SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2Iowa Gambling Task: correlatos neurais a partir do paradigma de lesão, da psicopatologia e de evidências de neuroimagem índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.2 no.2 Calle  2010

 

 

Considerações sobre as relações córtico-subcorticais na fala e linguagem

 

Des considerations sur les circuits cortico-sous-corticaux dans le discours et le langage

 

Consideraciones acerca de los circuitos cortico-subcorticales en el habla y el lenguaje

 

Considerations about the cortico-subcortical circuits in speech and language

 

 

Lucia Iracema Zanotto de Mendonça

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil

 

 


RESUMEN

La corteza cerebral ha sido considerada como el sustrato neural del lenguaje por la mayoría de los autores. Sin embargo, las lesiones subcorticales pueden acarrear síntomas afásicos como resultado de la disfunción cortical, a través de la desconexión o la hiperfusión. Otros autores sostienen que las estructuras subcorticales tienen un rol optativo en el habla y el lenguaje, ligado a la segmentación fonológica, los aspectos automáticos del habla, la activación cortical, la integración sintáctico-semántica y el monitoreo semántico. El hecho que el daño subcortical altere los aspectos ejecutivos del lenguaje resalta la importancia del circuito fronto-subcortical y sus interconexiones con la atención y la función ejecutiva. No obstante el reciente reconocimiento de la participación de los ganglios basales y el tálamo en el procesamiento del lenguaje, el verdadero rol de las estructuras subcorticales en los procesos cognitivos no es claro aun. Se sabe que las afasias subcorticales son menos severas que las corticales y, muchas veces, reversibles. Se manifiestan con hipotonía, alteración de la producción motora del habla con repetición conservada y con comprensión auditiva generalmente mejor preservada que la producción oral. Además, se encuentran algunas diferencias entre los casos con lesiones talámicas y extra-talámicas. Las lesiones extra-talámicas suelen presentarse con predominio de alteraciones fonológicas, en tanto que las talámicas con problemas de tipo semántico. Los bucles cortico-subcorticales motor y motivacional, junto con el tracto piramidal, están involucrados en las alteraciones de la voz, el habla y la apraxia del habla en lesiones subcorticales. Este tipo de lesión probablemente afecte múltiples aspectos del procesamiento del habla. Para comprender más acabadamente el rol de las estructuras subcorticales en el procesamiento del habla y el lenguaje, resulta necesario tener en cuenta la organización jerárquica del sistema nervioso durante su evolución.

Palabras-claves:Afasia, Apraxia, Ganglios basales, Tálamo.


RESUMÈ

Le cortex cérébral est considéré comme le substrat neural pour le langage par différents chercheurs. Cependant, les lésions sous-corticales induisent des symptômes aphasiques qui résultent d'un dysfonctionnement cortical à la suite d'une déconnexion par diaschisis ou hypoperfusion. D'autres études, soutiennent le rôle présumé des structures sous corticales dans le discours et le langage liés à la segmentation phonologique, les aspects automatiques du discours, l'activation corticale, l'intégration syntaxico-sémantique et le contrôle sémantique. Depuis que les lésions sous-corticales ont été liées à une perturbation des aspects exécutifs du langage, l'importance du circuit fronto sous cortical s'est limité au lien avec l'attention et la mémoire de travail. Malgré les récentes connaissances sur le rôle des ganglions de la base et du thalamus dans le traitement langagier, le vrai rôle des structures sous corticales dans les processus cognitifs demeurent inconnus. Il est admis que les aphasies sous corticales sont moins sévères que les aphasies corticales en plus d'être assez souvent réversibles. Les symptômes sont caractérisés par la présence d'une hypophonie, un trouble moteur de la production du discours avec une préservation de la répétition et la compréhension auditive est généralement meilleure que l'expression verbale. De même, il y a plusieurs différences entre les cas avec lésions thalamiques et extra-thalamiques. Il semble que les troubles phonologiques sont présents à la suite de lésions extra-thalamiques. Inversement, les troubles sémantiques sont prédominants à la suite de lésions thalamiques. Les boucles cortico-sous-corticales, motrices et motivationnelles, et le faisceau pyramidal sont impliqués dans les troubles de la voix et du discours après lésion sous-corticale et dans l'apraxie du discours. Ce site lésionnel affecte probablement plusieurs aspects du traitement de la communication verbale. Pour une meilleure compréhension du rôle des structures sous-corticales dans le discours, une organisation hiérarchique du système nerveux durant son évolution doit être prise en considération.

Mots-clés:Aphasie, Apraxie, Ganglion de la base, Thalamus.


RESUMO

A participação dos núcleos da base e tálamo na linguagem foi efetivamente reconhecida há poucas décadas. As afasias subcorticais se caracterizam pelo caráter benigno e reversível dos sintomas, pela presença de hipofonia e de alterações da produção motora da fala e pela preservação da capacidade de repetição. A compreensão verbal é menos comprometida do que a expressão. Existem diferenças na apresentação da afasia entre os casos com lesão talâmica e aqueles com lesão extratalâmica. Os distúrbios fonológicos são mais comuns nas afasias não talâmicas e os semânticos, nas talâmicas. Os circuitos córtico-subcorticais motor e motivacional, além da via piramidal, estão envolvidos nos distúrbios da voz e da fala nas lesões subcorticais. Alterações do tipo apraxia da fala fazem parte do quadro clínico. A maioria dos autores é de opinião que o córtex é o centro neural da linguagem. Os sintomas afásicos observados nas lesões subcorticais seriam resultantes, na verdade, de disfunção funcional da atividade cortical, por desconexão, diásquise ou hipoperfusão. Outra corrente defende um papel mais específico das estruturas subcorticais na fala e linguagem, relacionados a segmentação fonológica, aspectos automáticos da fala, ativação cortical, integração sintático-semântica da informação e monitorização semântica. As lesões subcorticais parecem ser acompanhadas de déficits mais executivos da linguagem, o que aponta para a importância do circuito fronto-subcortical na produção dos sintomas afásicos, bem como para a interrelação com a atenção e memória operacional. A real participação dessas estruturas nos sistemas funcionais cognitivos ainda é controversa. Os sintomas decorrentes de suas lesões parecem ser oriundos da perturbação de múltiplos aspectos do processamento geral da linguagem na comunicação. O entendimento do papel das estruturas subcorticais na fala e na linguagem precisa considerar o processo de hierarquização do sistema nervoso em sua evolução.

Palavras-chave:Afasia, Apraxias, Gânglios da base, Tálamo.


ABSTRACT

The cerebral cortex is considered to be the neural substrate of language by most of the scholars. However, subcortical lesions lead to aphasic symptoms that result from cortical dysfunction, through disconnection, diaschisis or hypoperfusion. Other authors sustain the putative role of subcortical structures in speech and language related to phonological segmentation, automatic speech aspects, cortical activation, syntactic-semantic integration and semantic monitoring. Since subcortical damage impairs the executive aspects of language, the importance of the frontosubcortical circuit and its interconnection with attention and working memory is stressed. Notwithstanding the recent recognition that the basal ganglia and thalamus participate in language processing, the true role of subcortical structures in cognitive processes is still not clear. It is known that subcortical aphasias are less severe than cortical ones and many times reversible. They are manifested by hypophonia, impairment of motor speech production with preserved repetition, and auditory comprehension is generally better than verbal expression. Also, there are some differences between the cases with thalamic and extra-thalamic lesions. It seems that phonological impairment is more evident in extra-thalamic cases. Conversely, semantic impairment is predominant in thalamic lesions. The motor and motivational cortico-subcortical loops and the pyramidal tract are involved in voice and speech disorders in subcortical damage, together with speech apraxia. This lesion site probably affects multiple aspects of verbal communication processing. To better understand the role of subcortical structures in speech and language processing the hierarchical organization of the nervous system during its evolution must be taken into consideration.

Keywords:Aphasia, Apraxia, Basal ganglia, Thalamus.


 

 

A participação de estruturas cerebrais subcorticais nas funções cognitivas e, em particular, na linguagem, foi efetivamente reconhecida há poucas décadas. A moderna neuroimagem tornou possível localizar com precisão pequenas lesões, cujas conseqüências poderiam ser analisadas. Os métodos funcionais de investigação têm trazido enorme contribuição para a elucidação de sua função. No entanto, o real papel dessas estruturas nos sistemas funcionais cognitivos ainda é controverso.

No contexto desta controvérsia, o presente trabalho tem por objetivo apresentar uma revisão atualizada do tema e discutir alguns aspectos a partir da experiência do Ambulatório de Neurolinguística do HC/FMUSP. Inicialmente serão revistas a anatomia das estruturas subcorticais e as conexões córticosubcorticais. A seguir, as manifestações clínicas decorrentes de lesões subcorticais e os resultados das pesquisas na área serão, dentro do conhecimento atual, relacionados aos dados anátomo-funcionais.

Estruturas subcorticais: Aspectos anátomofuncionais e algumas implicações clínicas

Os gânglios ou núcleos da base compreendem o núcleo caudado e o putamen, em conjunto denominados de neostriado ou striatum dorsal. Além disso, também fazem parte o globo pálido, a substância negra, o núcleo subtalâmico de Luys e o núcleo accumbens, o qual constitui o striatum ventral. Seu papel no processamento da linguagem ainda pode ser considerado pouco estudado (para uma revisão, por exemplo, Longworth, Keenan, Barker, Marslen-Wilson, & Tyler, 2005).

O tálamo se situa lateralmente ao terceiro ventrículo. É constituído por núcleos celulares, os núcleos talâmicos. Os núcleos talâmicos inespecíficos são considerados um prolongamento da formação reticular do tronco cerebral, ou seja, do sistema reticular ativador ascendente. Estes núcleos se projetam no córtex de maneira difusa, tendo como função a excitabilidade geral do córtex cerebral.

Os núcleos talâmicos que têm sido relacionados a sintomas afásicos são o ventral anterior (VA), o ventral lateral (VL) e o pulvinar. A lesão ou estimulação do tálamo (especialmente do núcleo ventral lateral - VL) ou pálido em cirurgias de doença de Parkinson provoca alterações da linguagem durante e após o ato cirúrgico. Distúrbios de linguagem são observados em pacientes parkinsonianos submetidos à talamotomia ou palidotomia (Bruce et al., 2004; Whelan et al., 2004).

A cápsula interna é um feixe de substância branca situada entre os gânglios da base. Por ela trafegam as fibras provenientes do córtex, as conexões dos núcleos da base entre si, as projeções que retornam ao córtex e o trato piramidal.

As relações das estruturas subcorticais com o córtex são altamente organizadas, isto é, áreas definidas do córtex se projetam sobre os alvos subcorticais e estes, por sua vez, enviam informações de volta para regiões específicas do córtex cerebral. O striatum recebe conexões do córtex. Sua principal área de eferência é o globo pálido. Este, por sua vez, projeta-se sobre o tálamo, que se conecta com o córtex, fechando o circuito. Esta é a clássica alça córtico-estriato-pálidotálamo- cortical. A organização tópica ocorre ao longo de toda a alça córtico-subcortical.

Alexander, DeLong, e Strick (1986), em estudo neuroanatômico em primatas, descrevem projeções do neocórtex sobre o estriado. Sugerem haver pelo menos cinco alças ou circuitos córtico-subcorticais.

O circuito motor envolve as projeções dos córtices pré-motor e motor sobre o putamen, cujas conexões, por sua vez, alcançam o núcleo ventral lateral (VL) e o núcleo ventral anterior (VA) do tálamo, via globo pálido. No retorno, a informação atinge os córtices motor, pré-motor e pré-frontal. A ordem motora final para a fala é veiculada pelo trato piramidal, que se origina nas áreas do córtex motor correspondentes a face, língua, faringe e laringe. A via piramidal atravessa a porção média da substância branca periventricular e a cápsula interna em seu destino aos núcleos do tronco cerebral. Distúrbios motores da produção da fala podem ser explicados pelo dano da via piramidal descendente, ou de qualquer ponto da alça motora córtico-subcortical.

Circuitos cognitivos têm sido individualizados no sistema córtico-subcortical. O circuito do cíngulo anterior ou motivacional inicia no córtex límbico do cíngulo anterior, hipocampo, amígdala e área entorrinal e alcança o núcleo dorsomediano do tálamo (DM) também os núcleos anterior (A) e lateral dorsal (LD), via striatum ventral. Motivação é o impulso que leva à ação, a partir de um estímulo interno, ou em resposta ao meio externo. A produção oral da fala depende da iniciativa motora e comportamental, de sua manutenção e seqüenciação temporal. A iniciação dos movimentos fonoarticulatórios e a emoção são importantes aspectos límbicos da fala espontânea. O comprometimento desse sistema produz redução da fala espontânea, que fica muito dependente de estimulação externa (argüição e solicitação de outras pessoas), sendo uma das causas de mutismo. As respostas tendem a ser curtas e a ter uma latência na troca dos turnos. Para uma revisão dos distúrbios de linguagem pós-lesão do sistema nervoso consultar Dennis (2010).

Outros circuitos fronto-subcorticais, iniciando no córtex pré-frontal lateral e órbito-frontal lateral, dirigem-se ao núcleo caudado e alcançam os núcleos DM e VA do tálamo. As regiões corticais posteriores (parietal, temporal e occipital) se conectam com os núcleos posteriores talâmicos, especialmente o pulvinar, via núcleo caudado. Estas alças poderiam estar relacionadas a diversos aspectos da linguagem. Em especial as alças fronto-subcorticais poderiam se relacionar com as funções executivas e a elaboração do discurso, e a inter-relação da linguagem com a atenção e a memória operacional.

De maneira simplificada pode-se afirmar que os córtices sensitivomotor e pré-motor comunicam-se com o putamen central e caudal; as áreas límbicas com o striatum ventral e as áreas corticais de associação (principalmente áreas pré-frontal e parietal posterior) se projetam sobre o núcleo caudado e o putamen rostral. Esta colocação sugere que o putamen está ligado mais às tarefas motoras, o striatum ventral com aspectos emocionais e o núcleo caudado relacionado a funções cognitivas mais complexas.

Afasias subcorticais: Aspectos clínicos

Como um conjunto, as afasias subcorticais apresentam as seguintes características: Reversibilidade. Os sintomas afásicos têm caráter reversível e, muitas vezes, transitório. Tendem a ser menos severos em relação aos causados por lesão cortical (Heiss, Kessler, Thiel, Ghaemi, & Karbe, 1999). A persistência de alterações afásicas por anos, no entanto, é relatada (Crosson, 1985). Hipofonia. O volume da voz é diminuído. À solicitação, o paciente pode elevar, transitoriamente, o volume da voz, diminuindo-o a seguir. Distúrbios da produção motora da fala. Ocorrem disartria, imprecisão articulatória, alterações da velocidade da fala, com pausas ou taquilalia, e disfluência, com hesitações e perseverações. Repetição. Freqüentemente está preservada a repetição.

Embora as habilidades deficitárias ou preservadas acima sejam geralmente associadas a quadros de afasia subcortical, uma generalização de sintomas é muito difícil nestes casos. Diferenças na apresentação da afasia pós-lesão talâmica em relação aos quadros de lesão extratalâmica são apontadas (para uma revisão, consultar, por exemplo, Kuljic-Obradovic, 2003).

A afasia subcortical não talâmica caracteriza-se por uma variabilidade em sua apresentação. Muitas vezes as alterações da linguagem correspondem às afasias corticais clássicas (Hillis et al., 2004). É observada simplificação sintática da sentença. Anomia e parafasias são freqüentes. Parafasias fonêmicas são mais comuns nas lesões não talâmicas do que nas talâmicas (Kuljic-Obradovic, 2003). A compreensão tende a ser mais preservada que a expressão. No entanto, distúrbios da compreensão auditiva são mais comuns nos casos não talâmicos em relação aos talâmicos.

Na afasia subcortical talâmica as manifestações são consideradas mais características. A fala é fluente ou há redução da fluência, com diminuição da iniciativa, a qual fica dependente de estimulação. Pode haver mutismo em lesões talâmicas bilaterais. A compreensão verbal é menos comprometida do que a expressão. A compreensão está afetada quando há muitos itens ou a sintaxe é complexa, sugerindo participação da memória operacional. As séries automáticas são relativamente preservadas. Anomia e parafasias semânticas completam o quadro clínico. A fonologia e a sintaxe costumam estar preservadas. A característica mais marcante da afasia talâmica parece ser a alteração léxico-semântica (Kuljic-Obradovic, 2003).

Nas próximas subseções deste artigo de revisão teórica, cada característica de análise das afasias subcorticais será abordada. Primeiramente, será revisada a reversibilidade, com uma análise breve da experiência com casos de afasia subcortical. Posteriormente, cada alteração lingüística será alvo de revisão.

Características da afasia subcortical: evidências de estudos comportamentais e de neuroimagem e de estudos de casos de um ambulatório hospitalar

Reversibilidade

A maioria dos autores é de opinião que o córtex é o centro neural para as funções cognitivas, inclusive para a linguagem (por exemplo, Dennis, 2010). Os sintomas afásicos observados nas lesões subcorticais seriam resultantes, na verdade, de disfunção funcional da atividade cortical. A reorganização cortical produziria uma retomada da função comprometida, o que explicaria o carater benigno e transitório das afasias subcorticais.

Os estudos com PET (positron emission tomography) ou SPECT (single photon emission computed tomography) nas lesões subcorticais têm demonstrado hipometabolismo/hipoperfusão na área afetada (por exemplo, González, Catasus, & González, 2001). No entanto, hipoatividade também é observada à distância, em áreas cerebrais corticais desprovidas de lesões anatomicamente demonstráveis. Por outro lado, lesões corticais podem, ainda, ser acompanhadas de hipoatividade em estruturas subcorticais (González, Catasus, & González, 2001).

Os dados obtidos em estudos com PET e SPECT nas lesões subcorticais sugerem que a redução da atividade cortical é encontrada em áreas anatomicamente relacionadas às estruturas subcorticais lesadas. Essa constatação reforça a importância das alças córtico-subcorticais no sistema funcional da linguagem, e aponta o córtex como o centro responsável pelo sintoma afásico.

Corroborando essa hipótese, alguns autores encontram relação entre o grau do hipometabolismo cortical homolateral à lesão subcortical e a gravidade dos distúrbios de linguagem. A melhora do desempenho muitas vezes paraleliza a normalização da hipoatividade cortical (Choi et al., 2007). Em estudos evolutivos, a melhora da linguagem é acompanhada de aumento da ativação nas clássicas áreas corticais da linguagem (De Boissezon et al., 2005).

Nas lesões subcorticais, a disfunção cortical poderia ocorrer por diasquise (deaferentação funcional cortical) ou por desconexão (interrupção das vias na substância branca que intercomunicam as diversas áreas corticais necessárias para o processamento da linguagem). Em elegante estudo com ressonância magnética por difusão e perfusão, Hillis et al. (2002) observam que infartos exclusivamente subcorticais estão associados a hipoperfusão cortical, havendo resolução dos sintomas afásicos com a melhora da perfusão cortical. Inclusive o tipo de afasia observado se relaciona com o local da hipoperfusão cortical, apresentando-se com as características das clássicas síndromes corticais (Hillis et al., 2004).

A hipoperfusão cortical seria o terceiro possível mecanismo para explicar a disfunção cortical nas lesões dos gânglios da base. A chamada teoria hemodinâmica baseia-se no fato de que as lesões estriato-capsulares são causadas por oclusão do segmento inicial da artéria cerebral média (ACM) ou, ocasionalmente, da carótida interna, o que dificulta a circulação em todo o território da ACM (inclusive no córtex perissilviano). A recanalização precoce da ACM e a adequação da circulação anastomótica são melhores no córtex do que no subcórtex. Portanto, poderia ocorrer uma disfunção cortical transitória, sem lesão anatômica demonstrável. Esta hipótese é válida para as situações agudas. Os casos com persistência do sintoma afásico poderiam estar associados a um estado de hipoperfusão ou hipometabolismo crônicos do córtex, com dano microscópico, não detectável pelos métodos diagnósticos de neuroimagem existentes (Alexander & Hillis, 2008).

A hipoatividade cortical observada nas lesões subcorticais é mais intensa nos casos não talâmicos em relação aos talâmicos (Kushner et al., 1984). A realização de SPECT cerebral em uma série de seis casos talâmicos e de 18 não talâmicos do Ambulatório de Neurolinguística do HC/FMUSP, todos na fase sequelar de lesões de etiologia vascular, infecciosa ou traumática, evidenciou hipoperfusão cortical em todos, com exceção de um caso talâmico (que apresentava anomia) e de um caso não talâmico (com avaliação normal para a linguagem na evolução, quando foi realizado o exame). Um dado salientado foi a maior intensidade da hipoperfusão cortical nos pacientes não talâmicos. Nestes pacientes foi observada uma hipoperfusão muitas vezes difusa, comprometendo todo o hemisfério cerebral esquerdo, ou bilateralmente. Em todos os casos a região frontal estava envolvida, em contraposição aos casos talâmicos, em que apenas em 2 casos a região frontal se mostrava hipoperfundida. Os dados corroboram a importância das relações córticosubcorticais na gênese da afasia. Mecanismos de diásquise, desconexão e hipoperfusão devem ser considerados, pois as lesões eram etiologicamente diversas e foi encontrada hipoperfusão também no hemisfério direito em alguns casos. Tais dados também sugerem maior participação do córtex nos casos não talâmicos (em relação aos talâmicos) e, particularmente, da região frontal. Alguns pacientes que na fase aguda apresentaram características de afasia de Wernicke, com logorréia e neologismos, evoluíram para um padrão não fluente, com importante déficit de iniciativa da fala e tendência a mutismo. As implicações do envolvimento da alça fronto-estriatal serão discutidas adiante.

Hipofonia e distúrbios motores da fala

Hipofonia é classicamente encontrada nas lesões subcorticais. Pouco é conhecido sobre as áreas corticais envolvidas na vocalização humana. O córtex sensitivomotor primário, área motora suplementar e cíngulo anterior se mostram ativos em estudo com ressonância magnética funcional – RMf (Olthoff, Baudewig, Kruse, & Dechent, 2008). O circuito motor, filogeneticamente mais antigo, deve controlar o volume da voz, e o circuito motivacional deve estar implicado na iniciativa e na manutenção da vocalização.

O comprometimento da via piramidal na cápsula interna é causa de disartria. No entanto, as próprias estruturas subcorticais e os circuitos córtico-subcorticais são importantes na produção dos distúrbios motores da fala.

Nas lesões subcorticais são observadas imprecisão articulatória, disfluência, taqui e palilalia, disprosódia e perseveração. Gagueira neurogênica tem sido relatada em lesões de quase todas as regiões cerebrais. No entanto, em 75% dos casos documentados por meio de neuroimagem a lesão é subcortical, nos núcleos da base, cápsula interna e circuito córticosubcortical da área pré-motora (Ludlow & Loucks, 2003). A estimulação talâmica de pacientes cirúrgicos em vigília produzem repetição da primeira sílaba das palavras (Ojemann, 1983). São descritas, ainda, substituições, distorções, omissões, adições e repetição de fonemas, nas lesões subcorticais, achados sugestivos de apraxia de fala. Apraxia orofacial é observada em lesões de gânglios da base e da cápsula interna (Peach & Tonkovich, 2004).

Em levantamento de 19 casos com lesão talâmica e de 29 portadores de lesão não talâmica, do Ambulatório de Neurolinguísitca do HC/FMUSP, observou-se a presença frequente de substituições, omissões e repetição de fonemas, em ambos os grupos. Apraxia orofacial foi encontrada em 17% dos casos talâmicos e em 36% dos extratalâmicos. Havia pacientes encaminhados com suspeita de gagueira, cujo diagnóstico final foi doença de Parkinson.

Em suma, parece haver na lesão subcortical uma dificuldade na planificação do gesto articulatório, acompanhada ou não de apraxia orofacial, e distúrbios da sequenciação da fala. Surpreendentemente tais aspectos parecem estar sendo pouco enfatizados na literatura especializada.

Não são claros os mecanismos responsáveis por essas alterações. A estimulação do putamen esquerdo provoca o aparecimento de anartria, enquanto a estimulação do núcleo caudado esquerdo induz à presença de perseverações (Gil Robles, Gatignol, Capelle, Mitchell, & Duffau, 2005). Em estudo com PET aliado ao uso de marcador dopaminérgico, foi encontrada uma correlação entre a velocidade do processamento fonológico e atividade no putamen esquerdo, enquanto a acurácia do processamento fonológico se relacionou com atividade no núcleo caudado esquerdo (Tettamanti et al., 2005). Este fato sugere haver nos núcleos da base dois sistemas funcionais distintos relacionados à fala.

O putamen primariamente está conectado com regiões motoras, pré-motoras e áreas posteriores do préfrontal, que estão associadas à segmentação fonológica e controle articulatório. O comprometimento deste circuito poderia ocasionar alterações articulatórias e da organização práxica da fala. O núcleo caudado talvez tenha um papel mais complexo, embora ainda hipotético.

É possível que os gânglios da base sejam responsáveis pelo processamento de tarefas seqüenciais. A área pré-motora mesial está envolvida com a execução de sequências motoras. Estudos em primatas não humanos demonstram que neurônios do globo pálido deflagram imediatamente antes do final do submovimento em uma sequência motora automatizada e previsível. Tem sido proposto que esta atividade seja uma pista interna que sinalizaria o final de um componente motor em uma seqüência de movimentos. Este sinal seria enviado à área pré-motora para esta efetuar a mudança para o movimento seguinte, na seqüência (Brotchie, Iansek, & Leckman, 1991; González, Catasus, & González, 2001). Por este modelo o primeiro segmento de uma seqüência motora teria início em córtex motor e os gânglios da base regulariam os segmentos motores subseqüentes. Este modelo explicaria a disfluência e as perseverações observadas na fala dos pacientes com lesão subcortical.

A síndrome parkinsoniana classicamente é acompanhada, entre outras manifestações, de alteração na execução de atos motores automáticos. O aprendizado procedural, que se desenvolve com a repetição da tarefa motora ou perceptiva, envolve a participação dos gânglios da base. A memória implícita está na base das habilidades perceptivo-motoras e cognitivas. O modelo declarativo/procedural para a linguagem (Ullman, 2001) propõe que o sistema de memória declarativa têmporo-parietal se responsabilize pelo léxico e o sistema de memória procedural (portanto os gânglios da base e o circuito fronto-estriatal) controle o comportamento relacionado à aplicação de regras, inclusive gramaticais, em analogia com o comportamento motor hiperaprendido. A participação do neoestriado no processamento de regras ao nível lingüístico tem sido sugerida (Marangolo & Piras, 2008; Teichmann, Dupoux, Kouider, & Bachoud-Levi, 2006).

Uma das possibilidades é que o núcleo caudado participe do processamento de frases freqüentemente usadas. Aspectos automáticos de sintaxe, semântica e seqüenciação fonêmica seriam dependentes desta estrutura subcortical. Na série de casos acima descrita, dificuldades com as sequências automáticas foram observadas em 54% dos casos não talâmicos e em 36% dos talâmicos.

Repetição

A preservada capacidade de repetição incluiria a afasia subcortical por lesão talâmica e extra-talâmica entre as afasias transcorticais. No entanto, vale ressaltar que na série de casos em nossa série encontramos dificuldade de repetição ao nível de palavra em 33% dos casos talâmicos e em 41% dos casos não talâmicos. Não é possível afirmar se esse fato ocorre por disfunção cortical, conforme previamente exposto, ou por falha de uma atuação mais específica dessas estruturas.

Aspectos sintático-semânticos

Moro et al. (2001) encontram significante ativação do núcleo caudado esquerdo em tarefa de processamento sintático. Friederici e Kotz (2003) observam, em anomalias sintáticas, atividade no putamen esquerdo. Lesões talâmicas produzem dificuldade de compreensão de sentenças e do uso de sintaxe complexa na produção verbal (De Witte, Wilssens, Engelborghs, De Deyn, & Mariën, 2006).

Friederici, Kotz, Werheid, Hein, & von Cramon (2003) estudam o processamento sintático na compreensão de sentenças em portadores de doença de Parkinson, em análise de potencial evocado eventorelacionado com violação sintática . A onda negativa que aparece precocemente (aos 200 ms) nas regiões anteriores à esquerda, é normal. Esta negatividade provavelmente reflete a análise gramatical automática. Entretanto, a positividade que aparece mais tardiamente (P600) em área centro-parietal, está diminuída ou ausente. Acredita-se que esta onda mais tardia se relacione com a integração sintático-semântica da informação, para re-análise e correção, se necessária.

Dificuldades léxico-semânticas são encontradas em pacientes submetidos a palidotomia (Whelan et al., 2004). A ativação automática da informação sintática e semântica parece ser normal, mas o processo posterior, que revisa a representação lingüística inicial, é alterado (Longworth et al., 2005).

O conjunto desses estudos sugere haver nas lesões talâmicas e extra-talâmicas, dificuldades sintáticas e semânticas, porem mais especificamente relacionadas à fase de processamento em que a integração sintático-semântica permite a correta verificação do que está sendo compreendido ou expressado.

Um papel específico das estruturas subcorticais na linguagem tem sido defendido por vários autores. Os aspectos sintático-semânticos apontados acima podem ser explicados por modelos propostos por Crosson (1985) e por Ketteler, Kastrau, Vohn, e Huber (2008).

Crosson (1985) propõe modelo teórico em que o circuito córtico-subcortical, com a participação dos núcleos da base e tálamo, regule a liberação ou a seleção de itens lexicais produzidos no córtex, em tarefa de monitorização semântica. Por este modelo, áreas corticais posteriores conferem a exatidão semântica do material verbal codificado pelas áreas corticais anteriores, antes da execução motora da fala, por intermédio das alças córtico-subcorticais.

Ketteler et al. (2008), estudando o processamento de ambiguidades por RMf, encontram significante ativação em tálamo, caudado e putamen e sugerem um papel neuroregulador dessas estruturas em monitorar a liberação de segmentos pré-formulados de linguagem para a programação motora e verificação semântica.

A possibilidade de integração das estruturas subcorticais com a corticalidade no processamento sintático-semântico recebeu recente respaldo com o trabalho de Duffau et al. (2005). Esses autores observaram a presença de parafasias semânticas à estimulação subcortical intra-operatória, sob anestesia local, de pacientes portadores de gliomas cerebrais tipo low grade), o que levanta argumentos a favor da existência de uma via subcortical relacionada à semântica, no hemisfério dominante, conectada com os dois epicentros da rede semântica, a área temporal posterior superior e o córtex frontal orbital e dorsolateral. Essa via ventral anatomicamente talvez seja parte do fascículo fronto-occipital inferior.

Integração cognitiva córtico-subcortical

A participação ativa das estruturas subcorticais na linguagem poderia ocorrer através de outros mecanismos. O papel dos núcleos talâmicos nespecíficos na ativação difusa do córtex é sobejamente conhecido. No entanto, existem indícios de que o tálamo possa regular o alerta e ativação cortical para uma função específica. Eletrodos implantados cronicamente em núcleo centromediano de pacientes neurocirúrgicos produzem melhora da nomeação e da expressão e compreensão verbais (Bhatnagar, Mandybur, Buckingham, & Andy, 2000). Utilizando registro simultâneo de EEG em estruturas subcorticais e na convexidade, Wahl et al. (2008) observam que o tálamo reage a violação sintática e semântica auditivamente apresentadas, em coordenação com as regiões corticais, provavelmente com a implicação do núcleo centromediano. Ojemann (1983) imputa ao núcleo ventral lateral esquerdo (VL) do tálamo uma "resposta de alerta específico". Por suas conexões com os córtices frontal, temporal e parietal, o tálamo poderia promover a ativação seletiva não só das áreas corticais diretamente relacionadas à linguagem, mas também de regiõesenvolvidas com outras funções cognitivas que participam do processamento da linguagem. Assim, o tálamo poderia melhorar a alocação da atenção e da memória operacional para o processamento e registro da informação lingüística. Em particular, o tálamo poderia atuar na atenção seletiva, engajando os lobos préfrontais para a seleção lexical; a lesão talâmica produziria, assim, erros de nomeação e parafasias semânticas (Nadeau & Crosson, 1997). Os circuitos fronto-subcorticais vem adquirindo maior relevância na compreensão da função da subcorticalidade na linguagem.

No nível do discurso, especialmente na fala espontânea, observam-se nas lesões subcorticais intrusões de temas previamente abordados, sem relação com o atual e a superposição de informações não relacionadas (Ghika-Schmid & Bogousslavsky, 2000). Apesar das frases gramaticalmente corretas, o discurso tende a ser incoerente, sem ordenação das idéias e sem atingir o tópico. As correções necessárias para atingir o objetivo da informação não são realizadas. Os testes de fluência verbal com pista fonológica demonstram ausência de estratégias de busca, passando de uma subcategoria a outra de maneira desorganizada. O campo semântico se alarga por associação de idéias, com perda do tema inicial.

De maneira similar, Wallesch e Papagno (1988) apontam que a performance do indivíduo com lesão estriato-capsular depende do grau de liberdade envolvido na tarefa de linguagem. A fala proposicional é mais afetada que a fala responsiva. A anomia de pacientes com lesão subcortical é mais severa na conversação, em relação à confrontação.

Uma possível explicação para esses achados advém dos trabalhos de Longworth et al. (2005), Copland (2003) e Copland (2006). Longworth et al. (2005) encontram associação entre dano estriatal e dificuldade em suprimir alternativas semanticamente apropriadas. Sugere que a lesão estriatal possa poupar a ativação automática da informação lingüística, mas altera o processamento posterior que requer a inibição de alternativas competitivas. Os autores sugerem que o striatum está envolvido com a inibição de alternativas competitivas durante o estágio tardio da compreensão da linguagem. Esse estágio tardio de integração ocorre após o acesso lexical inicial e reflete o processamento ao nível de sentença, em um determinado contexto.

Copland (2003) encontra, em lesões subcorticais não talâmicas, dificuldade na resolução de ambigüidades lexicais. Em particular, o distúrbio parece influenciar a supressão de significados inapropriados com base na freqüência do item lexical ou da informação contextual. No entanto, déficits atencionais seletivos da rede semântica poderiam também ocasionar as falhas encontradas. Em complementaridade, Copland (2006) analisa como o processamento prévio de uma ambigüidade lexical influencia a subseqüente ativação do significado, usando uma tarefa de priming semântico. Os resultados sugerem que a lesão subcortical não talâmica pode interromper mecanismos envolvidos na seleção do item lexical apropriado e na inibição de representações competitivas ou irrelevantes. Possivelmente, circuitos fronto-subcorticais estejam envolvidos com a integração da informação contextual, para selecionar a resposta apropriada (Copland, 2006). Talvez haja necessidade de inibir atividade parasita do hemisfério direito, que atua naturalmente por associações semânticas (Copland, 2003; Crosson et al., 2003).

Os resultados obtidos por Longworth et al. (2005), Copland (2003) e Copland (2006) aproximam-se daqueles descritos previamente quanto ao processamento sintático-semântico. Em outras palavras, a participação subcortical na linguagem parece ocorrer na etapa do processamento em que o conjunto sintáticosemântico- contextual é analisado para a escolha da alternativa mais adequada. É possível aventar que as estruturas subcorticais tenham a função de integrar esses diferentes aspectos, em concerto com as áreas corticais, e forneçam esta informação para as áreas frontais realizarem a seleção final.

Distúrbios das funções executivas, do comportamento e distratibilidade (Carrera & Bogousslavsky, 2006) fazem parte do quadro clínico da lesão subcortical. Vários de nossos pacientes, especialmente os com lesão extra-talâmica, apresentaram mudanças de comportamento após a doença. Foi observada impulsividade nas respostas verbais ou condutas adotadas, sem a prévia análise das conseqüências, e reações exageradas de irritabilidade e mesmo agressividade, frente a motivos mínimos.

As lesões subcorticais parecem ser acompanhadas de déficits mais executivos e complexos da linguagem (Mega & Alexander, 1994), inclusive a fluência verbal, geração de sentenças, discurso e interpretação de trechos ambíguos ou figurativos. A presença de perseveração, a intrusão de temas anteriores no discurso e distúrbios das funções executivas sugerem a importância do circuito fronto-subcortical na produção dos sintomas afásicos, bem como a interrelação com a atenção e memória operacional. As alças córticosubcorticais posteriores relacionam-se a outros aspectos semânticos e de memória. Parece, assim, haver ainda a necessidade de muitos estudos relacionando a linguagem com outras funções cognitivas e com seus correlatos neurais corticais e subcorticais.

Considerações finais e perspectivas

O papel dos núcleos da base e tálamo na fala e linguagem, de um modo geral, parece ainda não ser totalmente conhecido. Essas estruturas participam dos aspectos motores da fala, quanto à articulação e ao planejamento práxico do gesto articulatório, bem comodo processamento sintático e semântico. A alça frontosubcortical é importante para os aspectos executivos da linguagem e a inter-relação da linguagem com a atenção e a memória operacional. É debatido se os sintomas afásicos nas lesões subcorticais decorrem, na verdade, de disfunção cortical ou de falha de alguma atribuição específica da subcorticalidade. Os dados existentes sugerem maior participação do córtex cerebral na produção dos sintomas em casos não talâmicos. Uma ação mais específica do tálamo é sugerida nos casostalâmicos. No entanto, em ambas as situações,fica patente não a independência, mas a interrelação entre a corticalidade e a subcorticalidade.

Os núcleos da base e o tálamo devem atuar como dispositivos ativadores e reguladores do processamento cortical da fala e da linguagem. Os sintomas decorrentes de sua lesão decorrem da perturbação de múltiplos aspectos do processamento geral da linguagem na comunicação.

Quanto a perspectivas genéticas, o gene FOXP2 é o primeiro gene descrito relacionado a um distúrbio do desenvolvimento da fala e da linguagem (Fisher, Vargha-Khadem, Watkins, Monaco, & Pembrey, 1998; Lai, Fisher, Hurst, Vargha-Khadem, & Monaco, 2001). A mutação foi mapeada em três gerações de uma mesma família, cujos membros afetados apresentam alteração no controle e no sequenciamento dos movimentos coordenados da boca e da face, resultando em alteração da fala. Esta dispraxia orofacial é acompanhada de dificuldade no desenvolvimento de habilidades lingüísticas e gramaticais, com conseqüente distúrbio da expressão e compreensão verbais, tanto oral quanto escrita (Watkins, Dronkers, & Vargha-Khadem, 2002a).

Evidências de neuroimagem estrutural e funcional tem sido de grande valia e são ainda muito promissoras para o melhor e mais profundo entendimento dos correlatos subcorticais da linguagem e de subprocessos cognitivos, tais como atencionais, menmônicos e executivos, a ela relacionados. Estruturas cerebrais anormais, inclusive o núcleo caudado, são evidenciadas nos exames de ressonância magnética e PET (Watkins et al., 2002b). O estudo do padrão de expressão do gene FOXP2 sugere que este gene não se expressa difusamente, mas se restringe a áreas cerebrais funcionalmente relacionadas. A expressão do gene é predominante em córtex cerebral, gânglios da base, tálamo, oliva inferior e cerebelo, em concordância com os principais sítios de alterações patológicas observadas na neuroimagem (Lai, Gerrelli, Monaco, Fisher, & Copp, 2003). Parece que o gene FOXP2 está implicado no desenvolvimento de circuitos córtico-estriatais e olivocerebelares envolvidos com o controle motor. Talvez os distúrbios da planificação motora, da sequenciação dos movimentos e do aprendizado procedural situem-se na base das anomalias da fala e linguagem dos afetados nestes aspectos (Lai et al., 2003).

O enfoque do papel das estruturas subcorticais nas funções cognitivas precisa considerar mais a evolução do sistema nervoso, que obedeceu a um processo de hierarquização, em que a função das estruturas mais recentes se assesta sobre a das mais antigas. Os sistemas funcionais envolvem a participação do conjunto córtico-subcortical. É possível que a elucidação da participação subcortical na linguagem lance uma luz sobre o início da aquisição da linguagem pelo homem primitivo.

 

Referências

Alexander, G. E., DeLong, M. R. & Strick, P. L. (1986). Parallel organization of functionally segregated circuits linking basal ganglia and cortex. Annual Review of Neuroscience, 9, 357-381.         [ Links ]

Alexander, M. P. & Hillis, A. E (2008). Aphasia. In: G. Goldenberg & B. L. Miller (Eds.), Neuropsychology and behavioral neurology (pp. 287-309), Handbook of Clinical Neurology, Vol. 88 (3rd series). Amsterdam: Elsevier B.V.         [ Links ]

Bhatnagar, S. C., Mandybur, G. T., Buckingham, H. W., & Andy, O. J. (2000). Language representation in the human brain: Evidence from cortical mapping. Brain and Language, 74, 238-259.         [ Links ]

Brotchie, P., Iansek, R., & Leckman, J. F. (1991). Motor function of the monkey globus pallidus. 2. Cognitive aspects of movement and phasic neuronal activity. Brain, 114, 1685-1702.         [ Links ]

Bruce, B. B., Foote, K. D., Rosenbek, J., Sapienza, C., Romrell, J., Crucian, G., & Okun, M. S. (2004). Aphasia and thalamotomy: important issues. Stereotactic and Functional Neurosurgery, 82, 186-190.         [ Links ]

Carrera, E., & Bogousslavsky, J. (2006). The thalamus and behavior: Effects of anatomically distinct strokes. Neurology, 66, 1817-1823.         [ Links ]

Choi, J. Y., Lee, K. H., Na, D. L., Byun, H. S., Lee, S. J., Kim, H., Kwon, M., Lee, K. H., & Kim, B. T. (2007). Subcortical aphasia after striatocapsular infarction: quantitative analysis of brain perfusion SPECT using statistical parametric mapping and a statistical probabilistic anatomic map. The Journal of Nuclear Medicine, 48, 194-200.         [ Links ]

Copland, D. (2003). The basal ganglia and semantic engagement: potential insights from semantic priming in individuals with subcortical vascular lesions, Parkinson's disease, and cortical lesions., 9, 1041-1052.         [ Links ]

Copland, D. A. (2006). Meaning selection and the subcortex: Evidence of reduced lexical ambiguity repetition effects following subcortical lesions. Journal of Psycholinguistic Research, 35, 51-66.         [ Links ]

Crosson, B. (1985). Subcortical functions in language: a working model. Brain and Language, 25, 257-292.         [ Links ]

Crosson, B., Benefield, H., Cato, M. A., Sadek, J. R., Moore, A. B., Wierenga, C. E., Gopinath, K., Soltysik, D., Bauer, R. M., Auerbach, E. J., Gokcay, D., Leonard, C. M., & Briggs, R. W. (2003). Left and right basal ganglia and frontal activity during language generation: contributions to lexical, semantic, and phonological processes. Journal of the International Neuropsychological Society, 9, 1061-1077.         [ Links ]

De Boissezon, X., Démonet, J. F., Puel, M., Marie, N., Raboyeau, G., Albucher, J. F., Chollet, F., & Cardebat, D. (2005). Subcortical aphasia: a longitudinal PET study. Stroke, 36, 1467-1473.         [ Links ]

De Witte, L., Wilssens, I., Engelborghs, S., De Deyn, P. P., & Mariën, P. (2006). Impairment of syntax and lexical semantics in a patient with bilateral paramedian thalamic infarction. Brain and Language, 96, 69-77.         [ Links ]

Dennis, M. (2010). Language disorders in children with central nervous system injury. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 32(4), 417-432.         [ Links ]

Duffau, H., Gatignol, P., Mandonnet, E., Peruzzi, P., Tzourio-Mazoyer, N., & Capelle, L. (2005). New insights into the anatomo-functional connectivity of the semantic system: a study using cortico-subcortical electrostimulations. Brain, 128, 797-810.         [ Links ]

Fisher, S. E., Vargha-Khadem, F., Watkins, K. E., Monaco, A. P., & Pembrey, M. E. (1998). Localisation of a gene implicated in a severe speech and language disorder. Nature Genetics, 18, 168-170.         [ Links ]

Friederici, A. D. & Kotz, S. A. (2003). The brain basis of syntactic processes: functional imaging and lesion studies. Neuroimage, 20, S8-S17.         [ Links ]

Friederici, A. D., Kotz, S. A., Werheid, K., Hein, G., & von Cramon, D. Y. (2003). Syntactic comprehension in Parkinson' disease: investigating early automatic and late integrational processes using event-related brain potentials. Neuropsychology, 17, 133-142.         [ Links ]

Ghika-Schmid, F., & Bogousslavsky, J. (2000). The acute behavioural syndrome of anterior thalamic infarction: a prospective study of 12 cases. Annals of Neurology, 48, 220-227.         [ Links ]

Gil Robles, S., Gatignol, P., Capelle, L., Mitchell, M. C., & Duffau, H. (2005). The role of dominant striatum in language: a study using intraoperative electrical stimulations. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 76, 940-946.         [ Links ]

González, L. A., Catasus, C. S., & González, E. A. (2001). SPECT en la enfermedad de Parkinson y otros trastornos del movimiento. Revista Mexicana de Neurociencia, 2(3), 169-175.         [ Links ]

Heiss, W. D., Kessler, J., Thiel, A., Ghaemi, M., & Karbe, H. (1999). Differential capacity of left and right hemispheric areas for compensation of poststroke aphasia. Annals of Neurology, 45, 430-438.         [ Links ]

Hillis, A. E., Barker, P. B., Wityk, R. J., Aldrich, E. M., Restrepo, L., Breese, E. L., & Work, M. (2004). Variability in subcortical aphasia is due to variable sites of cortical hypoperfusion. Brain and Language, 89, 524–530.

Hillis, A. E., Wityk, R. J., Barker, P. B., Beauchamp, N. J., Gailloud, P., Murphy, K., Cooper, O., & Metter, E. J. (2002). Subcortical aphasia and neglect in acute stroke: the role of cortical hypoperfusion. Brain, 125, 1094-1104.         [ Links ]

Ketteler, D., Kastrau, F., Vohn, R., & Huber, W. (2008). The subcortical role of language processing. High level linguistic features such as ambiguity-resolution and the human brain; an fMRI study. Neuroimage, 39, 2002-2009.         [ Links ]

Kuljic-Obradovic, D. C. (2003). Subcortical aphasia: three different language disorder syndromes? European Neurology, 10, 445-448.         [ Links ]

Kushner, M., Alavi, A., Reivich, M., Dann, R., Burke, A., & Robinson, G. (1984). Contralateral cerebellar hypometabolism following cerebral insult: a positron emission tomography study. Annals of Neurology, 15, 425-434.         [ Links ]

Lai, C. S. L., Fisher, S. E., Hurst, J. A., Vargha-Khadem, F., & Monaco, A. P. (2001). A forkhead-domain gene is mutated in a severe speech and language disorder. Nature, 413, 519-523.         [ Links ]

Lai, C. S. L., Gerrelli, D., Monaco, A. P., Fisher, S. E., & Copp, A. J. (2003). FOXP2 expression during brain development coincides with adult sites of pathology in a severe speech and language disorder. Brain, 126, 2455-2462.         [ Links ]

Longworth, C. E., Keenan, S. E., Barker, R. A., Marslen-Wilson, W. D., & Tyler, L. K. (2005). The basal ganglia and rule-governed language use: evidence from vascular and degenerative conditions. Brain, 128, 584-596.         [ Links ]

Ludlow, C. L., & Loucks, T. (2003). Sttutering: a dynamic motor control disorder. Journal of Fluency Disorders, 22, 273-295.         [ Links ]

Marangolo, P., & Piras, F. (2008). Dissociations in processing derivational morphology: the right basal ganglia involvement. Neuropsychologia, 46, 196-205.         [ Links ]

Mega, M. S., & Alexander, M. P. (1994). The core profile of subcortical aphasia. Neurology, 44, 1824–1829.

Moro, A., Tettamanti, M., Perani, D., Donati, C., Cappa, S. F., & Fazio, F. (2001). Syntax and the brain: disentandling Grammar by selective anomalies. Neuroimage, 13, 110-118.         [ Links ]

Nadeau, S. E., & Crosson, B. (1997).Subcortical aphasia. Brain and Language, 58, 355-402.         [ Links ]

Ojemann, G. (1983). Electrical stimulation and the neurobiology of language. Behavioral and Brain Science, 6, 221-230.         [ Links ]

Olthoff, A., Baudewig, J., Kruse, E., & Dechent, P. (2008). Cortical sensorimotor control in vocalization: a functional magnetic resonance imaging study. Laryngoscope, 118, 2091-2096.         [ Links ]

Peach, R. K., & Tonkovich, J. D. (2004). Phonemic characteristics of apraxia of speech resulting from subcortical hemorrhage. Journal of Communication Disorders, 37, 77-90.         [ Links ]

Teichmann, M., Dupoux, E., Kouider, S., & Bachoud-Levi, A. C. (2006). The role of the striatum in processing language rules: evidence from word perception in Huntington's disease. Journal of Cognitive Neuroscience, 18, 1555-1569.         [ Links ]

Tettamanti, M., Moro, A., Messa, C., Moresco, R. M., Rizzo, G., Carpinelli, A., Matarrese, M., Fazio, F., & Perani, D. (2005). Basal ganglia and language: phonology modulates dopaminergic release. Neuroreport, 16, 397-401.         [ Links ]

Ullman, M. T. (2001). A neurocognitive perspective on language: the Declarative/Procedural Model. Nature Reviews Neuroscience, 2, 717-726.         [ Links ]

Wahl, M., Marzinzik, F., Friederici, A. D., Hahne, A., Kupsch A., Schneider, G. H., Saddy, D., Curio, G., & Klostermann, F. (2008). The human thalamus processes syntactic and semantic language violations. Neuron, 59, 695-707.         [ Links ]

Wallesch, C. W., & Papagno, C. (1988). Subcortical aphasia. In F. C. Rose, R. Whurr & M. A. Wyke (Eds.), Aphasia (pp.256-287). London: Whurr Publishers.         [ Links ]

Watkins, K. E., Dronkers, N. F., & Vargha-Khadem, F. (2002a). Behavioral analysis of an inherited speech and language disorder: comparison with acquired aphasia. Brain, 125, 452-464.         [ Links ]

Watkins, K. E., Vargha-Khadem, F., Ashburner, J., Passingham, R. E., Connelly, A., Friston, K. J., Frackowiak, R. S., Mishkin, M., & Gadian, D. G. (2002b). MRI analysis of an inherited speech and language disorder: structural brain abnormalities. Brain, 125, 465-478.         [ Links ]

Whelan, B. M., Murdoch, B. E., Theodoros, D. G., Darnell, R., Silburn, P., & Hall, B. (2004). Redefining functional models of basal ganglia organization: role for the posteroventral pallidum in linguistic processing? Movement Disorders, 19, 1267-1278.         [ Links ]

 

Artigo recebido: 09/04/2010; Artigo revisado: 07/06/2010; Artigo aceito: 27/09/2010.

 

 

Endereço para correspondência:lucia.iracema@terra.com.br

 

Creative Commons License