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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.2 São Paulo nov. 2009

 

 

ARTIGOS

 

Um diálogo sobre o conceito de self entre a abordagem centrada na pessoa e psicologia narrativa

 

An dialogue about the concept of self between person centered approach and narrative psychology

 

 

Camila Moreira Maia1; Idilva Maria Pires GermanoII;2 ; James Ferreira Moura Jr3

II Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estabelecer um diálogo entre a Abordagem Centrada na Pessoa e algumas perspectivas em Psicologia Narrativa, enfatizando suas raízes epistemológicas e suas considerações acerca do conceito de self. Assim, primeiramente, apresenta-se um breve esboço de cada perspectiva e, em seguida, delineiam-se considerações acerca dessa tentativa de diálogo, explorando as convergências e as divergências entre as teorias.

Palavras-chave: conceito de self, Abordagem Centrada na Pessoa, Psicologia Narrativa.


ABSTRACT

This paper aims at establishing a dialogue between Person Centered Approach and a few perspectives in Narrative Psychology, focusing their epistemological roots and their formulations on the concept of self. First a brief sketch of each perspective is presented and later some considerations are made about this tentative dialogue that explores the points of agreement and disagreement between these theories.

Keywords: concept of self, Narrative Psychology, Person Centered Approach.


 

 

INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 70 e 80, desenvolveu-se, no âmbito das ciências humanas, uma revolução epistemológica, como resultado de profundas transformações econômicas, políticas e culturais – entre estas, as crescentes inovações tecnológicas – iniciadas na segunda metade do século XX. Esse período representou um movimento paulatino de ênfase na linguagem no estudo dos fenômenos humanos. Essa onda de mudanças começou a ser disseminada, através da lingüística e da filosofia, para outras ciências humanas como a sociologia e a psicologia. A partir disso, as concepções modernas de realidade entraram em crise pelo fato de não mais satisfazerem as necessidades da sociedade que se construía. Começaram-se a se perceber as limitações que a ciência tradicional possuía. As idéias de controle, previsibilidade, causalidade e a pretensão de se desvendar as leis que regem os fenômenos da natureza através do método científico foram postas em cheque.

Como todas as ciências desenvolvidas durante o século XX, a psicologia adotava esse modelo paradigmático de funcionamento. Acreditava-se ser possível determinar leis universais a respeito da subjetividade humana, seja atribuindo a causa dos fenômenos subjetivos a processos internos aos indivíduos, seja às influências do meio externo. As correntes psicológicas tradicionais sempre se deparavam com esta dicotomia interno – externo cuja resolução nunca era atingida.

Com a virada narrativa, ocorrida no final do século XX, este problema da dicotomia pôde ser resolvido ao ser dado à linguagem um papel fundamental no entendimento da subjetividade. Ao se afirmar que a realidade (incluindo os fenômenos humanos) só pode ser atingida através dos modos como falamos sobre ela, desconstruiu-se a crença de que existe um mundo interno e um mundo externo e que a linguagem é mera representação destas instâncias. A partir disso, coloca-se o foco nas formas de produção de significados sobre o mundo. Visto que esta produção só se dá a partir de relações sociais contextualizadas num tempo e num espaço, não há como conceber a idéia da existência de verdades universais. Em contrapartida à metáfora da máquina, adotada por uma ciência cognitiva e positivista, criou-se a metáfora da narrativa, para dar conta do mundo psíquico. A metáfora da narrativa evoca um mundo contextualizado, situado em coordenadas temporais e espaciais, onde agentes interagem e buscam realizar suas metas e, nesse caminho, cooperam e entram em conflito, podendo ser bem-sucedidos ou fracassar.

Dessa forma, começou-se a criticar teorias que afirmassem a existência de essências e de regularidades naturais, já que, para essa nova perspectiva que surgia, a realidade é, sobretudo, discursiva, ou seja, existe a partir dos usos lingüísticos que objetivem defini-la. Assim, abordagens psicológicas que defendiam um modelo de psicoterapia considerado "essencialista", como as teorias humanistas, foram postas em descrédito. A Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl Rogers, por ser assim classificada, foi criticada por alguns dos autores que postularam esta virada narrativa, como Kenneth Gergen, por exemplo.

No entanto, ao analisar as considerações da Psicologia Narrativa a respeito do conceito de self e compará-las ao que Rogers e seus colaboradores formularam sobre isso, podem-se perceber aproximações em alguns pontos, guardando as devidas divergências epistemológicas e históricas no que diz respeito às construções das duas abordagens. É a partir destas reflexões que surge o presente trabalho.

 

ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

A Abordagem Centrada na Pessoa é produto da significativa experiência clínica e acadêmica de Carl Rogers. Este autor foi importante, segundo Hall, Lindzey e Campbell (2000), para a consolidação da Psicologia Humanista e para o desenvolvimento do conceito Um diálogo sobre o conceito de self entre a abordagem centrada na pessoa e a psicologia narrativa de self, além de gerar contribuições para área escolar, clínica, organizacional e social. Seus trabalhos abrangeram questões vinculadas à psicoterapia, à dinâmica dos relacionamentos interpessoais e aos aspectos do funcionamento da personalidade ( ROGERS, WOOD, 1978).

Antes de qualquer explanação da teoria rogeriana é necessário discorremos a respeito de um dos seus conceitos fundamentais, a partir do qual praticamente toda a teoria se desenvolve. Trata-se do conceito de tendência atualizante segundo o qual "todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver as suas potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu enriquecimento." (ROGERS, 1977, p. 159). O caminho que leva a este desenvolvimento é indicado pela experiência organísmica deste indivíduo, pelas reações de um todo organizado que, segundo Rogers, são dignas de confiança. Essas reações, por sua vez, são inerentes a cada momento, de forma que ocorrem no fluxo do tempo e não, de forma estagnada. É como se o objetivo da tendência atualizante fosse a contínua superação dos estados atuais dos indivíduos em direção à atualização de suas potencialidades.

É necessário dizer que, apesar de considerar a tendência atualizante como uma bagagem natural do indivíduo, não sendo, assim, fruto de aprendizagens, a forma de sua manifestação é atravessada pelas influências contextuais. "O exercício desta capacidade requer um contexto de relações humanas positivas, favoráveis à conservação e à valorização do ‘eu', isto é, requer relações desprovidas de ameaça ou de desafio à concepção que o sujeito faz de si mesmo." (ROGERS, 1977, p. 40). Além disso, esses caminhos que os indivíduos são habilitados a traçar não possuem um caráter universal e, sim, de ordem fenomenológica, ou seja, eles se dão a partir da percepção do sujeito a respeito do que este considera a melhor maneira de agir em determinado momento.

A partir do entendimento do conceito de tendência atualizante, pode-se partir para a explicação da concepção de self desenvolvida por Rogers. Partiremos de sua teoria da personalidade, para falar como a noção de eu se forja no desenvolvimento infantil. Nos primeiros anos de vida, a realidade para os indivíduos se resume à sua experiência que é acompanhada por um processo avaliativo do mundo nos seguintes critérios: o que se percebe sensorialmente como algo agradável é atribuído um valor positivo4 e o que não é percebido como agradável, o contrário. Rogers chamou esse processo de "avaliação organísmica", quando o indivíduo guia a sua ação a partir de como experiência (vive, experimenta) o mundo no aqui e agora. Por ocasião da interação entre o indivíduo e o contexto em que vive, uma parcela desta experiência se desdobra em "experiência de si", fazendo com que este, então, crie uma "noção de eu", a partir da qual, também irá guiar suas ações. Mais uma vez, é importante ressaltar que esta experiência de si não quer dizer a experiência de algo essencial existente dentro do indivíduo. Todas as noções que este adquire fazem parte do seu mundo fenomenológico, de forma que "não se trata tanto do ‘eu', tal como existe em realidade, mas do ‘eu' tal como é percebido pelo indivíduo" (ROGERS, 1977, p. 43).

Então, o conceito de self, também chamado de autoconceito e de noção de eu, é a percepção de si e da realidade pela própria pessoa (ROGERS, 1992; ROGERS e KINGET, 1977).

[...] é uma estrutura, isto é, um conjunto organizado e mutável de percepções relativas ao próprio indivíduo. Como exemplo dessas percepções citemos: as características, atributos, qualidades e defeitos, capacidades e limites, valores e relações que o indivíduo reconhece como descritivos de si mesmo e que percebe constituindo sua identidade. Esta estrutura perceptual faz parte, evidentemente – e parte central – da estrutura perceptual total que engloba todas as experiências do indivíduo em cada momento de sua existência. (ROGERS e KINGET, 1977, p. 44)

Assim, o self rogeriano pode ser encarado como uma condição consciente e reflexiva de si, que possui e fornece significados com os quais a pessoa identifica-se e a partir dos quais percebe a realidade. Observa-se também que o conceito de self faz parte de uma estrutura mais abrangente representada pelo organismo.

Segundo Rogers (1992, 2001) e Rogers e Kinget (1977), o conceito de organismo é central nessa teoria e é encarado como a base de todas as experiências, sendo orientador de ações e de atitudes. O organismo configura-se numa instância genuína e verdadeira de onde se pode avaliar o que ocorre à pessoa. O organismo tem uma influência singular na forma como a pessoa concebe a si e a sua realidade, ou seja, na maneira como constitui seu self. A dinâmica psíquica é fundamentada numa intuição orgânica, ou seja, "o organismo comportase mediante uma realidade subjetiva (experiencial) percebida, e não mediante condições externas de estimulação" (BRANCO, 2008, p. 74).

Assim, as experiências seriam tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, estando potencialmente disponíveis à consciência. Esta se refere à simbolização, ou seja, uma representação, não necessariamente verbal, de uma experiência vivida. A totalidade das experiências constitui o campo fenomenal que seria a estrutura de referência da pessoa, ou seja, o modo como ela capta a realidade de uma forma global, abarcando fenômenos que estão conscientes e não conscientes. (ROGERS e KINGET, 1977; ROGERS, 1992).

Esse campo fenomênico, portanto, difere da consciência, pois esta se relaciona com as simbolizações das experiências. A consciência estaria mais ligada ao self, pois este se refere a significados conscientes que a pessoa seleciona para identificá-la. Entretanto, os dois, tanto esse campo, como a consciência, são estruturados a partir dos significados que são aprendidos pela pessoa no curso da ação, demonstrando, assim, o matiz pragmático do self rogeriano. Além disso, como dito anteriormente, o organismo é portador de uma tendência inata para o constante desenvolvimento de suas capacidades e de suas habilidades rumo a uma maior integração e a um maior desenvolvimento, sendo que essa disposição atua de uma forma mais efetiva quando o conceito de self converge com as necessidades básicas desse organismo.

Isso acontece, porque essa direção básica, segundo Rogers e Kinget (1977) e Rogers (1992), divide-se em duas trajetórias. Há as tendências atualizantes do organismo e do self. Quando acontece a convergência entre eles, elas atuam de uma forma mais abrangente e enriquecedora tanto para o self, como para o organismo. Entretanto, o inverso disso acarreta o conflito, pois a tendência atualizante do organismo está agindo de forma contrária a do self. Este possui, neste caso, significados que não estão próximos das significações baseadas em avaliações organísmicas, pois foram construídos levando em conta prioritariamente influências de outras pessoas.

É como se a fluência do "eu" só ocorresse se algumas condições estiverem presentes no seu contexto de vida, de forma que alguns acontecimentos e relações estabelecidas pelos indivíduos podem cristalizar a noção que eles têm de si mesmos. Assim, essa noção de eu pode ou não ser confirmada a partir das relações sociais que o sujeito estabelece ao longo da vida. Se esta confirmação existir, a tendência atualizante atuará no sentido de fornecer energia para aquela direção para a qual a noção de eu está apontando. Caso contrário, cria-se a sensação de que a noção do eu possui lacunas, que tem características ambíguas, de forma que não apresenta um caminho claro a seguir, fazendo com que a tendência atualizante atue no sentido de velar essas ambigüidades, levando o indivíduo a frustrações, a fracassos, enfim, a uma forma de existência marcada por um mal-estar.

Percebe-se, então, que o indivíduo possui uma necessidade de consideração positiva, ou seja, é preciso que sua noção de eu seja confirmada para que este siga o rumo de sua tendência atualizante. Essa consideração positiva localizada externamente ao indivíduo, aos poucos, vai se tornando consideração positiva de si, isto é, à medida que o sujeito vai tendo sua noção de eu aceita, ele vai, cada vez mais, aceitando-se a si próprio de forma a seguir o seu curso de auto-atualização. No entanto, caso isto não ocorra, haverá uma negação desta experiência de si em favor de formas de existência mais aceitas socialmente ou por pessoas critério 5.

Isso acontece, porque o ser humano também necessita dos relacionamentos interpessoais para construir seu self. O problema encontra-se quando esses relacionamentos estão baseados em uma postura impositiva em que as pessoas ditam para as outras quais seriam os caminhos adequados e corretos para se viver. O self é, então, estabelecido por significados não construídos em uma base integralmente organísmica. Há uma tentativa de preservá-los para a manutenção da estabilidade, da coerência e da unidade do self em contraponto com as influências organísmicas. A pessoa, então, passa a construir seus significados a partir de contribuições distantes da referência organísmica, impedindo sua constante atualização e realização.

Observa-se, também, uma comunhão entre o conceito de self rogeriano com outras vertentes da Psicologia Humanista sobre a visão holística e positiva do ser humano como portador de um potencial de desenvolvimento criativo e saudável. (HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2000).

Há também uma aproximação dessas contribuições relativas à teoria organísmica de Goldstein e nos preceitos de Maslow que percebem a pessoa como portadora de um organismo unificado com uma tendência constante a auto-atualização ou a auto-realização. Percebem-se, então, considerações que se baseiam na supremacia do organismo frente aos aspectos culturais e sociais na fundamentação da self. Afirma-se que, a partir do organismo, pode-se observar se aspectos culturais e sociais seriam negativos ou positivos para o bemestar das pessoas e para a constituição do self. Fundamenta-se, assim, o organismo como critério de validação de um ambiente e dos significados que constituem o self (HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2000). Apesar dessa ênfase organísmica, há a evidência da 2 Pessoas significativas na vida do indivíduo das quais este depende de alguma forma, seja em relação a aspectos econômicos, afetivos, de poder e etc.. centralidade do significado na constituição da subjetividade para o desenvolvimento da self (ROGERS e KINGET, 1977; FRICK, 1975).

 

PSICOLOGIA NARRATIVA

O advento da Psicologia Narrativa aconteceu na esteira das reformulações trazidas pelo retorno da linguagem como temática central da ciência psicológica na década de oitenta do século XX, passando a ser encarada como elemento fundamental no processo de construção dos significados pelos seres humanos (BRUNER, 1997a; HARRÉ, GILLET, 1997; GONÇALVES, 1998; MURRAY, 2008). As verdades universais e objetivas entraram em crise após a Segunda Revolução Cognitiva. Dessa forma, concepções românticas e modernas a respeito do self passaram a não fazer mais sentido, já que a tentativa de se alcançar uma compreensão precisa a respeito da realidade foi posta sob suspeita. Essa descrença estendeu-se a qualquer concepção universalista de "eu" ou de personalidade, seja a de que somos dotados de profundas paixões, estados interiores autênticos e de uma inspiração criadora, seja a idéia de que o ser humano é fundamentalmente guiado pela razão, buscando ordem, estabilidade e controle. O funcionamento social passou a ser de tal forma múltiplo e dinâmico que a gama das possibilidades de que as pessoas dispõem aumentou significativamente. Assim diz Gergen (1997):

Apresentamo-nos aos demais como identidades singulares, unitárias, íntegras; mas com a saturação social, cada um de nós abriga uma vasta população de possibilidades ocultas: ser um cantor de blues, uma cigana, um aristocrata, um criminoso. Todos estes eus permanecem latentes e em condições adequadas surgirão para a vida (p. 103).

As tecnologias de saturação social, como a televisão, a internet, por exemplo, multiplicaram as relações de forma quantitativa e qualitativa. Fizeram com que houvesse uma colonização do eu por diversas "formas de ser" desenvolvidas por intermédio dessas inúmeras trocas sociais. É como se os indivíduos passassem a ser povoados por diversos substitutos das relações sociais que travam no seu cotidiano, seja nas interações face a face, seja com os diversos meios de comunicação. Essas vozes vestigiais estão, constantemente, negociando uma forma de ser mais adequada socialmente, através de um diálogo interno. Ao contrário do que se pode pensar, elas não são congruentes e unívocas. "Cada voz autorizada se alça para desacreditar a todas as que não cumprem com seus requisitos." (GERGEN, 1997, p. 110). O que irá determinar a escolha por um desses substitutos é a própria relação social e o contexto em que ela se dá.

Como foi dito, a linguagem nesta perspectiva pós-moderna, não é algo que representa o mundo interno dos sujeitos, mas, sim, é a base constitutiva deste. Se a linguagem é construída e transformada num contexto relacional, essa subjetividade assim também o é. Dessa forma, só podemos falar quem somos utilizando os códigos lingüísticos de que dispomos em nossa cultura. Inclusive pode-se dizer que até para ser um "eu" se é pelo fato de existir em nossa língua esta palavra que designa aquele que fala em determinado discurso. Da mesma forma, falamos de emoções, atitudes e intenções utilizando-nos dos termos que a cultura dispõe.

Assim, determinados estudos em Psicologia passaram a focalizar como as pessoas elaboravam os significados acerca de si e de sua realidade de forma localizada, evidenciando, então, o contextualismo como a cosmovisão predominante. Ou seja, compreende-se, assim, a realidade como constituída de uma tessitura de eventos interligados, com a presença de múltiplos agentes engajados em satisfazer suas intenções e suas necessidades, imersos em um sistema cultural constituído de obrigações e de regras. Subjacente ao contextualismo, reconhecia-se que os atos históricos são os motores desse processo de construção do significado e que a narrativa pode ser encarada como a base desse processo e também como princípio organizador da experiência humana (BRUNER, 1997a; SARBIN, 1986).

Os estudos de Psicologia Narrativa, associados de modo geral ao "giro lingüístico" e "discursivo", caracterizam-se por focalizar o papel fundamental da narrativa na organização da experiência humana (SARBIN, 1986). Nesses estudos, a narrativa funciona como metáfora fundamental (root-metaphor) da psicologia, espécie de modelo epistemológico para se compreender o campo do significado humano. Tal metáfora remete a um mundo de atores, ações, estados intencionais, cenários e metas, todos interconectados numa intriga de forma que o sentido dos episódios só pode ser compreendido em termos da totalidade da história. A narrativa não somente tem sua importância devido ao seu papel na organização da experiência temporal humana, mas também está estreitamente ligada à estruturação do sistema cultural, funcionando como uma ferramenta de negociação e organização de significados compartilhados em uma cultura (BRUNER, 1997 a; HARRÉ e GILLET, 1999). O senso de continuidade e singularidade experimentado por indivíduos e coletividades – quem sou eu e quem somos nós – é artefato construído discursivamente, especialmente mediante a fabricação, a circulação, a recepção e o uso de narrativas.

O princípio narrativo, então, é constituinte da forma como o ser humano pensa, percebe, age, sente e faz escolhas morais. Os eventos ganham sentido através de uma seqüência temporal, isto é, de sua disposição num enredo que os conecte de forma coerente e estável. Percebe-se, assim, a tentativa humana de organizar o fluxo de ações, de experiências e de eventos em uma estrutura narrativa, com fins de estabelecimento de certa ordem e estabilidade. Além disso, é inerente à estruturação narrativa o endereçamento a alguém – concreto ou imaginário – que evidencia, dessa forma, seu aspectos relacionais e pragmáticos (BRUNER, 1997a; BRUNER, 1997b; CARR, 1986, 2001; SARBIN, 1986).

Assim, para a Psicologia Narrativa, de modo geral, o self é constituído por meio de histórias, cuja composição depende de uma matriz sócio-cultural e de contextos relacionais localizados no tempo e no espaço (BRUNER, 1997a, 1997b; CARR, 1986, 2001; CROSSLEY, 2000; HARRÉ, 1998, MCADAMS, 2001, 2006). Entretanto, apesar dessas concepções abrangentes, a teorização psicossocial sobre os discursos e as narrativas não é unívoca, apresentando uma teia de perspectivas contrastantes, principalmente, quando se debruça sobre as principais características de constituição desse self. Para fins deste trabalho, alguns autores da Psicologia Narrativa foram selecionados para construção deste trabalho, como Bruner, Crossley, Gergen, Harré, Gillet e McAdams.

McAdams (apud Smith e Sparkes, 2008), valendo-se de Erick Erikson e William James, formula o self de duas formas: como o senso subjetivo de quem sou "Eu" ("I"), o autor que reflete em um determinado momento no presente, e como o senso objetivo de um "mim" ("me"), como objeto que é pensado pelo "Eu". Portanto, o "Eu" como self seria o processo experiencial no presente imediato, enquanto o "mim" como self seria o produto da capacidade reflexiva através da atribuição de valores e características.

Já Harré (1998) assinala, em termos didáticos, que a pessoa é formada por três âmbitos relacionados ao self: o self 1 que seria o ponto vista único e reflexivo do indivíduo em um determinado espaço e tempo e relacionado a uma postura de agente; o self 2 que seria o conjunto de atributos, que podem ser permanentes, contrastantes e efêmeros, referentes à percepção que a pessoa tem de si; e self 3 que seriam as características vistas por outras pessoas que fazem referência a este indivíduo. Assim, o autor tenta acabar com a dualidade apresentada nas teorias sobre a natureza do self em que se concebe o self ora como conjunto de atributos, ora como o centro da experiência e da ação.

Harré e Gillet (1999) falam das "origens discursivas do senso de self". Eles defendem que as ciências psicológicas devem se preocupar, sobretudo, com o "senso de individualidade sem o qual a apresentação discursiva de crenças sobre si mesmo não teria âncora e não teria sobre o que se tratar." (HARRÉ e GILLET, 1999, p. 91). Eles argumentam que, se a pesquisa psicológica for pautada naquilo que o investigador tenta descobrir sobre determinado sujeito, de forma empírica, o risco de se incorrer em erros é muito maior do que se o foco fosse naquilo que o sujeito acha de si mesmo. É neste sentido, então, que eles tentam apresentar um modelo de self baseado nos meios que as pessoas empregam para se apresentarem como únicas, de forma discursiva. Afirmam que um indivíduo não experiencia a si mesmo como uma entidade e, sim, como ocupando uma posição da qual percebe, age e sofre influências. Essa posição é determinada por quatro coordenadas: a localização espacial, a localização temporal, a localização social e a responsabilidade como agente.

Para que um sujeito se perceba com um ser individual, ele tem um senso de estar ocupando determinado local do espaço, ou seja, ele se percebe a partir de um ponto de vista; ele tem uma sensação de continuidade no tempo, isto é, tem a impressão de que possui uma trajetória e que esta o determina de alguma forma no tempo presente, da mesma forma que ele se projeta no futuro; esse indivíduo também ocupa uma posição social, ele é filho, pai, aluno de determinada escola, tem determinada nacionalidade, etc.; e, por fim, reconhece que tem a capacidade de agir no mundo, em relação com as outras pessoas e obedecendo ou não determinada moral compartilhada socialmente. Todos esses sensos de localização são exibidos discursivamente por intermédio do uso de indexadores6 como os pronomes, por exemplo.

Ao utilizar a palavra "eu" como indexador, aquele que fala assume a responsabilidade pelo que foi dito; é como se, ao utilizá-lo, o indivíduo pedisse implicitamente para que acreditassem naquilo que ele está dizendo. No entanto, para compreendermos determinada vocalização como um "ato de fala", ou seja, como tendo algum resultado social, precisamos conhecer o contexto em que esta fala é produzida. Por exemplo, ao considerarmos uma afirmação qualquer como: "Eu vi a Muralha da China da Lua", podemos analisá-la a partir da idéia das várias posições. Pode-se imaginar, inicialmente, que, 3 Segundo Harré e Gillet (1999), expressões indexadoras são aquelas que indexam o conteúdo ou força social de uma vocalização à localização espacial, temporal, moral e social de um indivíduo da localização espacial e temporal em que se encontra a pessoa que faz essa proposição, é possível visualizar, empiricamente, a muralha. No entanto, não podemos tomar isso como verdade antes de verificarmos de que posição social e moral esta pessoa fala. Dependendo de como consideram moralmente essa pessoa e de que papel social ela desempenha, essa afirmação pode ser digna ou não de confiança. Portanto, o pronome "eu" é o recurso lingüístico através do qual um indivíduo exprime seu autoconceito; ele funciona como um ponto de intersecção entre diversas coordenadas:

Meu senso de self, de minha individualidade, é em parte meu senso de experienciar o mundo a partir de uma localização única no espaço, a localização de meu corpo. Ele é também, em parte, meu senso de agir em relação ao mundo naquele local, mas também em relação a outras pessoas. Minha posição moral também é implicada em meu senso de minha própria agência. Ela é um componente essencial do meu senso de self, e manifesta-se no papel do pronome na medida em que apresenta o falante como um self. (HARRÈ e GILLET, 1999, p. 93).

Dessa forma, percebe-se que o self assume determinadas características devido à posição em que a pessoa se coloca em relação a um interlocutor e a uma cultura, à posição em que porta um conjunto de deveres, de direitos e de obrigações. Tal posição estaria vinculada à forma como seu próprio conceito de self estaria estruturado e como os outros indivíduos o percebem. (HARRÉ, GILLET, 1999; HARRÉ, 1998). Há a assunção de determinadas aspectos do self dependendo dos propósitos pessoais e da forma como as outras pessoas percebem o indivíduo.

A partir dessa concepção, haveria a coexistência de uma multiplicidade de selves. Ou seja, existiriam várias formas de representação desse self como objeto ou sujeito. O indivíduo poderia atuar no presente imediato de certa forma e, concomitantemente, perceberse, por exemplo, como self-estudante, self-irmão, self-profissional, selfnamorado e selfjogador de futebol, por exemplo. Isso somente acontece pelo fato do ser humano possuir uma capacidade integrativa que permitiria a coexistência desses vários selves em uma mesma narrativa (MCADAMS, 2001).

Essa integração dá-se de maneira narrativa quando o self sujeito (como "Eu"), começa a configurar através da capacidade integrativa do self os vários selves objetos (os "mins") em uma narrativa de vida que consiga integrar a coexistência deles de forma unitária e com um propósito para a própria pessoa e para sua audiência. Essa capacidade ocorreria no fim da adolescência e início da vida adulta. Tal narrativa seria uma configuração integrativa do self a partir do amadurecimento de certas capacidade cognitivas, como a possibilidade de a pessoa fazer abstrações mediante o pensamento hipotético-dedutivo, e do surgimento de novas imposições que certas sociedades lançam ao adolescente e ao adulto para que eles assumam maiores responsabilidades sobre suas vidas.

Entretanto, essa narrativa somente confere significado à existência do indivíduo quando incorpora o tempo e a seqüencialidade das experiências. As pessoas, então, internalizam e revisam as várias histórias de seus selves, formando uma narrativa integrativa que é a base de entendimento dessa pessoa. Através dela, o ser humano percebe-se como tendo unidade, coerência e propósito em suas ações apesar da existência de suposições pessoais contrastantes. (CARR, 1986; CROSSLEY, 2001; MCADAMS, 2001, 2006).

Assim, as pessoas precisam constantemente narrar-se para si e para outras para obter essa unidade devido à orientação prática do ser humano no mundo. As pessoas precisam, cotidianamente, conferir às suas vidas algum sentido e senso de conexão. Afirma-se também que essa capacidade de obtenção de coerência através de conexões inteligíveis entre passado, presente e antecipação do futuro estaria ligada ao bem estar psicológico do indivíduo. Segundo McAdams (2001), a auto-narração torna-se ainda mais relevante no contexto da sociedade ocidental moderna, quando, no início da vida adulta, geralmente se exige que o jovem "defina-se" e modele-se de forma relativamente estável para sua atuação em sociedade. Portanto, o ser humano somente é cognoscível a partir de sua imersão em algum tipo de cultura. É central o papel dos significados compartilhados na cultura para a constituição do self. É partir da sua interação com outros e nos sistemas simbólicos da cultura que a pessoa consegue alcançar as funções psicológicas superiores.

 

UMA TENTATIVA DE DIÁLOGO ENTRE ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA E PSICOLOGIA NARRATIVA ACERCA DO CONCEITO DE SELF

Ao longo deste trabalho, buscou-se realizar uma exposição das formulações sobre o conceito de self pela Abordagem Centrada na Pessoa e pela Psicologia Narrativa. Salientase como frutífera a construção desse panorama de ambas as tradições no que se refere à problemática da constituição do self. Embora cada abordagem apresente diferentes ênfases no tratamento do conceito de self – as contribuições rogerianas, com sua focalização nos imperativos organísmicos e a Psicologia Narrativa, sublinhando a construção social e culturalmente situada do "eu" – é possível integrar formulações dos dois campos, a partir do exame cuidadoso de suas contribuições.

Tal exame leva a enxergar um conjunto de convergências nem sempre observáveis quando separamos categoricamente uma abordagem humanista-existencial versus uma abordagem construtivista associada ao giro lingüístico. De fato nos parece que ambas estão alicerçadas em bases pragmáticas e interacionistas, pois observa-se a importância dos significados do self vinculados ao seu uso. Além disso, tanto o self narrativo (proposto pelas vertentes psicossociais e intersubjetivistas dos estudos narrativistas), quanto o self rogeriano focalizam a centralidade da experiência e as pessoas como agentes conscientes e autoreflexivos.

Entretanto, observou-se que as considerações rogerianas ainda apresentavam lacunas referentes às contribuições do sistema cultural na constituição do self, apesar de assinalar que a cultura é importante no desenvolvimento do self. Assim, esses espaços vazios do self rogeriano são evidenciados pelo self narrativo, bem representada, por exemplo, pela Psicologia Cultural de Jerome Bruner e pelos estudos de Rom Harré e de outros autores influenciados pelo interacionismo simbólico, entre outras tradições que frisam o mundo e o self como "construção".

Parece-nos que, a partir desse diálogo entre ACP e Psicologia Narrativa, o self poderia ser sintetizado da maneira formulada por Harré (1998), quando estrutura o self de uma forma que privilegie as capacidades reflexivas da pessoa no momento presente, como o centro da criação dos significados da experiência. No entanto, o autor também afirma que o self é constituído dos atributos que a própria pessoa identifica em si mesma, como também aqueles fornecidos pelas outras pessoas. Assim o self ganha características relacionais, distributivas e intencionais, como já evidenciadas nas considerações rogerianas e narrativistas.

Observou-se como principal convergência, a centralidade conferida ao significado na constituição do self em ambas as teorias, pois é a partir do significado que há estruturação, desestruturação e ressignificação desse self. Esta afirmação é óbvia em relação à Psicologia Narrativa, mas, na Abordagem Centrada na Pessoa, poderia soar incongruente com seus preceitos organísmicos, que tratam da experiência pré-conceitual e corpórea. No entanto, Rogers e Kinget (1977) e Frick (1975) afirmam que o significado é imprescindível para a emergência das capacidades reflexivas e, conseqüentemente, para consolidação do self. Gendlin (1961) também assinala que, apesar da ênfase dos preceitos rogerianos nessa base organísmica, o organismo está imerso na realidade simbólica, e os significados partilhados participam da estruturação do organismo.

Ainda sobre a constituição do self, Harré e Gillet (1999), ao falarem da causação social do agente discursivo, afirmam que os sujeitos constroem suas noções de si a partir da generalização de discursos que os outros empreendem sobre eles. Isso ocorre da seguinte forma. Uma criança, por exemplo, recebe a seguinte reprimenda da mãe, ao tirar nota baixa na escola: "Você ficará de castigo por ser um menino relapso". Ao ouvir tal afirmação, a criança generaliza o seguinte discurso: "Minha mãe diz que eu sou um menino relapso" no formato de: "Eu sou um menino relapso". O indivíduo passa, então, a ver-se desta forma e a se comportar como tal. Adota também o caráter pejorativo do termo, pelo fato de ter sido castigado.

De forma semelhante, Rogers afirma que a noção de eu se forma a partir dos relacionamentos dos indivíduos com suas pessoas critério, relações estas em que há a imposição de formas de ser de uma pessoa em relação à outra, num contexto em que esta outra depende da primeira de alguma forma, seja pelo aspecto econômico, afetivo ou de poder. Isto é, existem pessoas que são consideradas como parâmetro para outras, de forma que suas opiniões a respeito da experiência destas têm maior ou menor influência sobre elas de acordo com o grau de dependência que se estabelece dentro desta relação.

A partir dessa centralidade do significado, partilhada por ambas as tradições, segue-se o reconhecimento de que os seres humanos estão constantemente em busca de compreender e interpretar a realidade e a si-mesmo. Esse aspecto pode ser visto no próprio processo de constituição do self. Há um número significativo de autores que enfatiza a busca de sentido no apanhado teórico da Psicologia Narrativa, como Crossley (2001), Bruner (1997a, 1997b), Carr (1986), Harré (1998), McAdams (2000). Já na ACP, apesar de formulações menos abundantes neste sentido, podem-se inferir implicações semelhantes a partir do quadro conceptual da abordagem.

Pode-se, também, a nosso ver, aproximar as considerações do self rogeriano com o self narrativo, pois, a partir dos preceitos que o self rogeriano está fundamentado em aspectos relacionais, percebe-se que este self engloba as várias possibilidades de existência, como também os relacionamentos em que a pessoa estaria envolvida, ou seja, esse self seria visto como múltiplos selves.

Portanto, pode-se perceber que há interligações entre esses diferentes loci teóricos de uma forma singular. Inicia-se, assim, com as considerações rogerianas acerca do self trazendo a importância do organismo e da tendência atualizante como alicerce do processo de constituição desse self, ancorado numa posição científica fundacionalista. Há ainda uma evidência, como já discutido, da importância dos processos reflexivos, das relações interpessoais e da centralidade do significado na constituição da subjetividade para o desenvolvimento do self.

Essas considerações da ACP a tornam próximas das contribuições de Carr, de Crossley e de McAdams da Psicologia Narrativa, pois compartilham a ênfase em aspectos da interioridade humana, nos aspectos da cognição e da consciência, na centralidade do significado e na "agência" (autoria) do ser humano no que se refere à constituição do self. Observa-se que a relevância dos aspectos sociais nessa dinâmica são mais bem explicitados a partir das considerações de Bruner, de Harré, de Gillet e de Gergen, pois eles fundamentam de forma abrangente a influência da cultura no processo de constituição do self, desvencilhandose do excessivo primado do indivíduo assumido pela considerações rogerianas e de alguns autores da Psicologia Narrativa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do embate entre as teorias de base narrativa e de base fundacionalista e empiricista onde se situariam as formulações da ACP, podemos traçar algumas considerações importantes. As teorizações de alicerce narrativo defendem a idéia de que o conhecimento é construído através da negociação de sentidos forjados a partir das interações sociais situadas num contexto histórico-cultural. Dessa forma, buscam explicar as maneiras pelas quais as pessoas criam versões de mundo, através da articulação de formas compartilhadas de entendimento. Ou seja, o self estaria situado prioritariamente em bases relativas, lingüísticas e relacionais. Já as bases fundacionalistas e empiricistas concebem o conhecimento coordenado por leis naturais que devem ser descobertas pelo homem através de sua experiência. O conhecimento dependeria única e exclusivamente dos processos de funcionamento humano e estaria condicionada por tendências inatas para categorizar e organizar informações. Assim, se faz a construção do self rogeriano fundamentado em bases organísmicas que funcionam como critério de validade das experiências humanas.

No entanto, percebe-se que, a partir dessa tentativa de diálogo, o self rogeriano não estaria somente situado nessas bases organísmicas, mas fundamentado por aspectos relacionais, discursivos e históricos. Percebe-se, evidentemente, que as implicações da narrativa no self da ACP não são significativas. Observa-se a construção de um self rogeriano pautado por um conjunto de atributos que baseiam a construção de um autoconceito compartilhado pela própria pessoa e por uma comunidade e uma cultura. As explicações narrativas, então, restringem-se às considerações do self narrativo que evidenciam de forma significativa e coerente o entrelaçamento de experiências do passado, presente e futuro em um enredo, com a existência de personagens, de metas, de cenários e de obstáculos que constituem a forma como a pessoa é constituída. Verifica-se, assim, a construção de um embasamento teórico narrativo que possibilita a compreensão amplificada do ser humano em uma história de vida em que todos os elementos presentes são constituintes de sua existência.

Portanto, as considerações narrativas trariam à ACP a perspectiva de um maior entendimento dessa realidade humana, uma vez que as considerações sobre self rogeriano não têm se debruçado explicitamente sobre os processos de construção narrativa/discursiva envolvidos na organização e desorganização subjetiva, sublinhando explicações baseadas nas influências organísmicas. Por outro lado, as formulações da ACP sobre o self e suas bases organísmicas também podem contribuir para os estudos narrativistas do self, trazendo novos insights especialmente no que tange à crise desse self.

 

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Artigo recebido em 25 de setembro de 2009
Aceito para publicação em 5 de dezembro de 2009

 

 

1 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. e-mail: camilinha_mms@hotmail.com
2
Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará. e-mail: idilvapg@ufc.br
3Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. e-mail: jamesferreirajr@gmail.com
4Ao falar-se de positivo e negativo aqui, não se está querendo fazer juízos de valor a respeito do resultado das experiências dos indivíduos e, sim, tem-se o objetivo de indicar em que direção a conduta do indivíduo vai se orientar de forma funcional e pragmática
5 Pessoas significativas na vida do indivíduo das quais este depende de alguma forma, seja em relação a aspectos
econômicos, afetivos, de poder e etc..
6 Segundo Harré e Gillet (1999), expressões indexadoras são aquelas que indexam o conteúdo ou força social de uma vocalização à localização espacial, temporal, moral e social de um indivíduo

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