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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.1 São Paulo ago. 2009

 

ARTIGOS

 

Influência do contexto familiar no brincar simbólico de crianças com paralisia cerebral1

 

The influence of the family context in the symbolic play of children with cerebral palsy

 

 

Camila Abrão dos SantosI;2, Amanda Mota PacciulioII;3, Luzia Iara PfeiferII;4

IAssociação de Assistência à Criança Deficiente - AACD

II Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo - HCFMRP-USP

 

 


RESUMO

Reflexões teóricas acerca dos paradigmas de pesquisa com avaliação dos avanços das ciências e das tecnologias. Destaca questões bioéticas relacionadas ao paradigma "pós-humano" e sobre a prática clinica em que indaga os objetivos da intervenção e da pesquisa. Metodologia: Pesquisa bibliográfica e análise crítica de textos. Resultados: considera que a pesquisa, assim como o trabalho clínico, tem uma função de fecundação do conhecimento, assimilando-o, transformando-o e devolvendo-o; do mesmo modo para o colaborador que, ao participar da investigação, oferecendo-se como sujeito, desnuda-se para o pesquisador e ao fazê-lo pode ouvir a própria voz; para o próprio pesquisador que ao refletir sobre sua questão, mergulha em um mundo de significados e possibilita a sua recriação. Desse modo, ele também se recria, e para os colegas que ao se debruçarem sobre a pesquisa encontram nela novas possibilidades de compreensão.

Palavras-chave: pesquisa, análise crítica, clínica.


ABSTRACT

Theoretical reflections concerning the research paradigms with evaluation of the progresses in sciences and technologies. Emphasize bioethic questions in relation to the paradigm "posthuman" and on the practical medicine which in that it investigates the objectives of the intervention and of the research. Methodology: bibliographical research and critic analysis of the texts. Results: considering that the research, as well as the clinical work, has a fecundation function of the knowledge, assimilating, transforming and returning it; in the same way for the collaborator that, when participating in the investigation, offered himself as a subject, naked for the researcher and when it is done he can hear the own voice; for the own researcher that when contemplating about the question, it dives in a world of meanings and it makes possible the recreation. This way, he recreate himself, and for the colleges that when they base on his research find in it new understanding possibilities.

Keywords: research, critical analysis, practice medicine.


 

 

PARADIGMAS DE PESQUISA

Os trabalhos científicos são sempre informados por paradigmas, ou seja, por um conjunto de crenças e valores que delimitam certa forma de ver e de compreender o mundo. Os paradigmas retratam o modo da sociedade se organizar por grandes períodos de tempo.

Assim, por séculos, a humanidade viveu em um planeta concebido como plano e estável, terminando em um grande abismo, e, por mais séculos, como um planeta imóvel no centro do universo, ao redor do qual giravam o sol e todas as estrelas. Hoje, vivemos em um planeta redondo, ligeiramente achatado nos pólos e que está em contínuo movimento, de rotação e de translação, percorrendo uma elipse ao redor do sol.

Em termos psicológicos, a primeira concepção andou a passo com um modo de ver o homem como o centro do universo, e essa posição definiram certa constituição da subjetividade da época. Mais recentemente, até algumas décadas atrás, nós nos concebíamos como nascidos com um corpo que nos era dado e que não podíamos modificar.

Hoje, os avanços da medicina permitem alterar o corpo, mudar o sexo, fazer implantes, doar órgãos, planejar e modificar a própria aparência, enfim, um conjunto de possibilidades crescentes que muda a nossa relação com o nosso próprio corpo. Conseqüentemente, várias colocações da Psicologia que se desenvolviam baseadas na concepção anterior que via o corpo como um de nossos limites, deve ser revista.

Os avanços das ciências e das tecnologias, as questões da bioética, apontam para o surgimento de um novo paradigma, que alguns já chamam de pós-humano, o que exigirá revisões de muitos dos atuais conceitos psicológicos que subjazem às nossas ações profissionais. Fala-se do surgimento de um novo paradigma porque mudou o modo de nos posicionarmos diante do mundo, dos outros e de nós mesmos. Não é difícil pensar no reflexo que essas mudanças provocam na área da psicologia.

O paradigma da modernidade refletiu a crença no poder da ciência, na possibilidade de desenvolver um conhecimento cumulativo, valorizou o ideal da unicidade e da universalidade e apontou para a influência dessas crenças na própria estrutura das instituições voltadas ao conhecimento.

As universidades, entre elas, pelo seu próprio nome, trouxeram em seu bojo a confiança na possibilidade de um conhecimento cumulativo e universal.

Em síntese, os paradigmas refletem a base cultural sobre a qual construímos o nosso mundo e, nele, aquilo que será considerado como conhecimento válido e confiável em uma determinada época.

Ao nos desenvolvermos, na cultura em que somos lançados, a estrutura sóciocultural- familiar, os paradigmas ali vigentes vão nos formando e informando. Somos jogados em um mundo que nos precede e nele acolhidos por nossos semelhantes. Vamos criando o mundo que encontramos, e que nos é apresentado por nossos cuidadores.

Em nosso processo de desenvolvimento, vamos apossando-nos desse mundo, amoldando-nos a ele e amoldando-o a nós. Vamos apropriando-nos do mundo conforme ele nos é apresentado. Embora nem sempre tenhamos consciência das crenças e dos valores que subjazem aos conhecimentos que assimilamos, de forma sempre única, eles estão presentes em nossas ações e terminam por definir grande parte do nosso modo de viver.

Do ponto de vista da ciência, os paradigmas são o pano de fundo que sustenta o senso comum e o conhecimento tácito que imperam em certa época. Aquelas afirmações e aqueles conhecimentos que são aceitos de forma difusa, não são questionados e se encontram na base do que se considera o nosso mundo natural, no qual vivemos cotidianamente.

O conhecimento tácito não é composto apenas por grandes concepções estruturantes, como a organização do tempo em anos, meses e dias. As crenças que vigoram no cotidiano, nossos hábitos alimentares, os cuidados que temos com a saúde, a forma de educar, os modos de nos relacionarmos, os instrumentos e equipamentos que usamos as comunicações, baseiam-se em um conjunto de afirmações que aceitamos sem nos perguntarmos sobre elas.

A história mostra as profundas comoções sociais que acompanham a modificação de conhecimentos tácitos. Basta pensar em Galileu, em Giordano Bruno, pessoas que apresentaram modos de conceber o mundo que diferiam dos que prevaleciam em seu tempo, e, com isso, ameaçaram a confiança nas instituições que mantinham o poder. De forma mais próxima, podemos ver os incômodos que acompanham e ainda acompanham as mudanças sociais que estão ocorrendo na forma de conceber a composição familiar ou de classificar os sexos.

O conjunto de conhecimentos tácitos, que é desenvolvido e aceito como válido em uma determinada sociedade, informa também o trabalho científico. De fato, os paradigmas científicos são criações sociais que definem o que, em cada época, é considerado como ciência. Eles têm por base concepções de ser, de cultura e sociedade, de bem estar, de desenvolvimento, princípios éticos e estruturas morais, enfim, um conjunto de princípios que dão significado ao trabalho científico e permitem que certa sociedade os aceite como tal.

O próprio acesso ao conhecimento modifica-se conforme mudam os paradigmas. Na Idade Média, as Bibliotecas eram espaços quase sagrados, que podiam ser freqüentados apenas por poucos privilegiados, considerados mentes avançadas, e, portanto, capazes de compreender e suportar o conhecimento contido nos manuscritos, a serem cuidadosamente conservados ou copiados por pessoas com habilidades especiais.

A mudança do modo de conceber o conhecimento e o avanço das técnicas de impressão permitiu o surgimento de bibliotecas públicas com acervos abertos, que podem ser freqüentadas por quem o desejarem, eliminando a antiga casta privilegiada. Os paradigmas geram definições, modelos e teorias a partir das quais os cientistas desenvolvem suas propostas de estudo e pesquisa. Eles promulgam regras para o desenvolvimento das pesquisas, definem objetos e métodos de investigação e estabelecem os critérios para avaliar os resultados, as produções e as construções teóricas nas quais se apoiaram.

Assim, na compreensão moderna do que é e como se dá o conhecimento, esperase que os conceitos teóricos, adquiridos através de experiências empíricas desenvolvidas sob a égide do método experimental, decorram o desenvolvimento de tecnologias e técnicas que serão utilizados na prática, Esta, por sua vez, confirmará, ou não, a teoria.

Espera-se, também, que a prática dê conta de um conjunto de demandas, parte das quais gerou os problemas que resultaram nas pesquisas realizadas. Os resultados das pesquisas são frutos, portanto, em grande parte, dos paradigmas subjacentes à ação dos cientistas.

A maior parte das pesquisas atuais desenvolve-se sob as grandes concepções da modernidade, que enfatiza o método e admite a linearidade teoria-técnica-aplicação. Assim é que nos cursos de Psicologia, por exemplo, aprendemos as teorias, dominamos as técnicas para, então, começar a aplicá-las.

A prática por sua vez, reinicia o processo de busca de conhecimento. As observações, as tensões, os conflitos, os problemas enfrentados na ação, as expectativas não satisfeitas apontam as insuficiências entre as propostas teóricas, as tecnologias e as técnicas existentes e acabam por criar tensões que permitem a formulação de novos problemas, ou a retomada e reformulação de problemas já existentes.

Eles tornam-se objeto de estudo, realizam-se as pesquisas, submetem-se os trabalhos a criticas, produzem-se publicações e, assim, os corpos teóricos começam a se fortalecer, conforme atendam às exigências metodológicas, e conforme suas conclusões passam a ser aceitas.

Quando, novamente, os conhecimentos se mostram insuficientes, surgem outras tensões, conflitos, controvérsias e novas alternativas se desenvolvem. Cria-se assim uma sinergia na qual teoria, pesquisa e prática interagem. Nessa interação, os métodos de pesquisa também vão se modificando.

Há muito se discute a existência de duas grandes concepções de ciência em decorrência das quais os métodos de pesquisa se diferenciam. Uma delas afirma uma única concepção de ciência, universalmente válida. A outra considera de forma distinta as ciências naturais e as ciências humanas. Subjacente a essas concepções encontra-se modos diferentes de compreender a realidade, a subjetividade e o modo de produzir conhecimento.

A proposta científica clássica concebe a existência do homem e a existência do mundo como independentes uma da outra. O ser humano é visto como tendo a capacidade de atingir o mundo externo e reproduzi-lo de forma exata em seu mundo interno.

É essa noção da possibilidade de reprodução interna dos fatos externos, que leva à valorização da neutralidade e da objetividade nos trabalhos científicos. A observação dos fatos, nessa concepção de ciência, deve ser a mais neutra e objetiva possível, para evitar que a subjetividade do cientista interfira na reprodução interna da realidade tal como ela é. A neutralidade e a objetividade são garantidas principalmente por pesquisas realizadas em laboratório, utilizando o método experimental, nas quais é possível controlar variáveis de modo a poder identificar ao máximo as relações causais que determinam o fato observado e assim explicar o seu funcionamento.

Nessa visão de ciência desenvolveram-se, no campo da Psicologia, entre outras, as correntes behavioristas. Para elas, o homem é um animal natural como qualquer outro. Elas tomam o seu comportamento como objeto de estudo a ser conduzido de forma neutra e objetiva para que se chegue a conhecer as suas leis.

O comportamento humano é concebido como um comportamento animal, embora de outra espécie. Por essa razão, a busca de entender os princípios básicos que regem o comportamento animal prevalece nas pesquisas psicológicas e marca sua presença nas atividades de pesquisa dos psicólogos que mantém essa concepção de homem.

O conhecimento do comportamento animal, evoluindo, conduz ao conhecimento do comportamento humano e, portanto à possibilidade de moldá-lo, mantê-lo ou modificá-lo. O método científico clássico, de controle de variáveis e experimentação é privilegiado no estudo do comportamento.

Já o paradigma que considera que não existe uma única concepção de ciência com caráter universal, nenhum único modo de desenvolver um trabalho científico, assinala que as ciências humanas diferenciam-se substancialmente das ciências naturais. Sujeito e mundo são vistos em uma constituição mútua na qual o mundo aparece como tal ao homem porque ele é tal como é. Simultaneamente, o homem é como é porque o mundo assim lhe aparece.

A constituição do homem e do mundo é mútua, consciência e objeto da consciência são indivisíveis. Assim, não podemos pensar em uma consciência vazia, sem objeto. Não há pensamento sem que algo seja pensado, não há percepção sem que alguma coisa seja percebida, não podemos sonhar sem que algo seja sonhado, ou imaginar sem estar imaginando alguma coisa. Conseqüentemente, o que surge em nossa consciência, surge sempre como algo que é percebido, sonhado ou imaginado e, na nossa percepção, sonho, imaginação, etc, está presente a nossa subjetividade, o nosso corpo, a nossa cultura, a linguagem, a história.

A partir dessa visão, uma total objetividade torna-se impossível, assim como é impossível uma total subjetividade. Em qualquer observação, em qualquer percepção, em quaisquer atos de consciência, através dos quais se constituem o mundo e os sujeitos, encontram-se imbricados de forma indivisível o objeto que se quer estudar e a subjetividade do pesquisador.

Essa concepção elimina a crença na possibilidade de um conhecimento totalmente objetivo, pois não podemos acessar um mundo em si, fora de nós. Temos acesso apenas ao mundo como ele se mostra em nossa consciência e não podemos afirmar que ele, em si, é como nos aparece.

Da mesma forma, torna-se impossível uma total subjetividade, pois não há consciência sem conteúdo da consciência, para que percebamos, lembremos, imaginemos, algo necessita ser lembrado, observado, imaginado. Isto significa que o conhecimento produzido decorrerá tanto do que está sendo estudado quanto de quem o estudou. Qualquer conhecimento passa a ser resultado de quem o produz, ou seja, do modo como o objeto é apreendido e do modo como ele se apresenta.

Os objetos que se oferecem para a consciência, no entanto, não o fazem da mesma forma. Os objetos de estudo das ciências naturais surgem para nós de modo a poderem ser apreendidos através de medidas enquanto que os objetos das ciências humanas se mostram de forma fluída, mutável e, além disso, eles não se repetem. Assim, em Psicologia, a tristeza de uma pessoa nunca acontece de novo da mesma maneira para a mesma pessoa ou para outra. A tristeza não pode ser repetida, ter suas variáveis controladas, ser medida. O seu correlato biológico é passível de verificação experimental, mas o modo como a tristeza é vivida exige ser conhecida, apreendida, de outra forma que não a do método experimental.

A evidência dessa fluidez dos fenômenos psicológicos e da impossibilidade de uma total objetividade e de uma total subjetividade está presente nas psicanálises, em Freud, Adler, Klein e outros, nas suas derivações, como em Jung, Reich, Winnicott, nas abordagens da terceira força em Psicologia, como a Gestalt-terapia, o Psicodrama, a Análise Existencial, a Psicologia Fenomenológica, nas abordagens emergentes da Psicologia Transpessoal, da Psicossíntese e outras que se apresentam como a quarta força em Psicologia.

Todas essas abordagens, e outras, que acreditam que homem e mundo se constituem mutuamente, tendem a privilegiar os métodos de pesquisa que visam à qualidade dos fenômenos e, em grande parte, as metodologias de pesquisa baseadas em descrições e interpretações. São as que prevalecem em Psicologia Clínica.

 

A CLÍNICA E A PESQUISA EM CLÍNICA

Os acontecimentos clínicos são fluídos e passageiros, simultaneamente subjetivos e objetivos, unificam passado, presente e futuro, estão presentes e ausentes, são tangíveis e intangíveis, verdadeiros e falsos, são paradoxais. Por essa razão, o terapeuta trabalha no aqui e no agora, no espaço vivencial que se estabelece nessa relação peculiar.

Como observar, medir, controlar variáveis, se os significados mudam, se o que hoje é um reforço, amanhã tem um caráter punitivo, se o mesmo acontecimento que hoje é apresentado de uma forma, surge amanhã de outra, se os valores e os significados mudam, se as variáveis se multiplicam, se as causas não têm os mesmos efeitos?

O vórtice de possibilidades que se apresenta na clínica desafia o alcance das pesquisas baseadas no método experimental.

Se considerarmos, no entanto, a fluidez do fenômeno, se aceitarmos a validade da construção de conhecimento a partir de uma pluralidade de métodos, desenhados, definidos e redefinidos no decorrer da pesquisa, notamos que o próprio modo de pensar do psicólogo clínico tem um caráter investigativo.

Na clínica, busca-se compreender os significados das experiências das pessoas que procuram terapia, caminhando-se no sentido de atingir uma compreensão da experiência que possibilite a sua re-significação. Os pacientes, os clientes, as pessoas que procuram o psicólogo, enfim, revêem as suas vidas, revivem as suas experiências, estabelecem de forma única a sua relação com o terapeuta e, ao fazê-lo, evidenciam o seu modo de ser e de estar no mundo, expõe as suas vivências e exploram significados.

O psicólogo está ali, a serviço de seu cliente. Ele vê, ouve, escuta, sente e busca compreender o seu contexto, a sua história, de modo a apreender os sentidos de suas experiências. Nessa abertura, o terapeuta deixa-se afetar pelo cliente, atingir-se pelo modo como ele se apresenta, deixa-se mobilizar. E o que é mobilizado nele torna-se um elemento a mais, sobre o qual pode refletir, para compreender melhor o que acontece na relação terapêutica e com o seu cliente.

É nesse estar com o cliente, deixar-se afetar, viver o que se passa na relação, nessa reflexão, que se forma no psicólogo uma compreensão a partir da qual o psicólogo pode considerar como, quando e o que deve ser colocado para o seu paciente.

O terapeuta mergulha na situação que se apresenta para melhor compreendê-la, e, simultaneamente, distancia-se dela em um movimento reflexivo. Ele está sempre em duas direções, na direção do cliente e na de seu próprio mundo, está sempre "entre". Na reflexão, ele lança mão de seu conhecimento tácito, de suas experiências prévias, de suas associações e dialoga com os autores de sua preferência, a fim de estabelecer um quadro do que se passa com o sujeito, para poder ajudá-lo no caminho da auto-compreensão e da autonomia em relação à própria vida.

O movimento de compor uma compreensão a respeito das experiências do cliente é sempre validado na própria relação, quando o cliente pareia o que lhe é dito com a sua própria experiência, e, então, concorda, discorda, apresenta novos dados, aponta sutilezas, estabelece relações que redirecionam ou fortalecem o modo de pensar do terapeuta.

Esse movimento clínico aproxima-se, e muito, do movimento de pesquisa em Psicologia Clínica e, principalmente, das pesquisas que tem como objeto as psicoterapias. Por essa razão, os psicólogos falam de metodologia clínica de pesquisa, ou falam de suas abordagens psicológicas como abordagens clínicas e de pesquisa. É comum, também, nomearem vertentes metodológicas a partir das abordagens psicológicas, como a metodologia psicanalítica de pesquisa, fenomenológica, sistêmica, histórica, ou a partir do estilo da ação clínica de uma determinada abordagem psicológica, descritiva, hermenêutica, compreensiva, interpretativa, ou, ainda a partir das estratégias do psicólogo, como as metodologias consideradas ativas, de pesquisa-ação, pesquisa participante, entre outras inúmeras denominações e possibilidades de categorização.

O trabalho cínico assemelha-se ao das pesquisas qualitativas: o terapeuta encontra-se diante de um desconhecido, uma pessoa que o procura e, em princípio, quer darse a conhecer, para conhecer-se melhor. Ele deve deixar de lado preconceitos em relação a ela e abrir-se para o que vier a fim de formular questões. Para chegar à compreensão buscada, ele observa o seu cliente cuidadosamente e por muitas vezes, como ele se apresenta e como se comporta como ele é, como se movimenta como fala.

Descreve-o para si mesmo, para o seu supervisor ou em seus relatórios. Analisa o que traz para a sessão e como traz. Reflete a respeito e, em suas reflexões, vai e volta entre o que sentiu, o que viu, ouviu e viveu. Pensa a partir de suas experiências prévias, a partir das colocações dos autores que estudou, e assim constitui um modo de compreender o seu cliente.

Nesse processo, encontram-se as similaridades com os movimentos principais do desenrolar de uma pesquisa: o objetivo do trabalho, a presença do colaborador, o material, a análise, a interpretação, a validação, a compreensão, a transmissão.

A proximidade entre o modo de desenvolver o pensamento do psicólogo clínico e o modo de desenvolver o pensamento nas pesquisas qualitativas compreensivas, fenomenológicas, hermenêuticas, interpretativas, muitas vezes dificulta o trabalho do psicólogo clínico que quer, também, ser pesquisador. Freqüentemente, os psicólogos apresentam casos clínicos considerando-os casos de pesquisa, sem atentar para a diferença entre a pesquisa clínica e a pesquisa em clínica. As diferenças são sutis e devem ser consideradas.

Em primeiro lugar, é preciso atentar para a diferença de objetivos. O terapeuta está interessado em auxiliar o seu cliente a compreender-se melhor e a recuperar a sua autonomia e para isso debruça-se sobre ele e sobre a sua história. O objetivo do pesquisador é outro. Ele está interessado em aprofundar o conhecimento de determinado conteúdo teórico, em esclarecer ou rever algum conceito, pretende desenvolver certo aspecto da teoria que ainda não foi suficientemente abordado, quer propor novas estratégias de atuação, validando-as, ou avaliar aquelas que utiliza no manejo terapêutico, e busca, então, observar os efeitos da nova estratégia no seu ou nos seus clientes.

Os temas de pesquisa decorrentes da ação clínica são inúmeros, porque é exatamente na clínica que o psicólogo se defronta com a incompletude de seu saber. Ele é confrontado com a insuficiência na própria ação e sofre a pressão de ter que responder a uma demanda, sem o devido apoio teórico e técnico. Nessas ocasiões, é comum ele recorrer ao senso comum, ao seu conhecimento tácito, valer-se de conhecimentos de outras áreas, tanto da ciência quanto fora dela.

O psicólogo termina por agir a partir de um conjunto de referências, muitas das quais nem ele mesmo pode identificar. De certa forma, o rigor que é utilizado no que diz respeito ao conhecimento teórico, a boa compreensão dos conceitos, a precisão da técnica, cai por terra na concretude da clínica.

Ali o psicólogo vale-se de um ecletismo pragmático. Ele relaciona o que vê e ouve aos diferentes conhecimentos adquiridos em seus estudos, sem preocupação com a coerência das aproximações entre conceitos e explicações oriundos de diferentes fontes. Ele recorre a explicações de outras áreas quando não encontra apoio para compreender esta ou aquela questão.

O psicólogo, na clínica, e de forma justa, está mais preocupado em ajudar o seu cliente, em conhecê-lo, nos efeitos que as suas reflexões terão em relação ao cliente do que no rigor de suas ações e no desenvolvimento de um pensamento que seja correto do ponto de vista científico.

O ecletismo pragmático é aceito em psicologia clínica dentro de certos limites. É preciso que o psicólogo consiga apresentar o seu trabalho utilizando-se de uma linguagem psicológica.

Nas pesquisas, prevalece a exigência do rigor, da adequação psicológica da linguagem, do uso correto e da associação coerente dos conceitos, do cuidado metodológico, da correta forma de apresentação.

Os movimentos que acontecem na clínica, com vistas ao atendimento de um cliente, são semelhantes aos que ocorrem nas pesquisas, mas, quando se trata das pesquisas eles sofrem outras exigências.

Embora tanto no trabalho clínico, quanto na pesquisa em clínica, o pesquisador busque desenvolver uma forma específica de compreensão, o objeto da compreensão é diferente. O psicólogo pesquisador vale-se do que se passa na clínica para a pesquisa, mas, olha o fenômeno já não do ponto de vista do cliente, mas, a partir do seu objeto de estudo.

Assim, em uma pesquisa sobre a fobia, por exemplo, a compreensão do terapeuta volta-se à compreensão da fobia para melhor compreender o seu paciente e ajudá-lo. Já o pesquisador buscará compreender o paciente para melhor compreender o que é e como se manifesta a fobia. Embora os dois interesses caminhem juntos, há uma inversão da relação que se estabelece entre a fobia e o paciente quando se olha o atendimento do ponto de vista do clínico ou do ponto de vista do pesquisador.

É diferente, também, o modo como se estabelece a relação entre o psicólogo e o cliente, e o psicólogo e o colaborador de sua pesquisa. No caso do atendimento clínico, o cliente escolhe o terapeuta. Nas pesquisas em clínica, é o pesquisador quem seleciona o seu colaborador. A escolha do colaborador é feita buscando-se escolher aquele que melhor permita acessar o fenômeno que se pretende estudar.

Assim, as pessoas são escolhidas pelas suas características e são convidadas para colaborarem com o pesquisador. A relação cliente, colaborador e terapeuta, pesquisador é, portanto, diferente, e o fato do cliente ser também o colaborador modifica o campo terapêutico.

O psicólogo está a serviço do cliente, mas, este também é utilizado pelo psicólogo para um outro trabalho cujo interesse não compartilha. Os efeitos dessa relação no atendimento precisam ser cuidadosamente observados e trabalhados sempre que necessário.

Apesar dessa diferença no contrato, o psicólogo se volta para o seu cliente ou para o seu colaborador com a mesma atitude: aberta, aceitadora, isenta de preconceitos, atenta e interessada. As impressões iniciais são observadas cuidadosamente, as associações e reações são notadas, suspendem-se os preconceitos e as generalizações, busca-se conhecer a pessoa, cliente ou colaborador, na sua individualidade.

O fato das duas situações trabalharem com o mesmo sujeito, de forma semelhante, tem implicações nos dois campos. O sujeito ser ao mesmo tempo paciente e colaborador da pesquisa, obriga o psicólogo a estar mais atento ao lugar a partir do qual está ouvindo e respondendo a seu cliente. O interesse pela pesquisa não pode sobrepor-se, por razões éticas, ao objetivo do atendimento, e isto exige que o psicólogo se pergunte, com freqüência, qual a motivação que deu origem a esta ou aquela interpretação, porque ouviu e aprofundou tal assunto e não outro e, se o interesse pelo tema da pesquisa não está dirigindo suas intervenções ou colocando na sombra outros temas que poderão ter grande relevância se encarados do ponto de vista do atendimento clínico.

Enfim, na clínica, o tema da pesquisa não pode, como muitas vezes acontece em algumas atividades psicológicas de diagnóstico psicopatológico, tornar-se equivalente a um leito de Procusto, salteador que raptava as pessoas e as colocava em sua cama, cortando-as ou esticando-as para que se ajustassem a ela.

Muitas vezes, o clínico poderá deparar-se com o fato de que o cliente, pelo caminho que trilhou no atendimento, não se ajusta ao para a pesquisa e deverá tomar todo o cuidado para não dirigir a terapia de forma a fazê-lo atender às necessidades da pesquisa, mas, sim, deixar de lado o seu objetivo de pesquisador, no que diz respeito a este cliente, para atendê-lo e buscar, então, um novo colaborador.

Da mesma forma, o pesquisador deverá cuidar para não se envolver com o caso de forma a perder de vista o objeto de sua pesquisa. Cada assinalamento a respeito do seu tema de estudo é precioso para o seu trabalho investigativo mesmo se não se preste a intervenções ou aprofundamentos do ponto de vista clínico.

Os cuidados éticos exigidos para a pesquisa com humanos obrigam a explicar ao sujeito o tema da pesquisa, o modo como ela ocorrerá, a garantia do sigilo e o uso que será feito do material fornecido pelo colaborador, deixando-o livre para participar ou não da pesquisa, abandoná-la a qualquer momento ou solicitar a não inclusão do material fornecido, se assim o desejar.

Evidentemente, essa exigência introduz no atendimento uma variável pouco freqüente no contrato psicoterápico. Essa variável terá efeitos no decorrer do atendimento, da mesma forma como a permissão para gravar sessões ou colocar observadores para fins de supervisão ou discussão de casos provoca efeitos.

O terapeuta-pesquisador precisa, assim, considerar esse efeito durante o atendimento e transformá-lo em tema de trabalho sempre que necessário. O paciente poderá sentir-se usado pelo terapeuta, poderá ter dúvidas sobre o sigilo, ter medo de ser reconhecido na apresentação final do trabalho ou pelo contrário desejar ver o seu caso exposto e individualizado, enfim, inúmeras podem ser as reações e cabe ao clínico observá-las e discutilas.

As gravações e transcrições, filmagens ou anotações dos atendimentos tem papel importante em relação ao trabalho clínico e de pesquisa.

Os diferentes registros do caso constituem o material sobre o qual o psicólogo trabalha tanto no que diz respeito ao atendimento quanto à pesquisa. Os registros, as anotações, transcrições, etc. são, porém, apenas o dado bruto. Para cada uso, o material necessita ser transformado, o que é feito de uma forma diferente quando se trata de relato clínico ou relato para pesquisa.

O relato escrito, realizado com finalidades clínicas, nem sempre é necessário, a não ser que o clínico tenha a intenção de apresentá-lo em situação pública ou transformá-lo em publicação. A maior parte das vezes, em supervisão ou grupo de discussão, por exemplo, ele é realizado oralmente e gera discussões pertinentes, não sendo preciso que o terapeuta escreva o que vai dizer. Nas situações de apresentação científica, no entanto, deverá fazê-lo e, no caso das pesquisas, o relato escrito é absolutamente necessário.

No relato do atendimento, realizado com finalidades clínicas, de discussão, supervisão, ou apresentação de caso, os protagonistas são o paciente e o terapeuta. No caso da pesquisa, o protagonista é o tema da pesquisa.

Por essa razão os relatos do caso para fins clínicos são diferentes do relato para fins de pesquisa e, convém lembrar, ambos modificam o material inicial, obtido junto ao cliente e colaborador.

Se o atendimento foi gravado, por exemplo, o pesquisador o transcreve, lê a transcrição inúmeras vezes e, a partir dela, elabora um relato descritivo, salientando tudo o que surgiu e que diz respeito ao tema em estudo.

Por essa razão, é sempre interessante apresentar o relato e anexar, ao final do relatório da pesquisa, o material bruto, para que seja possível compreender como a perspectiva do pesquisador salientou, selecionou, ou abandonou determinada porção ou assunto presente na sessão. Esse relato, já constitui o início da análise do material. O material bruto, a transcrição do atendimento, é nele modificado, a serviço de salientar o que ele diz ou mostra para o pesquisador sobre o tema estudado.

A partir do relato, o pesquisador tem já o seu caso clínico transformado e começa a pensar no mesmo em termos psicológicos.

Certamente, a perspectiva teórica do terapeuta ou do pesquisador se fez presente desde o primeiro momento, na condução do caso, na elaboração do relato, nas observações, reflexões, intervenções e decisões realizadas.

No entanto, após a elaboração do relato do atendimento, baseado no registro do mesmo, a linguagem teórica torna-se mais explícita. O ecletismo pragmático que é aceito na clínica, em certos limites, não pode estar presente quando se trata de pesquisa.

A perspectiva psicológica adotada pelo pesquisador deve ser clara e ele precisa dominar os seus conceitos para poder utilizá-los com liberdade, podendo estabelecer um diálogo com eles. Para que esse diálogo se torne possível, os fenômenos psicológicos relevantes contidos no relato são transcritos em linguagem psicológica.

Aquilo que a pessoa falou ou mostrou, precisa ser expresso já em termos da perspectiva teórica escolhida. Trata-se de nova transformação do material da pesquisa que inicialmente era um material clínico, depois se transformou em um relato elaborado a partir do ponto de vista do tema estudado e que agora é transcrito em termos psicológicos.

A linguagem psicológica nos trabalhos de pesquisa em clínica não se volta, porém, para este ou aquele aspecto do processo terapêutico, interessante para a evolução do caso, se ele não for. Também, de interesse para o esclarecimento do objeto da pesquisa. É preciso que em novas leituras do relato, e de voltas ao material bruto se necessário, o pesquisador tenha sempre em mente o problema, a pergunta que gerou a sua pesquisa e que ele interrogue o material, deixe que ele mostre, aponte, apresente possibilidades de resposta à sua pergunta.

O material de pesquisa, examinado com interesse e com a intenção de conhecer profundamente o que ele oferece, antecipa o que poderá ser analisado e aponta o caminho para as respostas. No seu exame profundo, o material de pesquisa em suas transformações precede o pesquisador e antecipa a compreensão que está sendo construída.

A relação que se estabelece com a teoria ao interrogar o material é muito importante para o desenvolvimento do trabalho. A teoria não deve abafar o que o colaborador ou o cliente tem a dizer. Um excesso de apego às explicações teóricas tem o efeito de limitar o conhecimento e tende apenas a confirmá-lo. Apenas aplicar um determinado conhecimento ao material em análise para ver apenas o que a teoria já diz, bloqueando a criatividade do pesquisador e impede que ele transforme o seu trabalho de pesquisa em um produto único que carregue a sua colaboração pessoal e singular.

As teorias psicológicas, assim como as outras teorias, são produções humanas, mudam continuamente, e são ainda muito precárias, elas não abarcam as experiências no seu todo, as suas afirmações não podem ser tomadas como verdadeiras, sem questionamento. É preciso um olhar que utilize as referências teóricas, mas, não se submeta às mesmas, coloquese acima delas, no sentido de ser capaz de lançar uma visada crítica ao uso que está sendo feito da teoria.

A suspensão do raciocínio teórico para voltar à transcrição, ao material bruto, ao material transformado é um movimento que pode informar sobre a consistência da leitura realizada, sobre sua suficiência, sobre aquilo que pode ou não informar sobre o tema em estudo.

Diante das insuficiências, quando o clínico recorre a outras referências para dar conta da prática, o pesquisador deve inicialmente apontá-las, e colaborar no avanço da concepção teórica, se isso for possível. Caso ele se valha de outras áreas do conhecimento, convém esclarecer quais utilizou e porque as utilizou.

Para que possa fazer isso, é importante que domine a sua teoria de referência, para que não busque em outros campos do saber aquilo que já está no seu, simplesmente por desconhecer os recursos que encontra na própria teoria de apoio.

O cuidado do pesquisador deve ser o de explorar as possibilidades de compreensão oferecidas pela sua abordagem de forma abrangente, tomar a teoria como interlocutora, estabelecendo sempre novas relações, criando uma proximidade estreita entre os seus conceitos e o que está estudando de modo a colaborar efetivamente com a construção do saber.

Ao final do atendimento clínico, o terapeuta fecha o caso com uma síntese sobre o trabalho que foi feito. Da mesma forma, espera-se que uma investigação em clínica termine em uma síntese compreensiva. O pesquisador apresenta os seus resultados, o que pode compreender, em um relatório que contém todos os elementos que permitam compreender o trajeto percorrido para chegar às conclusões.

O relatório necessita de transparência, coerência, consistência e racionalidade. Ele pode vir acompanhado, no entanto, de outros recursos, criativos, que estimulem outras formas de compreensão que não as exclusivamente racionais.

A validação da pesquisa se dá em grande parte pelos critérios acima, no tento, a primeira validação – e a mais importante – é a que decorre de uma auto-avaliação realizada pelo próprio pesquisador. Voltando a atenção para os seus próprios movimentos, para o modo como colheu o material, como o analisou, como dialogou com a teoria, como construiu um quadro compreensivo da questão inicialmente levantada, dos cuidados éticos que tomou, da sua dedicação e empenho, o próprio pesquisador avalia seu trabalho e sente-se, ou não, em condições de apresentá-lo.

 

AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS

Na clínica, a auto-avaliação é constante, dada a importância atribuída aos movimentos contra-transferenciais, e a validação do trabalho se dá, principalmente, pelo retorno do próprio cliente. Parte dessa validação ocorre, também, quando o caso clínico é apresentado para discussão com pares. Validação semelhante se dá no caso das pesquisas. O cliente que é também o colaborador da pesquisa valida o pesquisador por suas colocações. Não cabe, no entanto, ao terapeuta pesquisador, levar suas análises ou conclusões de forma detalhada para que ele as valide. A validade no caso é dada pelos pares, pelas pessoas para quem o trabalho é disponibilizado e pela sua aceitação no meio científico.

O relatório, portanto, deve atender a critérios de comunicabilidade e de transparência, para que quem o avalie possa compreender qual o caminho que o pesquisador seguiu. A comunicabilidade é também uma característica importante no trabalho clínico. A compreensão que o terapeuta vai construindo é comunicada ao seu cliente e isso deve ser feito de modo a levantar nele uma nova compreensão do que se passa em si.

Na clínica, é também comunicada ao supervisor, a outro psicólogo ou profissional afim ou em eventos científicos. No caso da pesquisa, a comunicação da metodologia e dos procedimentos utilizados, dos mecanismos de análise, dos resultados também tem por provocar novas compreensões, no grupo científico que se interessa pelo mesmo tema a partir de uma mesma perspectiva ou de uma perspectiva semelhante.

Os modos de comunicar o objetivo, os fundamentos teóricos, o método e os resultados de uma pesquisa, isoladamente ou em conjunto, nesta ou naquela seqüência, com muitas ou poucas referências e citações visa facilitar a sua avaliação e é definida pelas instituições que regem a produção científica em cada época. O fato é que o pesquisador cria conhecimento para oferecê-lo à sociedade científica. Ele disponibiliza o seu trabalho. Convém fazê-lo da forma mais conveniente para as pessoas que vão recebê-lo. Nesse momento a pesquisa se formaliza e é exatamente nessa formalização que ela deixa aparecer qual é a sua colaboração única para o campo do saber.

A pesquisa, assim como o trabalho clínico, tem uma função de fecundação. Fecundação do conhecimento, assimilando-o, transformando-o e devolvendo-o, fecundação do colaborador que, ao participar da investigação, oferecendo-se como sujeito, desnuda-se para o pesquisador e ao fazê-lo pode ouvir a própria voz. Fecundação, principalmente para o próprio pesquisador que ao refletir sobre sua questão, mergulha em um mundo de significados e possibilita a sua recriação. Desse modo, ele também se recria. Fecundação dos colegas que ao se debruçarem sobre a pesquisa encontram nela novas possibilidades de compreensão.

Por essa razão, mesmo a pesquisa que se pretende científica não pode prescindir da expressão artística, manifesta na harmonia da apresentação, na originalidade da compreensão, no envolvimento com o pesquisador. O rigor científico e a precisão adquirem beleza quando acoplados à poesia.

Essa é a aventura e a liberdade da pesquisa, ela nos mostra, segundo Giordano Bruno, que não é vã a faculdade do intelecto, ele sempre quer e pode nos dar as inumeráveis riquezas de tanto espaço, de tão digno campo, de tantos mundos cultos, evitando que o círculo do horizonte, falso à vista na terra e imaginado pela fantasia no éter espaço, encarcere o nosso espírito.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em 05 de outubro de 2008
Aceito para publicação em 02 de fevereiro de 2009

 

 

1 Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Apresentado no
15th World Federation of Occupational Therapists Congress, realizado em Santiago – Chile, em maio de 2010. 15th World Federation of Occupational Therapists Congress, realizado em Santiago – Chile, em maio de 2010.
2 Terapeuta ocupacional da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD.
3 Terapeuta ocupacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo - HCFMRP-USP.
4 Docente do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo - FMRP-USP

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