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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.1 São Paulo ago. 2009

 

ARTIGOS

 

Considerações fenomenológicas acerca da disfunção erétil

 

Considerations phenomenologycal concerning the erectile dysfunction

 

 

 

Gilson Afonso Júnior1

Universidade Federal do Pará (UFPA)

 

 


RESUMO

Relatório de pesquisa de orientação fenomenológica centrada na pessoa. A pesquisa foi realizada com quatro participantes com idades variando entre vinte dois e trinta anos, pertencentes a diferentes níveis sócio-econômicos, de escolaridade nível superior, completo e incompleto, que já sofreram episódios de disfunção erétil, ocasionalmente. Roteiro semiestruturado constituído de um texto e duas questões. O pesquisador fez a leitura com cada participante, visando: orientá-los sobre o roteiro semi-estruturado, a redação do depoimento e estimular um clima de maior tranqüilidade e espontaneidade para que os participantes pudessem se expressar livremente. Uma conclusão foi que a maioria dos depoimentos indica que o homem se engaja em relacionamentos sexuais muitas vezes sem estar realmente motivado e se submete ao ato sexual muito mais pelos anseios da parceira ou pela pressão de seu ambiente social (amigos, família, mídia), do que pela sua própria vontade, não tendo assim oportunidade de ser autêntico e de respeitar seus próprios limites de expressão sexual.

Palavras-chave: disfunção erétil, pesquisa qualitativa.


ABSTRACT

Report of research of orientation phenomenologycal centered in the person. The research was accomplished with four participants with ages varying between twenty two and thirty years, belonging to different socioeconomic levels, of education level superior, complete and incomplete, that they already suffered episodes of erectile dysfunction, occasionally. Route semi-structured constituted of a text and two subjects.The researcher made the reading with each participant, seeking: to guide on them the semi-structured route, the composition of the deposition and to stimulate a climate of larger peacefulness and spontaneity so that the participants could be expressed freely. A conclusion was that most of the depositions indicates that the man is engaged in sexual relationships many times without being really motivated and he undergoes the sexual act much more for the partner's longings or for the pressure of your social atmosphere (friends, family, media), that for your own will, doesn't tend like this opportunity to be authentic and of respecting your own limits of sexual expression.

Keywords: erectile dysfunction, qualitative research.


 

 

INTRODUÇÃO

A disfunção erétil, mais conhecida como impotência sexual, é caracterizada pela dificuldade ou incapacidade que o homem apresenta de iniciar e/ou manter seu pênis ereto o tempo suficiente para se relacionar sexualmente de forma satisfatória para o casal. Tal disfunção pode ser causada por problemas orgânicos (de base neurológica, hormonal, arterial ou mesmo venosa) ou por dificuldades psicológicas.

Diversas pesquisas têm sido realizadas na área médico-farmacológica, gerando, por exemplo, o desenvolvimento de remédios altamente eficazes (as chamadas "pílulas mágicas") no estabelecimento e na manutenção da ereção; no campo da psicologia, no intuito de se compreender melhor a gênese de tal disfunção e elaborar diagnósticos mais precisos, assim como desenvolver tratamentos mais adequados, já existem procedimentos psicoterapêuticos muito bem sucedidos na prevenção e tratamento da disfunção erétil, principalmente quando esta não tem base orgânica.

Geralmente, para ser considerada uma patologia (ou pelo menos para receber maior atenção do ponto de vista de uma possível intervenção médica), os episódios de disfunção erétil devem ocorrer em mais de 50% das tentativas, por um período mínimo de seis meses e gerar sofrimento no indivíduo (Lopes, 1993). Porém, muitas "broxadas" podem ocorrer apenas ocasionalmente, sob condições específicas, situacionais, (condições de cansaço, ansiedade, estresse, doença, etc) e não se constituírem como um problema mais sério, porém não menos perturbador para quem o experimenta.

Tal problema adquire proporções ainda maiores, (e conseqüentemente maior relevância e necessidade de se compreendê-lo) por estarmos inseridos em uma cultura machista, cheia de tabus, e que leva muitas vezes os homens, que dela fazem parte, a acreditar que devem se comportar como verdadeiras "máquinas infalíveis" quando o assunto é sexo. Porém grande parte dos homens está sujeita a "falhas", e quando isso acontece, uma sucessão de eventos perturbadores se inicia no mundo subjetivo do macho, alterando até mesmo o seu modo de ser. O fato de "não funcionar como deveria" e num momento tão íntimo e especial como o do sexo, pode gerar no homem um grande sofrimento existencial caracterizado, por exemplo, pela perda de auto-estima, por sentimentos de angústia, insegurança, fracasso, perda de interesse sexual e, principalmente, pelo medo de "fracassar" em relações sexuais futuras.

Apesar de todos os avanços da medicina e da psicoterapia nesta área, não é raro observar-se tal problema ser abordado, de forma simplista, enfocado primariamente na performance sexual do indivíduo, concebendo não uma pessoa com problemas, sim uma parte de seu corpo que não "funciona adequadamente" (Lopes, 1993). As alterações na dinâmica existencial das pessoas que se encontram nesse tipo de dificuldade, assim como as diferentes formas com que as mesmas vivenciam essa condição é, na maioria das vezes, desconhecida ou mesmo ignorada.

O presente trabalho é um relato de pesquisa cujo objetivo é descrever o significado da experiência de disfunção erétil (ocasional) para quatro homens. De modo mais específico, descrever o que há de comum e o que há de particular (em termos de significação) nessa vivência para estes quatro homens, fornecendo assim, elementos que favoreçam uma compreensão mais ampla dessa perturbadora vivência denominada disfunção erétil.

 

METODOLOGIA

Participantes

A pesquisa foi realizada com quatro participantes, indicados por terceiros e contatados diretamente pelo pesquisador, com idades variando entre vinte dois e trinta anos, (presumivelmente uma faixa etária na qual os homens apresentam elevado vigor sexual), e pertencentes a diferentes níveis sócio-econômicos, de escolaridade nível superior (completo e incompleto), que já sofreram episódios de disfunção erétil ocasionalmente (uma vez ou outra em função de alguma circunstância específica). Pessoas que sofrem de episódios de disfunção erétil freqüentemente (o que pode ser um indício de problemas orgânicos e/ou psicológicos mais sérios) não fizeram parte da pesquisa, haja vista que a forma como essas pessoas vivenciam e compreendem essa experiência pode ser qualitativamente diferente da forma de pessoas que sofreram episódios apenas ocasionais de disfunção erétil.

Material

Roteiro semi-estruturado constituído de um texto com orientações preliminares acerca da pesquisa e de duas questões: 1. Fale sobre a sua experiência de disfunção erétil: como foi, como você se sentiu, o que passou pela sua cabeça naquela situação? 2. Como você se sente, o que passa pela sua cabeça atualmente sobre o episódio vivenciado?

O roteiro foi submetido a uma aplicação prévia em um homem que também já sofreu de disfunção erétil, mas que não esteve entre os quatro participantes efetivos da pesquisa. O intuito foi verificar se o mesmo era capaz de estimular a realização de depoimentos ricos em termos de descrição de vivências, o que ocorreu após a análise do material.

Procedimento

O pesquisador entrou em contato com o possível participante indicado por terceiros para apresentar o projeto e obter a sua participação na pesquisa. Dos quatro homens indicados, todos preencheram o pré-requisito de terem sofrido disfunção erétil apenas ocasionalmente; receberam individualmente, informações sobre os objetivos gerais da pesquisa, sua relevância, modo de participação dos mesmos (que nesse caso envolveu a redação de depoimentos falando sobre a sua experiência acerca da temática em questão), sobre a necessidade de mais de um encontro entre participante e pesquisador, o preenchimento de um termo de compromisso no qual se garantiu o caráter sigiloso de sua identidade e sobre a vinculação institucional da pesquisa.

A coleta dos depoimentos foi realizada em um ambiente tranqüilo e facilitador (definido de acordo com a disponibilidade dos participantes). O pesquisador, fez a leitura com cada participante de um texto preliminar, igual para todos, visando: orientá-los sobre o roteiro semi-estruturado, a redação do depoimento e estimular um clima de maior tranqüilidade e espontaneidade para que os participantes pudessem se expressar livremente.

Durante a coleta dos depoimentos (que foi feita individualmente com cada um dos participantes), o pesquisador permaneceu próximo de cada um para esclarecer possíveis eventualidades: dúvidas, facilitar a livre expressão do participante, etc. Ao término do depoimento, combinamos um novo encontro entre cada participante e o pesquisador, para que aquele pudesse confirmar, corrigir ou complementar a síntese (feita pelo pesquisador) de seu depoimento.

A compreensão de cada depoimento coletado foi realizada através de Síntese Compreensiva (Redução Fenomenológica). Através dessa súmula é que se tentou captar e descrever o significado das vivências dos participantes em estudo. Após a realização da Síntese Compreensiva de cada depoimento, o pesquisador se encontrou mais uma vez com cada participante a fim de confirmar com os mesmos, se as sínteses estavam corretas, ou seja, se os participantes se reconheciam naquilo que o pesquisador escreveu sobre suas experiências (Amatuzzi, 1996).

A descrição das particularidades e generalidades de significados envolvidos na vivência da disfunção erétil foi possibilitada pela construção de categorias de significado, a partir de elementos do vivido contidos nas sínteses dos depoimentos.

Dessa forma pôde-se formular uma espécie de estrutura do vivido, ou seja, um quadro compreensivo e sistemático ilustrando o que existiu de comum e o singular nas vivências dos participantes. Os procedimentos éticos obedeceram às normas do CONEP para realização de pesquisas com seres humanos.

 

RESULTADOS

Síntese Compreensiva dos Depoimentos

Depoimento 1

Idade: 26 anos

Escolaridade: ensino superior incompleto

Estado Civil: solteiro 1

- Fiquei surpreso, perplexo, em choque pela disfunção erétil. Eu não conseguia aceitar aquilo como real. Tudo parecia facilitar, tudo parecia certo, mesmo assim meu pênis não ficava ereto. Não parecia que era eu quem estava ali e sim uma outra pessoa, uma experiência dissociada de mim mesmo. Eu me sentia como se meu pênis estivesse separado de mim. Estava decepcionado com meu desempenho e passei a sentir aversão de mim mesmo. Depois senti muita vergonha da minha parceira. Achava que a culpa era só minha e que eu tinha feito algo errado. Nada me consolava.

2 - Hoje em dia tento ser mais natural e espontâneo em minhas relações. Busco não criar muitas expectativas acerca de meu desempenho, e tento deixar me envolver pela situação, pela minha parceira e não por teorizações ou preocupações antecipadas.

Depoimento 2

Idade: 30 anos

Escolaridade: ensino superior completo

Estado Civil: Solteiro

1 - Foi estranho. Eu só sentia tesão enquanto eu é que estava induzindo a garota a fazer sexo. Mas quando ela é que passou a me provocar, eu me assustei, fiquei surpreso, inseguro e minha libido diminuiu. Eu queria transar ao meu modo, mas minhas expectativas foram frustradas e minha ereção diminuiu. Quanto mais carícias ela me fazia, mais inseguro eu ficava. Sentia medo que ela percebesse o meu fracasso. Eu estava perdido, desamparado e sem alternativas. Me afastei da garota, o medo de broxar foi maior que a minha vontade de transar.

2 - Atualmente tenho medo de que isso volte a acontecer. Só transo quando me sinto realmente preparado e com uma menina que me faça sentir bem.

Depoimento 3

Idade: 27 anos

Escolaridade: ensino superior incompleto

Estado Civil: Solteiro

1 - Fiquei nervoso quando percebi que o momento de transar com minha namorada estava para ocorrer. Não tinha mais o controle da situação. Foi minha namorada que passou a sugerir que transássemos. Eu estava inseguro, não queria realmente transar naquele momento. Estava me dispondo a transar só por causa de minha namorada. Eu tinha a obrigação de fazer tudo dar certo e de tudo ser perfeito. Mas nada deu certo, não consegui manter minha ereção. Fiquei desesperado. Não conseguia me concentrar na minha relação com ela. Fiquei cheio de dúvidas e me senti culpado pelo que estava acontecendo. Desisti de tentar manter minha ereção e lhe pedi desculpas.

2 - Me senti muito mal naquela época, mas posteriormente eu e ela achamos graça do que aconteceu. Não era o momento certo para transar, não tínhamos intimidade. Eu estava sem condições física e psicológica. Forcei a barra e tudo deu errado.

Depoimento 4

Idade: 22 anos

Escolaridade: ensino superior incompleto

Estado Civil: solteiro

1 - Fiquei assustado, não achei que aquilo pudesse acontecer comigo. Me senti muito nervoso. O meu constrangimento diante de meu parceiro foi enorme. Meu parceiro tratou aquilo com naturalidade e eu fiquei mais tranqüilo. No mesmo dia nós tentamos transar de novo e tivemos sucesso.

2 - Hoje encaro aquela experiência como algo natural. Agora, quando percebo em mim algum sinal de ansiedade, nervosismo ou cansaço, evito estabelecer relações sexuais. Já fico preparado para a possibilidade de ter problemas e assim não sou pego de surpresa.

Categorias de Significado:

Sínteses dos depoimentos da questão 1

1 - choque/surpresa (no sentido de que eles foram pegos desprevenidos, de que eles não esperavam por aquilo); 2- reação de não-aceitação (não aceitar, não "digerir" o que estava ocorrendo); 3- frustração (ter as expectativas quebradas); 4- raiva de si próprio (sentimentos hostis em relação a si mesmo e/ou a seu pênis); 5- crença na infalibilidade (crença de que o homem nunca pode falhar); 6- culpa (acreditar que é o único responsável pelo seu "fracasso"); 7- insegurança/nervosismo (não garantir a eficiência do próprio desempenho); 8- perda do controle do ato (deixar de ser capaz de "tomar as rédeas da situação", de manter a situação sob controle); 9- queda da auto-Estima (se sentir menos homem por exemplo, questionamento acerca da própria potência e masculinidade); 10- experiência dissociada ( a vivência não parecia estar sendo vivida pelo próprio participante e sim por uma terceira pessoa); 11- vergonha (sentimentos relacionados a embaraço e constrangimento diante de possíveis julgam e ntos provindos da parceira ou da sociedade).

Sínteses dos depoimentos da questão 2

1- ganho de auto-Conhecimento (maior aprendizagem sobre si mesmo), 2 - desrespeito aos próprios Limites; 3- naturalidade (encarar a disfunção como algo natural, passível de ocorrer); 4- humor (encarar a vivência de disfunção com bom humor).

Quadro comparativo dos participantes e das categorias de significado extraídas a partir de suas vivências (estrutura do vivido).

 

 

 

DISCUSSÃO

Um acontecimento relevante e destacado da pesquisa foi que abordar a experiência de disfunção erétil teve um impacto negativo para todos os participantes; (embora depois mediante reflexão, todos interpretaram tal experiência como algo positivo, proveitoso, de grande valia para suas vidas). Com relação à primeira questão do roteiro de pesquisa, foi observado que para os quatro participantes, a experiência de disfunção erétil significou: 1-choque e surpresa: ("foi difícil entender o que estava acontecendo" participante 1; 2-vergonha: "...eu passei a pensar na menina, no que ela poderia estar pensando de mim, no papelão que eu tinha feito" participante 1; 3-frustração: "eu tava louco para transar, mas eu simplesmente não estava funcionando" participante 2; e 4-culpa, todos se sentiram culpados pelo que aconteceu: "me desculpei com ela, dizendo que não estava me sentindo bem, que o problema era comigo" participante 3.

Por outro lado, para alguns participantes, a experiência de disfunção erétil teve um significado mais particular pouco compartilhado com outros participantes. Por exemplo, para o participante 1, a experiência de disfunção erétil também significou uma experiência dissociada dele mesmo (ou seja, o que aconteceu não parecia ser com ele e sim com uma terceira pessoa), em outras palavras, ele parecia estar no papel de espectador e não de sujeito do ato.

Este mesmo participante também experimentou sentimentos de raiva com relação a seu próprio pênis, "eu fui ficando com raiva de mim mesmo...meu pênis não dava nenhum sinal de vida", "olhava pro meu pinto totalmente mole e só me dava vontade de sumir dali", como se o participante e seu pênis estivessem brigados/separados. Além disso, o participante 1 também experimentou grandes dificuldades de aceitar o que estava ocorrendo com ele: "eu não conseguia me conformar". Certamente este foi o participante para quem a disfunção teve significados mais singulares e menos compartilhados com os outros participantes.

Para os participantes 2 e 3 a disfunção erétil significou dentre outras coisas: a perda do controle do ato, controle esse que para eles parecia ser um pré-requisito para o bom andamento da relação sexual: "quando ela virou a tarada da história, ao invés daqui lo me deixar mais doidão, só fez diminuir minha vontade de transar...parece que pra mim a transa acabou ali". Para esses dois últimos participantes e mais o participante 1, a queda da autoestima foi uma das vivências mais marcantes para os mesmos, e algo que esteve relacionado a "se sentir menos homem", como ilustra a seguinte verbalização: "Fiquei imaginando quantos homens não queriam estar naquela situação, quantos homens não estariam duros naquela hora e eu lá igual a um frouxo" participante 2.

É importante ressaltar que os participantes 2, 3 e 4 pareciam acreditar, pelo menos até a disfunção ocorrer, que aquilo não poderia acontecer com eles: "senti-me extremamente constrangido pela situação como um todo. Mas principalmente por ter me deparado com esta situação numa idade tão precoce ao meu ver" participante 4, "eu ficava falando comigo mesmo: ‘égua, como é que você pode não se excitar numa situação dessa!’" participante 2, "Como eu já havia tido outras experiências sexuais, me sentia responsável para que tudo desse certo" participante 3. Nesta última verbalização a disfunção significou naquele momento algo inadmissível que não poderia ocorrer, ou seja, que o fracasso em ter ereções não poderia fazer parte das possibilidades de um relacionamento, o que sugere a crença de que o homem deve apresentar um desempenho sexual sempre à prova de falhas. Além disso, esses participantes experimentaram sentimentos de grande nervosismo, "...fiquei desesperado" e insegurança.

Com relação à pergunta 2 acerca da visão atual dos participantes, sobre o episódio, observou-se que mesmo tendo sido tão desagradável, a experiência de disfunção erétil foi posteriormente proveitosa, no sentido de que para os quatro participantes ela significou uma situação de aprendizado, de ganho de auto-conhecimento principalmente com relação a conhecer e respeitar mais os próprios limites.

Três dos quatro participantes apresentaram justificativas para seus fracassos, e todas elas se referiam ao fato deles não terem respeitado os próprios limites: "...eu não estava realmente preparado para transar com aquela garota", "...aquele não havia sido o momento certo para que tivéssemos tido relações", "...acho que naquela situação eu fiquei pensando demais, muita coisa ficou passando pela minha cabeça e eu acabei esquecendo do que eu tava fazendo". Apenas para o participante 3 a experiência passou a ser encarada de forma irônica, bem-humorada: "hoje acho graça ao pensar naquela experiência, apesar de ter me sentido muito mal no período", e para o participante 4 tal experiência passou a significar algo natural, passível de ocorrer, mesmo sendo tão desagradável: "vejo como algo natural, causado por diversos motivos, fisiológicos e/ou psicológicos".

Em outras palavras, em maior ou menor medida, parece que num momento posterior todos os participantes extraíram lições valiosas a partir de suas "broxadas" e de certa forma (a partir de experiências reflexivas) atribuíram um novo significado para suas vivências.

 

CONCLUSÃO

Nesta pesquisa captar e descrever o significado da experiência da disfunção erétil em uma perspectiva fenomenológica, foi o meu objetivo. Apesar de ser um tema complicado de se pesquisar, considerando-se os tabus e estigmas que envolvem a experiência de disfunção erétil, acredito que meu objetivo geral de pesquisa foi alcançado. Creio que através desta investigação, e dentro das limitações da amostra, foi possível compreender mais claramente a diversidade de significados envolvidos na experiência de disfunção erétil, assim como foi possível enxergar as generalidades e particularidades dessa vivência.

Foi interessante, por exemplo, notar o quanto a experiência de disfunção erétil teve uma significação inicialmente destrutiva para todos os participantes (vivências relacionadas à raiva, frustração, desespero, por exemplo), mas que mediante um certo período de tempo e reflexão tal vivência pôde ser encarada por todos como algo produtivo no sentido de lhes fornecer mais auto-conhecimento, mais respeito com eles mesmos, dentre outros ganhos.

Pesquisar esta temática é ao mesmo tempo tratar de um assunto muito próximo de nós homens, e ao mesmo tempo muito distante, devido, entre outros fatores a que falar da sexualidade e desempenho sexuais, para alguns homens, é um ato marcado pela competição, não sendo permeado pela autenticidade, genuinidade e cumplicidade. Regra geral, o que ocorre muitas vezes no tocante aos relacionamentos sexuais é que eles são permeados freqüentemente pela coerção e pela superficialidade.

A maioria dos depoimentos colhidos neste trabalho indica essa característica relacional; o homem se engaja em relacionamentos sexuais muitas vezes sem estar realmente motivado e se submete ao ato sexual muito mais pelos anseios da parceira ou pela pressão de seu ambiente social (amigos, família, mídia), do que pela sua própria vontade (não tendo assim oportunidade de ser autêntico e de respeitar seus próprios limites de expressão sexual).

Penso que a coerção refere o fato de que muitos dos problemas sexuais dos homens podem estar ligados a fatores como:

1) Educação sexual inadequada (a famosa "revolução sexual" ocorrida nos últimos anos na sociedade não parece ter favorecido uma melhor orientação de seus membros). A maioria dos homens continua sendo treinada para agir como máquinas (e não como pessoas), e máquinas que segundo os ditames sociais não podem falhar (isso é coerção, é controle do comportamento através de punição ou de ameaça e intimidação). Baseado nesse tipo de educação, não é difícil imaginar o quanto a disfunção erétil pode se constituir numa experiência devastadora para a maioria dos homens.

2) O sexo de qualidade ( não opressor), tem deixado de ser um direito, e tem passado a ser uma imposição, vinda de fora, inculcada em nossas mentes. Nesse sentido, a mídia, freqüentemente tem atuado como uma grande vilã, uma vez que fornece parâmetros esdrúxulos acerca do que vem a ser uma boa conduta sexual; do que é ter um bom desempenho na cama. O homem que não se adequar aos padrões socialmente impostos de desempenho sexual é taxado como "uma máquina defeituosa".

A disfunção sexual pode, em uma perspectiva fenomenológica existencial, ser compreendida como um sinal de resistência à padronização psíquica, isto é, dentro do contexto da massificação, pode vir a se constituir uma demonstração física de que o sujeito não concorda com os falsos valores que os obrigam a vivenciar o status de máquinas. Talvez a doença possa contribuir para a ressignificação da concepção de humanidade ao permitir que o homem compreenda que a sexualidade e o ato sexual são gestos de amor e prazer, nunca de robôs que não são passíveis de falhar.

3) A era da informação em que vivemos, caracterizada pela grande disponibilidade de conhecimentos a que se tem acesso, não parece estar provendo elementos para que os homens se conheçam melhor, se tornem amantes mais genuínos e autênticos. Além do mais, muitos de nós homens ainda vivemos por trás de máscaras (papéis sociais rígidos e estereotipados), que aprendemos a usar desde muito cedo e que muitas vezes nos levam a ter uma visão distorcida e superficial da sexualidade e do sexo, (o que obviamente nos tornam mais passíveis de termos problemas sexuais).

Acredito que a disfunção erétil é ainda um fantasma pelo modo como nós aprendemos a tratá-la. Ela não é "encarada de frente". A proliferação de pílulas mágicas (Viagra, Cialis, Levitra e companhia) não livrará totalmente os homens dos demônios que assolam suas camas.

Tornar-se homem, às vezes, pode ser uma tarefa homérica, principalmente por vivenciarmos a existência em uma sociedade das máquinas e dos condicionamentos, para a qual não é interessante criar indivíduos autênticos consigo mesmo.

 

REFERÊNCIAS

AMATUZZI, M. M. Apontamentos acerca da pesquisa fenomenológica. Estudos em Psicologia, v. 13, n.1, 5-10, 1996.         [ Links ]

LOPES, G. Sexualidade Humana. 2. ed. São Paulo: MEDSI, 1993.         [ Links ]

 

Artigo recebido em 24 de outubro de 2008
Aceito para publicação em 13 de janeiro de 2009

 

 

1 Mestre em Psicologia e Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). e-mail: manofnoise@hotmail.com

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