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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.6 no.2 Calle  2014

http://dx.doi.org/10.5579/rnl.2013.0214 

DOI: 10.5579/rnl.2013.0214

 

Funções executivas em um caso de TDAH adulto: a avaliação neuropsicológica auxiliando o diagnóstico e o tratamento

 

Les fonctions exécutives chez l'adulte atteint de TDAH: évaluation neuropsychologique comme un outil de diagnostic utile

 

Las funciones ejecutivas en un caso de TDAH en adultos: una evaluación neuropsicológica para el diagnóstico y tratamiento

 

Executive functions in an adult with ADHD: neuropsychological assessment as a useful diagnostic tool

 

 

Maikon de Sousa MichelsI; Hosana Alves GonçalvesII

I Especialista em Neuropsicologia Joinville, SC, Brasil
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Funções executivas (FE) é um conjunto de componentes que permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas visando à resolução de problemas. A avaliação neuropsicológica auxilia na identificação de disfunções executivas. Este estudo objetivou caracterizar o perfil executivo de uma paciente de 26 anos de idade, aluna de graduação, portadora de TDAH tipo combinado. Conduziu-se entrevista de anamnese, observações clínicas, Bateria de Avaliação Frontal, Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN, Escala de Inteligência Wechsler para Adultos – WAIS-III, Teste D2, Teste Hayling e o Inventário Beck de Ansiedade. Os resultados apontam para disfunção em componentes executivos tais como controle inibitório, memória de trabalho, planejamento, flexibilidade cognitiva, em co-ocorrência com procrastinação de tomada de decisão. Não foram encontrados déficits em fluência verbal, processamento de inferências e resolução de problemas simples. A identificação destas disfunções contribui para o diagnóstico diferencial do TDAH, alerta para o impacto dos sintomas na vida cotidiana dos pacientes com TDAH e para a necessidade de tratamentos mais adequados ao quadro, a fim de associar técnicas de psicoterapia e reabilitação das funções executivas.

Palavras-chave: Avaliação neuropsicológica, Funções executivas, TDAH.


RESUMEN

Las funciones ejecutivas (FE) son un conjunto de habilidades que le permiten focalizar su comportamiento para la resolución de problemas. Las evaluaciones neuropsicológicas permiten identificar disfunciones ejecutivas. El objetivo de este estudio es caracterizar las funciones ejecutivas de una paciente de 26 años de alta escolaridad diagnosticada con un tipo de TDAH combinado. La evaluación neuropsicológica llevada a cabo estuvo guiada por su historia clínica y por entrevistas clínicas. Se le suministraron las versiones brasileñas de las siguientes baterías estandarizadas: Batería de Evaluación Frontal, Evaluación Neuropsicológica Breve Instrumento NEUPSILIN, Escala de Inteligencia Wechsler para Adultos - WAIS-III, ensayo D2, Prueba de Hayling y el Inventario de Ansiedad de Beck. Los resultados apuntan a una disfunción en componentes ejecutivos como el control inhibitorio, la memoria de trabajo, la planificación, la flexibilidad cognitiva, y la dilación en la toma de decisiones. No se encontraron deficiencias en la fluidez verbal, las inferencias de procesamiento y la resolución de problemas sencillos. La identificación de estos desórdenes contribuye al diagnóstico diferencial del TDAH, alerta ante el impacto de los síntomas en la vida diaria de los pacientes con TDAH y la necesidad de un marco más adecuado a los tratamientos con el fin de combinar las técnicas de la psicoterapia y la rehabilitación de las funciones ejecutivas.

Palabras-clave: Evaluación neuropsicológica, Funciones ejecutivas, TDAH.


RÉSUMÉ

Les fonctions exécutives (FE) sont un ensemble de composants qui permettent à un individu de se concentrer son / son comportement envers la résolution de problèmes. L'évaluation neuropsychologique joue un rôle clé dans l'identification dysfonctionnement exécutif. Cette étude vise à caractériser le profil général d'une patiente âgée de 26 ans, un étudiant de premier cycle, souffrant de TDAH de type combiné. L'évaluation neuropsychologique a été réalisée sur la base des antécédents médicaux, des entrevues cliniques, observations, et les versions brésiliennes d'instruments standardisés: Frontal Assessment Battery, Wechsler Adult Intelligence Scale - WAIS-III, D2 test, Hayling Test et l'inventaire d'anxiété de Beck, outre le neuropsychologique Brève brésilien évaluation NEUPSILIN batterie. Les résultats indiquent dysfonctionnements de composants exécutives telles que le contrôle inhibiteur, la mémoire de travail, la planification, la flexibilité cognitive, en co-occurrence avec un comportement de prise de décision procrastination. Il y avait pas de déficit dans la fluidité verbale, le traitement d'inférence et des problèmes simples de résolution. L'identification de dysfonctionnement exécutif peut être un avertissement pour les praticiens quant à l'impact des symptômes sur la vie quotidienne des patients atteints de TDAH. En outre, la nécessité d'un traitement et qui peut contribuer au diagnostic différentiel du TDAH approches plus spécifiques à ce psychopathologie peuvent être pris en compte, afin d'associer les techniques de psychothérapie à des fonctions de direction réhabilitation.

Mots-clés: Évaluation neuropsychologique, Les fonctions exécutives, TDAH.


ABSTRACT

Executive functions (EF) are a set of components that allow an individual to focus his/her behavior towards problem solving. Neuropsychological assessment plays a key role in identifying executive dysfunction. This study aimed to characterize the executive profile of a female patient aged 26 years old, an undergraduate student, suffering from ADHD combined type. Neuropsychological assessment was conducted based on medical history, clinical interviews, observations, and Brazilian versions of standardized instruments: Frontal Assessment Battery, Wechsler Adult Intelligence Scale – WAIS-III, D2 Test, Hayling Test and the Beck Anxiety Inventory, besides the Brazilian Brief Neuropsychological Assessment Battery NEUPSILIN. Results indicate dysfunctions in executive components such as inhibitory control, working memory, planning, cognitive flexibility, in co-occurrence with a procrastinator decision-making behavior. There were no deficits in verbal fluency, inferential processing and simple problems solving. Executive dysfunction's identification may be a warning to practitioners regarding the impact of symptoms on daily life of patients with ADHD. In addition, the need for treatment and which could contribute to differential diagnosis of ADHD approaches more specific to this psychopathology may be taken into account, in order to associate psychotherapy techniques to executive functions rehabilitation.

Keywords: Neuropsychological assessment, Executive functions, ADHD.


 

 

Introdução

Nos últimos anos, a avaliação neuropsicológica das funções executivas (FE) tem despertado interesse crescente de pesquisadores e da comunidade clínica, maior investimento representado por um maior número de publicações sobre o processamento destes componentes em clínicos e saudáveis (Lin, Chan, Zheng, Yang, & Ya Wang, 2007; Raczka, 2010; Verdejo-García & Bechara, 2010). Não obstante, apesar do grande interesse, existe uma falta de consenso a respeito deste construto (Hamdan & Pereira, 2009).

Neste contexto, há estudos procurando identificar seus diferentes componentes e outros propondo modelos de interação entre cada componente (Mäntylä, Rönnlund & Kliegel, 2010; Marklund, Fransson, Cabeza, Larsson, Ingvar & Nyberg, 2007). Isto acaba dificultando também a construção de instrumentos sensíveis para a avaliação deste construto complexo, e a escassez de instrumentos que se proponham a avaliar as FE dificulta sua avaliação principalmente em nível nacional (Fonseca et al., 2011).

Mais especificamente, as FE correspondem a um conjunto de habilidades integradas que permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver problemas imediatos, de médio e longo prazo (Chan, Shum, Toulopoulou & Chen, 2008; Kristensen, 2006; Lezak, Howieson, & Loring, 2004). Pesquisas recentes tem apontado para a necessidade de fracionamento das FE (Hamdan & Pereira, 2009) e de instrumentos aptos para avaliar cada um dos subcomponentes (Fonseca et al., 2011), pois são frequentes as dissociações dentro da mesma função, ou seja, há discrepâncias entre a perda, o distúrbio ou a falha no desenvolvimento de uma função, enquanto outra se encontra preservada ou desenvolvida (Parente, 2009).

Déficits nas FE têm sido referidos com o termo "síndrome disexecutiva" ou "disfunção executiva" e ocorrem geralmente em consequência de comprometimento envolvendo o córtex pré-frontal e/ou os circuitos a ele relacionados (Mansouri, Tanaka & Buckley, 2009). A apresentação clínica de uma síndrome disexecutiva depende de quais circuitos foram danificados (Malloy-Diniz et al., 2008). Pesquisas indicam que déficits executivos estão presentes em diversos transtornos neurológicos e psiquiátricos, como na esquizofrenia (Alves & Rozenthal, 2006); na depressão (Rozenthal, Laks & Engelhardt, 2004); na dependência de substâncias psicoativas (Cunha, Nicastri, Gomes, Moino & Peluso, 2004); no jogo patológico (Rossini & Fuentes, 2008); nas demências (Teixeira & Caramelli, 2008); no Transtorno de Humor Bipolar (Rocca & Laffer, 2006); entre outros.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um quadro psiquiátrico que acomete em média 3% a 5% da população infantil mundial e que em mais da metade dos casos acompanha o indivíduo na fase adulta, segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA, 2011). O TDAH é uma condição neurobiológica que se caracteriza pela diminuição da capacidade de atenção e algumas vezes por diversas alterações no processamento executivo, podendo ou não estar acompanhado de impulsividade e hiperatividade afetando crianças, adolescentes e adultos (Lopes, Nascimento & Bandeira, 2005; Wahlstedt, 2009).

Apesar de descrito na infância há mais de 200 anos, somente na década de 1970 o TDAH foi reconhecido por persistir na vida adulta (Malloy-Diniz, Capellini, Malloy-Diniz & Leite, 2008; Schimitz, Polanczyk & Rohde, 2007). Atualmente o diagnóstico em adultos é amplamente reconhecido como válido. No entanto, os critérios do DSM-IV-TR (American Psychiatry Association, 2002) baseavam-se predominantemente em crianças e adolescentes com idades entre 6 e 16 anos (Mattos, Coutinho, Borges & Andrade, 2008). Já as modificações realizadas para o DSM-V (American Psychiatry Association, 2014) provavelmente facilitarão o diagnóstico em adultos, pois houve uma redução em relação à quantidade de sintomas presentes e à idade de início dos sintomas que deve estar presente antes dos 12 anos de idade, ao invés dos 7 anos como era necessário no critério anterior.

O TDAH na vida adulta muitas vezes tem sido visto como uma doença camuflada, pois os sintomas têm sua expressão no âmbito das atividades próprias desta faixa etária; assim, a hiperatividade observada em crianças pode corresponder a um excesso de atividades em adultos e a impulsividade pode se expressar em términos prematuros de relacionamentos, problemas de humor, abuso de substâncias ou direção impulsiva de veículos. A desatenção em adultos pode ser evidenciada em tarefas que exigem organização e sustentação da atenção ao longo do tempo e nas dificuldades com a memória (Mattos et al., 2006). Além dos sintomas virem mascarados, o TDAH pode estar acompanhado de comorbidades que dificultam o diagnóstico preciso, principalmente em mulheres (Lopes et al., 2005). Em um estudo de prevalência brasileiro realizado em base populacional demonstrou que quase 70% dos diagnósticos foram realizados em mulheres adultas (Polanczyk, Laranjeira, Zaleski, Pinsky, Caetano & Rohde, ano?), o que se diferencia do que os critérios atuais sugerem de que a prevalência deve ser maior no gênero masculino (American Psychiatry Association, 2014).

A apresentação clínica do TDAH é heterogênea, seus sintomas e perfil cognitivo variam muito entre os pacientes e, neste contexto, a avaliação neuropsicológica exerce um papel fundamental na avaliação do transtorno (Davidson, 2008); ela pode contribuir para examinar as potencialidades e dificuldades de cada paciente com TDAH, favorecendo o terapeuta na elaboração de estratégias de reabilitação específicas para o caso (Harrison, Edwards & Parker, 2007; Kristensen, Almeida & Gomes, 2001). Além disso, os dados neuropsicológicos poderiam auxiliar o clínico em casos onde o diagnóstico se mostra mais obscuro. Na medida em que os critérios diagnósticos para o TDAH enfatizam sobremaneira à desatenção e hiperatividade/impulsividade, deixando de considerar as disfunções executivas características deste quadro, o objetivo do presente estudo é verificar a ocorrência e caracterizar os déficits executivos em uma paciente adulta com TDAH, visando a contribuir para um melhor entendimento da importância da avaliação neuropsicológica no diagnóstico e na condução de casos de TDAH adulto.

 

Método

Caso Clínico

A paciente tem 26 anos, mora sozinha em um apartamento alugado e faz curso superior em Tecnologia de Eventos. Foi encaminhada por seu psiquiatra devido a crises de ansiedade em situações cotidianas e principalmente quando necessitava realizar procedimentos clínicos invasivos, o que caracterizava uma Fobia Específica de procedimentos médicos e odontológicos (American Psychiatry Association,, 2002). É importante ressaltar que esta paciente foi avaliada antes dos critérios do DSM-V terem sido publicados, por isso manteremos a referência relacionada ao DSM-IV-TR.

Após alguns meses de psicoterapia de pouco sucesso diagnosticou-se TDAH, sendo que a avaliação neuropsicológica teve papel essencial. Em entrevista clínica não estruturada preencheu todos os critérios do DSM – IV- TR (American Psychiatry Association,, 2002) para o tipo combinado. Os sintomas estavam presentes antes dos sete anos de idade quando foi apelidada de "elétrica", mesma época em que frequentemente tinha impulsos de raiva que a faziam jogar seus brinquedos pela janela, "quebrava tudo" em sua casa e não deixava seus irmãos dormirem. Não sabe como era aprovada no colégio e tem poucas lembranças dessa fase escolar.

Durante o processo de avaliação neuropsicológica a paciente iniciou o uso de Metilfenidato e Sertralina. Antes da medicação a paciente relata sonolência durante o dia chegando a dormir nas disciplinas consideradas "chatas" na faculdade. Nunca conseguiu permanecer por mais de oito meses em um emprego e se descreve como uma pessoa a "mil por hora".

Procedimentos e Instrumentos de Avaliação Neuropsicológica

Este estudo de caso faz parte de projeto de pesquisa aprovado no comitê de ética de uma universidade gaúcha com número de protocolo 10/05134. A avaliação neuropsicológica foi realizada em cinco sessões de aproximadamente 50 minutos, em um ambiente silencioso, iluminado e ventilado, na cidade de Joinvile/SC. Utilizaram-se as técnicas e instrumentos descritos abaixo, sendo que a ordem de administração será a mesma apresentada a seguir:

Entrevista com a paciente com ênfase nos aspectos neuropsicológicos, sobretudo, os mais relacionados às Funções Executivas.

Observação clínica durante a avaliação.

Bateria de Avaliação Frontal - FAB (Cunha & Novaes, 2004). A FAB é um instrumento de avaliação neurocognitiva utilizada para o rastreamento de problemas nas Funções Executivas. É composta por seis subtestes que avaliam predominantemente 1) Formação de Conceitos; 2) Fluência Verbal; 3)Programação Motora; 4) Suscetibilidade à interferência; 5) Controle Inibitório e 6) Autonomia. Cada subteste equivale a três pontos no máximo que, somados, podem chegar a 18 pontos no total. De acordo com os autores, pacientes com lesões frontais apresentam média de 10,3 pontos. Escores entre 16 e 18 pontos permanecem dentro da faixa média, enquanto escores igual ou menor que 15 pode indicar padrão frontal disfuncional. Foram analisados os escores totais de cada subteste da bateria.

Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN (Fonseca, Salles, & Parente, 2008, 2009). É composto por tarefas que avaliam orientação têmporo-espacial, atenção concentrada, percepção visual, diversas modalidades da memória, habilidades aritméticas, linguagem oral e escrita, praxias e funções executivas. Sugerem-se quatro pontos de corte como referência: Z entre -1,0 e -1,5 desvio-padrão: sugestivo de alerta para déficit; Z igual ou maior -1,5 desvio-padrão: sugestivo de déficit; Z entre -1,6 e -2,0 desvios-padrão: sugestivo de déficit de moderado a severo; Z igual ou maior a -2,0 desvio-padrão: sugestivo de déficit de gravidade importante.

Escala de Inteligência Wechsler para Adultos – WAIS-III – (Nascimento, 2004). Examina habilidades intelectuais verbais e não verbais, com interpretação dos resultados aplicável ao raciocínio clínico neuropsicológico. Permite a avaliação das facilidades e dificuldades estatisticamente significativa entre os subtestes, bem como as discrepâncias entre os índices fatoriais.

Teste D2 Atenção Concentrada (Brickenkamp, 2002). Teste de Cancelamento que tem por objetivo a medida de Atenção Concentrada, da capacidade de concentração e análise da flutuação da atenção. Foram considerados o Escore Bruto (EB), o resultado líquido (RL), o Total de Erros (TE), a precisão (E%) e o grau de oscilação (AO).

Teste Hayling (Fonseca, Oliveira, Gindri, Zimmermann, Reppold, & Parente, 2010). O Teste Hayling é composto por duas partes. Na parte A são examinados componentes atencionais, além de habilidades de iniciativa verbal, velocidade de processamento, estratégia de busca de palavras automatizadas e memória semântica. A parte B avalia componentes mais complexos das funções executivas, como o planejamento e a inibição verbal. Foram considerados tanto para a parte A quanto para a parte B o tempo em segundos e o número de erros/15, além destas variáveis foram considerados o número de erros com a categorização das frases/45 e o escore de tempo parte B – parte A. Após o levantamento dos resultados calculou-se o escore Z da paciente de acordo com dados normativos com publicação em preparação.

Inventário de Ansiedade Beck– BAI (Cunha, 2001). Utilizada para averiguar o grau de ansiedade da paciente. No BAI, escores entre 0 e 10 caracterizam ansiedade mínima; entre 11 a 19, leve; entre 20 a 30, moderada; e entre 31 a 63, grave.

 

Resultados

Os sintomas mais proeminentes relatados pela paciente foram quanto à dificuldade de concentração em tarefas consideradas difíceis, dificuldade em realizar duas coisas ao mesmo tempo, confusão/desorientação e perda do curso do pensamento com facilidade. Também surgiram queixas relacionadas a déficits de memória e problemas de localização espacial, principalmente quando está dirigindo, sendo que todos esses sintomas parecem se relacionar com déficits de atenção concentrada, dividida e seletiva. No que se refere à impulsividade/hiperatividade, relatou todos os sintomas descritos no DSM-IV-TR (American Psychiatry Association,, 2002), principalmente respostas precipitadas antes das perguntas serem completadas, dificuldade em aguardar sua vez e intromissão na conversa dos outros.

Problemas diários são devidos pela falta de organização e planejamento das atividades, bem como adiamento das tarefas difíceis, sempre deixadas para a "última hora". Há dificuldades em priorizar as tarefas e suas decisões na maioria das vezes são tomadas de forma impulsiva, o que invariavelmente, acaba por trazer algum tipo de prejuízo.

Durante a avaliação foi possível observar algumas características peculiares de pacientes com TDAH, como agitação psicomotora e sonolência em tarefas que exigem esforço mental. No que diz respeito ao seu desempenho geral no WAIS-III, a paciente obteve QI Total levemente acima da média (111), QI Verbal Médio (109) e QI de Execução Superior (124). Estes resultados sugerem discrepância estatisticamente significativa entre QI Verbal e QI de Execução. Observou-se que a paciente encontrou maior dificuldade nos Subtestes Dígitos e Sequência de Números e Letras. O desempenho nesses subtestes contribuiu para a discrepância entre os índices fatoriais, sendo que o índice Memória Operacional (QI=106) ficou significativamente abaixo dos índices fatoriais Compreensão Verbal (QI=114), Organização Perceptual (QI=123) e Velocidade de Processamento (QI=118). Ao final do Subteste Vocabulário, por se tratar de um subteste longo, pode-se observar qualitativamente uma evidente distração.

No Teste de Atenção Concentrada D2 a paciente alcançou um resultado bruto (RB) médio inferior (percentil 20) e um resultado líquido (RL) médio inferior (percentil 20), sendo que os 12 erros cometidos foram de omissão. No que se refere à precisão (E%) alcançou um resultado médio (percentil 40), e um resultado médio superior (percentil 70) em se tratando da Oscilação (AO).

Na FAB a paciente não cometeu erros quantitativos, alcançando os 18 pontos possíveis. Entretanto, mostrou hesitação antes de iniciar a primeira sequência da tarefa Go-No-Go, e iniciou um movimento contrário ao que o teste exigia, conseguindo, entretanto, inibir esse movimento durante a resolução da tarefa.

O desempenho da paciente no NEUPSILIN indicou possíveis déficits nas funções Memória Semântica de Longo Prazo e Memória Visual de Curto Prazo. Na Tabela 1 são apresentados os resultados da paciente neste instrumento.

 

 

A seguir, na Tabela 2, apresenta-se o desempenho da paciente no Teste Hayling. O paciente apresentou dificuldade em flexibilidade cognitiva.

 

 

Além dos referidos testes que avaliam funções cognitivas, administrou-se o Inventário Beck de Ansiedade com o intuito de aferir o grau de contribuição dos sintomas ansiosos para o quadro da paciente. Nessa escala, a paciente alcançou um escore de 46 pontos, o que corresponde a um grau de ansiedade grave, segundo normas brasileiras (Cunha, 2001).

 

Discussão

A avaliação neuropsicológica tem contribuído para o diagnóstico funcional, com isso cabe ressaltar a importância desta prática no auxílio ao diagnóstico médico. Através da avaliação neuropsicológica é possível observar as funções cognitivas que estão deficitárias nos mais diversos quadros psiquiátricos e neurológicos e que acabam prejudicando o funcionamento diário dos pacientes, bem como aquelas intactas que muitas vezes compensam esta falta.

A correta identificação do diagnóstico não eliminou todos os problemas encontrados pela paciente, mas estar ciente de que muitos dos problemas são provenientes de um transtorno contribuiu para a melhora na sua qualidade de vida e autoestima. Além disso, a paciente passou a se monitorar e a utilizar técnicas cognitivas e comportamentais orientadas pelo terapeuta.

Avaliar FE em ambiente pouco ecológico e sem acesso a instrumentos validados e normatizados requer atenção especial por parte do avaliador. Por sugestão da paciente, não foi possível obter informações junto a familiares, o que impôs mais uma limitação ao trabalho. Ainda assim, os déficits em alguns componentes das FE foram perceptíveis e contribuem sobremaneira para as dificuldades da paciente no dia a dia, tanto as disfunções executivas "frias", como as "quentes".

Entre os componentes executivos avaliados, observou-se déficit de Controle Inibitório, Memória Operacional, Planejamento e Organização, Priorização de Tarefas, Tomada de Decisão, Focalização da Atenção, Irritabilidade, Motivação e Modulação do Afeto. Não foram observados déficits em Fluência Verbal, Processamento de Inferências, velocidade de processamento e Resolução de Problemas Simples.

Por fim, esse estudo de caso identificou e ilustrou como as disfunções executivas podem prejudicar a vida diária de uma pessoa com TDAH. Salienta-se novamente a importância da avaliação neuropsicológica no auxílio diagnóstico e a pertinência do entendimento por parte dos profissionais quanto ao impacto dos sintomas disexecutivos e a necessidade de abordagens que venham a contribuir com a reabilitação desses pacientes.

 

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Endereço para correspondência
Hosana Alves Gonçalves
Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Avenida Ipiranga, 6681, Prédio 11 - 9º andar, sala 932
CEP: 90619-900. Porto Alegre, RS – Brasil
E-mail: hosana.goncalves@acad.pucrs.br

Artigo recebido: 10/04/2014
Artigo revisado: 22/04/2014
Artigo revisado (2ª revisão): 22/07/2014
Artigo aceito: 21/08/2014

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