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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.1 São Paulo ago. 2009

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Brinquedos adaptados para crianças com Paralisia Cerebral1

 

Adapted toys for children with Cerebral Palsy

 

 

 

Ana Irene Alves de OliveiraI,2, Glenda M. da Paixão3, Marcos Vinícius C. Cavalcante4

I Universidade do Estado do Pará

 

 


RESUMO

Este trabalho objetivou verificar a interferência da Tecnologia Assistiva no brincar da criança com Paralisia Cerebral, patologia que ocasiona déficits nos componentes de desempenho, causando dependência na realização das atividades básicas como o brincar, restringindo as oportunidades lúdicas. Desse modo, realizou-se intervenção da qual participaram três crianças com Paralisia Cerebral atendidas no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA), com idades entre cinco e dez anos. Inicialmente realizou-se avaliação, por meio de protocolos. Com base nesses dados, foram confeccionados recursos de Tecnologia Assistiva, a fim de minorar a dependência de pessoas com deficiência, tais como brinquedos adaptados e acionadores. Após a intervenção e período de uso, aplicou-se protocolos para avaliação do impacto da Tecnologia Assistiva no desempenho do brincar e a satisfação do usuário, sendo os dados apresentados de forma descritiva e analisados qualitativamente. Obteve-se como resultados menor dependência do adulto na utilização dos brinquedos e maior interação com outras crianças, havendo também maior satisfação durante o uso dos equipamentos, sendo estes favoráveis para o desenvolvimento do livre brincar. Pode-se afirmar que o trabalho contribuiu para o referencial teórico da Terapia Ocupacional apresentando, ainda, protocolos relacionados à temática, uma vez que estes são pouco divulgados na literatura brasileira.

Palavras-chave: Tecnologia Assistiva, Paralisia Cerebral, Brincar, Terapia Ocupacional.


ABSTRACT

This study aimed to verify the interference of Assistive Technology in the play of children with cerebral palsy, and this condition causes deficits in performance components, causing dependence on the performance of basic activities such as play, limiting recreational opportunities. Thus, there was action in which three children with cerebral palsy treated at Center for Development in Assistive Technology and Accessibility (NEDETA), aged between five and ten years. Initially there was an evaluation, by means of protocols. On this basis, were up resources for Assistive Technology, to reduce the dependency of people with disabilities, such as toy drives and adapted. After intervention and period of use was applied protocols for assessing the impact of Assistive Technology in the performance of the play and user satisfaction, and the data presented in a descriptive way and analyzed qualitatively. Returned as results are less dependent on the use of adult toys and more interaction with other children, but also greater satisfaction during the use of equipment, which are favorable for the development of free play. You can say that the work contributed to the theoretical framework of Occupational Therapy also has protocols related to the topic, since they are poorly distributed in the Brazilian literature.

Keywords: Assistive Technology, Cerebral Palsy, Play, Occupational Therapy


 

 

INTRODUÇÃO

O brincar é um fenômeno complexo, holístico e, por conseqüência, de difícil compreensão. Segundo Ferland (2006, p. 18):

... é uma atitude subjetiva em que o prazer, a curiosidade, o senso de humor e a espontaneidade se tocam; tal atitude se traduz por uma conduta escolhida livremente, da qual não se espera nenhum rendimento específico.

Dessa forma, o brincar deve ser compreendido como um ato natural para o desenvolvimento e funcionamento saudável da criança, pois, conforme Zerbinato, Matika e Zerloti (2003), por meio dele a criança percebe o seu potencial de ação no mundo e descobre ser capaz de originar mudanças ao montar, desmontar, misturar, encaixar, e criar, formando e compondo sua inteligência através da prática de desafios, investigação, decisão de problemas e execução das suas funções.

Deste modo, brincar é também dominar a realidade (experimentando e prevendo), sendo a forma infantil de a capacidade humana experimentar criando situações-modelo. Assim, a criança decide o que é realidade, a transforma e a adapta a seus desejos, elaborando a sua capacidade criativa.

Finnie (1980) descreve que é através do brincar que a criança torna-se consciente de si, aprendendo novas noções de esquema corporal, podendo explorar e aprender acerca dos outros e do espaço. Enquanto brinca, aprende a fazer diferença entre formas, texturas, tamanhos, pesos, cores, aprende a calcular a distância, o que pode e o que não pode fazer com os objetos.

Quando brinca com os outros, experimenta a partilha, a rivalidade, a colaboração, o afrontamento; aprende a encontrar o seu lugar no mundo, tornando-se um ser social, aprendendo também a entrar em contato com os outros e a manter relações com eles (Ferland, 2006).

Em resumo, pode-se afirmar que o brincar permite à criança oportunidades para exercitar funções psico-sociais, explorar o mundo que a cerca de maneira natural e espontânea, vivenciando aspectos do cotidiano, adquirindo habilidades sociais como regras, princípios morais e sociais, atenção, concentração e habilidades motoras de coordenação motora global e fina (Emmel & Kato, 2004).

De modo geral, segundo Ferland (2006), o brincar possui cinco componentes: o sensorial (vontade de olhar, tocar e pegar que os brinquedos provocam na criança); o motor (diferentes tipos de movimentos e reações de proteção praticados durante a brincadeira); o cognitivo (compreensão do funcionamento dos objetos, brinquedos e brincadeiras); o afetivo (expressão, reação à frustração e ao prazer imediatos); e o social (dividir brinquedos, comunicar idéias, levar em conta a opinião do outro, esperar a vez).

Contudo, a criança com PC apresenta alterações em um ou mais desses componentes, o que dificulta o acesso ao meio, aos brinquedos e os companheiros para as atividades lúdicas. Desse modo, o seu desempenho ocupacional para o brincar encontra-se deficitário, podendo, muitas vezes, não evidenciar a seqüência natural da atividade lúdica descrita nas diversas teorias e visível nas crianças não-deficientes, comprometendo seu desenvolvimento.

 

O brincar da criança com paralisia cerebral

Segundo Erhardt e Merril (2002), as crianças com Paralisia Cerebral (PC) desenvolvem padrões habituais de flexão e extensão que limitam a movimentação voluntária e provocam posturas e movimentos involuntários incompatíveis com as reações de equilíbrio automáticas e habilidades motoras complexas, restringindo a manipulação e o desenvolvimento de habilidades para a brincadeira.

Conforme Blanche (2002), as limitações de movimento afetam a capacidade de acessar o ambiente de forma ativa e, conseqüentemente de explorá-lo, e limitam o potencial de entrar espontaneamente em uma brincadeira. Crianças pequenas, com incapacidades5 severas do movimento têm dificuldades em se envolver em brincadeiras de prazer sensóriomotor, o que restringe o posterior desenvolvimento da coordenação motora, da percepção e da cognição.

Para Takatori (2003), as privações das experiências do brincar em virtude das barreiras físicas, sociais, pessoais e ambientais podem levar a aquisição de outras incapacidades, de ordem social e emocional, chamadas de deficiências secundárias, relacionadas com as dificuldades de participação social, que podem impedir o desenvolvimento e a vida plena ao aprisionar a pessoa numa rede de barreiras atitudinais. Nesse sentido, o brincar, como aprendizado e como atividade divertida, é limitado para a criança com PC. Entretanto, segundo Helfer, Oliveira e Miosso (2005), a criança com deficiência é uma pessoa com direito de ser tratada e respeitada como criança e de viver todas as experiências naturais de cada fase do crescimento. Desse modo, faz-se necessário estruturar o meio fisicamente e socialmente, para que essa criança seja capaz de aprender enquanto brinca e de alcançar seu potencial. É necessário fornecer e/ou manter o auxílio da postura ou adaptar o contexto, promovendo estratégias que facilitem sua participação, criando situações em que a criança possa experimentar, planejar, agir; enfim, brincar (Araújo & Galvão, 2007).

 

A tecnologia assistiva

Segundo Takatori (2003), em Terapia Ocupacional, recorrer à Tecnologia Assistiva (TA) é um procedimento importante se leva a criança a dar início ou reiniciar suas atividades, para que o objetivo final, o fazer singular e as possibilidades de participação social possam ser alcançados.

Segundo Bersch (2005), TA é um termo utilizado para identificar os Recursos e Serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e conseqüentemente promover vida independente e inclusão.

A TA pode ser comercializada em série, sob encomenda ou desenvolvida artesanalmente. Pode ser simples ou complexa, dependendo dos materiais e da tecnologia empregados. Pode ser geral, quando aplicada à maioria das atividades do usuário, ou específica, quando utilizada em uma única atividade, por exemplo, instrumentos para a alimentação e aparelhos auditivos (Tecnologia..., 2008).

É composta de Recursos e Serviços. Recursos são itens, equipamentos, produtos ou sistemas que variam de uma simples bengala a um complexo sistema computadorizado, incluindo brinquedos e roupas adaptadas, softwares e hardwares com acessibilidade, dispositivos para adequação postural, recursos para mobilidade, equipamentos de comunicação alternativa, chaves e acionadores especiais, aparelhos de escuta assistida, auxílios visuais, materiais protéticos e outros itens confeccionados ou disponíveis comercialmente (Bersch, 2006). Os Serviços são definidos por Bersch (2006) como aqueles prestados profissionalmente ao indivíduo com deficiência, que lhe auxiliam a selecionar, comprar ou usar os recursos de TA, como avaliações, experimentação e treinamento de novos equipamentos.

Segundo Alves de Oliveira (2004), os recursos tecnológicos podem oferecer possibilidades lúdicas, permitindo à criança com PC a oportunidade de vivenciar experiências, minimizando os impedimentos e inserindo-as em ambientes que favoreçam o desenvolvimento, pois a partir do momento em que o indivíduo pode acessar, vivenciar e utilizar os recursos tecnológicos, as seqüelas podem ser minimizadas.

Deve-se adequar os materiais e o espaço da brincadeira para que contribuam no desenvolvimento cognitivo, físico, emocional, social e moral, sem que se perca a característica do brincar como ação livre, iniciada e mantida pela criança. Cabe salientar que as necessidades de cada criança são diferentes e as adaptações dos brinquedos que não sejam cuidadosamente feitas às suas particularidades podem prejudicar ainda mais seu estado de saúde (Definição..., 2008).

Nesse sentido, objetivou-se facilitar o brincar, adaptando esta atividade de acordo com as potencialidades de cada criança, valorizando suas capacidades remanescentes, suas características motoras e percepto-cognitivas, e não apenas tratando suas debilidades.

 

METODOLOGIA

O estudo caracteriza-se como qualitativo-descritivo, desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, sendo esta desenvolvida no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA)6, no Campus II da Universidade do Estado do Pará (UEPA), e nos domicílios dos participantes selecionados.

Participaram da pesquisa 3 crianças do sexo masculino com PC e idades entre 5 e 10 anos, atendidas no NEDETA, selecionadas a partir da conformidade com os critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos.

Após a seleção, realizou-se avaliação lúdica, com protocolos baseados nos instrumentos propostos por Ferland (2006), sendo estes a Avaliação do Comportamento Lúdico e a Entrevista Inicial com os Pais sobre o Comportamento Lúdico de seus Filhos.

A partir dos dados coletados com tais instrumentos, analisou-se cada caso para investigação de recursos e serviços da TA que pudessem facilitar o desempenho ocupacional da criança durante o brincar.

Após esta fase, realizou-se pesquisa de materiais disponíveis no mercado que permitissem a confecção dos dispositivos de TA, bem como brinquedos e jogos industriais que fossem passíveis de adaptação. Vale ressaltar que para maximizar a função durante o desempenho do brincar, foram confeccionados ainda mobiliários adaptados em PVC e órteses em PVC para membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII). Após período de adaptação e utilização dos dispositivos, foram aplicados dois protocolos para avaliação da intervenção, sendo estes a Avaliação da Satisfação do Usuário de Recursos de Tecnologia Assistiva Quanto ao Equipamento e aos Serviços (baseado no QUEST version 2.07) e a Avaliação do Impacto do Uso de Técnicas e Recursos da Tecnologia Assistiva na Qualidade de Desempenho do Brincar do Usuário.

 

INTERVENÇÃO

Após análise dos dados obtidos, foram utilizados como recursos de TA: adaptação de brinquedos com interruptores, confecção de acionadores, adaptação para uso de lápis de colorir, e análise de brinquedos disponíveis no mercado que se adequassem às capacidades da criança sem a necessidade de adaptações.

Desse modo, buscou-se diminuir as formas secundárias de privação da recreação, a partir do uso de instrumentos de TA desenvolvidos artesanalmente, com tecnologia simples e para uma atividade específica: o brincar, pois Segundo Teixeira e Oliveira (2007), deve-se facilitar o acesso aos brinquedos através do bom posicionamento, aproximação, auxílio no movimento, e identificação de brinquedos que a criança consiga manipular e que sejam adequados ao seu nível de desenvolvimento.

Brinquedos adaptados e acionadores

Os terapeutas ocupacionais quase sempre usam brinquedos e adaptações ambientais simples para habilitar as crianças com incapacidade para a recreação. Em geral, essas soluções não são onerosas, têm a manutenção simples e são limitadas apenas pela imaginação do terapeuta (Deitz & Swinth, 2002).

Uma solução simples da tecnologia envolve o uso de brinquedos com interruptores (Figura 01). Alguns brinquedos ativados por interruptores podem ser adquiridos em lojas e não são necessárias adaptações; outros podem ser comprados com interruptores adaptados para crianças com incapacidade; e ainda, outros devem ser adaptados (Deitz & Swinth, 2002).

 

 

A aplicação apropriada dos brinquedos com interruptores é relativamente simples e possibilita que a criança tenha acesso aos brinquedos apropriados ao desenvolvimento. Além disso, o envolvimento com esse tipo de brinquedo capacita a interação simultânea entre a criança e o ambiente. Assim,

Por meio das atividades recreativas com brinquedos operados por interruptores, as crianças podem desenvolver capacidades básicas em áreas como permanência dos objetos, relações de causa e efeito e direcionalidade. Adicionalmente, elas começam a aprender que o ambiente que as cerca pode ser controlado. Já que muitas crianças com controle motor limitado são incapazes de manipular os brinquedos de forma independente em um estágio apropriado do desenvolvimento, os brinquedos com interruptores podem promover uma alternativa viável, permitindo que elas brinquem e explorem de maneira similar à dos seus parceiros que não apresentam incapacidades (Deitz & Swinth, 2002, p. 221).

Todas as crianças participantes da pesquisa foram usuárias deste tipo de adaptação, pois na avaliação lúdica demonstraram interesse acentuado por explorar o funcionamento dos objetos (relação de causa e efeito). Foram adaptados seis brinquedos, realizando-se modificações na estrutura interna com introdução de plugs (ver Figura 02).

 

 

Para a adaptação dos brinquedos foram necessários: Plugs de encaixe; Cabo de rede com fios de cobre; Estanho para solda; e Ferro de solda. A cada pólo do plug de encaixe foram soldados dois fios de cobre, retirados do interior do cabo de rede. A extremidade oposta de cada um dos fios soldados ao plug foi soldada ao pólo correspondente do interruptor do brinquedo, permitindo acessibilidade ao acionador. Estas etapas estão demonstradas na Figura 03.

 

 

Para uso dos brinquedos, foram confeccionados acionadores, com chave micro swith como substituto do interruptor do próprio brinquedo, de modo que, uma vez conectado ao plug de encaixe e ao movimento da criança, fosse possível colocar a chave em uma posição que permitisse a passagem de energia da pilha ao brinquedo, provocando o funcionamento deste (Ver Figura 04 A e B).

 

 

Após a avaliação funcional de cada criança, concluiu-se que para as crianças 1 e 2 o movimento de flexão – extensão do cotovelo (puxar e soltar) era o mais favorável para o acionamento, uma vez que conseguiam controlá-lo com maior exatidão, e menor alteração tônica, movimentação associada e gasto de energia. Já a criança 3 possuía maior controle dos movimentos de MMII. Assim, foram confeccionados dois acionadores do tipo tração (ver Figura 5 A e B), para as crianças 1 e 2, e dois acionadores do tipo pressão (ver figura 5 C e D) para a criança 3.

 

 

Adaptação para uso de lápis de colorir

O ato de adaptar é o somatório da capacidade criativa do terapeuta ocupacional com a praticidade e funcionalidade da adaptação proposta, de modo a promover ajuste, acomodação e adequação do indivíduo a uma nova situação (Teixeira, Ariga & Yassuko, 2003; Teixeira & Oliveira, 2007).

Dessa forma, considerando o interesse da criança 1 por atividades lúdicas de pintura e desenho e, por outro lado, sua dificuldade em realizar as preensões necessárias para tais, foi confeccionada uma adaptação para uso de lápis de colorir a partir da preensão palmar, como demonstra a Figura 06, utilizando-se: Cabo de madeira com 2 cm de diâmetro; PVC; EVA; Velcro; Fivela plástica; Couro; Rebites.

 

 

 

Utilização de brinquedos disponíveis no mercado

Realizou-se ainda pesquisa de mercado, sendo verificada a possibilidade de utilização de brinquedos disponíveis em lojas comuns. Embora a maioria dos brinquedos necessitem de praxia motora fina ou global bem desenvolvida para funcionarem, causando frustração em crianças com limitações de movimento, alguns brinquedos com acessibilidade para crianças deficientes podem ser encontrados, mesmo que não tenham sido desenvolvidos especialmente para esta clientela.

Nesse sentido, foram encontrados e adquiridos um quebra-cabeça com peças grandes e um carro acionado por pressão em botão superior (ver figura 07), que segundo a análise dos pesquisadores, poderiam ser utilizados com os MMII, e portanto, pela criança 3.

 

 

A utilização dos brinquedos pelas crianças 1 e 2 era concomitante à utilização de mobiliários adaptados em PVC e órteses de MMSS e MMII, que auxiliavam na organização da postura e maximizavam a função dos membros durante a brincadeira.

 

RESULTADOS

Após o período de utilização dos dispositivos de TA propostos às crianças e aos familiares, realizou-se avaliação da satisfação do usuário e da interferência desses recursos na qualidade de desempenho do brincar. Para isso, foram utilizados dois protocolos: a Avaliação da Satisfação do Usuário de Tecnologia Assistiva Quanto ao Equipamento e aos Serviços e a Avaliação do Impacto das Técnicas e Recursos da Tecnologia Assistiva na Qualidade de Desempenho do Brincar do Usuário.

As questões dos protocolos foram respondidas pelos responsáveis legais de cada criança, sendo que a criança 3 também participou ativamente da avaliação. A Avaliação da Satisfação do Usuário de Tecnologia Assistiva Quanto ao Equipamento e aos Serviços continha itens que foram avaliados segundo uma escala de satisfação, sendo esta: não satisfeito (1), pouco satisfeito (2), parcialmente satisfeito (3), satisfeito (4), e muito satisfeito (5).

As respostas variaram entre satisfeito e muito satisfeito, nos quesitos Tamanho, Forma, Peso, Ajuste, Estética, Durabilidade, Segurança, Conforto, Simplicidade de Uso, Aceitabilidade, Adequação à Incapacidade, Adequação à Funcionalidade (objetivo), na avaliação do equipamento, e nos itens Entrega de materiais e adaptações, Reparos e assistência, Atuação dos profissionais e Instruções quanto ao uso, na avaliação dos serviços.

Com esta avaliação, verificou-se que todas as crianças conseguiam identificar o brinquedo, a brincadeira ou o jogo, mesmo após as adaptações, e todas utilizavam o brinquedo/jogo adaptados, necessitando de auxílio apenas a criança 2, o que mostra a eficácia dos dispositivos na promoção de uma menor dependência de um adulto.

Apenas a criança 3 conseguia iniciar o brincar de forma independente, as demais crianças necessitavam de um adulto para organizar o ambiente, conectar o brinquedo ao acionador ou colocar a adaptação para utilização de lápis de colorir e para organizar a postura. Entretanto, o desenvolvimento do brincar se deu de forma independente para as crianças 1 e 3, sendo que a criança 2 necessitava apenas de auxílio ou supervisão para uso do acionador.

Todas as crianças demonstravam satisfação ao utilizar os recursos de TA, sendo esta maior do que a observada durante a utilização dos demais brinquedos não-adaptados dos quais dispunham. Além disso, os brinquedos utilizados correspondiam às preferências das crianças.

A intervenção também possibilitou a utilização dos dispositivos em ambientes extra-domiciliares, permitiu a interação com outras crianças e nos casos das crianças 1 e 3 foi observado o desenvolvimento desta interação a partir do uso destes recursos.

 

CONCLUSÃO

De forma geral, os resultados indicam que a utilização da TA é um fator que contribui para a qualidade de desempenho do brincar. A partir dos mobiliários e da adequação postural, houve melhora no padrão postural, o que favoreceu o controle dos movimentos necessários à interação com o ambiente, com os brinquedos e com os parceiros de brincadeira, proporcionando a vivência de atitudes lúdicas que não eram possíveis antes da intervenção.

O acionamento dos brinquedos, a partir da adaptação destes e dos acionadores e a adaptação para uso de lápis de colorir permitiram às crianças as mesmas vivências que seus pares experimentam, e assim, lhes possibilitou explorar os objetos e o ambiente, bem como as relações de causa e efeito necessárias ao desenvolvimento saudável.

Vale ressaltar também, que os brinquedos e adaptações utilizados neste estudo foram adquiridos, adaptados e confeccionados a partir das preferências das próprias crianças, respeitando, portanto seu poder de decisão sobre sua atividade lúdica, de forma a permitir-lhes autonomia.

É necessário esclarecer que, neste estudo, não se buscou tornar a criança totalmente independente durante o brincar, pois este objetivo seria utópico ao se considerar as características sensório-motoras das crianças estudadas. A pesquisa objetivou tornar a criança menos dependente do auxílio do adulto, proporcionando a ela a experiência de sentir-se mais atuante no brincar e, portanto, ter satisfação em realizá-lo de forma mais ativa.

Desse modo, a pesquisa teve grande contribuição na qualidade de desempenho do brincar destas crianças, oportunizando a vivência das experiências lúdicas de forma menos dependente e mais autônoma, garantindo-lhes o direito de exercer o papel ocupacional fundamental da infância, o livre brincar, e assim, ter melhor qualidade de vida.

 

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