SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2Contribuições da terapia ocupacional na atenção à crianças institucionalizadas vítimas de violência sexual índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.2 no.2 São Paulo  2010

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

A fenomenologia em Husserl1

 

Jean Marlos Pinheiro Borba2

Universidade Federal do Maranhão – UFMA

 

"Se assim estiver certo, resultaria daí a Psicologia estar mais chegada à Filosofia – por meio da Fenomenologia – em virtude de razões essenciais, e o seu destino continuar intimamente ligado a ela, apesar de ser verdade que a Psicologia não é nem pode ser Filosofia, tão pouco como Ciência Física." (HUSSERL, 1955, p. 19-20)

Inicialmente saúdo a todos os participantes do evento e trago comigo o cordial abraço dos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica e dos docentes que compõem o Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.

O texto pretende contribuir com os estudos na Universidade Federal do Pará - UFPA, preferencialmente àqueles colegas docentes e discentes que tem a fenomenologia enquanto atitude intelectual e/ou método de trabalho ou investigação. A fenomenologia husserliana se preocupa em "retorna a coisa mesma"para compreender o que são e como os fenômenos surgem à consciência. Ratifico a urgência de termos claramente os fundamentos que sustentam o olhar fenomenológico e o olhar existencial. Tentarei as críticas e as contribuições da fenomenologia para as ciências em geral e para a Psicologia, mantendo, neste momento um diálogo com a Gestalt-Terapia e com a Abordagem Centrada na Pessoa - ACP. Estas abordagens contemporâneas que também tem uma preocupação clara e notória com o que é humano.

Faço neste momento, agradecimento especial a da prof. Dr.ª Adelma Pimentel que tive brevemente o prazer de conhecer, e que agora proporciona essa vivência. Agradeço também aos professores e aos profissionais que estou tendo a honra de conhecer agora. Obrigado por se disponibilizarem a ouvir.

Pensando no título e tema do evento, gostaria de registrar que tanto a ACP quanto a Gestalt Terapia são dois modos de abordar os fenômenos humanos que, de alguma maneira, reconhecessem as contribuições da fenomenologia e do método fenomenológico, excetuandose as apropriações de métodos e técnicas que fizeram de outras áreas do conhecimento, além de outras especificidades metodológicas que elas próprias desenvolveram.

Na minha formação fui afetado pelo enredo, pela visão de homem, de mundo e de sociedade que a fenomenologia e as filosofias da existência me proporcionaram conhecer, principalmente as visões de Edmund Husserl, de Maurice Mearleau-Ponty, Alfred Schutz, Martin Buber e Carl Rogers me aproximaram da fenomenologia de Husserl. Acho importante dividir isso com vocês, penso que assim entenderão assim parte de minha caminhada, que ainda está sendo construída dia-a-dia. Agora no doutorado, além da fenomenologia, a teoria crítica começa a fazer parte de minhas reflexões e amplia meu horizonte de possibilidades de compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos.

O contato com as obras de Keen (1979), Forghieri (2002), Holanda e Bruns (2003) e Husserl (20006) também foram incentivo para ir a busca de fundamentos sobre a fenomenologia. Assim, posso afirmar que os meus estudos sobre fenomenologia, devo registrar, foram graças às influências das professoras Cristianne Almeida Carvalho da Universidade Federal do Maranhão – UFMA e Prof.a. Ariane Patrícia Ewald do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social - PPGPSI da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ e, nesta última fase do doutorado o prof. Dr. Aquiles Cortes Guimarães, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, estudioso da filosofia e da fenomenologia husserliana, que exerce o papel de co-orientador no doutorado e, responsável maior pelo aumento do meu interesse por Husserl e pelo acesso as obras husserlianas, em grande maioria de difícil acesso. Ressalvo que algumas destas estão sendo traduzidas em Portugal, pois as poucas traduzidas do alemão foram para o francês e para o espanhol, e muitas não foram reeditadas.

A opção por escrever um texto, ao invés apenas de falar é intencional. Seguirei o próprio raciocínio husserliano que ao ser convidado em 1929 pela academia francesa proferiu As Conferências de Paris na Sorbona. Sendo fiel a essa atitude intelectual, farei uma pequena "fala", por favor, a entendam como "A conferência de Belém", tentarei fazer do modo mais reflexivo e concreto possível, tentando conduzir vocês a uma experiência da leitura que fiz e ainda faço das obras husserlianas, em tese ora simples, ora complexas, contudo empolgantes e emocionantes. Como se trata de um texto orientador para minha apresentação, darei a medida do necessário exemplos oralmente e que não serão colocados neste texto. Sugiro inclusive que aqueles que ainda não leram As Conferências de Paris e a Crise da humanidade européia e a Filosofia que o download e leiam a tradução portuguesa que está disponível no endereço http://www.lusosofia.net ou adquiram a obra Husserl (2008) traduzida por Urbano ZIles.

Convido a todos um momento de sua atenção para iniciarmos nossa reflexão.

A fenomenologia está sendo retomada por estudiosos contemporâneos, existe uma necessidade concreta de entender as contribuições da fenomenologia e de suas possibilidades, isso se torna realidade pelo crescente número de eventos, livros e publicações periódicas que revelam o interesse de profissionais, docentes e discentes pesquisadores que se interessam pelas contribuições da fenomenologia, quer enquanto fundamento, quer enquanto método. Tentarei aqui, sem nenhuma pretensão de esgotar ou atingir a perfeição, levantar alguns dos pontos centrais que venho estudando em Fenomenologia, a partir dos textos de Husserl e de alguns de seus leitores que forma víeis aos seus ensinamentos.

Mario Quintana nos ensina: "A resposta certa, não importa nada; O essencial é que as perguntas estejam certas. "Em fenomenologia são as perguntas que mais interessam, não as respostas". Além do poeta, recorro ao próprio Edmund Husserl, mestre intelectual, personificado em livros, artigos e nas pesquisas de inúmeros docentes e discentes que conheci desde quando escolhi iniciar meus estudos e trilhar, dia-a-dia, de modo fenomenológico os fenômenos, tendo A fenomenologia enquanto atitude intelectual.

Da experiência como ser-no-mundo até pesquisador-deste-mundo permite refletir sobre a própria experiência e o convívio com os outros, no caso da fenomenologia a reflexão sobre aquilo que aparece no mundo-da-vida, guia nossa reflexão e atitude, pois toda consciência é no mundo, voltada para ele intencionalmente.

Diante disso, o que Husserl pretendia cruzou, via leitura, minhas inquietações pessoais, profissionais, acadêmicas, teóricas e permanece até agora como um estudo contínuo, diário e denso, contudo necessário para que seja possível adentrar no pensamento dos fenomenólogos com a propriedade devida e a seriedade necessária.

Penso inicialmente na coragem e na dificuldade que Husserl e outros pensadores tiveram naquela época para realizarem suas investigações, suas pesquisas e publicarem o tanto quanto publicaram. E que até hoje muitas de suas obras ainda não foram traduzidas. Foram 25 husserlianas ainda não temos nem 50% destas obras traduzidas para o português, o que dificulta nosso acesso à fenomenologia husserliana. Até hoje, 2010 muitas das obras de Husserl ainda não foram traduzidas, e por quê? Algumas razões podem ser apresentadas, uma delas é o fato de que a ciência dominante não apoia quem a contradiz. Um conhecimento que de algum modo coloque em choque um os ranços do positivismo não será bem vindo para muitos no meio acadêmico, social e profissional. Quantos são aqueles que estudam o pensamento husserliano hoje no Brasil? Quem são eles? O que produzem? Tenho acesso um número ainda muito tímido de pesquisadores. Uma pesquisa dessa ordem intencionamos fazer.

O pensamento husserliano tem voltado a tema central de livros e periódicos pelas mãos de Creusa Capalbo, Aquiles Cortes Guimarães, Tommy Akira Goto, João Ribeiro Jr. e Ângela Ales Belo, preferencialmente.

Há que se destacar alguns pontos em relação à história do movimento fenomenológico para compreender alguns pontos da lenta emergência do pensamento husserliano no mundo e no Brasil. É relevante ratificar que foi graças ao padre Van Breda que muitas obras de Husserl foram salvas do poder do nazista, da fúria da ciência incomodada pelas inquietações daqueles que de algum modo ousaram pensar diferente. O arquivo de Husserl foi fundado na Lovaina em 1939, onde se mantém organizada a gerência das obras husserlianas (manuscritos originais, obras póstumas, documentos da sua vida acadêmica, cartas escritas por ele ou escritas para ele, e sua biblioteca particular de filosofia). A estenografia era usada por seus alunos e discípulos para transcrever as ideias de Husserl.

Apesar de a fenomenologia inaugurar uma nova fase na filosofia contemporânea, ela ficou esquecida por alguns tempos, sendo geralmente associada ao existencialismo, como se dele dependesse. Ao "fugir"dos movimentos ideológicos dominantes que vigoravam na época Van Breda prestou grandes serviços à humanidade. Anos mais tarde os pensadores frankfurtianos também sofreram grandes pressões pelas suas ideias e tiveram que abandonar temporariamente suas cidades-natal para poder continuar com a propagação de suas ideias.

Falar da fenomenologia de Husserl é tarefa complexa, em função disso, para que se possa compreender bem o que tanto primou Husserl, os fundamentos, é necessário ir às suas obras e selecionar muito bem os comentadores que não alteram seu pensamento, mas o esclarecem com propriedade. O meu aprofundamento nos estudos husserlianos se iniciou em março de 2009 com o prof. Dr. Aquiles Cortes Guimarães do IFCS-UFRJ, e de lá até o presente momento percebo a necessidade sempre ir mergulhando um pouco mais em cada obra para poder obter a clareza e a fundamentação necessária que delas emergem.

Lembremos Husserl (2006, p. 75):

Desta maneira, na consciência desperta eu sempre me encontro referido a um único e mesmo mundo, sem jamais poder modificar isso, embora este mundo varie em seu conteúdo. Ele continua sempre a estar "disponível"para mim, e eu mesmo sou membro dele. Este mundo, além disso, não está para mim aí como um mero mundo de coisas, mas, em igual imediatez como mundo de valores, como mundo de bens, como mundo prático.

Façamos uma epoché: Uma vez que teorias significam aqui toda e qualquer espécie de pré-concebimento que já nos digam o que uma coisa é, deve ser ou será. Nas investigações devemos nos manter rigorosamente afastado de pré-definições: "As teorias entram em nossa esfera apenas como fatos de nosso mundo circundante, não como unidades de validez, efetivas ou supostas."(HUSSERL, 2006, p. 77). Esse modo de ver já introduz o pensar fenomenológico, assim faz necessário o uso da epoché.

A epoché é uma atitude que se caracteriza pela abertura da consciência à experiência. Por isso é preciso ter o cuidado de não se fazer uma epoché no sentido positivista, não se trata de uma ciência livre de teoria ou livre de metafísica, quer pela redução ou outro meio. Assim, como assegura Husserl (2006, p. 78-79; 81) é preciso "tirar de circuito", "pôr entre parênteses"nossa atitude natural:

Tiro, pois, de circuito todas as ciências que se referem a esse mundo natural, por mais firmemente estabelecidas que sejam para mim, pro mais que as admire, por mínimas que sejam as objeções que pense lhes fazer: eu não faço absolutamente uso de suas validades. Não me aproprio de uma única proposição sequer delas, mesmo que de inteira evidência, nenhuma é aceita por mim, nenhuma me fornece um alicerce – enquanto, note-se bem, for entendida tal como nessas ciências, como uma verdade sobre realidades deste mundo. Só posso admiti-la depois de lhe conferir parênteses. Quer dizer: somente na consciência modificante que tira o juízo de circuito, logo, justamente não da maneira em que é proposição na ciência, uma proposição que tem pretensão à validez, e cuja validez eu reconheço e utilizo.

Noções como essa precisam ser bem digeridas com o tempo, a fim de que tenhamos clareza da proposta da fenomenologia husserliana, mas só hoje não é suficiente. É pela via da leitura e reflexão sistemática que atingiremos este patamar. Ressalvo que ainda há professores, pensadores e profissionais acabam por fazer uso da fenomenologia, em sua maioria, sem ter se aprofundado nos estudos de base, ou seja, na fenomenologia husserliana, muito inclusive leram seguidores, comentadores e dissidentes e, a partir disso construíram seus caminhos, seus modos de pensar e professar a fenomenologia. Entretanto, não se aproximaram dos textos originais, fato que se revela inclusive nas formações de Psicólogo.

Em se tratando da educação superior observo que é muito comum que nas instituições de ensino superior brasileiras, se tenha nos programas das disciplinas Teorias da Consciência, Psicologia Fenomenológica, Psicologia Humanista, Psicologia Existencial- Fenomenológica (quer que nome recebam) e muitas outras, há ausência de obras de Husserl tantos nas referências, quanto nas bibliotecas. Raramente existem e, quando isso acontece, apenas uma obra é citada, e os estudantes, futuros profissionais acabam por não ter acesso ao legado husserliano, e, por conseguinte, não entendem sua importância e densidade. Muitas preferem caminhos menos densos, mais explicativos, nos quais outras teorias já promovem a priori um enquadramento, o que não é o caso da fenomenologia.

Há docentes e profissionais que acham não ser necessário um aprofundamento em fenomenologia husserliana para poder exercer a sua prática, respeito essa posição, mas entendo que é bem possível estarem muitas vezes cometendo equívocos quanto ao uso de conceitos e do próprio método. Dos contatos que tive com vários profissionais, estudantes e professores a maioria ao ser inquirida sobre a fenomenologia refere-se apenas a Sartre e a Heidegger, muitas vezes sem ter se voltado a Husserl. É preciso rever isso!! É preciso que os profissionais da psicologia criem o hábito de "ir à coisa mesma", ir ao fundamento, usar a reflexão para entender o que é isso que se apresenta a consciência enquanto um fenômeno para dela poderem falar com mais propriedade. Sou consciente que não é tarefa fácil, mas necessária.

A experiência na condição de discente, na docência e na pesquisa me mostrou isso. E porque isso é realmente necessário? Porque "A fenomenologia não é a ciência dos fatos, e sim de essências"(REALE, 2003, p. 554).

Como Husserl chega ao fundamento?

1.º Colocando-se acima da mera experiência prática, num atitude anti-naturalista;

2.º Despindo-se de todos os preconceitos, orientando-se apenas por uma evidência apodítica (destituída de toda a possibilidade do seu contraditório);

Nesse sentido, Husserl afirma que não pode haver a dúvida cartesiana, mas sim a evidência que exclui a possibilidade de erro e de dúvida. Evidência caminha junto com a intuição, onde a apreensão imediata da vivência à consciência e do significado desta para a consciência se manifesta. É na sua imediatez que a evidência se presentifica.

Husserl propõe que tenhamos uma atitude transcendental que é característica da atividade filosófica, da postura de uma filosofia fenomenológica, que é diferente da atitude natural (ingênua, presa ao fato).

Diz Husserl (2006, p. 76-77) que a imersão no mundo natural depende da consciência e estar ou sair dele depende de uma atitude: "O mundo natural permanece então à disposição de todos nós e nele permanecemos de modo irrefletido."

"A fenomenologia husserliana buscou constituir-se como uma filosofia primeira, ou seja, uma autêntica filosofia, genuína e fundamental, em uma época em que a razão perdeu crédito em relação à ciência"(GOTO, 2008, p. 33).

Pensando neste evento destaco o disse Husserl (2001, p. 23) em Meditações Cartesianos, afirmação que cabe muito bem neste momento de nossa reflexão "Existem ainda Congressos Filosóficos, neles os filósofos encontram-se, mas não as filosofias. O que falta a elas é um "lugar! Espiritual comum em que possam tocar-se e fecundar-se mutuamente."

Espero que hoje aqui não apenas os psicólogos e filósofos se encontrem, mas também as fenomenologias e as psicologias. Que independente do ponto de vista que temos, consigamos perceber outros pontos de vista, isso se aplica a mim também.

Neste momento vale apresentar a vocês a belíssima reflexão que Soares (2006, p. 13) ao prefaciar a obra de Severiano e Estramiana, quando ratifica o exercício de um pensamento plural:

Torna-se essencial, então, propor o exercício intelectual de conhecer e comparar perspectivas teóricas dissonantes. Para isso, são necessárias uma disponibilidade interior de mudança, cada vez mais escassa, e uma flexibilidade de pensamento antidogmática. Afinal, ao escolher janelas conceituais, aprendemos a perceber diferentes aspectos da realidade, que possibilita a tolerância com a alteridade- uma tolerância que não significa aceitação passiva ou conversão de qualquer espécie, mas expressão tensa e potencialmente conflitiva entre lógicas diversas de pensar e viver. Essa tolerância tem como princípio o ato de aceitar e defender a existência real e concreta "do outro", daquilo, daquilo que, não sendo eu provoca em mim um estranhamento. Em suma, ela gera uma expectativa esperançosa de uma contrapartida semelhante.

É muito comum se dar nomes aos pais das escolas de pensamento, então quando se fala em Psicanálise lembra-se de Freud, em comportamentalismo –Skinner, em Gestaltterapia – Pearls, em Pessoa – Rogers, em Teoria do Campo – Kurt Lewin, em Arquétipo - Jung, então, precisamos aproximar a comunidade da origem, como diria Husserl do fundamento, é necessário deixar claro quem é Edmund Husserl para a fenomenologia e deixar claro os caminhos percorridos para que interpretações e apropriações indevidas não seja feitas da idéias da fenomenologia. Além disso, nos faz ir à própria fonte ou em leitores fiéis ao pensamento de Husserl como fazem os professores Aquiles Guimarães e Ângela Ales Belo, Jean-François Lyotard e Creusa Capalbo.

Na primeira meditação cartesiana Husserl (2001, p. 29) com considerável delicadeza intelectual diz ao esclarecer como se devia tratar a evidência e a questão do fundamento, ele diz:

(...) o estudioso quer não apenas emitir julgamentos, mas fundamentá-los. Ou mais exatamente, ele se recusa a atribuir a um julgamento o título de "verdade científica", para si e para os outros, se de antemão não o fundamentou perfeitamente, e se não pode a cada momento retornar livremente a essa demonstração para justificá-la até em seus mínimos elementos.

Já ouvi afirmações muitas afirmações incoerentes com a proposta da Fenomenologia de Husserl, tais como, a de que ela não se preocupa com a existência (Dasein, que é de origem alemã), sério equívoco, a fenomenologia apenas não deu o mesmo foco que as filosofias da existência se propuseram a dar, mas Husserl se debruçou sobre o mundo-davida de maneira a pensá-lo em suas conexões com a subjetividade. Sim, conexões, Husserl sempre pensou em termos de relação-com, ou melhor, noema-noesis. Em Krisis ele estava preocupado com o modo que a cultura europeia estava completamente subordinada a Razão, e ainda que destacasse que havia ocorrido um trasnvio da racionalidade com uma interpretação demasiado estreita, em sua visão isso traria conseqüência futuras graves à humanidade. Um inconsequente superracionalismo e um heroísmo da razão. (ALVES, 2008)

Guimarães (2009, p. 75) explica a importância de se compreender o que é fundamento: "(..) Nesta perspectiva fenomenológica, o fundamento de todas as coisas é o mundo da vida que antecede todo juízo sobre ele. A natureza antecede as ciências naturais, a sociedade antecede o Direito e assim por diante."O fundamento de tudo para Husserl é a consciência, não como um ato, não como um conteúdo, mas como um modo de ver, modo este ver que é direto, livre de pré-julgamentos. Em relação a isso é importante que este modo dever não é aquilo que muito entendem como neutralidade científica, isso quem faz, ao fazer usa os fundamentos do positivismo lógico.

É importante destacar que a fenomenologia mais une que separa pessoas e perspectivas de diferentes áreas do conhecimento. Ela pode ser observada em várias práticas profissionais, mesmo que muitos não se deem conta que a utilizam. Existem ainda alguns profissionais que não compreendem a fenomenologia como uma atitude intelectual e, a utilizam apenas como um método. Para alguns é possível, porém observo que ao fazer isso sem conhecer os propósitos centrais, sem compreendê-la como uma postura filosófica em primeiro momento, comete-se um reducionismo, pois muitas vezes, a veem apenas como uma "ferramenta". Ao "utilizar"a fenomenologia como um modo de acessar o fenômeno é necessário lembrar a orientação central de Husserl (1907; 1990, p.46) para que não se acabe fazendo uso de modo positivista:

Mas então o que é a fenomenologia? O que busca? Que método utiliza? Como acessa os fenômenos? Que contribuições pode dar para a compreensão dos fenômenos contemporâneos numa sociedade onde o capitalismo define as relações interpessoais?

Inicialmente recorrerei ao próprio mestre Husserl (1990, p. 46): "A Fenomenologia – designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científica; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, ´fenomenologia´ designa um método e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método3 especificamente filosófico."

O método fenomenológico geralmente nos é apresentado como possuindo dois passos:

O primeiro passo consiste em uma epoché, ou epoché, a suspensão provisória da nossa crença na vigência de uma ciência ou teoria psicológica, colocando-se tudo isso "entre parênteses". Com essa atitude, o fenômeno que se apresenta à consciência, aparecerá, para sermos víeis a expressão husserliana, ele mesmo em "carne e osso"(HUSSERL, 2006; GUIMARÃES, 2008).

À fenomenologia e à psicologia de base fenomenológica e fenomenológica– existencial interessa o vivido na sua manifestação originária, pois só aí conseguimos evidenciar o seu significado como garantia da coexistência humana, já que a essência do homem é a sua existência e a coexistência integra essa essência de maneira indissolúvel. A epoché fenomenológica, a colocação das teorias psicológicas "entre parênteses", é uma atitude psicológica representada por um regresso à subjetividade, pois o que está posto como objeto de esclarecimento é a conexão ente o ser do fenômeno psicológico e o saber do fenômeno psicológico. É, pois, na subjetividade, na consciência, no ego transcendental que a sua verdade aparece na manifestação absolutamente radical, já que toda objetividade só pode ser legitimada a partir da subjetividade. Um objeto só terá sentido, só adquire sentidos a partir da intencionalidade intuitiva da consciência, pois a verdade é o acontecimento que interliga o sujeito humano ao mundo vivido (GUIMARÃES, 2008)

A segunda etapa, etapa transcendental, corresponde ao momento articulado da evidenciação formal das categorias entrelaçadas no conjunto de significações ou essências intuídas na imediatidade da manifestação do mundo da vida. Essa etapa se encarrega da evidenciação das essências como significações e sentidos dos objetos ou fatos constitutivos do nosso vivido imediato. Se fenomenologia é "ciência do vivido", o fundamento último dessa ciência está enraizado no plano transcendental da consciência pura, pois é o lugar de toda evidenciação possível. (GUIMARÃES, 2008, p. 25-26)

Assim como afirma Guimarães (2008, p. 73): "a fenomenologia não se interessa imediatamente pelos objetos ou pelos fatos, mas pelos sentidos que neles podem ser percebidos. Fenomenologia é o ato de perceber e descrever as essências ou sentidos dos objetos. Enquanto as ciências positivas buscam suas verdades nos fatos, a fenomenologia descreve essas verdades a partir da percepção das essências dos fatos, pois é nelas que os seus sentidos se revelam tas quais são."

A fenomenologia inaugurada por Husserl é resultado das intensas leituras, aproximações e reflexões que ele fez das obras e pensamentos de Aristóteles, Tómas de Aquino, Franz Brentano, René Descartes e Immanuel Kant e, principalmente do seu próprio caminho de investigação.

Apoiando-se no conceito de intencionalidade de Brentano, Husserl caminha e descobre algo que as ciências positivas haviam separado o sujeito do objeto, a intenção, a consciência do mundo. Partindo disso, Forghieri (2002, p. 15) quando relembrando as orientações de Husserl destaca: "A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido; é ela que unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a saída de si para o mundo que tem uma significação para ele". As palavras da professora nos fazem destacar a proposta husserliana ainda com mais veemência, a verdade está na relação, nem no sujeito, nem no objeto em si, mas sim no sentido que a consciência atribui.

Após o contato com a ideia de intencionalidade de Brentano, Husserl referencia Descartes por ter sido aquele que inaugurou um novo modo de ver a subjetividade. E, parte, principalmente, da leitura das Meditações, na qual é sua inspiração para escrever Meditações Cartesianas que considera como sendo uma introdução à fenomenologia, e um novo tipo de filosofia: "Descartes inaugura, de facto uma filosofia de tipo inteiramente nova. Esta, ao modificar todo seu estilo, empreende uma viragem radical do objetivismo ingênuo para um subjetivismo transcendental, que em tentativas novas, e, no entanto, sempre insuficientes, aspira a uma forma final pura4."(HUSSERL, 1929, p. 3)

Essa ingenuidade que de que falou Husserl, o motivou a se debruçar, ainda mais, no tema da subjetividade transcendental e o contribuiu para que ele elaborasse uma Fenomenologia da Consciência. Husserl deixou, em toda em sua obra, sua clara opção por reconhecer os passos do filósofo francês visto considerar que ele deu consideráveis contribuições, grande passo para compreender a subjetividade, apesar de ter tido uma perspectiva diferente.

Sob esta questão no epílogo de Meditações Cartesianas, Husserl (2001, p. 166) nos diz:

A vida cotidiana é ingênua. Viver assim é engajar-se no mundo que nos é mostrado pela experiência, pelo pensamento; é agir, é emitir julgamentos de valor. Todas essas funções intencionais da experiência, graças às quais os objetos estão simplesmente presentes, completam-se de maneira impessoal: o sujeito nada sabe delas.

Na mesma obra Husserl destaca também a sua diferença no modo de abordar o ego, esclarecendo que Descartes estruturou sua dúvida metódica para explicitar o ego res cogito, coisa pensante, como modo de ser da razão que coisifica o ego, já Husserl vê o ego como a própria consciência enquanto resíduo fenomenológico, pois ele é o pólo ideal de onde parte a consciência que está sempre voltada para o mundo5. Discute a necessidade que o filósofo no exercício da fenomenologia terá de passar da atitude natural para a atitude fenomenológica.

'Fenomenologia' – designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, 'fenomenologia" designa um método e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método especificamente filosófico.

Compreender que a fenomenologia proposta por Husserl é antes de tudo, uma postura filosófica e não apenas um método, mas ambas, abre outra perspectiva para se acessar o fenômeno que aparece a consciência.

Em recente artigo Guimarães (2010, p. 15) revendo suas considerações anteriores ao tratar de uma teoria fenomenológica para o Direito ratifica:

A fenomenologia é uma atitude e não um método propriamente dito. Como atitude, o pensar fenomenológico visa a descobertas dos sentidos e significados dos objetos, independentes das categorias explicativas. Como? Pela via da intuição e descrição das suas essências e suas conexões de sentidos. Isto não significa abandonar as categorias explicativas utilizadas pelas ciências positivas, mas suspender a sua vigência para atingir o objeto naquilo que ele é, como um complexo de sentido.

O resgate da relação entre Filosofia e Psicologia Husserl faz em "A Filosofia como Ciência de Rigor". Foi com muita delicadeza intelectual, crítica e aprofundamento da sua perspectiva que ele refletiu sobre o avanço desenfreado do pensamento naturalista, no historicismo e do idealismo. Discutiu o apego ao psicologismo, as consequências do historicismo, da idelogia, e principalmente a naturalização da consciência e das ideias, no momento em que a ciência e a psicologia tentaram nivelar a consciência aos fatos naturais e as normas da razão lógica. Tratar a consciência como um fato natural é coisificá-la, apenas como um objeto separando-a do sujeito.

Nas palavras de Husserl O que é então a consciência? Para Husserl (2006, p. 84) a consciência é "resíduo fenomenológico". A consciência não é conteúdo.

Guimarães6 (2009, p. 70) diz que a consciência é fluxo, consciência é sempre movimento em direção a algo, a alguma coisa, ela é "essa abertura ao mundo em busca dos sentidos da própria racionalidade à qual o homem procura submetê-lo para seu domínio".

Hoje quando ligamos a TV e vimos o noticiário falando das calamidades com as enchentes, com os deslizamentos no RJ, nas enchentes no interior do Maranhnão, das manchetes com a barbárie, com a insegurança e com a emergência diária de tecnologias e empresas do setor de segurança privada. Um mundo onde o brinquedo e as brincadeiras de criança foram paulatinamente sendo substituídas pelas tecnologias, o encantamento pela tecnologia, fez celulares, games, armas de brinquedo, virarem modos de agredir o outro "mesmo que n nível da fantasia". A agressão verbal "virou"brincadeira etc... A sociedade está em caos, às soluções geralmente são tecnológicas, e não dão conta das questões relacionais. Armas passaram a serem utilizadas por crianças como brinquedo e depois como instrumento de trabalho diário – com acontecem nas favelas e em exércitos de guerrilhas em algumas culturas.

Os cientistas do modelo geral tentam a todo custo encontrar causas para fenômenos humanos e sociais, ainda com a perspectiva natural, infelizmente. Ao fazerem isso perdem de vista o fenômeno em si, tentam enclausurá-lo, isolam as variáveis que interferem, testam outras e perdem o fenômeno em seu movimento. Eles cercam o fenômeno de explicações, dão a ele a configuração de um fato isolado, criam relações e explicações e por perdem sua essência de vista. Por exemplo, a ciência ainda tenta reproduzir o mundo-da-vida em laboratório, procura ainda responder às situações cotidianas prendendo-as no laboratório.

Na sua época Husserl se preocupou com os destinos da cultura e da humanidade, preocupação esta que ainda pode ser validada. Passados mais algumas décadas, vale lembrar que as escolhas que a ciência fez para o progresso da humanidade fizeram tornaram-se concretas. Tudo se justifica e se explica pelo viés científico e tecnológico. Husserl enxergou, com clareza as consequências futuras do apego à técnica, à ciência, a naturalização da consciência e da subjetividade e ao uso método experimental, na mesma medida Nietzsche também o fez.

Dentre estes pontos Husserl também se pronunciou dizendo não ter nada contra a ciência, mas sim que era preciso repensar de modo urgente, os rumos que ela seguiria se optasse por tornar o método científico seu Deus, a técnica sua serviçal e o capitalismo seu agente financiador.

Hoje em São Luís, em Belém, no Rio de Janeiro e em muitas capitais brasileiras, tenho visto áreas de "vegetação nobre" sendo devastadas para serem construídos inúmeros "condomínios nobres", de luxo ou não, ou até mesmo nestes lugares, depósitos de lixo (resultado de atos "conscientes" e atitudes naturais diante do consumo e da produção). Há de se destacar que os próprios trabalhadores que os constroem habitações, não têm e provavelmente não conseguirão ter um lar digno para morar.

Esse ver direto os fenômenos sociais, que se revelam à consciência, permite perceber que o estado atual que a crise da humanidade chegou não permite mais nem aos homens, nem aos animais e nem a natureza condições dignas de sobrevivência, tudo é justificado racionalmente, ao passo em que se vê pessoas que buscam pelo trabalho construir uma vida, sentirem-se inseridas na sociedade, consumirem, quer sendo trabalhadoras nestes mesmos condomínios de luxo.

Aos que não que não tem condições o lixo e condições subhumanas.

Um outro exemplo é possível e se trata da relação homem animal. Vejamos: _ Animais são mortos em detrimento do lucro capitalista e do comportamento irresponsável e egoísta de muitos "humanos"que preferem ter "consciência ambiental"no discurso do que na prática. A cada dia que passa animais são reproduzidos, principalmente os de raça, sendo transformados em mercadorias e vendidos em pet shops, para satisfazer "gostos"e depois abandonados à sorte, muitos outros são atropelados ou sacrificados. Os abandonados transformam-se em vetores de doença, passam fome e tem sofrimento diário. As pessoas que fazem isso têm consciência? Usam a razão? Na mesma direção estiveram os centros de zoonoses que durante muito tempo, com artifícios legais coletaram e sacrificaram inúmeros animais.

Muitas campanhas de informação e ação poderiam ter sido feitas, tendo um modo assertivo para evitar a proliferação de animais e doenças, tendo ações responsáveis. A única saída é adiantar a morte dos mesmos, uma falência do modelo técnico-científico. Noutra direção, defensores de animais se organizaram e impediram a continuação do holocausto animal, e, com todo envolvimento possível e com recursos próprios tentaram dar soluções mais racionais, sem usarem os argumentos naturalizantes.

Entre os humanos também se vê os que estão à margem da sociedade de consumo contemporânea, estes são marginais e filhos do lixo e das condições subhumanas, cito aqueles que estão em condição de miséria, morando em ruas, alimentando-se de restos de alimentos (quando os encontram), sem identidade, sem dignidade, entregues também á sorte. Na mesma sociedade é possível ver dia a dia, um apego massivo aos bens de consumo, quase sendo determinantes da própria constituição humana, e um número massivo de pessoas só se sente feliz se consumir bens, lazer ou experiências do outro.

A felicidade tornou-se mercadoria adquirida em farmácia, em corpos, em bens e objetos de consumo, tornou-se pílula, passou a ser mensura e estimulada, como por exemplo, associada a dinheiro, sucesso e posição social, propagada hoje pelos livros de auto-ajuda. A felicidade tornou-se um bem de consumo, paga-se por ela.

Mas o que é que se revela? O que é que aparece diante de nós?

Cada fenômeno traz em si mesmo, os elementos suficientes para a sua compreensão, não precisamos, agir para comprovar teorias, nem para refutá-las, em fenomenologia nós vamos, com um olhar atento ao que se mostra diante de nós, buscando compreender o que é que se mostra e como se mostra. Como se mostra à consciência que intenciona, que escolhe, que percebe, que deseja, que fantasia, que age, que produz. Noema e noesis são termos que Husserl utiliza para demonstrar a ligação e a inseparabilidade entre Consciência e Mundo, entre eu e o outro, entre sujeito e objeto, entre a intenção e o objeto intencionado, é através da compreensão da relação entre o pensar e o pensado, entre o lembrar e o lembrado que o vivido, na sua pureza é compreendido.

É mais tudo isso parece complexo? Para uns pode parecer abstrato? Engano daqueles que não se dispuseram a se debruçar sobre os escritos de Husserl e decidiram apenas acompanhar o paradigma científico onde tudo se explica, se comprova e da maneira mais sedutora possível, como uma garantia de "quase certeza".

A fenomenologia proposta por Husserl, só possível, porque ele matemático, com Dr. em Matemática, foi humilde e curioso, não encontrando respostas na psicologia exata moderna (que já estava apaixonada pelo método experimental, presa ao modelo positivista onde se separava sujeito de objeto, consciência do mundo), foi até a Filosofia, estudou e percebeu que a filosofia também caminhava na mesma direção da psicologia da época, empolgada com os encantos do poder da ciência, perdeu-se. É diante desse cenário que Husserl pensa num método de rigor, que hoje é usado na clínica, na academia, na pesquisa, e na vida daqueles que decidiram tentar compreender e não apenas explicar as coisas.

A máxima de Husserl "voltar às coisas"mesmas, promovendo uma redução, não no sentido de reduzir, mas de reconduzir ao sentindo fundante, o fundamento, a essência. Segundo ele a consciência é o fundamento próprio do homem, pois todos os atos humanos são atos intencionais, assim a fenomenologia propõe a "análise das essências, entendidas como unidades como unidades ideais de significação, elementos constitutivos do sentido de nossa experiência."(MARCONDES, 2001, p. 258)

Hoje, para se fazer pesquisa ou realizar uma prática profissional tendo a fenomenologia como fundamento é necessário principalmente compreender que ela não é apenas um método ou um método qualquer, em que se decide aplicar para se chegar a um resultado e pronto.

É preciso estar disposto a conhecer, a estudar os fundamentos para se ter clareza do que se está fazendo e do que se fará. É imprescindível desenvolver uma atitude fenomenológica diante do mundo, diante da vida e do fenômeno que se revela, e isso requer disciplina, estudo, leitura, experienciação, enfim viver a fenomenologia. Se apenas o pesquisador se decidir a usá-la como um simples método, dentro de caixinhas teóricas, terá grande decepção ou dirá: isso é uma abstração da realidade, não é possível se ter validade. Outra questão vem à tona: o que é validade? O que é que é válido? Que sentido está sendo dado ao válido?

É bom lembrar que uma teoria são lentes (às vezes de aumento, às vezes de redução) que o cientista utiliza para investigar um fenômeno, ao contrário dessa perspectiva Husserl propôs que olhássemos para o fenômeno, sem lentes, mas olhando para ele e tentando perceber nele mesmo o que ocorre, como ocorre e no momento em que ocorre. Fez uma proposta de rigor no sentido de abandonarmos a atitude natural e ingênua perante o mundoda- vida.

Se o pesquisador não deixar de lados às lentes da mentalidade positivista, não conseguirá compreender o que é, como é utilizado e nem tampouco para que ser o método fenomenológico. É preciso estar disposto a ter uma atitude intelectual diferente da atitude natural, é preciso ter uma atitude crítica, uma atitude fenomenológica.

Tendo admitido a influência de outros pensadores, Husserl propôs um modo de ver que extrapolou o campo da filosofia, e se estendeu para outros campos, tais como: a ética, a psicologia, a sociologia, o direito, a educação, a geografia, a literatura, a enfermagem, a psiquiatria etc.;

Diante destas questões iniciais que apresentei, recomendo lerem e relerem obras de Husserl a quem seja possível terem acesso, e tentem uma aproximação mais íntima com a fenomenologia e com os outros fenomenólogos que o seguiram, tais como: Paul Ricouer, Karl Jaspers, Maurice Mearleau-Ponty e Alfred Schutz, por exemplo. É possível também que se tenha um esclarecimento com os trabalhos de pesquisadores brasileiros mais recentes tais como os dos professores Adriano Holanda, Aquiles Cortes Guimarães, Tommy Akira Goto e Carlos Tourinho.

Husserl propôs uma Fenomenologia da consciência e acima de tudo, deixar claro que, quem opta pela fenomenologia, antes de tudo, por uma atitude intelectual filosófica, na apenas por um método. Um fenomenólogo está sempre buscando a passagem da atitude natural (ingênua, crer na possibilidade de cisão homem-mundo) para uma atitude fenomenológica (que visa à essência e tem uma postura crítica).

Um Psicólogo que tenha a fenomenologia como atitude filosófica estará sempre preocupado em não usar lentes teóricas, nem produzir explicações com base em hipóteses formuladas, ele buscar nessa postura filosófica libertar-se da atitude natural e de conceitos prévio que o impeçam de ver, sentir, perceber e olhar o fenômeno como ele se apresenta e não naturalmente.

Deve lembrar que Husserl propôs um processo inverso das ciências naturais, ou seja, descrever e analisar as essências, promovendo a elucidação do sentido originário, independente da observação ou posição em que o objeto se encontra, deve-se também ter sempre claro que o sujeito jamais está separado do objeto, que a consciência nunca está separada do mundo, e ainda que, em fenomenologia reduzir tem o sentido de reconduzir e não de reduzir no sentido natural. A relação entre consciência e mundo é sempre indissolúvel. Buscará o psicólogo voltar à origem do fenômeno, buscar aquilo que o funda, não como causa, mas como essência, ou seja, como estrutura invariante. Lembrará também que a marca característica de todos os fenômenos psíquicos é a intencionalidade: a Consciência é intencional.

Espero ter clarificado alguns conceitos e inquietado ainda mais aqueles que desejam conhecer a fenomenologia e pretender ter uma atitude fenomenológica no mundo-davida.

Bons estudos, estou a disposição no Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica onde atualmente estamos na condução de um projeto sobre as várias faces da literatura de auto-ajuda e seu consumo.

Temos uma comunidade virtual no yahoo grupos que pode ser acessado por qualquer um de vós no endereço abaixo: http://br.groups.yahoo.com/group/FenomenologiaPsicologiaFenomenologicaeFilo sofiasdaExistencia/

 

 

REFERÊNCIAS

BELLO, Ângela Ales. Introdução a Fenomenologia. Bauru, SP: Edusc, 2006.         [ Links ]

BRUNS, Maria Aves de Toledo, HOLANDA, Adriano Furtado (org.). Psicologia e Fenomenologia: reflexões e perspectivas. Campinas, SP: Alínea, 2003.         [ Links ]

FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica: fundamentos, método e pesquisa. São Paulo: Pioneira Thonson Learning, 2002.         [ Links ]

GUIMARÃES, Aquiles Côrtes. Para uma eidética do Direito. Cadernos EMAF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 15-31, abr./set. 2008.         [ Links ]

_______________________. Para uma teoria fenomenológica do Ditreito – I. Cadernos EMAF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 1-132, abr./set. 2010.

GOTO, Tommy Akira. Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. São Paulo: Paulus, 2008. (Coleção Temas de Psicologia).         [ Links ]

_______________________. Edmund Husserl e o fundamento fenomenológico do Direito. Cadernos EMAF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 67-79, abr./set. 2009.         [ Links ]

HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas – Primeiro volume – Prolegómenos à Lógica Pura: de acordo com o texto da Husserliana XVIII editado por Elmar Holenstein. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2005. (Phainomenon - Clássicos da Fenomenologia)

______________________. Idéias para uma fenomenologia pura e para um filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006. (Coleção Subjetividade Contemporânea).         [ Links ]

________________. A idéia da fenomenologia. Trad. de Artur Morão. Lisboa: Edições 70. 1989.         [ Links ]

________________. A filosofia como ciência de rigor.         [ Links ]

________________. Meditações Cartesianas: Introdução à Fenomenologia. São Paulo: Madras, 2001.         [ Links ]

________________. Conferências de Paris. Trad. Artur Morão e Antônio Fidalgo. Lusosofia. Disponível em: <www.lusosofia.net>. Acesso em: 26 ju. 2010.         [ Links ]

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos A Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Ed., 2001.         [ Links ]

OLIVEIRA, Benerval. A fenomenologia no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 1983.         [ Links ]

RIBEIRO JR., João. A fenomenologia. São Paulo: Pancast, 1991.         [ Links ]

SILVA, Fernando Antônio Nascimento da. Fenomenologia e Psicologia: uma relação epistemológica. Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 2, n. 1, jan./jun. 2009.

ZILES, Urbano. A fenomenologia husserliana como método radical. In.: A crise da humanidade e a filosofia. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 12-5. (Coleção Filosofia, 41).         [ Links ]

 

 

1Tento originalmente apresentado na cidade de Belém do Pará no dia 31 de agosto de 2010 durante o V Seminário de Psicologias Fenomenológicas Existenciais, Gestalt-Terapia e Terapia Centrada na Pessoa promovido pelo Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas, Pesquisa e intervenção qualitativa fenomenológicoexistencial - NUFEN da Faculdade e Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Pará – UFPA
2 Professor Assistente do Departamento de Psicologia, responsável pelas disciplinas Teorias da Consciência I e II no curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica e da pesquisa: As várias faces do consumo de literatura de auto-ajuda na hipermodernidade.Relato de experiência baseado em projeto de extensão financiando pela FAPESPA (Fundação de amparo à pesquisa do Estado do Pará) e vinculado à PROEX/UEPA (Pró-reitoria de extensão da Universidade do Estado do Pará) Acadêmicos do curso de Terapia Ocupacional da UEPA e extensionistas do projeto que gerou o relato de experiência em questão 3 Sobre o método fenomenológico irei me deter mais adiante já que ele, enquanto atitude intelectual, é o modo como acessarei o fenômeno intersubjetivo
4 Esta citação faz parte das Conferências de Paris proferida por Husserl em 1929, traduzida por Morão e Fidaldo, Lusosofia - Biblioteca On-line de Filosofia. Disponível em:<http://www.lusosofia.net/textos/husserl_conferencias_de_paris.pdf>. Acesso em: 24 out. 2009. UBI - Universidade da Beira Interior – Covilhã
5 Explicação proferida pelo Prof. Dr. Aquiles Cortes Guimarães durante orientação ao ser questionado sobre as semelhanças e diferenças entre o modo de compreender o ego e a consciência em Kant e em Husserl. Instituto de Filosofia e Ciências – IFCS na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), 20 de maio 2009
6 Informação recebida do prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães durante o Seminário de Ética e Filosofia Jurídica no Instituto de Filosofia e Ciências – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Creative Commons License