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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.2 no.2 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

Estudo terapêutico ocupacional sobre o imaginário social de acompanhantes acerca do espaço hospitalar

 

An occupational therapist research about the social imaginary of patient companion concerning the hospital space

 

 

Cárita Lorena Ramos GurjãoI,1 ; Cibele Braga FerreiraII,2 , Cláudia Márcia Lima da Costa I,3

I Universidade do Estado do Pará

II Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

O hospital é uma instituição imaginária, construída sócio-historicamente e pela ação subjetiva do homem, formado por diversos saberes, práticas e atores sociais, onde destaca-se os acompanhantes, sujeitos que vivenciam todo o processo de hospitalização, porém não são valorizados enquanto usuários dos serviços de saúde. O objetivo desta pesquisa foi identificar o imaginário dos acompanhantes da enfermaria pediátrica acerca do espaço hospitalar. Tratase de uma pesquisa qualitativa do tipo pesquisa-ação e estudo de caso múltiplo de cinco acompanhantes hospitalizados no Hospital Universitário João de Barros Barreto. Realizou-se pesquisa de campo (dois encontros), embasada na teoria de Cornelius Castoriadis. Observouse que o imaginário social, caracterizava-se enquanto espaço de tratamento e subjetividade, incutidos no cotidiano institucional e nas relações interpessoais. Percebeu-se a necessidade de propostas de atenção em saúde para os acompanhantes, pautadas na complexidade, de modo a construir um fazer TO integralizado e humanizado, que caminhe na articulação de saberes e pensares.

Palavras-chave: Terapia Ocupacional. Espaço Hospitalar. Imaginário Social. Acompanhantes.


ABSTRACT

The hospital is an imaginary institution, built by the subjective human action in a social and historic way, constituted of various knowledges, practices and social actors. One of these social actors is the patient companion, which lives the whole process of hospitalization, however, they are not valued as users of health services. The objective of this research was to identify the imagination of the patient companions of a pediatric ward about hospital space. It is a qualitative action research and multiple case study with five patient companions hospitalized in the University Hospital "João de Barros Barreto". The research was built by a theoretical study, based in Cornelius Castoriadis, and pratical research (two meetings). It was noted that the social imagination about the hospital space is characterized as an area of treatment and subjective human; inside the institucional day and relantionships, It was possible to understand the necessity for health care proposals for patient companions, based in the humane complexity. So, the Occupational Therapy could integrate and articulate different knowledges and ways of thinking.

Keywords: Occupational Therapy. Hospital Area. Social Imaginary. Patient Companion.


 

 

INTRODUÇÃO

Durante os anos de graduação no curso de Terapia Ocupacional na Universidade do Estado do Para (UEPA), iniciamos um pensar pautado na complexidade, articulando saberes e práticas para a construção de um fazer terapêutico ocupacional integralizado.

Nosso Trabalho de Conclusão Final (TCF) objetivou dar visibilidade a este pensar complexo e integral. Para tanto, elegeu-se o espaço hospitalar como lócus de pesquisa, uma vez que na nossa percepção, este ambiente está para além da objetividade dos serviços clínicos prestados, mas reflete a subjetividade daqueles que o constitui. O hospital, assim, apresenta-se repleto de saberes, práticas, sujeitos, valores, que o configura enquanto um lugar de complexidade.

Contudo, o hospital é mais que simplesmente uma instituição que possui grande complexidade administrativa e de serviços prestados, alcance populacional, além de relevância técnico-científica e social. Nele, transitam saberes e tecnologias diferenciados e são discutidos temas significativos para os que lá trabalham e para os que são assistidos (DE CARLO; BARTALOTTI; PALM, 2004, p. 8).

Desejávamos um fazer terapêutico ocupacional inovador, não somente pela articulação de um caminho de saberes e práticas, mas por uma atuação voltada para sujeitos que vivenciam a condição de hospitalização, porém que não recebem um olhar atento, afetuoso da equipe de saúde. Referimo-nos aos acompanhantes, de maneira especial, aos da enfermaria pediátrica.

Entretanto, como iniciar uma nova prática de ação voltada para estes usuários, sem antes entender como eles percebem, vivenciam e significam o período de hospitalização? Sem antes identificar o imaginário social sobre o espaço hospitalar?

Assim, lançamo-nos na perspectiva primária de uma reflexão voltada para a ação. Neste artigo retrataremos parte da experiência vivida, objetivando identificar o imaginário dos acompanhantes da enfermaria pediátrica de um hospital público no município de Belém do Pará, acerca do espaço hospitalar.

Em meio à construção de um fazer profissional, nos deparamos com a filosofia de Cornelius Castoriadis (1992; 1999; 2008), sobre a Instituição Imaginária da Sociedade, que entende o imaginário como uma rede simbólica, construída no mundo social-histórico e psíquico, presente na linguagem e nas instituições. O imaginário é percebido como um movimento constante de significar e (re)significar, de criar e (re)criar.

O mundo social histórico é representado pelas normas, leis, estruturações, funções, entre outros, que se constroem e se transformam mutuamente, uma vez que não existe história sem sociedade, e vice versa. O mundo psíquico é entendido como a subjetividade, isto é: "a capacidade de receber o sentido, fazer algo com ele e de produzir sentido, dar sentido, fazer com que cada vez seja um sentido novo" (CASTORIADIS, 1999, p. 35).

O imaginário está presente na linguagem, pois ela externa o sentido atribuído socialmente a determinado assunto. Além da linguagem verbal e escrita, o imaginário se apresenta nas linguagens não-verbais e simbólicas, como a arte. De acordo com Castoriadis (1992; 2008), o imaginário também se apresenta nas instituições, pois elas se configuram de uma maneira funcional (normatizações presentes no mundo social-histórico) e subjetiva (simbólico presente no mundo psíquico).

Dessa forma, pode-se afirmar que o hospital é uma instituição, pois tem uma função pré-estabelecida e normas de funcionamento que o rege e garante a sua efetividade, sendo também, constituído pelo simbólico, pois "tudo o que nos apresenta, no mundo socialhistórico, está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico" (CASTORIADIS, 2008, p. 142).

Assim se ratifica a idéia de que o contexto hospitalar é um espaço complexo, constituído de um imaginário característico. Imaginário este, exercido pelos atores deste ambiente. Neste contexto destacamos os acompanhantes como sujeitos sob os quais nosso olhar se voltou nesta pesquisa, pois como afirmam Shiotsu e Takahashi (2002), o acompanhante, assim como o enfermo, também manifesta sentimentos e emoções como expectativas, ansiedades, medos, preocupações e receios, por isso também significa a experiência de hospitalização, construindo uma rede de sentidos, e, como tal, necessita da atenção da equipe.

Como afirmam Pal e Soares (1999), é absurda a idéia de não se aproveitar a presença do cuidador/ acompanhante durante a internação para assisti-lo e orientá-lo como pessoa possuidora de valores e crenças e com uma maneira própria de ser e de agir no mundo. Portanto, se caracterizará neste estudo a figura dos acompanhantes como usuários do serviço de saúde.

Afim de construir um fazer terapêutico ocupacional humanizado e integralizado para estes sujeitos, foi que a busca da identificação do imaginário hospitalar se mostrou relevante e promissora. Nesse sentido, a seguir será pontuado o delineamento deste estudo, a partir da apresentação do tipo de pesquisa adotado, do local escolhido, dos sujeitos participantes, elucidando os critérios de inclusão e exclusão, bem como a dinâmica dos encontros e os instrumentos utilizados para análise.

 

METODOLOGIA

O presente trabalho é entendido como a busca de uma linguagem própria, de um fazer terapêutico ocupacional que deseja produzir saúde e vida. Pelo seu caráter subjetivo, esta pesquisa configura-se como qualitativa, pois segundo Günther (2006), é percebida como um ato subjetivo de construção em que o método deve se adequar ao objeto de estudo, e onde o sujeito é visto na sua totalidade, sendo a contextualidade, o fio condutor de qualquer análise.

Esta pesquisa é do tipo estudo de caso múltiplo (cinco casos) e foi construída por meio de pesquisa-ação, que segundo Franco (2005), consiste em um processo que deve provocar transformações de sentidos, implicando a reconstrução do próprio sujeito, bem como a ressignificação daquilo que se faz ou pensa.

A pesquisa foi realizada no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), um dos principais serviços de saúde do Estado do Pará e da Região Norte, sendo referência regional em pneumologia, infectologia, endocrinologia e diabetes, e referência nacional em AIDS, oferecendo consultas e internação em diversas especialidades.

Os sujeitos eleitos para este estudo foram os acompanhantes da enfermaria pediátrica, que foram escolhidos em função da: a) Inexistência de um serviço específico para atendê-los; b) Importância do reconhecimento dos acompanhantes como sujeitos hospitalizados; e c) Relevância do entendimento de como eles imaginam e vivenciam o contexto hospitalar, de modo a traçar ações futuras. Os sujeitos foram denominados de acordo com os elementos da linguagem fotográfica: Luz, Tom, Textura, Perspectiva e Foco.

Como critérios para a participação na pesquisa, utilizou-se os seguintes: acompanhantes de crianças da enfermaria pediátrica, sem perspectiva de alta nos (7) sete dias após o início da pesquisa, e aqueles que aceitassem participar da pesquisa. Dessa forma os critérios de exclusão foram: acompanhantes de pacientes não internados na enfermaria pediátrica, com perspectiva de alta nos (7) sete dias após início da pesquisa e que não desejassem participar da pesquisa.

A pesquisa envolveu a construção teórica, que perdurou durante todo o processo e a pesquisa de campo, organizada por encontros, pontuados a seguir, em forma de quadro síntese, a partir da sua dinâmica e objetivo; tendo duração de um mês, totalizando treze encontros com ações diferenciadas, e tempo aproximado de uma hora.

 

 

Para realizar a análise da pesquisa, utilizou-se os seguintes instrumentos: os registros audiovisuais (filmagens) e fotográficos feitos pelas pesquisadoras dos e nos encontros realizados, bem como os registros fotográficos dos sujeitos. Além das entrevistas, pois estas refletem as próprias concepções dos sujeitos, externando a partir da linguagem os conteúdos significantes para se entender o imaginário social acerca do espaço hospitalar.

 

RESULTADOS

A Terapia Ocupacional, trabalhada na pesquisa, atuou na seguinte perspectiva: perceber as significações dos acompanhantes sobre o espaço hospitalar, de modo a identificar o imaginário destes sujeitos. Para o entendimento desta construção da rede simbólica se delimitará o sentido atribuído ao hospital pelos sujeitos da pesquisa, de modo a caracterizar o imaginário sobre o mesmo.

Segundo Luz, o hospital "é um lugar de tratamento para a pessoa poder se cuidar". Para Perspectiva, "é um recurso de tratamento específico". Foco o entende como "um recurso de saúde, quando quer buscar a saúde sempre vem buscar o hospital". Já para Tom "é um local importante, porque quando não se tem mais pra onde correr, só resta o hospital mesmo". Textura enfatiza que o "hospital é um lugar de cuidado e atendimento".

Conforme exemplificam os relatos acima, pode-se observar que os sujeitos da pesquisa percebem o hospital enquanto um espaço de tratamento, corroborando para a concepção de imaginário social de Castoriadis (1992; 2008), pois por mais que as vivências sejam singulares, a construção do sentido se dá no coletivo, já que ocorrem em um mesmo espaço, cultura e tempo e são manifestadas na linguagem. Observa-se que apesar das falas dos sujeitos serem diferentes na sua estrutura e até na forma de se dizer, possuem um mesmo sentido, que exprime a concepção destes sobre o espaço hospitalar.

Estes relatos são materializados na fotografia abaixo, feita por Tom, pois nela está presente o filho, que necessitava de uma assistência especializada, e a equipe de saúde ao fundo, responsável por garantir tal assistência, como justifica a escolha da fotografia: "é porquê tem ele (o filho) aí, e a equipe médica", caracterizando este espaço de atenção em saúde como busca de tratamento.

 

 

Mafessoli (2001), contribui para esta discussão pontuando que por mais que se fale em "meu" ou "teu" imaginário (particularidade) quando se examina a situação de quem fala, observa-se que o "seu" imaginário reflete a influência do imaginário de um grupo no qual este sujeito encontra-se inserido.

Os relatos dos usuários contribuem para outra reflexão: a do hospital enquanto instituição imaginária, pois identificam sua função, a de tratamento, aspecto que lhe confere efetivação. Porém, além de uma função específica, objetiva, estrutural e funcional, há outra dimensão existente neste espaço, subjetiva, simbólica, significativa, criada pelos sujeitos que o configura.

A partir do entendimento do hospital como espaço de tratamento, o imaginário, pelo seu caráter simbólico, articula a este espaço, vivências do usuário, bem como o seu entendimento, percepção e experimentação das situações neste contexto, quer seja pelo cotidiano institucional vivenciado pelos sujeitos, quer seja pelas relações interpessoais estabelecidas.

Com relação ao cotidiano institucional, Tom aponta a necessidade de espaços que possam proporcionar o mínimo de bem estar aos usuários, afim de atenuar os efeitos negativos do cotidiano hospitalar. Espaços estes representados não só pelos físicos, como áreas de lazer, salas para conversa, entre outros, como por espaços de trocas de angústias, medos, inseguranças, de modo a oferecer uma atenção integralizada ao ser humano. Textura exemplifica este aspecto quando diz:

Acho muito importante, uma área de lazer pra gente se divertir, pros acompanhantes poderem se reunir, conversar, a gente quer conversar com o acompanhante da outra sala aí vem a enfermeira e diz que não pode, que a gente tem que voltar, aí fica chato né? Porque que a gente não pode conversar? É legal porque a gente esquece as coisas ruins, a gente começa a conversar, fala coisas boas e distrai um pouquinho, passa mais rápido. (Textura)

Este depoimento é extremamente significativo, pois faz referência a aspectos importantíssimos de serem pontuados. O primeiro diz respeito à concepção de saúde da usuária, corroborando para o entendimento de que é necessário reconhecer e aceitar que as famílias envolvidas no processo de tratamento possuem sua própria visão de saúde, doença e cuidado, que não pode e não deve ser ignorada (PAL; SOARES, 1999).

Textura pensa a saúde enquanto qualidade de vida, pois saúde é, mesmo em condições limitantes, como a hospitalização, poder se divertir, conversar, trocar, se distrair, enfim, agir sobre este espaço, produzir vida (CASTRO; SILVA, 2007).

Outro aspecto refere-se ao empoderamento, fortalecimento, dos usuários, ao ponto dos mesmos construírem, "de maneira artesanal", estes espaços de lazer dentro do hospital, rompendo frontalmente com significações herdadas de sujeito enquanto "paciente", passivo no contexto hospitalar, construindo outras significações que confluem para o pensar sobre o protagonismo, refletindo a atuação do imaginário.

Além dos aspectos observados no relato de Textura, reflete-se sobre outro fator que influencia as significações acerca do espaço hospitalar: as relações interpessoais vivenciadas nele. Observou-se que a maioria dos relatos apresentam-nas como agradáveis e fundamentais aos sujeitos hospitalizados. Um exemplo disso é Foco, que elegeu uma fotografia de outra acompanhante, que considerava sua amiga, abraçada com sua filha:

 

 

Escolhi porque, ela lembra assim... o dia a dia do que eu passo com os colegas, com a minha filha. Já, aqui a gente tem que...como tá longe dos parentes da gente, a gente tem que se unir, é como uma família. As vez um vai embora, um tem alta, vai embora, não fica mais perto aí a gente não vê mais. (FOCO).

Como estão longe de casa e de seu núcleo de amigos e familiares, os acompanhantes se relacionam entre si, vendo cada um "como seu parceiro num acontecimento da vida" (BUBER, apud CAPRARA e FRANCO, 2008, p. 90), e assim, criam mecanismos de compensação para melhor lidar com a experiência de hospitalização e suportar as perdas que esta implica.

Um destes mecanismos é a configuração de ‘uma nova família’ e de novos amigos, "(...) a gente faz amigo, tudo, vai pro refeitório, faz a refeição, conversa, come junto" (TEXTURA).

A formação de relações entre os acompanhantes mostra a criação de uma rede de apoio mútuo. Os hospitais pouco ou raramente oferecem serviços/programas de suporte ao acompanhante, por isso estes acabam ‘acompanhando’ uns aos outros, não tendo a quem recorrer, mesmo quando o auxílio profissional se faz muito necessário.

A partir da apresentação dos achados de pesquisa percebe-se que o imaginário social dos acompanhantes da enfermaria pediátrica é identificado como espaço de tratamento, porém que além de sua funcionalidade clínica apresenta-se como espaço de construção simbólica, subjetiva, a partir das vivências significativas que cada sujeito presencia no espaço hospitalar.

Portanto, as vivências dos sujeitos apresentam-se como mananciais do simbólico, identificando o imaginário social do espaço hospitalar para além de espaço de tratamento, mas também um espaço de alteração do cotidiano e de relações interpessoais, espaço de dor, sofrimento, morte, e doença, mas também um espaço de possibilidades, diversidades, encontros e vida.

 

DISCUSSÃO

Com os achados, foi visualizada a indissociabilidade dos conteúdos trabalhados, atentando que a construção imaginária é constituinte de significados que perpassam a dimensão filosófica e instauram-se em uma vivência real. Pensamos o nosso fazer terapêutico ocupacional no ambiente hospitalar, como a busca da promoção de oportunidades para que os usuários pudessem usar de forma criativa/construtiva o seu período de hospitalização.

Percebemos que o trabalho com fotografia não só nos permitiu identificar o imaginário, por meio das imagens concretas tiradas da realidade vivenciada, como também contribuiu para uma nova experiência no hospital: sair fotografando o hospital, explorando-o, rompeu com significações herdadas sobre como se deve vivenciar a hospitalização – sentado na cadeira, dentro da enfermaria, deitado na cama, isto é, vivência inerte- construindo novas significações a partir de uma experiência oposta, uma vivência dinâmica, libertária. Assim, percebemos o movimento constante de significados atribuídos ao espaço hospitalar a partir desta vivência, significações estas que se manifestam no imaginário.

A priori a terapêutica ocupacional que optamos por realizar, tinha um caráter apenas investigativo, de identificar o imaginário dos sujeitos da pesquisa sobre o espaço hospitalar. Porém, observamos que apesar de o intuito não ser de trabalhar de maneira clínica, os encontros para os sujeitos foram significados como terapêuticos, posto que em seus relatos referiram a importância que estes tiveram no enfrentamento do cotidiano hospitalar e na melhora da saúde integralizada dos mesmos, referendando a necessidade de uma atenção em saúde voltada para estes usuários, como expressa Foco:

É, eu achava que ia ser parecido com...não ia ser "baum", mas até aqui graças a Deus eu não tenho do que me queixar daqui, desse hospital, do passadio, do tratamento. Mudou um pouco a minha visão.

Acreditamos que este estudo teve grande contribuição para os sujeitos: por favorecer uma abordagem diferenciada a estes, permitindo-os vivenciar este novo cotidiano, a partir da exploração do espaço hospitalar pelo recurso artístico, e novas relações com a equipe de saúde, pautadas no diálogo, respeito e humanização.

Observamos que estas vivências possibilitaram-lhes experimentar outras formas de promover saúde, pautada no pertencimento, dinamismo e protagonismo. Assim, compreendemos que com a apropriação destes conceitos, os sujeitos operaram transformações, não só nos materiais produzidos, mas também em si mesmos, o que consequentemente refletiu sobre a construção de novos significados acerca do espaço hospitalar.

Com este trabalho foi possível construir um fazer terapêutico ocupacional para estes sujeitos, reconhecendo sua importância dentro do contexto hospitalar, de modo a caracterizá-los como sujeitos hospitalizados que assim, como os outros, necessitam de uma atenção diferenciada, precisam ser ouvidos, acolhidos e acompanhados.

Acreditamos que esta pesquisa amplia os horizontes de atuação da Terapia Ocupacional, uma vez que lança um olhar diferenciado sobre o acompanhante no espaço hospitalar, percebendo-o enquanto sujeito de sua própria saúde, protagonista, sujeito artista.

A partir deste estudo percebemos que vivemos sobre a ação constante do imaginário, pois é ele que nos permite atribuir sentido as coisas, criar e recriar significados, romper com pensares herdados e fechados.

Não conseguimos mais vislumbrar a ação terapêutica sem a ação imaginária, uma vez que se o imaginário é uma rede de sentidos, estes só existem a partir de um afetamento, ou seja, quando me deixo afetar por alguém ou algo, significo esta experiência. No fazer terapêutico ocupacional, buscamos afetar diretamente as pessoas, quer pela atenção dispensada a elas, quer pelas propostas desenvolvidas, quer pela valorização do ser integral, ocupacional e social, enfim, a Terapia Ocupacional, pelo seu caráter, afeta aqueles que do seu serviço usufruem, e assim favorece a construção desta rede de sentidos, favorece a emergência de significados e (re) significações.

Portanto, a partir do pensar complexo trilhado, percebe-se a necessidade da profissão e dos profissionais refletirem sobre seu próprio fazer, de modo a perceber que significados emergem dos espaços onde a prática se dá, mas, principalmente, dos significados atribuídos pelos sujeitos sobre a prática terapêutica, de modo a construir mais do que práticas em saúde, a valorização do ser humano, da sua subjetividade.

 

REFERÊNCIAS

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1Terapeuta Ocupacional. Universidade do Estado do Pará (UEPA)
2 Docente do curso de Terapia Ocupacional da UFPA
3 Docente do curso de Terapia Ocupacional da UEPA

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