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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.1 no.2 São Paulo Nov. 2009

 

RESENHA

 

Psicologia, Instituição, Cultura

 

Psychologu, Institution, Culture

 

 

Débora Ribeiro da Silva Campos; Fabrícia Pacheco Marques

 

PIMENTEL, Adelma; MOREIRA, Ana Cleide (Org.). Psicologia, Instituição, Cultura. Belém: Amazônia, 2008. 194 p.

 

Pimentel e Moreira (2008) trazem na obra Psicologia, Instituição, Cultura relatos de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará, divulgando conhecimentos gerados por egressos e docentes do referido programa, fomentando intercâmbio e articulação de saberes no campo da Psicologia.

No artigo “Pesquisa e casos clínicos”, Lopez apud Pimentel e Moreira (2008) comenta que a prática clínica suscita inquietações e questionamentos, que incitam os pesquisadores a produzir um conhecimento inédito, tecendo comentários sobre os encontros e as divergências entre a pesquisa clínica e a pesquisa em clínica.

Observa-se divergência quanto ao objetivo, pois, na pesquisa clínica, o objetivo é auxiliar o cliente a compreender-se e recuperar-se, resgatando sua autonomia e, na pesquisa em clínica, é aprofundar o conhecimento de determinado conteúdo teórico, refutar ou esclarecer um conceito. O psicólogo pesquisador encara o fenômeno observado enquanto objeto de estudo, e não como instrumento para auxiliar a compreensão do cliente e favorecer seu processo terapêutico. A escolha trata-se também de uma divergência, pois na terapia, o cliente escolhe o terapeuta, e na pesquisa, é o pesquisador quem seleciona o seu colaborador. A autora aborda um relevante encontro entre a pesquisa clínica e a pesquisa em clínica: a necessidade de uma teoria de apoio, que fundamente a abordagem terapêutica ou o viés científico e fomente a discussão dos resultados da pesquisa e da intervenção.

Levy e Moreira apud Pimentel e Moreira (2008), no artigo intitulado “Desamparo, transferência e hospitalização: um estudo sobre o paciente internado em centro de terapia intensiva”, relatam pesquisa que buscou investigar a experiência do desamparo durante a hospitalização, com o reconhecimento subjetivo da finitude e insocorribilidade do humano.

Nesse contexto, as autoras afirmam que o analista prima pelo significado do sintoma, e não pela sua supressão, propondo a escuta analítica como um dispositivo clínico a ser utilizado pelo psicólogo, considerando que o sujeito hospitalizado sofre rupturas em seu cotidiano, com afastamento familiar, mudança de rotinas e papéis.

Pode-se refletir através dos dados trazidos sobre a situação de isolamento, de despersonificação, de dependência, enfim, do desamparo vivenciado na hospitalização e dos sintomas manifestados pelos pacientes, podendo-se criar um ambiente saudável e acolhedor, conforme o holding proposto por Winnicott, onde a escuta analítica favorece os processos de subjetivação do sujeito. A transferência favoreceu a ressignificação dos conflitos e da a angústia do insocorrível, o que torna a atuação do terapeuta importante e complexa.

No artigo “A instrumentalização terapêutica na perspectiva de Carl Rogers”, Holanda apud Pimentel e Moreira (2008) apresenta um importante instrumento da prática clínica rogeriana, a resposta-reflexo, que fundamenta-se no princípio de que apenas o sujeito que vive a situação pode expressar a realidade para si e para os outros.

O autor questiona o fato da palavra ‘técnica' ser, muitas vezes, entendida como sinônimo de instrumento, separado da teoria e defende que teoria e técnica caminham juntas, sendo fundamental entender que a técnica se dá na prática fundamentada em uma teoria.

São apresentados conceitos como: tendência atualizante, que consiste no potencial do homem para se desenvolver; a não diretividade, onde o facilitador (terapeuta) não realiza intervenções baseadas em juízo de valor ou pré-julgamento, preservando a integridade do cliente; por fim, enfatiza importantes aspectos a serem observados pelo terapeuta na comunicação com o cliente, para o estabelecimento de uma relação eficiente.

No artigo que tem como título “As respostas banais de sujeitos paraense ao teste de Rorschach: uma análise comparativa”, Souza e Júnior apud Pimentel e Moreira (2008) apresentam pesquisa realizada com adultos normais no município de Belém. O objetivo da pesquisa consiste em informar a produção de respostas banais por esta população discutindo possíveis diferenciações regionais e a consistência temporal das mesmas.

Os resultados foram discutidos a partir da comparação com normas da região sudeste e com estudo semelhante realizado anteriormente, em Belém. Os autores concluem que os conteúdos banais produzidos por paraenses são estaticamente reduzidos, mas talvez representem, pelo menos em parte, as banalidades nacionais, pois a maioria também está presente em outras listas de banalidades.

Azevedo e Souza apud Pimentel e Moreira (2008), no artigo “Percepção de mãesacompanhantes sobre os sentidos da hidrocefalia no setting hospitalar”, relatam pesquisa que buscou compreender os sentidos atribuídos por mães de crianças hospitalizadas à hidrocefalia.

Os achados apontaram para a reação diante do diagnóstico, incluindo sofrimento e angústia na formação do significado da doença, bem como sentimentos de culpa, desespero, raiva, frustração pelo filho ideal, negação e rejeição. Outro achado diz respeito à influência do modo como a notícia é proferida pelo profissional que a informa à família, sendo fundamental que a equipe de saúde forneça esse amparo durante a hospitalização, pois ela também passa por alterações e rupturas no seu cotidiano, sofrendo e adoecendo psiquicamente.

Tendo isso em vista, Azevedo e Souza apud Pimentel e Moreira (2008) consideram que as condições de adoecimento e hospitalização requerem da família a capacidade de reorganização, diante de eventos que são desestruturantes, defendendo que o acompanhante merece atenção da equipe de saúde no contexto hospitalar, enquanto sujeito social, que passa por sofrimento psíquico.

No artigo “Em torno do conceito de gênero: consensos e divergências” Silva e Gomes apud Pimentel e Moreira (2008) problematizam em torno dos diversos conceitos de gênero, tais como: a visão dicotômica, tendo por base a polaridade binária homem/mulher como entidades polarizadas e fixas; a visão dinâmica, que permite operar com a pluralidade dentro de cada um dos pólos masculinidades/feminilidades; a visão a partir de diferenças biológicas e anatômicas dos órgãos sexuais; visão como construção social e como relação de dominação.

As autoras pontuam a presença do gênero na vida das pessoas, como um produto do ser humano, citando Pfister (2002) que interpreta o gênero como um processo que se desenvolve ao longo da vida, com ambivalências e contradições.

Sobre os corpos intersexuais, as autoras citam Hester (2004) defendendo que o sexo é mais importante do que o gênero, pois quando um corpo não se encaixa na existente classificação de sexo, os conceitos de gênero apresentam-se para ‘fazer' o sexo, ou seja, para que o gênero surja é preciso primeiro desenhar um sexo, afirmando que os corpos intersexuais são pós-gênero.

Por fim, abordam casos que podem ser tomados como exemplo de manipulação cultural sobre os sexos e as traumáticas repercussões de uma cultura, que insiste em acreditar que a anatomia providencia uma dicotomia sexual, ignorando estudos da área da embriologia e a existência de intersexualidades, estudos esses que provam que tal dicotomia não é mais que uma construção cultural.

Com o título “Construção psicológica da subjetividade masculina” a autora Pimentel apud Pimentel e Moreira (2008) pontua que homens se tornam homens na e pela convivência com outros homens e mulheres. A autora cita Boris (2000, p.26) ponderando que “não existe masculinidade única, mas que as manifestações viris apresentam-se numa tal diversidade que se torna praticamente impossível tratar de uma essência ou de uma identidade masculina universal”.

O objetivo da pesquisa é caracterizar algumas marcas que forjam as subjetividades, bem como a tipologia e a incidência da violência intrafamiliar conjugal, em Belém do Pará. O artigo divide-se em duas seções: a) psicologia masculina; b) método e resultados.

Em psicologia masculina a autora cita Wang e Cols (2006) pontuando que no processo de socialização dos meninos um conjunto de adjetivos de cunho positivo e/ou depreciativo, conforma um molde idealizado de masculinidade, molde este que aproxima o menino da violência. A autora menciona reflexões de Pinho (2004) a cerca da subjetividade do homem negro e a indagação sobre a crise da masculinidade. A partir de análises feitas por Santos e Col. (2007) em revistas Família Cristã, apontam que os ideais tradicionais de família, paternidade e subjetividade; entre os anos de 1940 e 1990, sofreram influência da religião católica e questionamentos dos valores morais.

Como método, a autora utiliza relato de pesquisa qualitativa, aplicando 23 questionários a homens com escolaridade de nível médio e superior. Os resultados foram organizados por temáticas relacionadas a definição de masculinidade, qualidades características da masculinidade, modelos de referência masculina, importância do pênis para o masculino, entre outros. As respostas dos professores foram destacadas, objetivando refletir acerca das tramas ideológicas contidas no trabalho destes, para isso, utilizou-se códigos de P1 a P5.

Lemos apud Pimentel e Moreira (2008) em seu artigo “Problematizando a produção de identidades: a instituição e a cultura em questão” cita os questionamentos de Silva (2007) em relação a política de tolerância à diversidade, que visa promover o conservadorismo, não rompendo com o modelo identitário padronizado, olhar a diversidade nesta perspectiva, constitui-se uma problemática, uma vez que, diferença e identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas e essencializadas.

A discussão a respeito das identidades tem sido reduzida a duas perspectivas: uma biológica e outra cultural, ambas, fabricadas e articuladas pelo eixo da crença na natureza humana. A autora cita Wieviorka (2007) para assinalar uma nova forma de racismo, pautado na diferença cultural.

Sobre a cultura e a produção das identidades a autora cita Guattari e Ronilk (2005) que problematizam a cultura a partir de algumas questões: a) a cultura como valor, referindose a qualidade da cultura das pessoas, que separa os cultos, apreciadores das artes e do clássico dos incultos, que não se aproximam da cultura erudita; b) a cultura como alma coletiva, referindo-se a um policentrismo cultural, onde todos possuem sua identidade cultural; c) a cultura como mercadoria, referindo-se a um sistema de ‘culturas' a serem vendidas ou conservadas em museus.

A autora cita ainda Rolnik (1997) pontuando que as identidades locais e fixas desaparecem para dar lugar a identidades globalizadas e flexíveis, que mudam de acordo com a velocidade e o movimento do mercado. Segundo citação de Certeau (2003) não há cultura homogênea, assim sendo, o desejo dos grupos que buscam unidade em uma cultura que identifica uma vontade particular cultural, é um efeito de prática de normalização social. Apontando Foucault (1996) a autora ressalta que a crença na existência de um sujeito coletivo e individual é o efeito de práticas de produção de aprisionamentos dos corpos em identidades.

Finaliza, reflete o pensamento de Foucault, que segundo citação de Deleuze (2000) afirmava a existência de um processo de subjetivação constante, de diferenciação, de produção de modos de existência. Aponta para a diferença entre subjetividade e subjetivação, citando Cardoso Jr. (2002) que define subjetivação como um processo de composição de modos de vida, resultado dos encontros de corpos e subjetividade como um momento de parada da subjetivação para descansar em ancoradouros que garantam a continuidade da navegação. Concluindo que a problemática colocada neste texto seria a cristalização de ‘identidades' em comunidades culturais fechadas de pertencimento em busca do sossego eterno ao invés de apenas uma pausa em algum remanso.

O artigo intitulado “Múltiplas possibilidades dos estudos sobre identidade religiosa”, de Souza apud Pimentel e Moreira (2008) apresenta o tema da identidade religiosa, através do movimento da renovação carismática católica (RCC), vinculada a Igreja Católica, que se caracteriza por aspectos como: grupos de oração carismáticos, cantos e preces em voz alta, expressões corporais, promessas, testemunhos de cura e ênfase na influência dos dons do Espírito Santo.

O objetivo de seu trabalho é debater os conceitos de identificação e identidade voltados ao ideário e prática religiosas específicas desta nova modalidade de catolicismo e como metodologia a análise comparativa entre os modos de atuação de dois grupos carismáticos de Belém – Pará. Em seguida, o autor pontua semelhanças e diferenças entre a RCC e as igrejas pentecostais (Igreja Quadrangular, Assembléia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus).

O autor conclui que existem outras diversas possibilidades de estudo sobre o tema, identidade religiosa e que não há uma única identidade carismática, ou é composta de uma mistura de várias possibilidades de ler os desígnios divinos. Finalizando, o autor reflete que ao mesmo tempo em que o movimento parece adepto de uma perspectiva globalizada, vai contra, ao buscar trazer os fiéis para dentro de um corpo estrutural tão antigo e centralizador.

Nicolau apud Pimentel e Moreira (2008), no artigo “Psicanálise e religião”, aborda o mal-estar contemporâneo e as propostas para responder as inquietações do sujeito, interrogando o lugar da psicanálise entre as inúmeras alternativas que se oferecem como saída para a angústia na contemporaneidade, comentando que muitos discursos prometem apaziguar o homem, como a ciência e a religião.

A autora refere que a psicanálise só terá êxito se o ideal de cura religioso não substituir o real que a mesma sustenta. Tendo Freud afirmado que a força motivadora, tanto na busca de uma terapia, quanto no engajamento na fé religiosa, é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado, a psicanálise, para se perpetuar, deve abordar estes sintomas como uma manifestação subjetiva a ser acolhida, e não abolida, pois, segundo a autora, a psicanálise só tem algo a dizer quando o remédio falha em responder à pergunta subjetiva, quando a cirurgia plástica para reconstruir a imagem não alcança o resultado esperado e o espelho devolve o estranho que está na origem de sucessivas crises de angústia.

 

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