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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.2 São Paulo Nov. 2009

 

ARTIGOS

 

Sexo e afeto no escuro: vivências de homens não videntes

 

Sex and affection in the dark: experiences of male not seers

 

 

Max Alecsander Costa; Adelma Pimentel1

Universidade Federal de Pará

 

 


RESUMO

O presente estudo buscou compreender o aspecto da sexualidade masculina dos não videntes apartir da escuta e análise dos depoimentos cotejados aos conceitos gestálticos de fronteiras efunções de contato. Trata-se de pesquisa exploratória de base qualitativa fenomenológica. Osinformantes foram cinco homens entrevistados com perguntas abertas e roteiro semi-dirigido.O perfil foi de estudantes da escola estadual José Álvares de Azevedo, localizada em Belémdo Pará e credenciada para atender e proporcionar suporte psico-educacional às pessoasportadoras de deficiência visual, de ordem congênita e adquirida. Para análise do materialcoletado elaboramos 10 categorias relacionadas ao tema da pesquisa. Das dez, foramanalisadas sete. Entre os resultados, identificamos alguns pontos em comum entre essas falas,o que configura a intersubjetividade e no que tange às peculiaridades de cada um, observamosque a vivencia dos sentimentos, anseios e emoções são os elementos de diferenciação daexperiência.

Palavras-chave: sexualidade, não videntes, fronteira de contato, funções de contato.


ABSTRACT

This study sought to understand the aspect of male sexuality of not-seers from hearing thetestimonies and compared to those Gestalt concepts of borders and liaison functions. This isan exploratory research based qualitative phenomenological. The informants were five menwho were interviewed using open and semi-directed. The profile was high school studentsstatewide José Alvares de Azevedo, located in Belém and accredited to attend and providepsycho-educational support to people with visual impairments in order congenital andacquired. To analyze the collected material elaborated 10 categories related to the topic ofresearch. Of the ten, seven were analyzed. Among the results, we identified some commonground between these perspectives, what sets the intersubjectivity and with respect to thepeculiarities of each, we observed that the experiences of feelings, desires and emotions arethe elements of differentiation of experience.

Keywords: sexuality, not seers, contact boundary, contact functions.


 

 

INTRODUÇÃO

Este texto está construído em duas seções interligadas. Na primeira apresentamosa compreensão do tema e alguns autores com os quais dialogamos. Na segunda, a pesquisaexploratória realizada sobre a sexualidade de homens não videntes.

Não vidente é quem não enxerga por disfunção visual, congênita ou adquirida.Quanto à sexualidade, entendemos que seu estudo transcende as limitadas disputasconceituais que autores vinculados a correntes biológicas travam com autores vinculados aconcepções culturais e de gênero. Consideramos que a sexualidade é um campo polissêmicoque requer diálogo e estudos em ambas as dimensões. É com este posicionamento queconstruímos as reflexões deste texto que trata da sexualidade de homens não videntes.

Acerca da identidade masculina, ao longo da história, sobretudo no mundoocidental, esta foi construída sobre dois princípios fundamentais: não ser mulher e manifestarvirilidade. Sobre este ponto, Ceccarelli (1998) ao citar o polêmico trabalho de Weininger, nofinal do século XIX, o aponta como relevante historicamente, pois influenciou toda umageração ao levantar hipóteses avançadas para a época, buscando sintetizar, de forma ampla,um saber psico-biológico sobre o feminino e o masculino. Na obra de Weininger podemosdepreender que tornar-se mulher é muito mais fácil do que a aquisição da virilidade: estaúltima nunca é definitivamente adquirida, devendo ser constantemente (re)conquistada, sobpena de ver a feminilidade recuperar terreno (CECCARELLI, 1998).

Estas ponderações iniciais permitem ressaltar que o homem ocidental, ainda hoje,apresenta uma herança cultural pautada no patriarcalismo presente nas famílias nucleares e nasociedade mais ampla; o que contribui para que o mesmo, por vezes, não se dê conta daimportância de vivenciar a afetividade e a sua sexualidade fora do modelo heterossexual emque o pênis é o órgão vinculado ao prazer; bem como perceber que há um ônus psicológico quando para diferenciar-se das figuras materna e feminina sustenta a construção dos seusprocessos de subjetivação apenas na agressividade e na virilidade.

Via de regra, para que esse processo possa ser alcançado o homem vale-se muitasvezes dos sentidos, sobretudo o visual, para escolher a "caça" mais atraente com a qualpretende se relacionar afetiva e/ou sexualmente. A compreensão deste modo usual devalorizar o sentido da visão é o objeto deste texto. Através de pesquisa qualitativa eexploratória indagamos como os não videntes do sexo masculino vivenciam a sexualidade naausência do sentido visual? Será que a sexualidade deve estar sempre voltada para o sentidovisual?

Em nossos dias, a sexualidade está bastante vinculada aos aspectos publicitáriosque são veiculados pela mídia, em que se leva em consideração todo um conjunto de padrõesfísicos e estéticos a serviço das práticas hedônicas. Entretanto, paradoxalmente a este fato, asexualidade continua sendo um assunto delicado de ser tratado pelos indivíduos que compõemas sociedades ocidentais. Pois, ao mesmo tempo em que ela permeia o nosso imaginário,também nos suscita preconceitos, tabus, mitos e medos. Isso decorre de uma herança pautadana tradição judaico-cristã que nos legou uma visão dicotômica da mesma, ao concebê-la sobos prismas de pureza e impureza. Deste modo, a sexualidade "deveria" ser manifestadaexclusivamente no casamento e apenas para fins reprodutivos. Logo, quaisquer práticas quenão buscassem este fim eram/são condenadas.

Hoffman e Chagas consideram que "o conceito de sexualidade até o final doséculo passado estava estreitamente ligado aos aspectos da genitalidade, e sua expressãodeveria acontecer dentro do matrimônio, regulado por preceitos morais e religiosos" (1996,p.1). Contudo, diversos campos do conhecimento já se voltaram para ela, tentando interpretála,analisá-la, compreendê-la ou mesmo explicá-la. Por exemplo, Foucault filósofo,contemporâneo, em seu livro a História da Sexualidade – a vontade de saber (1976/2006) fez uma sondagem histórica sobre a sexualidade. Ele aponta o século XIX como o período emque a sexualidade passa a ser constituída como objeto de verdade, por meio dos discursos quesão expressos através das relações de poder. Fazendo um contraponto entre as sociedadesorientais e a nossa civilização ocidental, quanto aos modos de concebê-la, escreve:

Existem, historicamente, dois grandes procedimentos para produzir a verdade dosexo. Por um lado as sociedades – (...) China, o Japão, a Índia, Roma, as naçõesárabes-muçulmanas – que se dotaram de uma ars erotica. Na arte erótica, a verdade éextraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência; nãoé por referência a uma lei absoluta do permitido e do proibido, nem a um critério deutilidade, que o prazer é levado em consideração, mas, ao contrário, em relação a simesmo: ele deve ser conhecido como prazer, e portanto, segundo sua intensidade,sua qualidade específica, sua duração, suas reverberações no corpo e na alma. (...).Dessa forma constitui-se um saber que deve permanecer secreto, não em função deuma suspeita de infâmia que marque seu objeto, porém pela necessidade de mantê-lona maior discrição, pois segundo a tradição, perderia sua eficácia e sua virtude ao serdivulgado. Nossa civilização, pelo menos à primeira vista, não possui ars erotica.Em compensação é a única, sem dúvida, a praticar uma scientia sexualis. Ou melhor,só a nossa desenvolveu, no decorrer dos séculos, para dizer a verdade do sexo,procedimentos que se ordenam, quanto ao essencial, em função de uma forma depoder-saber rigorosamente oposta à arte das iniciações e ao segredo magistral, que éa confissão. O homem no Ocidente, tornou-se um animal confidente (p. 65-67).

Na perspectiva das pesquisas biosociológicas, a sexualidade humana écaracterizada pelo papel evolutivo. O biosociólogo Desmond Morris (1996) em seu livro OMacaco Nu, enumera alguns fatores que favoreceram as mudanças e, por conseguinte,moldaram o atual comportamento sexual do ser humano:

Limito-me a enumerar as seis mudanças básicas, fundamentais, que se deram naevolução do macaco pelado. E acredito que estas mudanças contém os ingredientesnecessários para a confecção da nossa actual complexidade sexual. Para começar, osmachos queriam contar com a fidelidade das fêmeas enquanto as deixavam sozinhaspara irem caçar. Assim, estas tiveram de criar uma certa tendência para oacasalamento. Como os machos mais fracos também tinham de cooperar na caça,foram-lhes dados mais direitos sexuais (p. 70-71).

Podemos compreender que a estruturação presente na nossa sociedade atual defidelidade e monogamia se processou a medida que os primeiros hominídeos foramcondicionados ao meio em que viviam. Distinguindo os papéis sexuais do macho e da fêmea,presentes ainda hoje.

No campo da Gestalt-terapia a obra que destacamos é Sexualidade Infantil: um enfoque gestáltico de Moura (2006), que partindo de um estudo de caso busca compreendercomo o fenômeno sexualidade infantil é transmitido de mãe para filho. Este estudo evidenciouque a sexualidade em relação à mãe está rodeada de anseios e temores ligados as suasvivências. Refletindo na maneira com ela educa seu filho. Em relação à criança foi constatadoque a mesma não restringe sua percepção da sexualidade pelo que é passado pela sua genitorano convívio familiar, ou seja, sua percepção vai mais além.

A propósito da sexualidade de não videntes podemos destacar os trabalhos deBruns e Grassi (1991), Vitiello e Conceição (1993), Silva (1995) e Grassi e Bruns (1995).Nestes autores identificamos que ao estudar a sexualidade humana e do deficiente visual emparticular, não podemos deixar de abordar alguns aspectos da corporeidade. Pois é no corpoque ela se expressa. O corpo humano transmite toda uma carga simbólica nos seus maisvariados aspectos. Bruns (2001) aponta:

A sexualidade é a forma pela qual o humano realiza a existência de seu corpo, modopelo qual entramos em contato com o mundo e que nos percebemos "sendo". Não háoutro meio de conhecer o corpo humano senão vivenciando-o. Assim, o corposimboliza a nossa existência porque a realiza e é sua atualidade. Por isso, aofalarmos de sexualidade, remetemos nosso pensamento ao corpo (p. 4).

Ainda sobre a sexualidade dos não videntes observamos que é constantementeestigmatizada pela sociedade, em geral, e pela família, em particular. O contexto familiarpoderia ser o primeiro ambiente a proporcionar um maior suporte em relação às expectativas enecessidades ligadas à sexualidade dos não-videntes. No entanto, como afirma Bruns (2008):

Para a família ter condição de atender às solicitações de seu filho, seja ele deficienteou não, as instâncias políticas, econômicas e educacionais, detentoras do poderfazer,precisam ser acionadas, para disponibilizarem meios e estratégias assertivaspara, se for o caso a família aprender a lidar com a deficiência (p. 43).

Na contemporaneidade a sexualidade está bastante vinculada aos aspectospublicitários que são veiculados pela mídia, em que se leva em consideração todo umconjunto de padrões físicos e estéticos a serviço das práticas hedônicas. Segundo Bruns(2004) "a sexualidade, que nunca foi tão explicitada pela mídia, utiliza como embalagem,uma espécie de fast food, um marketing sempre atualizado que associa êxito pessoal eprofissional e vende a imagem de um ser humano bem sucedido, realizado e sedutor, umaespécie de mercadoria sempre ao alcance de todos" (p. 22).

Esta consideração sugere que há uma valorização exacerbada da sexualidade,diretamente ligada aos aspectos visuais. Logo, os deficientes visuais muitas vezesconsiderados assexuados acabam sendo segregados por uma cultura que privilegia os aspectosvisuais. Ambiguamente, temos que considerar outra problemática vivenciada pelo deficientevisual, pois estes não podem identificar a linguagem não verbal dos olhares. O olhar parecefacilitar relações pessoais, posto que em uma determinada circunstância, pode ser um códigode aprovação ou reprovação de uma possível interação. Com isso, entendemos que a falta doolhar que transmita aceitação ou não, pode influenciar a construção dos relacionamentospessoais dos não videntes.

É oportuno indagar então: quais sentimentos vivenciam os não videntes em meioao ambiente que privilegia o culto ao belo mediado pelo visual? A quais sentidos a vivênciada sexualidade está vinculada? Como se dá o despertar da sexualidade dos deficientes visuaise de que maneira eles vivenciam suas experiências afetivo-sexuais?Em gestalt-terapia os conceitos de fronteira e funções de contato são relevantespara se compreender como se dá a interação entre o organismo e seu meio. Logo, de acordocom Perls, Hefferline e Goodman (1951/1997) "quando dizemos ‘fronteira' pensamos emuma ‘fronteira entre'; mas a fronteira de contato, onde a experiência tem lugar, não separa oorganismo e seu ambiente; em vez disso limita o organismo, o contém e protege, ao mesmo tempo que contata o ambiente" (p. 43). "A fronteira de contato não é algo fixo e não pertencenem ao organismo nem ao meio; é o que os conecta indissocialvelmente" (D'ACRI; LIMA;ORGLER 2007, p. 117). Por sua vez, "a função de contato é a abertura por meio dossentidos para vivenciar as trocas com o mundo" (D'ACRI; LIMA; ORGLER, 2007, p. 120).

Perls (1981) considerou que o conceito "limite de contato" é fundamental paratermos uma compreensão adequada da maneira como o indivíduo relaciona-se com o seumeio circundante:

Ninguém é auto-suficiente; o indivíduo só pode existir num campo circundante. É,inevitavelmente, a cada momento, uma parte de algum campo. Seu comportamento éuma função do campo total, que inclui a ambos: ele e seu meio. O tipo de relaçãohomem/meio determina o comportamento do ser humano (...). O meio não cria oindivíduo, nem este cria o meio. Cada um é o que é, com suas característicasindividuais, devido a seu relacionamento com o outro e o todo (p. 31).

O organismo para expressar essa capacidade que lhe é inerente entra em contatocom o meio, de modo a satisfazer suas necessidades de homeostase, entendida como umprocesso que flui, ou seja, quando uma necessidade é atendida imediatamente se destaca dofundo outra, o que seqüência o ciclo de desequilibrio-equilibrio-reequilibrio (PIMENTEL,2003). É na interação com o seu meio circundante que o organismo irá estabelecer suafronteira de contato e, por conseguinte, expressar suas funções de contato.

 

A PESQUISA

O método fenomenológico foi escolhido para ancorar a pesquisa realizada, pois estepossibilita uma apropriação particular da realidade. A perspectiva da psicologiafenomenológica é baseada na epistemologia da compreensão e na intencionalidade daconsciência, concebida como:

Um processo ativo, ou seja, consciência é ato, e, como tal, está sempre remetida aomundo. (...) Sujeito e mundo se constituem mutuamente. Sendo assim, não há ato de consciência sem um "objeto" como correlato. E, em contrapartida, não há objeto emsi. A intencionalidade designa o fato de que toda consciência é consciência-dealguma-coisa, e de que toda "coisa" é um objeto-para-uma-consciência (...) Portanto,em termos práticos, o método fenomenológico, alicerçado na intencionalidade,permite acessar o mundo de significados em correlação a um sujeito que vive nestemundo (D'ACRI; LIMA; ORGLER, 2007, p. 151).

Este princípio geral somado aos pressupostos da Gestalt-terapia foram necessárioscom suportes de analises do material coletado em campo. O objetivo geral do estudo foiapreender o conteúdo fenomenológico do discurso sobre a sexualidade elaborado pelosportadores de deficiência visual do sexo masculino. As categorias fronteira de contato efunções de contato foram consideradas na analise dos relatos experienciais.

Para realizar este trabalho, inicialmente, entramos em contato com a direção daescola estadual José Álvares de Azevedo, localizada no bairro de Batista Campos, únicainstituição governamental na região metropolitana de Belém credenciada para atender eproporcionar suporte psico-educacional às pessoas com deficiência visuais, de ordemcongênita e adquirida.

Em seguida, apresentamos à direção da escola, via ofício, o propósito da pesquisa. Obtida a autorização para coleta relatos fomos encaminhados à psicóloga responsável peloacolhimento dos estudantes, no turno da manhã. Ela descreveu o atendimento na instituição.Segundo a profissional, pela instituição passam, em média, cerca de trezentos alunos duranteo ano.

A próxima etapa consistiu em participar por uma semana de reuniões com osalunos da escola para divulgar os objetivos do estudo. A fase da coleta propriamente dita foiiniciada com a seleção dos informantes e aplicação entrevista semi-aberta, focalizandoaspectos afetivos e sexuais, e obtenção da assinatura do termo de consentimento livre eesclarecido.

A seleção dos estudantes obedeceu aos seguintes critérios: ser do sexo masculino;freqüentar assiduamente a instituição; ter deficiência plena, congênita ou adquirida. Para localizá-los, abordei-os no pátio da escola explicando-lhes, o objetivo da pesquisa. Durante aabordagem a apreensão foi um sentimento vivido já que não queriamos constranger osinformantes com a apresentação do tema da entrevista. No decorrer das visitas a instituição, omesmo foi superado.

Após a obtenção do consentimento do estudante nos encaminhávamos para abiblioteca da escola, local onde ocorreram as entrevistas. Esta estratégia foi válida e serviupara conseguir a adesão dos demais participantes. As entrevistas individuais foram feitas nasterças e quintas-feiras, pela parte da manhã, durante duas semanas, sendo entrevistado umtotal de cinco estudantes.

O roteiro da entrevista incluiu os temas: abordagem do sexo feminino;expectativas quanto ao relacionamento; relação com a sexualidade; experiência afetiva;experiência de iniciação sexual; orientações sobre sexualidade; prevenção; sentidos eexcitação sexual; limites da visão na vida afetiva e sexual e vida conjugal. Todas foram gravadas. Após transcrição selecionamos algumas falas nativas para analise. As identidadespessoais foram preservadas, sendo os entrevistados identificados pelos seguintespseudônimos: Stevie; Ray; Bocelli; Galileu e Louis, de modo a garantir o sigilo ético destapesquisa. O perfil destes participantes foi: faixa etária de 29 a 53 anos; atividades estudante eaposentado. As análises permitiram identificar para cada tema unidades significativas, que,na medida do possível, foram organizadas tendo em vista revelar uma compreensão davivência da dinâmica psicológica singular e intersubjetiva.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Abordagem do Sexo Feminino

Dos cinco entrevistados, quatro apresentaram, em suas falas, aspectos comuns, aoestarem interessados por uma mulher. Os quatro manifestaram o uso da comunicação verbalcomo forma de estabelecer um primeiro contato.

Ray, de 31 anos:

"Eu quando tô interessado em alguém, que alguma mulher me chama atenção euchego logo nos papo pra ela, é... logo sou direto, eu né... falando o meu nome!

Galileu, de 44 anos:

"Eu primeiro investigo a vida dela". Pergunto se ela mora com os pais, com osirmãos, se ela já teve namorado, entendeu.

Louis, de 53 anos:

"Me aproximar e dialogar. Vou procurar dialogar."

Somente um dos participantes comentou em seu depoimento, que além dodiálogo, vale-se também do contato físico.

Stevie, de 53 anos:

"Quando a gente tá interessado tem que chegar perto dela, conversar, acariciar bemela, porque a gente conversando e se acariciando é que as coisas andam. Só que nessa parteeu tô meio ruim. (...) Acho que desde os meus 24 anos. A potência né! Na hora da relação,nega fogo. Isso me prejudica e prejudica mais a mulher né, que às vezes ela tá excitada equer e aí não dá. Aí ela se aborrece, mas é uma coisa complicada eu vou te dizer!"

Diante do que ele relatou compreendemos, em sua singularidade, a necessidadedeste homem estar em constante contato com sua parceira. Sendo sua fronteira de contato,como destaca Polster & Polster (1979), mantida através da forma como se dá esser contato, esua função tocar possivelmente afetada devido as suas relações sexo-afetivas não estarematendendo as expectativas de sua parceira.

Outro, por sua vez, através de seu relato, apontou dificuldades em expressarcontato devido à deficiência visual, mesmo estando interessado na pessoa. Permanecendo naexpectativa de que esta tome a iniciativa.

Bocelli, de 29 anos:

"Eu... geralmente espero ela se manifestar, eu nunca dou tiro no escuro, eu não mesaliento sem ter certeza, fiquei com certo medo depois da cegueira, (...) Eu espero, mesmoque eu esteja interessado, espero ela se manifestar primeiro, sabendo das minhas condições,a pessoas se manifesta primeiro."

Na concepção de Ribeiro (2007), este depoimento recai em um bloqueio decontato, pois ao se apegar excessivamente a pessoas, idéias ou coisas e temendo sobressaltosdiante do novo e da realidade, torna-se incapaz de explorar situações que flutuemrapidamente, permanecendo fixado em coisas e emoções, sem verificar as vantagens de talsituação.

Sexualidade

Na temática dos cinco entrevistados, três relataram que se valem principalmenteda audição, como principal sentido, quando se sentem atraídos por alguém.

Bocelli, de 29 anos:

"Audição... E o intersse da pessoa, em ta perto de mim, a gente reconhece."

Galileu, de 44 anos:

"É a voz! Porque a minha deficiência não dá. Então tem que ser pela voz. "

Louis, de 53 anos:

"O que me atrai muito no sexo feminino é a maneira de falar, a voz. (...) Talvez seja o mododelas falar, só que as vezes mexe com a gente."

Logo, diante destes depoimentos compreendemos que eles se apóiam no que Polstre & Polster (1979) já afirmavam: "este escutar não é mais um escutar literal. Torna-sequase uma orquestração do escutar, baseado no escutar literal, mas respondendo tanto àsnuances da voz quanto às seqüências de palavras e contextos de significados" (p. 134-135).

Dois dos entrevistados relataram que quando se sentem atraídos por alguém, elesutilizam principalmente o sentido tátil.

Stevie, de 53 anos:

"Agora a gente tem que usar as mãos né, pra chegar perto dela, porquesem o tato.. certo a gente não vai logo chegar e passando a mão né, tem que conversarprimeiro..."

Ray, de 31 anos:

"O que nós utilizamos são os toques né, o toque..."

Estes relatos descritos expressam o que Polster e Polster (1979, p. 124-125)ponderam como sendo contato vitalizante: "o toque é o protótipo do contato. (...) Para nós, ocontato quase vem a significar toque. (...) Experiências ‘de contato', muito embora possamcentrar-se em torno de um dos quatro sentidos, ainda envolvem um ‘toque"'.Em relação à temática experiência de iniciação sexual, dos cinco entrevistados, trêsmanifestaram, em seus relatos verbais, terem tido experiências boas ao iniciarem suasrelações sexuais.

Stevie, de 53 anos:

"Olha a minha experiência foi boa sim..."

Ray, de 31 anos:

"Minha experiência, achoi que foi ... não me lembro mais ... porque foi há uns 15anos atrás, um pouco mais do que isso, mas acredito que foi bom... é porque foi com umaprópria prima minha, entendeu."

Louis, de 53 anos:

"Eu posso dizer que foi boa, comecei a fazer desde a adolescência, eu ainda morava no interior. "

Outro entrevistado descreveu a sua experiência como sendo agradável.

Galileu, de 44 anos:

"A primeira relação sexual, mas com idade? Foi... isso, gostei ... gostei."

O outro entrevistado, por sua vez, expôs que iniciou sua experiência sexual comuma pessoa mais experiente do que ele. Não sendo, para ele uma experiência boa.

Bocelli, de 29 anos:

"Minha experiência de iniciação sexual foi sempre com pessoas mais velhas, e nãofoi muito boa logo no começo não!"

 

ORIENTAÇÃO SEXUAL

Dos cinco entrevistados, três expuseram que apenas receberam na instituição.

Ray, de 31 anos:

"Olha no momento eu só recebi nas reuniões que acontecem aqui."

Stevie, de 53 anos:

"Às vezes quando tem algumas palestras, às vezes, a psicóloga dá algumas palavrascomigo né."

Louis, de 53 anos:

"Eu vim receber já aqui, depois de adulto, depois de cego, aqui na escola."

Estes depoimentos apóiam as conclusões do estudo feito por França e Azevedo(2003), o qual destaca a necessidade de implementação de programas de educação sexual paraas pessoas portadoras de deficiência visual, afim de que possam desfazer preconceitos emrelação À sexualidade.

Outro entrevistado relatou que só recebeu orientações de amigos próximos efamiliares, exceto de seus pais.

Bocelli, de 29 anos:

"Só dos amigos. De pai e mãe nunca. Amigos, primos maios velhos."

Enquanto outro entrevistado disse só receber orientações de seus familiares, principalmentede seu irmão mais velho.

Galileu, de 44 anos:

"A família dá, me explica, me explica, meu irmão mais velho explica."

Sentidos e Excitação Sexual

Em relação à temática sentidos e excitação sexual, todos os cinco entrevistadosapontaram o sentido como principal elemento iniciador de excitação sexual, cada um a seumodo.

Stevie, de 53 anos:

"Acho que até pela emoção (...) eu chego perto dela eu me... é aquela excitação.

"Ray, de 31 anos:

"É no toque, o toque, eu sempre costumo dizer que é um perigo um homem tocarnuma mulher é mais antes o cara enxergar do que passar a mão, entendeu."

Bocelli, de 29 anos:

"Através do toque, do toque, beijo caricias, né."

Galileu, de 44 anos:

"Pelos tactos, é ...não ... como assim agora... Isso, pela voz também, o que faz parte né, a voz o cheiro."

 

Bocelli, de 29 anos:

"Não a sexual. Atrapalha a vida cotidiana, eu vivo preso porque eu não ando narua, e não tenho amizade com todo mundo."

Louis, de 53 anos:

"Eu me excito sim, gosto do momento quando me aproximo assim de uma pessoa é como eu to te falando né, aí só da gente tocar na pessoa a gente já fica excitado."

Limites da Visão

Os limites da visão na vida afetiva e sexual, observamos que dos cinco entrevistados, três expressaram que a ausência de visão não interfere na vida afetiva e sexual.

Ray, de 31 anos:

"Naturalmente que trás certas limitações, né. Porque o fato de tu não enxergar já te faz tu ser limitado, mas não incapaz, então isso te trás, mas tu tens que usar o teui limite, entendeu, então isso pra mim não tem como eu costumo dizer, pra mim não tem problema, não trás."

Galileu, de 44 anos:

"Na vida afetiva e sexual na atrapalha."

Louis, de 53 anos:

"Sexual não atingiu nada"

Outro entrevistado relatou que a sua falta de visão só afeta a sua vida social não interferindo na sua vida sexual.

Bocelli, de 29 anos:

"Não a sexual. Atrapalha a vida cotidiana, eu vivo preso porque eu não ando na rua, e não tenho amizade com todo mundo."

Enquanto outro entrevistado expôs em seu relato que a falta de visão interfere tanto em sua vida afetiva quanto sexual.

Stevie, de 53 anos:

"Faz muita falta sim, muito mesmo, tem hora que eu fico até pensando assim, que eu não paro muito pra pensar par gente não pensar muita besteira né."

Conjugalidade

E com relação à temática vida conjugal dos cinco entrevistados quatro afirmaram,em seu depoimentos, manterem uma vida conjugal estável, sendo que apenas um relatou nãoestar tendo um relacionamento estável, visto que estava iniciando um, com uma mulher não vidente.

Ray, de 31 anos:

"Atualmente sim, é...não... minha namorada é dez, graças a Deus!"

Stevie, de 53 anos:

"...a minha vida é norma. Apesar que o meu jeito é assim, eu não sou de falar né,mas ela fala mais ela é mais estressada."

Bocelli, de 29 anos:

"Com a moça, a gente conversa normal... quando ela vem..normal, sem briga semdiscussão."

Louis, de 53 anos:

" Com certeza... sou casado... sou casado pela terceira vez."

Galileu, de 44 anos:

"Comecei agora né, comecei agora, é recente. To namorando, to conhecendo apessoa melhor, ainda não pode ser considerada uma relação estável."

 

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou compreender alguns aspectos do fenômeno sexualidademasculina do não vidente à luz dos conceitos da Gestalt-Terapia. No que tange aos objetivospropostos considero ter alcançado tal inferno, uma vez que, possibilitou desvelar, a partir dodiscurso dos entrevistados, uma gama de sentimentos, emoções e anseios por eles vivenciadose manifestados a partir da sexualidade de cada um.

Diante disto, é necessário considerar que a sexualidade tanto de videntes quantode não videntes continua a sofrer a pesada influencia de um conjunto de preceitos, valoresmorais, éticos e culturais, construídos ao longo do processo histórico, político e cultural decada sociedade. Assim, os homens videntes e não videntes acabam tendo que internalizaresses ensinamentos e praticas à sexualidade.

Na sociedade ocidental é bastante comum se verificar pressões da família, damídia, dos grupos sociais em relação aos homens no que diz respeito principalmente àaproximação das mulheres, experiência afetiva e iniciação sexual. Prescrições do tipo, "homens devem sempre tomar a iniciativa ao se aproximarem de uma mulher", são comunsnos processo educativo informal e formal. Um propósito delas é a manutenção de relaçõesverticais entre gêneros e a reafirmação do poder masculino de conquistar e dominar.

Outras normas impostas ao homem são: não devem expressar abertamente suasemoções e afetos, sendo moldados para apresentar apenas comportamentos austeros erigorosos; devem sempre, que possível, perder a virgindade o quanto antes e ter um maiornumero de relações sexuais possíveis com diversas parceiras.

Logo, diante de tudo que foi exposto neste trabalho espero que o mesmo possa darluz à outros que pretendam trilhar a mesma temática da sexualidade relacionada à deficiênciavisual. Posto que considero este fenômeno é inesgotável.

 

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Artigo recebido em 29 de outubro de 2009
Aceito para publicação em 5 de dezembro de 2010

 

 

1 PHD pela Universidade de Évora/Pt. Docente da faculdade e do Mestrado de Psicologia da UFPA

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