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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.1 São Paulo ago. 2009

 

RESENHA

 

Construindo estratégias de enfrentamento à violência doméstica contra criança e o adolescente1

 

Building strategies for facing to the domestic violence against the child and the adolescent

 

 

 

Patricia Quintairos; Luciana Pinto de S. Castlo Branco; Márcia Reginy V. Silva

 

SILVA, S. M. e VELOSO, M. M. X. Construindo estratégias de enfrentamento à violência doméstica contra a criança e o adolescente. Belém: Movimento de Promoção da Mulher – Moprom, 2007.

 

De acordo com Faleiros apud Silva e Veloso (2007) em seu texto sobre família, violência e atendimento, atualmente a violência sexual é compreendida como violação dos direitos e um crime.

Inicia seu artigo diferenciando violência chamada doméstica que é o local onde a violência acontece e violência familiar que se relaciona ao parentesco da vítima de quem a pratica e enfatiza que violência doméstica é considerada todo tipo de violência que aconteça dentro de casa, violência essa que é determinada por um padrão de relacionamento aprendido e transmitido dentro da dinâmica doméstica e/ou familiar.

Faleiros apud Silva e Veloso (2007) cita Alice Miller (1983) que em suas pesquisas constatou que pessoas violentas foram educadas de forma violenta com a justificativa de ser para o bem delas a aplicação da violência o que as obrigava a amar aqueles que os agrediam confundindo amor e violência.

A partir de suas pesquisas, a autora destaca que a maioria das situações de violência física e psicológica é cometida pela mãe enquanto que a violência sexual quase sempre é cometida por homens da família. Também relata que as mulheres são em grande maioria as que denunciam a violência sexual sofrida.

Descreve os mitos da família que contrapõe a realidade das famílias que tem conflitos e estão longe de serem famílias ideais, o que derruba o mito de que as famílias têm um espaço harmônico e afirma que os padrões de família são reais e históricos onde conflitos familiares sempre existiram. Outro mito que gera muitos conflitos familiares é o de que as crianças não têm direitos e devem acatar todo tipo de poder que os pais poderão exercer sobre elas, violentos ou não. Existe também um mito do lar inviolável onde a casa tem as suas próprias leis e regras e que sempre precisam ser seguidas o que muitas vezes dificulta a denúncia da violência doméstica. Outro mito também muito praticado é de que o homem não controla seus instintos e ao praticar a promiscuidade sexual, aumenta as chances de situações de violência sexual por "não poder evitar seu instinto". Acredita-se que a mudança e conscientização para a desconstrução desses mitos só poderá acontecer através da educação e uma das formas acessíveis seria a comunicação de massa para a desconstrução ideológica.

Ressalta que em situações de violência contra crianças e adolescentes existem as estratégias de enfrentamento que são: priorizar trabalhos com mulheres e articulação com movimentos feministas e daí a mulher encontra sua importância dentro da sociedade; trabalhar preventivamente a família e a promoção de mudança cultural em relação a sexualidade e as relações de gênero.

Quando se trata da denúncia de situações de violência, os fluxos de denúncia devem atuar articuladamente. O atendimento para as vítimas é de suma importância para a superação da violência e o enfrentamento da vida assim como o de defesa dos direitos e deveres de cada um que participa da denúncia e finalmente o fluxo da responsabilização por parte do agressor que deve responder criminalmente por seus atos.

Neder (2002) apud Silva e Veloso (2007) em seu artigo sobre organização familiar e a violência na Amazônia brasileira procura fazer uma retrospectiva histórica com o intuito de embasar historicamente as raízes da violência. A autora aponta que em decorrência da heterogeneidade étnica e cultural que caracteriza a população brasileira, as estruturas familiares se apresentam em nosso país com diversidade de formas associativas, influenciando o imaginário social, desde o modelo tradicional e patriarcal de família extensa de origem ibérica ao moderno europeu burguês.

Bruschini(1993) citado por Neder (2002) apud Silva e Veloso (2007) na sociedade agrária e escravocrata do Brasil colonial, o modelo familiar dominante era o patriarcal extensa, constituída pela prole legítima e agregados, com funções econômicas e políticas, de tal forma que foi paulatinamente desestruturando as organizações dos índios e negros.

A autora aponta que Da Matta (1987) enfatiza que o modelo patriarcal prevalecia entre as elites, influenciando outros segmentos mais populares.

Neder (2002) apud Silva e Veloso (2007) discorre sobre as concepções racistas referentes às famílias africanas, escravizadas e segregadas, tornando-se heterogêneas. Neste contexto em que as famílias escravizadas tornaram-se alvo do autoritarismo e da violência: perda de vínculos afetivos, tradições e da própria identidade étnica, recaía principalmente nas crianças.

Entretanto, no final do século XIX, com o fim do trabalho escravo, o país passou por profundas transformações políticas e econômicas, influenciadas pelo modelo industrial europeu, estendendo-se às relações sociais mais conservadoras, investindo em um modelo de ''família nuclear moderna", preferencialmente de cor branca. Exercendo influencia no papel feminino. A ''mulher moderna" deveria ser educada para desempenhar as funções de mãe e educadora, de suporte do homem, para que este pudesse trabalhar fora de casa.

Com o Estado Novo foram esboçadas políticas sociais direcionadas as famílias rotuladas como "irregulares", vulnerabilizadas pela precariedade econômica e social. Coube a igreja a responsabilidade de prover a educação aos mais pobres, incluindo as famílias, consolidando o modelo padrão da família patriarcal, higienizada, moralista e com rígido controle sexual.

Na Amazônia, com os processos de exploração e ocupação dos recursos naturais, ao longo do tempo foram afetadas as formas de organização indígena, que por meio da força desequilibrou a base econômica e cultural das famílias caboclas tradicionais da região.

Vale ressaltar que independente da época em que se insere, a família esteve e esta vinculada á sua base biológica, e é a partir desta base que assume as mais diversas formas e funções e opta por organizações distintas, adequando-se ao contexto socioeconômico e cultural do momento, uma instituição produto de construções sociais flexíveis de parentesco e de afinidade de diferentes graus, com distintas relações de poder, definindo os comportamentos de gênero, palco de encontros e confrontos de gerações.

Cunha apud Silva e Veloso (2007) ressalta a importância de um novo olhar para a família, como se constituí e seus direitos públicos e privados, visando às mudanças nas constituições familiares que vem ocorrendo ao longo dos tempos, com o enfoque nas mudanças do novo Código Civil Brasileiro, que dará subsídios jurídicos para esse novo olhar.

A autora ressalta os pontos mais importantes de mudança no novo Código Civil concernente a família, como mudanças de expressão, no caso de "família legítima" para "família" ou "entidade familiar". A exclusão do termo "filho legítimo" onde se estabelece a igualdade de direitos absolutos diante dos filhos, inclusive os adotados. O novo código também fez mudanças quanto ao termo "pátrio poder" para "poder familiar" colocando a igualdade entre homens e mulheres, nem como, ressaltando o poder que tanto o pai quanto a mãe exercem sobre os filhos até os 18 anos.

Dentre outras mudanças tem-se: o Estado só poderá intervir em uma família pela sua proteção e/ou oferecer recursos educacionais e científicos; o casamento passa a ser considerado uma entidade familiar; o casamento religioso passa a ter efeito civil, propiciando casamento sem custas à famílias pobres; maridos e mulheres tem direitos iguais através do Princípio da Igualdade adotado pelo novo Código; tudo que se refere aos filhos está em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; e discorre sobre os deveres da família.

A autora ressalta a importância dessas mudanças referente a família no novo Código Civil como um novo olhar de igualdade e solidariedade diante das famílias, "priorizando as relações afetivas e aperfeiçoando as relações sociais" (p.53) .

O artigo de Silva apud Silva e Veloso (2007) sobre atendimento as famílias: limites e possibilidades dos serviços visitados, relata que a autora teve experiências no atendimento a famílias com dinâmica de violência no estado do Pará e que verificou que a maioria dos casos de abusos físicos e sexuais foi praticado por pais ou responsáveis.

De acordo com os resultados obtidos no projeto "cuidando de quem cuida" onde trabalhou junto aos profissionais do projeto Pró-paz, o NAF (FUNPAPA) e o CAF (FUNCAP), verificou a urgência de um trabalho com as famílias já que a maioria dos trabalhos está centrado nas crianças e eventualmente nas mães. Existe a necessidade de melhorias de infra-estrutura nos locais de atendimento e falta de contato com as famílias são as dificuldades de trabalho dos profissionais que atuam nesta área.

Na conclusão de seu trabalho sugere diretrizes de atendimento familiar aplicando a interdisciplinaridade entre os diversos profissionais, repensar novos conceitos de família diferente do mito de família ideal; o trabalho desenvolvido em grupo para uma assistência global e a formação de profissionais capacitados que possam articular com segurança nos conselhos tutelares, ministério público e polícia.

Ressalta que é imprescindível que todos os profissionais que trabalham com situações de violência desempenhem a função de educadores, tentando preservar a criança. A partir dessa consciência educacional, vale lembrar a importância da comunicação entre os profissionais, a formação de uma rede de solidariedade e que tais profissionais reconheçam suas potencialidades e limitações pra trabalharem nesta área. È importante que estes profissionais partilhem de suas experiências e utilizem da prática contínua de seus estudos para melhor acolher as vítimas de agressão.

A autora reforça que a escuta e a postura dos profissionais será determinante para o acolhimento e segurança das famílias em situação de violência doméstica e/ou familiar.

Fonseca apud Silva e Veloso (2007) aponta que a violência é um fenômeno mundial crescente. Principalmente em relação à vitimização de crianças e adolescente, em sua grande maioria relações consangüíneas. Situações estas de violência que o profissional Assistente Social, enquanto técnico integrante de uma equipe multiprofissional atua, não só com crianças e adolescentes, mas também com suas famílias. Com escuta acolhedora, observações, orientações, entrevistas e encaminhamentos necessários, de acordo com o que lhe é apresentado e ou detectado. Devendo este profissional agir com sensibilidade, estar preparado com abordagem capaz de estabelecer um relacionamento satisfatório, podendo obter informações capazes de nortear uma ação interprofissional e interinstitucional adequada, instrumento este facilitador de diálogos, vínculos e credibilidade da ação profissional.

Com base nessas informações, observações e relatos, subsidiará a construção de um relatório social e diagnóstico desenvolvido com a equipe de profissionais.

A visita domiciliar é um instrumento que permite uma maior compreensão, da estrutura destas famílias, assim como articulação com vizinhos, escola, buscando informações como segundo apoio. A articulação com Rede de Serviços é essencial como retaguarda nas situações necessárias tanto quanto complementares na tentativa de minimizar os fatores geradores de violência, possibilitando a reinserção na sociedade e qualidade de vida.

O acolhimento realizado pelo Assistente Social, quando adequadamente fundamentado nestes instrumentos e ética garante certamente cuidados e tratamentos que possibilitarão qualidade na superação de traumas decorrentes desta violência.

Braun apud Silva e Veloso (2007) discorre sobre a função dos psicólogos no atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Segundo a autora, nos últimos anos a violência e o abuso sexual contra a criança e o adolescente é presente no cotidiano das famílias, de forma a mostrar-se como problema de saúde pública, visto que sobremaneira implica em fatores individuais, familiares e sociais.

Na tentativa de resolver este problema, o Governo do Estado inicia o Projeto Pró- Paz Integrado, funcionando na Santa Casa de Misericórdia do Pará, com o propósito de oferecer atendimento multiprofissional, além de incluir crianças, adolescentes e seus familiares que vivenciaram situações de abuso sexual, além de incluir perícias técnicas do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, por Intermédio da Divisão de Atendimento a Criança e Adolescente (DATA).

Como parte da equipe multiprofissional, o serviço de psicologia, com base em uma visão biopsicossocial de homem, enfrenta o desafio de atender de forma adequada visando o enfrentamento e a superação dos sofrimentos causados por este ato de violência.

Uma tarefa que exige deste profissional desde o primeiro contato, escuta disponível, uma postura sem prejulgamentos e não diretiva. Favorecendo um clima de confiança e respeito que permita expressões espontâneas, ainda que identificando o agressor, entender o tempo de cada criança, com cuidados sociais, psicológicos e médicos, minimizando o freqüente sentimento de culpa e estado confusional.

A revelação é um momento crucial, que deve ser visto com cuidado pra não se tornar um risco e um trauma suplementar dado sua importância. Toda abordagem terapêutica deve considerar a natureza de seu contexto, principalmente onde crescem, qualidade dos vínculos familiares, buscando manobras terapêuticas positivas e adequadas, compreendendo sua dinâmica, visto que estes profundos sofrimentos favorecem a desestruturação familiar que se sente ameaçada por diversos fatores.

Desta forma o profissional psicólogo juntamente com a equipe profissional trabalha na direção do reequilíbrio e funcionalidade do sistema familiar, cabendo sobretudo a este profissional, parafaseando a psicanalista Luana Alves Maes ter a tarefa de não interpretar.

Ao discorrer sobre atendimento em grupo a crianças, adolescentes e famílias em situação de violência doméstica, Veloso apud Silva e Veloso (2007) procurou embasar seu trabalho em duas vertentes: uma introdução histórica com os pontos mais importantes sobre as escolas de psicoterapia de grupo e diante desses pontos sugerir as bases para que se efetue um trabalho de grupo nesta área de violência doméstica.

A autora reconhece o médico J. Pratts (1906) como pioneiro em psicoterapia de grupo, utilizando o que a autora denomina de emoções coletivas com a finalidade terapêutica. Já Marsh (1909 e 1912) trabalhava com grupos grandes de 200 a 400 pessoas, internos de um hospital psiquiátrico que eram denominados de pacientes "psiconeuróticos", o enfoque usado por Marsh era o de proporcionar aos participantes atividades como canto, música e aulas com a intenção de integrar corpo, mente e emoções para auxiliar nos atendimentos individuais. Em 1931, Moreno inventa a denominação "psicoterapia de grupo", trabalho esse desenvolvido por ele focado na "catarse" e no psicodrama. Já L. Wender, também na década de 30, o grupo seria uma espécie de reprodução da dinâmica familiar possibilitando para ele "os pacientes a liberar certos conflitos, a reorganizar parcialmente sua personalidade e a aumentar a capacidade de ajustamento social". (p. 74). Para a autora, a partir dos anos 40, Kurt Lewin trouxe a psicoterapia de grupo um caráter científico através de seus trabalhos experimentais. Também são consideradas importantes as seguintes práticas: "grupo de encontro" de Rogers; a Gestalt-terapia e as bioenergia. Não podendo deixar de citar Pichon-Rivière com os Grupos Operativos. Xavier aponta que, nos dias atuais, existem três influências originais em todo trabalho grupal, que seriam, a microssociologia de K. Lewin, a psicanálise e o psicodrama.

Atualmente toda atividade grupal pode ser consideradas de dois tipos (Zimerman, 1977, apud Xavier): grupos operativos e grupos terapêuticos. Os grupos operativos não têm finalidade terapêutica explícita e sim visam alcançar um objetivo, realizar uma tarefa. Já os grupos terapêuticos têm finalidade trabalhar terapeuticamente seus indivíduos, podendo ser divididos em dois estilos: grupos psicoterápicos direcionados ao "insight\" e grupos de autoajuda, apoio e/ou suporte.

A autora aponta a importância da teoria geral dos sistemas como a teoria que possibilita o entendimento da família como um sistema de interação e que deve se constituir como base para quaisquer trabalhos com famílias, possibilitando perceber que dinâmicas existem na família que origina e mantém a violência doméstica.

Furniss apud Xavier aponta para a necessidade primária, ao se constituir um grupo de atendimento a crianças, que se constitua a possibilidade de comunicação de acordo com a maturidade dessas crianças para que se possa cumprir o que ele chama de objetivos do trabalho de grupos para crianças vítimas de abuso e violência doméstica: proporcionar a criança uma forma de comunicar o abuso; ensino sobre desenvolvimento sexual de forma adequada; trabalhar a auto-estima; trabalhar com as crianças a percepção da possibilidade de escolhas na vida e a reação diante dos sentimentos de desamparo e vítimização que elas experenciaram com os abusos.

A autora aponta ainda alguns pontos fundamentais para o trabalho com crianças e famílias vítimas da violência doméstica, citados por Furniss, como os terapeutas exercerem tanto os papéis masculinos quanto os femininos de forma a proporcionar à criança a vivência com figuras que possam estabelecer relações de confiança e não abusivas, oferecendo um "modelo parental" diverso daquele a que a criança foi exposta. É importante também proporcionar à criança a distinção da responsabilidade do abusador face os sentimentos naturais de vergonha, culpa e responsabilidade que pode ser desenvolvido pela criança. a autora ressalta que as orientações dadas podem ser utilizadas também para atendimento aos adolescentes.

São apresentadas sugestões para que os profissionais que se interessem em trabalhar em grupos com essa temática: refletir e organizar qual equipe irá trabalhar, bem como, quem irá coordenar o trabalho; pensar em quem vai atender, estabelecer requisitos de participação nos grupos; refletir sobre a missão da instituição que irá realizar o trabalho; definir objetivos do trabalho; definir e refletir sobre a base teórica-prática que vai acontecer o trabalho; pensar no funcionamento do grupo no que concerne a organização espacial e temporal dos encontros; trabalhar a postura que o coordenador vai adotar.


A autora aponta que mesmo diante dessas sugestões o importante é que os profissionais tenham em mente a atenção, a criatividade, a seriedade e adotar uma postura de abertura frente a possibilidades de trabalho nesta área e inovações.

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