lugar do agente, na consistência e performance que o define no Discurso do Analista. Isto é, o pequeno a como semblante e objeto-causa; outro modo de dizer que esse agente especial se escora na hipótese de que o sujeito ($) é sentido e também produção de sentido.

Localizado nessas coordenadas, o psicoterapeuta de grupo especifica suas ações; sua hipótese sobre a consistência do sentido a ser produzido, sobre quem o produz e como; teoriza sobre a natureza dos efeitos desse sentido em relação à verdade do sofrimento sintomático, efeitos de significantização do gozo do sintoma e de interferência na posição do sujeito na fantasia fundamental; em decorrência das especificações anteriores também ficam indicados os desdobramentos éticos visados nos efeitos produtivos desses laços grupais. Ou seja, na perspectiva ética visada pelo laço social DA, na medida em que são os sujeitos que produzem o sentido que vêm demandar, eles estão profundamente deslocados em relação à massa e, ao mesmo tempo, referenciados ao campo do desejo e não da adaptação.

 

Algumas considerações finais

Primeira: para criticar os teóricos grupais anteriores Costa opera como teórico, mas na realização dos grupos parece sustentar o ideal dos práticos. Talvez por isso tenha deixado em segundo plano a construção de um corolário de conceitos que possa corresponder à especificidade do dispositivo grupal, na modalidade em que o pratica. Isso o deixa numa situação teórica e ética dificilmente sustentável. Entretanto, uma leitura mais completa de todo o livro deixa entrever que o que parece criar os impasses mais intransponíveis é, na realidade, a circunscrição da ação da psicoterapia de grupo ao âmbito do imaginário. Considera o grupo como produtivo e especifica sua produção: "ficou comprovado que a produção de sentido, compatível com o reequilíbrio narcísico e a transformação do quadro sintomático dispensa a doutrinação do paciente" (Costa, 1989, p. 52).

Parece restringir sua visão do inconsciente à versão de Freud, como recalcado da história individual. Isso parece limitar bastante o alcance do seu trabalho, mas isso não tira, de modo algum, o mérito de sua contribuição à questão da psicoterapia de grupos. A concepção do inconsciente como não-sabido, como recalcado da história, deve ser proposta ao lado da concepção do inconsciente como produção dinâmica de sentido, esta consistindo numa das contribuições de Lacan à teoria freudiana do inconsciente. Ao restringir a definição do inconsciente, acaba restringindo na mesma medida a concepção da transferência e da função do psicoterapeuta. Embora acrescente a indicação de que a concepção de transferência pode ser ampliada, justamente na perspectiva aberta por Lacan.

Segunda: na perspectiva que procuramos apresentar, o grupo psicoterapêutico é um dispositivo de produção de subjetividade singularizada. Ou seja, muito mais que produzir dissolução de sintomas e reequilíbrio narcísico, o que se trata de produzir é engajamento desejante, passando pela implicação subjetiva e pela destituição imaginária; permitindo o reposicionamento do indivíduo e do sujeito nos conflitos e contradições em que ele é atravessador-atravessado; destaque para sua posição de "entre" significantes. A transformação do quadro sintomático só será visada na medida em que ele puder sair do lugar de objeto passivo dos efeitos desses impasses e puder localizar-se aí como agente nessa conflitiva. Se não quisermos simplificar demais a consideração da produção do grupo psicoterapêutico, temos que especificar que esses efeitos são efeitos de sujeito sobre sujeito. Sujeito em dois sentidos e efeitos também em dois sentidos. Um sujeito definido como efeito da entrada do Homem no simbólico, o que nos permite distinguir um indivíduo com inconsciente e com História - aqui podemos anotar os efeitos de deciframento sintomático; e um sujeito que definiremos como clinâmen, por ser efeito de repetições significantes de S1 superpostas, em S2, conforme acima: S1 (S1 (S1 (S1→ S2))). Trata-se dos efeitos do significante a que também já nos referimos, considerados capazes de modificar o posicionamento do sujeito em relação ao sintoma, ao gozo e ao desejo propriamente ditos; modificações na sua posição em elação à fantasia fundamental.

Terceira: será o grupo terapêutico um dispositivo-acontecimento onde o comum deverá prevalecer sempre sobre o próprio (Barus-Michel, 2004), ou o singular será o modo justamente de conjugar os dois?

Mais do que individual, inter-individual ou trans-individual, pensamos que se trata aqui de uma questão de sujeito.

É certo que neste caso, diferente dos grupos-instituição, não é o coletivo e sim os "indivíduos" que se visa tratarem-se. Mas, ao definirmos o essencial da produção em questão como efeitos de sujeito e efeitos-sujeito, não estaremos inevitavelmente propondo que a apropriação é simultaneamente individual e coletiva?

E definir assim a produção, não será outro modo de afirmar a subjetivação como processos sempre coletivos?

Quarta: conceituamos o grupo "em identificação horizontal, ao invés de identificação vertical. Um grupo que não se baseia no ideal do Um (da unificação, universal), mas que deixa existir o particular do sujeito promovendo a heterogeneidade inassimilável a qualquer fusão identificatória" (Laurent, 1998, p. 259). Devemos introduzir aqui uma observação necessária: não há particular do sujeito sem um universal. Em outros termos, podemos dizer que o grupo, como dispositivo de produção, é necessariamente coletivo, mas a apropriação daquilo que é produzido coletivamente parece ser individual (Barus-Michel, 2004) tal como o sofrimento, sempre vivido como próprio. Entretanto, aqui notamos um paralelo com um dos velhos impasses do Modo Capitalista de Produção: produção coletiva e apropriação individual. A simples coincidência do paradoxo já é suficiente para nos intrigar. Como resolver esse impasse senão fazendo rebater os sintomas e o sofrimento individuais também sobre os fatores coletivos da sua produção? Ainda que esses fatores só produzam seus efeitos no encontro com as condições particulares dos sujeitos singulares - cuja singularidade pode ser entendida justamente como o encontro dialético daquilo que é histórico (momentaneamente necessário) com o contingente de cada história particular.

Insistamos mais um pouco na tentativa de explicitação do modo de evitar o aprisionamento nesse aparente impasse quanto aos efeitos do dispositivo grupo - apropriação individual dos efeitos do grupo psicoterapêutico como dispositivo de produção coletiva de saber inconsciente, isto é, como produção de sujeitos. Quem pensar sobre o coletivo da produção em termos amplos; não só o "tratamento", mas a própria produção do processo saúde-adoecimento-Atenção-cura5; verá que há aqui "um particular" que se contrapõe dialeticamente a tudo que, justamente de modo eclipsado, se afirma como "universal", como coletivo e coletivizante. Sem fazer esse particular dos sintomas e do sofrimento rebater-se sobre as condições mais gerais de sua produção é impossível traduzir, no trabalho do dispositivo grupal, a singularidade de sua práxis - tratamento do real, com suas injunções, pelo simbólico (Lacan, 1979) -, práxis cuja ética é a da produção da implicação simultaneamente subjetiva e sócio-cultural. Implicação como modos de referenciamento ao desejo (como bem dizer) e ao carecimento6 (como bem viver). Essa produção se desdobra em ciframento-deciframento e significantização. Desse modo pode interferir nos sintomas - dissolução sintomática - e na fantasia fundamental - mudando a posição do sujeito em relação ao gozo (ao sofrimento que o acomete) e em relação à conjuntura sociocultural e política que ele atravessa e pela qual é atravessado: é o que já tem sido chamado de reposicionamento subjetivo e sociocultural, ou seja, reposicionamento do sujeito em relação ao desejo e em relação ao carecimento (Costa-Rosa, 2013a). Outro modo de propor uma definição de saúde psíquica e subjetiva, em cuja produção procura inserir-se o dispositivo grupal como um dos meios possíveis da práxis de intercessão que nos cabe frente à Demanda Social, especificamente na parte em que ela se expressa em pedidos, desde os mais explícitos e articulados, até aqueles que podem ter sua referência em formas menos articuladas no significante, indo do "acting out" ao grito, e até mesmo ao silêncio.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em: 13/09/2019
Aprovado em: 15/11/2019

 

 

1 [Nota dos editores do texto]: Publicação póstuma do texto escrito, em 2005, pelo Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa. Trata-se de um texto que por muitos anos circulou como mimeografado e, dada a sua precursoriedade e sua importância, avaliamos que era fundamental que fosse disponibilizado para o público mais amplo, sempre sedento por novas tecnologias de atuação no campo da Saúde Mental Coletiva. Apesar desse texto constituir a base de outro importante trabalho do autor (Costa-Rosa, 2013b), há nele um montante de formulações inéditas que não se encontrava publicado em nenhum lugar. Editores do texto "manuscrito": Waldir Périco, Psicólogo e Mestre em Psicologia pela UNESP-Assis, Doutorando em Psicanálise pela UERJ; Maico Fernando Costa, (Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela UNESP-Assis; e Silvio José Benelli, Psicólogo e Mestre em Psicologia pela UNESP-Assis, Doutor em Psicologia Social pela USP. Integrantes do "Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (LATIPPSS).
2 Utilizamos aqui os conceitos de Demanda Social e encomenda social de acordo com sua aplicação no campo da Análise Institucional (Lourau, 1975). A Demanda é hiância em sentido amplo; conjunto das pulsações produzido pelo antagonismo das forças em jogo no espaço socioeconômico e cultural. A encomenda é uma espécie de contraface da Demanda, ou seja, o modo como esta aparece empiricamente nos pedidos. A Demanda só pode traduzir-se em encomendas através da sua mediação imaginária e ideológica. Ou seja, a tradução das pulsações da Demanda Social em pedidos depende dos modos de representação daquilo que se sente que "falta" e da representação do que se deseja; da representação das ofertas à disposição no campo, capazes de "responder"; bem como depende do reconhecimento dessas ofertas à disposição no espaço sociocultural do Território, por parte de quem as solicita. Sabe-se, de longa data, que o campo das ofertas de Atenção ao sofrimento psíquico está dividido entre os saberes místicos e populares, e o saber científico. Influenciando, desse modo, o conjunto dos pedidos de ajuda e de intercessão endereçados às instituições de Saúde.
3 [Nota dos editores]: "Sentido", aqui, evidentemente, é sinônimo de "direção", "vetor".
4 [Nota dos editores]: Quanto a isso, é necessário fazermos uma atualização quanto ao ponto ao qual chegou a continuidade das práticas e das pesquisas acerca desse assunto. Em sua última publicação sobre o tema, o autor afirma que "as experiências efetivas com grupos que temos realizado nesse núcleo de pesquisa parecem indicar esse trânsito entre DH e DA, partindo da base do Discurso da Histeria, como o mais característico" (Costa-Rosa, 2013b, p. 256, grifo nosso).
5 É conveniente explicitar o sentido do termo cura - evidentemente, fora do princípio doença-cura que caracteriza tanto o paradigma psiquiátrico, quanto certa psicanálise, ainda absolutamente identificados com as especialidades disciplinares. Tomamos aqui uma sugestão lacaniana de leitura do sorgeheideggeriano, como curar-se, ou seja, poder dar as constantes e intermináveis respostas às solicitações do real e da realidade; longe, portanto, de qualquer postura cristianizada, em maior ou menor grau, que costuma traduzir o conceito de Heidegger como "cuidar de"; forma avessa à ética da psicanálise no campo freudiano e das formas de psicoterapia que levam a sério a meta de se pautarem em sua teoria, sua técnica e sua ética (Lacan, 2005).
6 Carecimento, por oposição ao conceito de carência ou de necessidade, abarca uma dimensão do homem que inclui o desejo (como se o propõe na psicanálise) e toda a abertura para os Ideais, possíveis ou não de imediato. Mas abrange também a abertura para a produção e usufruto de todos os bens da produção social, muito além do preenchimento de necessidades. Pode-se considerar que aqui estão incluídas também as criações da Filosofia, da Arte, da Ciência, e até da Religião, mas não sem passar pela aspiração pertinente ao usufruto das comodidades socialmente produzidas no mais alto grau da sua evolução histórica (Marx, 1844/1978).

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