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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.3 no.1 São Paulo  2011

 

Uma análise crítica sobre técnicas de pesquisa fenomenológica utilizadas em Psicologia Clínica1

 

A critical analysis on thechniques of phenomelogical research used in clinical psychology

 

Shirley, Macêdo2; Marcus Túlio Caldas3

Universidade Católica de Pernambuco

 

 


RESUMO

Neste estudo, busca-se analisar técnicas de pesquisa fenomenológica utilizadas mais recentemente em psicologia clínica. Parte-se, principalmente, da noção da psicologia como ciência fundante, tal como propunha Edmund Husserl, adotando-se o posicionamento de que é necessário que os psicólogos clínicos que empreendem uma pesquisa fenomenológica desenvolvam um espírito questionador, voltado muito mais a repensar constantemente a prática adotada que a etiologia dos problemas investigados. Ao longo da análise, apresentamse especificidades e comparações do uso de técnicas como Entrevista aberta com pergunta disparadora, Versão de Sentido e Narrativa do Pesquisador. Concluiu-se, principalmente, que a sistematização de uma pesquisa fenomenológica depende do manejo do uso da técnica pelo pesquisador, o qual, no contexto da psicologia clínica, deve intervir na realidade pela via do sentido, construindo a retomada da autonomia subjetiva das pessoas e cumprindo seu papel de agente de transformação de realidades sociais.

Palavras-chave: Pesquisa Qualitativa; Psicologia Clínica; Entrevista Psicológica; Narrativa.


ABSTRACT

In this study, it is looked for to analysis techniques of phenomenological research used more recently in clinical psychology. It starts mainly from the psychology notion as fundamental science, as it was proposed by Edmund Husserl, being adopted the positioning that is necessary, so the clinical psychologists that undertake a phenomenological research, develop a questioning spirit, turned much more in to rethink constantly the practice adopted than the etiology of the investigated problems. Along the analyses, peculiarities and comparisons of the techniques are presented, such as Opened Interview with initial question, Version of Sense and Narration of the Researcher. It was ended, mainly, that the systematization of a phenomenological research depends on the handling technique use by the researcher, who, in the clinical psychology context must intervene in reality through the sense, building the retaking of people' s subjective autonomy and accomplishing his/her role as a transformation agent of social realities.

Keywords: Qualitative Research; Psychology, Clinical; Interview, Psychological; Narration.


RESUMEN

Este estúdio pretende analizar las técnicas de investigación fenomenológica de utilización más reciente en psicología clínica. Tiene su punto de partida en la noción de la psicología como ciencia fundacional, según lo propuesto por Edmund Husserl, con la adopción de la postura de que es necessário que los psicólogos clínicos que llevan a cabo una investigación fenomenológica asuman un espíritu crítico, más orientado a repensar constantemente la práctica adoptada do que la etiología de los problemas investigados. A lo largo del análisis se presenta la comparación de las características y del uso de técnicas tales como la Entrevista Abierta con Pregunta, la Versión de Sentido y la Investigación Narrativa. Se concluyó principalmente que la sistematización de una investigación fenomenológica depende de la gestión de la técnica por parte del investigador, quien, en el contexto de la psicologia clínica, debe interferir en la realidad a través del sentido, permitiendo así la construcción de la autonomia subjetiva de los indivíduos y el cumplimiento de su rol como agente de transformación de las realidades sociales.

Palabras-clave: Investigación Cualitativa; Psicología Clínica; Entrevista Psicológica; Narración.


 

 

INTRODUÇÃO

Este texto foi escrito inicialmente para atender a exigência de trabalho acadêmico no curso de Doutorado em Psicologia Clínica da UNICAP. Após alguns estudos e aprofundamentos, pretende-se, aqui, abrir espaço para uma discussão pertinente em torno do tema.

As ideias esboçadas resultaram das reflexões que foram surgindo ao longo do curso, onde se esteve em contato com experiências próprias de anos de prática em psicologia clínica e pesquisa fenomenológica.

A matriz teórica destas ideias se sustenta na Psicologia Humanista, mais especificamente nos ensinamentos de Carl Rogers (1902-1987). Assim, os princípios norteadores das reflexões aqui apresentadas são que o sujeito tem um potencial para o crescimento; o encontro pesquisador-pesquisado é necessariamente construído pelo diálogo; e o mundo da vida se constitui de encontros dialógicos.

Defende-se, por um lado, tal como propunha Husserl, que a psicologia deva ser necessariamente uma ciência fundante (GOTO, 2008), constituída a partir de uma sistematização metodológica que leva ao rigor científico. Por outro, a importância de psicólogos desenvolverem um espírito questionador, voltado muito mais a repensar constantemente a prática adotada que a etiologia dos problemas investigados. Este repensar a prática só tem sentido no espaço do dialógico com o próprio sujeito da pesquisa, que não é um mero objeto de estudo, mas uma pessoa co-participe da construção do conhecimento do psicólogo.

Neste sentido, para se conduzir uma pesquisa fenomenológica, é necessário o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais, já que a fenomenologia deve ser pensada como parte da prática psicológica adotada pelo pesquisador, partindo do pressuposto de que as experiências são intersubjetivas e que, nestas, pesquisador e sujeito da pesquisa são parceiros que estão em contato a partir da intencionalidade da consciência.

O instrumental da pesquisa é a própria pessoa do pesquisador que, ao comunicar seus estudos termina por assumir algo sobre si mesmo. Interessante pensar, aí, quais as expectativas que se tem diante do objeto investigado, o quanto se está implicado com ele enquanto ser-no-mundo e o quanto este objeto tem significado pessoal no âmbito das próprias experiências de vida.

O pesquisador assume sua subjetividade como reveladora do processo vivido na efetivação de práticas psicológicas, adotando uma concepção de pesquisaintervenção na qual a mediação construída entre ele e o participante emerge como um diálogo transformador, cujos significados constituem-se em verdadeiras reflexões acerca de elementos da experiência vivida (Informação verbal4).

Diante do exposto, focar-se-ão duas diretrizes ao longo deste artigo: uma análise de técnicas de pesquisa, enfatizando se elas são adequadas para se pensar recursos favoráveis à pesquisa fenomenológica em psicologia clínica; e apontar especificidades, a partir de comparações entre as referidas técnicas.

 

REVENDO ENFOQUES FILOSÓFICOS E TEÓRICOS QUE FUNDAMENTAM METODOLOGIAS FENOMENOLÓGICAS DE PESQUISA

A fenomenologia como método investigativo da experiência humana foi inicialmente proposta por Husserl, o qual colocava o foco na consciência transcendental (DARTIGUES, 1992; GOTO, 2008).

Husserl destacava a transcendentalidade, que consiste na característica da vivência subjetiva da consciência ao alcançar intuitivamente as coisas. A vivência subjetiva da experiência, contudo, é passível de ser objetivada pela descrição do fenômeno, já que é pela vivência cotidiana que se experiencia os significados das coisas.

Neste sentido, o foco básico de toda construção do pensamento de Edmund Husserl foi garantir que o conhecimento da filosofia e das ciências humanas partisse das experiências cotidianas. O lebenswelt (mundo da vida) constitui o ponto de partida para a compreensão do homem, pois é um mundo constituído por nós, não passível de representação científica, pois todo conhecimento científico deve ser centrado na descrição do conhecimento humano e não nas ideias que se possa ter sobre este.

Posteriormente, Heidegger apresenta a fenomenologia existencial, que pretendia estudar a experiência do ser-no-mundo, partindo da compreensão que necessariamente é préreflexiva (SAFRANSKY, 2000). Os postulados heideggerianos vêm sendo largamente utilizados na pesquisa fenomenológica em psicologia, principalmente por pesquisadores que se utilizam da Narrativa da experiência. Para Dutra (2002), que se baseia nos escritos de Benjamim (1994), criador da Narrativa, a perspectiva heideggeriana, permite a expressão de uma dimensão fenomenológica e existencial, já que a produção de conhecimento se pauta no estar-com-o-outro-no-mundo, numa relação intersubjetiva que ocorre num universo de valores e afetos5.

Tem-se, também, a fenomenologia de Merleau-Ponty e suas concepções de intersubjetividade e da consciência encarnada no corpo, como ponto de partida para se compreender a subjetividade humana (MERLEAU-PONTY, 1980). Para Merleau-Ponty (1945/2006), o mundo é descoberto pelo sujeito que constrói o conhecimento nele mesmo, “enquanto horizonte permanente de todas as suas cogitationes e como uma dimensão em relação à qual ele não deixa de se situar” (p.9). É nesta perspectiva que consiste a principal diferença entre a fenomenologia husserliana e a merleau-pontyana, pois nesta última o filósofo entende que “o maior ensinamento da redução fenomenológica é a impossibilidade de uma redução completa” (p.10).

Já Gadamer, em sua hermenêutica filosófica, os postulados principais são a Tradição, a Conversação e a Fusão de Horizontes. Segundo Lawn (2007), a proposta filosófica de Gadamer é uma revisão da hermenêutica clássica, onde o filósofo propõe que a interpretação está pautada no próprio horizonte de significado do intérprete: “a interpretação está situada dentro do horizonte mútuo do intérprete e da coisa a ser interpretada” (p.13). Ao usar a perspectiva gadameriana em pesquisa, é somente num encontro dialógico com o estranho ao pesquisador que ele pode se abrir para se arriscar e testar suas ideias preconcebidas e seus preconceitos, pois a compreensão é participativa, conversacional e dialógica (SCHWANDT, 2006).

Com esta multiplicidade de significados, muitos rumos foram sendo tomados a partir das concepções de como a fenomenologia, ou as fenomenologias, contribui para a prática e a pesquisa em ciências humanas e sociais.

Já em 1989, Bicudo e Martins enfatizavam o que necessariamente caracteriza uma pesquisa fenomenológica: o pesquisador inicia interrogando sobre o fenômeno, a situação da pesquisa é definida pelos sujeitos investigados, o investigador busca o sentido da experiência e os dados são concebidos como resultados das significações resultantes da tematização do sujeito acerca da experiência.

Estas características são importantes de serem ressaltadas visto que, independente das técnicas e dos procedimentos utilizados, se o pesquisador conduzir uma pesquisa sob estes parâmetros pode considerá-la como fenomenológica. Portanto, estas características definem a sistematização e o rigor científico, epistemologicamente coerente com um fazer fenomenológico de pesquisa.

Em 1996, Amatuzzi tenta situar os diversos fazeres em pesquisa fenomenológica em psicologia e destaca os seguintes tipos: pesquisa fenomenológica como filosofia (praticando-se a redução fenomenológica, chega-se à elucidação do dado imediato da experiência); fenomenologia eidética (elucidação do vivido via redução fenomenológica); fenomenologia hermenêutica (parte-se dos pressupostos heideggerianos sobre ciclo compreensão-interpretação-nova compreensão); psicologia fenomenológica empírica (a partir de dados empíricos, constituídos de depoimentos, buscam-se os elementos dos significados da experiência que permitam acessar a estrutura do vivido); pesquisa fenomenológica experimental (combinar fenomenologia empírica com método experimental, partindo de intervenções no próprio vivido); pesquisa colaborativa (pesquisa conduzida em grupo, onde a partir de um processo grupal chega-se a uma síntese/aprendizado).

Holanda (2001), baseando-se num levantamento sobre as vertentes fenomenológicas de pesquisa, lembra que não se pode falar de um conjunto único de modos de ação de conduzir pesquisa fenomenológica, mas o que se tem observado é que existe uma variedade de formas de investigação de cunho fenomenológico, diversidade que não compromete o rigor científico dos procedimentos adotados.

Seguindo este raciocínio, pensa-se, a partir de experiências próprias em conduzir pesquisas fenomenológicas desde 1996, que, mesmo que inicialmente tenha-se optado por uma tendência mais empírica (por exemplo, MACÊDO, 1998a, 1998b, 1998c, 1999a, 1999b), e posteriormente por uma tendência mais colaborativa (por exemplo, MACÊDO, 2000, 2006; MACÊDO, CALDAS, 2010), sempre houve uma preocupação com um fazer metodológico sistemático e rigoroso para conduzir estes estudos, cuja finalidade última era estudar a experiência e os significados das vivências dos sujeitos envolvidos naquelas pesquisas.

Amatuzzi (2008), numa obra predominantemente humanista com enfoque fenomenológico, argumenta que uma das coisas que caracteriza uma psicologia de inspiração fenomenológica é a importância que esta dá ao vivido.

É esta aproximação com o vivido e a consequente expressão do que nele está contido que sustenta a pesquisa fenomenológica em psicologia. Mas, deve-se, contudo, ter em mente que o vivido só tem caráter de validade de estudo se ele estiver acompanhado de alguma significação trazida pelo pesquisador no contexto do diálogo. Assim, o vivido emerge na consciência, carregado de significados da experiência e, portanto, dotado de sentido investigativo. É partindo deste arcabouço teórico que fundamenta uma sistematização metodológica de pesquisa, apesar da diversidade de fazeres, que se guiará para analisar as principais técnicas utilizadas por alguns estudiosos em pesquisa fenomenológica.

 

ANÁLISE DE ALGUMAS TÉCNICAS DE PESQUISA FENOMENOLÓGICAS RECENTEMENTE UTILIZADAS

Uma das técnicas mais comumente adotadas em pesquisa fenomenológica é a Entrevista aberta com pergunta disparadora. A ideia de pergunta disparadora foi proposta inicialmente por Amatuzzi (1993). Segundo o autor, a vantagem desta pergunta aberta é que ela coloca o sujeito em contato com suas experiências e favorece que ele as descreva, facilitando que o pesquisador alcance os significados do vivido para o sujeito.

Em artigos anteriormente citados (MACÊDO, 1998a, 1999a, 2006), lançou-se mão da pergunta disparadora em entrevistas abertas, e realmente se constatou como ela permite alcançar significados culturais, biológicos, psicológicos, ideológicos, dentre outros (tal como também constatado por MOREIRA, 2004).

A entrevista sendo aberta viabiliza que o pesquisador caminhe pelo discurso do sujeito, acompanhando com ele os significados que vão emergindo e, algumas vezes, a partir da intervenção interrogativa do pesquisador, o sujeito se dá conta de significados da experiência que ele ainda não tinha se apropriado.

É importante deixar claro, no entanto, que o pesquisador não deve perder de vista os objetivos da pesquisa, nem sair do papel de pesquisador, pois, muitas vezes, a entrevista passa a ter um caráter terapêutico, de mudança perceptiva, ou mesmo de mobilização de conteúdos da experiência que o sujeito não estava preparado ou se surpreendeu ao se conscientizar. Portanto, para um psicólogo, isto pode constituir um entrave de exercício de papéis, principalmente se ele for psicoterapeuta também.

Considera-se a entrevista como uma técnica viável a pesquisas fenomenológicas de tendências mais empíricas, principalmente se o pesquisador for analisá-la posteriormente sozinho, a exemplo de proceder com o depoimento a partir dos passos propostos por Amadeo Giorgi (1994), quais sejam: leitura integral do depoimento, encontro das unidades de significado, transcrição destas unidades em linguagem psicológica e encontro dos sentidos em comum compartilhados pelos sujeitos da pesquisa.

Os artigos escritos pela co-autora deste artigo, em sua maioria, consideraram estes passos de Giorgi, e ela constatou como a análise “solitária” do pesquisador, se não segue um rigor científico da sistematização dos passos e do respeito à natureza de uma pesquisa fenomenológica, pode terminar por comprometer o real sentido da experiência para o sujeito.

Amatuzzi (2001) sugere que uma das formas de romper esta limitação é retornar aos sujeitos para que eles confirmem a análise do pesquisador, numa entrevista devolutiva de confirmação. Considera-se esta sugestão viável, justamente para garantir a leitura que o pesquisador faz dos depoimentos dos entrevistados, assim como enriquecer os significa dos que podem aflorar quando deste retorno.

Mas há que se reconhecer que a forma como esta técnica tem sido utilizada por alguns pesquisadores demonstra o cuidado como eles conduzem o instrumento, sem perder de vista os objetivos e estudando os significados da experiência para os sujeitos investigados.

Partindo das concepções de Benjamim (1994), outra técnica que vem sendo utilizada é a Narrativa do pesquisador, que constitui uma comunicação da experiência. Ao traduzir a experiência em primeira pessoa, o pesquisador permite o acesso à experiência intersubjetiva vivida por ele na relação com o(s) sujeito(s) da pesquisa, o que favorece recuperar o sentido da experiência. Este instrumento já traz aquilo que é resultado da própria pesquisa no discurso do pesquisador, permitindo uma compreensão hermenêutica da experiência.

Considerando-se que o saber nasce da imersão nos fenômenos intersubjetivos, com o uso desta técnica, percebe-se que fica evidente que o pesquisador está implicado nos resultados e, portanto, sua narrativa condensa significados compartilhados na experiência da pesquisa, sendo este instrumento adequado à sistematização metodológica de uma pesquisa fenomenológica, sem perder de vista o rigor científico.

Percebe-se a narrativa como um instrumento que condensa a experiência com mais detalhes, no entanto, torna-se interessante lembrar que o pesquisador deve estar disponível à experiência com o sujeito da pesquisa, pois se isto não ocorre, pode acontecer destes significados serem bem “personalizados” ou mesmo anteriores àquela experiência pesquisada, e não compartilhados por ele e pelo sujeito da pesquisa no exato momento da coleta dos dados ou durante o processo da coleta.

O caráter predominantemente dialógico promovido pelo pesquisador com o sujeito pode ser considerado uma pesquisa colaborativa, pois favorece o clima da intersubjetividade, dando consistência metodológica à construção do seu saber a partir das narrativas que ele produz sobre as experiências vividas.

Uma terceira técnica utilizada tem sido a Versão de Sentido (VS), um instrumento criado por Mauro Amatuzzi (1996), que o conceitua como

Um relato livre, que não tem a pretensão de ser um registro objetivo do que aconteceu, mas sim de ser uma reação viva a isso, escrita ou falada imediatamente após o ocorrido, e como uma palavra primeira. Consiste numa fala expressiva da experiência imediata de seu autor, em face de um encontro recém-terminado (AMATUZZI, 1996, p.12).

Tendo-se experiência com o uso deste instrumento ao longo dos últimos anos, tanto na prática de supervisão de estágios quanto na pesquisa em psicologia clínica, percebese que a VS é um instrumento favorável tanto para uma pesquisa de tendência mais empírica, quanto colaborativa, quanto hermenêutica. Amatuzzi (1996, 2008) defende que o sentido para o qual aponta uma VS se torna atual quando ela é colocada num contexto de interlocução presente. Também salienta que a transcrição de uma VS por um pesquisador “seria tão mais apropriada quanto mais ele tivesse participado da re-criação do sentido através de um grupo de interlocução” (AMATUZZI, 1996, p.15).

Assim, o autor do instrumento defende que o sentido da VS emerge necessariamente num encontro grupal. Portanto, acredita-se que a sistematização desta técnica tal como proposta pelo seu idealizador favorece um contexto intersubjetivo de produção de sentido numa pesquisa fenomenológica.

É relevante destacar, no entanto, que VS's devem ser escritas imediatamente após a experiência vivida, para garantir o teor de um instrumento que busca encontrar os significados imediatos do vivido.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Independente da técnica utilizada, o que garante o rigor metodológico é o manejo de tais técnicas pelo pesquisador, portanto, quando a metodologia fenomenológica é adotada, por exemplo, num contexto de atenção / ajuda psicológica, esta deve ser focada no sofrimento humano individual e nas angústias existenciais compartilhadas entre pesquisador e pesquisado(s), sendo importante também contextualizar o momento histórico destas experiências.

A atenção psicológica em instituições deve considerar que a clínica institucional é uma clínica social, que pensa a inserção dos sujeitos em determinados grupos e a interação social destes para compartilhar uma realidade. Portanto, cabe ao psicólogo / pesquisador intervir na realidade pela via do SENTIDO, construindo a retomada da autonomia subjetiva das pessoas e cumprindo seu papel de agente de transformação de realidades sociais. Neste contexto, pesquisa e intervenção se afetam mutuamente, sendo necessário para isso que o psicólogo reveja constantemente seus referenciais. Ao propor um determinado tipo de intervenção, um psicólogo deve conhecer o cotidiano da instituição, pensar a sua inserção no trabalho desta, analisar a possibilidade dos clientes construírem uma modalidade de atendimento / acolhimento, sabendo que sua condição vai ser sempre a de um participante ativo do processo. Em contrapartida, a instituição deve acolher a proposta do psicólogo, considerando o caráter intersubjetivo deste fazer.

 

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1 Trabalho realizado inicialmente na disciplina Seminários em Pesquisa Fenomenológica, lecionada pela docente Vera Engler Cury, no curso de Doutorado em Psicologia Clínica da UNICAP, apresentado no IX Fórum Brasileiro da Abordagem Centrada na Pessoa, Ilha de Marajó, PA, de 04 a 10 de setembro de 2011
2 Doutoranda em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Psicoterapeuta e Conselheira de Carreira. Docente Estácio do Recife e FACHO
3 Doutor em Psicologia. Psiquiatra. Professor do Programa de Doutorado em Psicologia Clínica da UNICAP
4 Nota de aula reproduzida do Seminário sobre Pesquisa Fenomenológica em Psicologia, realizado pela Professora Dra. Vera Engler Cury no Doutorado em Psicologia Clínica da UNICAP, Recife, nos dia 21 e 22 de maio de 2009
5 Esta ideia, no entanto, não é aprovada por alguns representantes da perspectiva heideggeriana em psicologia clínica, visto que, para esses, a noção de intersubjetividade é nociva à compreensão do ser-com.

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