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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.3 no.1 São Paulo  2011

 

Plantão psicológico e sua inserção na contemporaneidade

 

Emergency attendance service and its inclusion in tehe contemporaneity

 

 

Doutora Marcia Alves Tassinari; Wagner Durange

 

 


RESUMO

Refletir sobre os aspectos da contemporaneidade como representantes de uma nova ordem da vida, de dimensão fluida, implicadores de uma dinamização da subjetividade e da sociedade, torna-se um esforço desafiador na busca de compreender o homem atual. Além do mais, exige-se uma (re) avaliação do conceito de saúde para a obtenção de práticas mais salutares. Neste contexto, torna-se fundamental a problematização do papel da psicologia para a adequação de novas práticas de ajuda psicológica para corresponder a demanda social. O Plantão Psicológico surge como uma proposta de serviço da psicologia potente para os desafios do século XXI, especialmente as propostas fundamentadas na Abordagem Centrada na Pessoa. Um exemplo deste tipo de atenção psicológica é oferecido.

Palavras-chave: Contemporaneidade, Abordagem Centrada na Pessoa, Plantão Psicológico.


ABSTRACT

Reflecting on aspects of Contemporaneity as representatives of a new order of life within its fluid dimension which unfolds a dynamization of subjectivity and society, becomes a challenging effort in seeking to understand the modern man. Moreover, it requires a (re) evaluation of the concept of health to obtain healthier practices. In this context, it is fundamental the questioning of the role of psychology to the suitability of new practices of psychological help to meet social demand. The Psychological Emergency Attendance arises as a potent psychological service for the challenges of the twenty-first century, especially the ones raised from the Person Centered Approach. An example of this kind of psychological attention is presented

Keywords: Contemporaneity; Person-Centered Approach; Psychological Emergency Attendance.


RESUMEN

Reflexionar acerca de los aspectos de la contemporaneidad como representantes de una nueva orden de vida, de dimensión fluida, implicadores de una dinamización de la subjetividad y de la sociedad, se convierte en un esfuerzo difícil en la búsqueda de la comprensión del hombre moderno. Además, se requiere una (re) evaluación del concepto de salud para obtener prácticas más saludables. En este contexto, es fundamental problematizar el papel de la psicología acerca de la conveniencia de nuevas prácticas de ayuda psicológica que sean más adecuadas a la demanda social. La propuesta del pronto atendimiento psicológico se presenta como un potente servicio de Psicologia para los retos del siglo XXI, sobre todo las propuestas basadas en el Enfoque Centrado en la Persona. Un ejemplo de este tipo de atención psicológica se oferece.

Palabras-clave: Contemporaneidad; Enfoque Centrado en la Persona; Pronto atendimiento psicológico.


 

 

INTRODUÇÃO

Adentramos na segunda década do séc. XXI e podemos perceber como as mudanças perpassam com velocidade as nossas vidas, exigindo-nos constantes esforços e atitudes para lidarmos com novas questões e desafios, que nos provocam a buscar alternativas pessoais e profissionais.

Este trabalho foi desenvolvido a quatro mãos a partir da revisão do trabalho de conclusão de curso de um dos autores e das reflexões de outro. O binômio professor-aluno vai se misturar no texto, tecendo os fios que formam uma teia múltipla.

O intuito deste artigo é refletir sobre a prática e a teoria de uma modalidade de atenção psicológica, que tem sido denominada de Plantão Psicológico, elencando seus atributos e alguns contextos de sua aplicação, assim como, apontá-lo como uma possibilidade de intervenção com grande potencial mobilizador para a promoção de saúde da nossa sociedade contemporânea. Para isso, tentaremos construir um percurso, caminhando com algumas reflexões sobre os paradigmas nos quais a Saúde, a Psicologia e a Contemporaneidade têm se deparado.

A escolha do tema é relevante por refletir os desafios que a psicologia como promoção da saúde precisa enfrentar. Desafios de si (enquanto ciência) e diante de si (na contemporaneidade), solicitando uma (re) avaliação contínua (tanto na teoria quanto na prática) para não sucumbir aos movimentos complexos e acelerados desta época.

Através do estágio supervisionado em psicologia clínica humanista, onde um dos autores atua como estagiário plantonista e a outra como supervisora e coordenadora do Serviço de Plantão Psicológico, temos percebido que este tipo de atenção psicológica pode oferecer significativas contribuições: como promoção de saúde; democrático com grande amplitude social; viável economicamente; de flexibilidade política – disponível à realidade das instituições em geral; um serviço autônomo ("livre do tempo e do espaço"); adequado às emergências; e de acordo e (co) respondente à época.

 

BREVE PANORAMA DA CONTEMPORANEIDADE

Talvez a principal característica e desafio desta época sejam a rápida e intensa transitoriedade dos fenômenos. Este processo tem permeado e implicado à vida biológica, psicológica e social; ora configurando, ora desconfigurando a realidade das pessoas, lançando-as a incertezas e angústias.

Encontramos em Bauman (2007, p.7) uma reflexão sobre este processo, que segundo o autor,

líquido-moderna" é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.

Assim, a sociedade mutante venceu de goleada a sociedade estagnante (MASI, 2000). Uma dimensão de fluidez (líquida), e não mais sólida, tem radicalizado a dinâmica da vida, abarcando e levando-nos às agitadas correntezas do caos contemporâneo.

Neste sentido, tem sido importante refletir sobre o fazer psicológico e a demanda social, bem como questionar e analisar criticamente o exercício da profissão.

O trabalho de psicólogos em instituições de saúde remonta ao início do século XX, e surgiu com a proposta de integrar a Psicologia na educação médica. Nessa época,

as principais causas de morbidade e mortalidade eram doenças infecciosas como pneumonia e tuberculose. Atualmente as doenças estão mais relacionadas a estilo de vida, causas ambientais, ecológicas e padrões comportamentais (MARTINS; ROCHA JR., 2001).

Como poderíamos responder às questões da saúde relacionadas ao estilo de vida, causas ambientais, ecológicas e padrões comportamentais na atualidade? Como poderíamos trabalhar a sua promoção neste contexto? Quais seriam as contribuições da psicologia? Talvez, um aspecto importante seja a reinvenção do papel que recai sobre a Psicologia (e a ciência) no século XXI para transpor o paradigma emergente.

 

... E SUAS IMPLICAÇÕES

A saúde conforme definida pela Organização Mundial da Saúde (OMC) como «estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade» ampliou o conceito para outras instâncias. E para mapear a real situação sobre a saúde e as condições de vida das sociedades, a OMC, com o intuito de auxiliar os órgãos governamentais a criarem políticas mais eficientes, apresentou o Relatório Sobre a Saúde no Mundo (2001), onde expos uma série de fatores sociais que implicam direta e indiretamente no modo de vida (e na saúde) das pessoas.

Este relatório aponta sete fatores, incluindo a natureza da urbanização moderna e seus estressores, como o congestionamento e a poluição do meio ambiente, a pobreza e a dependência numa economia baseada no dinheiro, com altos níveis de violência ou reduzido apoio social (DESJARLAIS et al. 1995). A pobreza crescente da população urbana, ocasionando altos índices de desemprego e condições de vida miseráveis, expondo milhares de migrantes ao estresse social e a um risco maior de transtornos mentais devido à ausência de redes de apoio social. Os conflitos, as guerras e a inquietação social estão associados à elevação das taxas de problemas de saúde mental. Apontam também o isolamento, falta de transportes e comunicações, e limitadas oportunidades educacionais e econômicas.

Entre os diferentes estamentos econômicos, os múltiplos papéis desempenhados pela mulher na sociedade colocam-na em maior risco de transtornos mentais e comportamentais do que outras pessoas na comunidade. E além do mais, esta mulher tem a árdua tarefa "sobre si" na educação de seus filhos, que muitas vezes fica aquém do necessário para o desenvolvimento saudável dos jovens, que mais tarde, criarão valores na sociedade baseados nesta relação.

Também aconteceu uma mudança radical no desenho da família. Deixou de existir um provedor, e este papel foi dividido entre o casal. Tornou-se fácil desfazer um casamento. O foco de ambos, do pai e da mãe voltou-se para o provimento de recursos materiais para a suposta "formação" dos filhos, e o vínculo primordial, ficou em segundo (ou terceiro) plano.

A escola, com algumas exceções, não se adaptou a essa nova demanda social, continuando num empenho infrutífero de oferecer "conteúdos", apesar de compartilhar o afeto das crianças. O resultado é que, a personalidade das crianças vem sendo estruturadas com disfunções e o índice de violências nas grandes cidades galgou patamares muito acima do que seria esperado. Além disso, a escola (e todos nós) tem demonstrado negligência no tratamento de um "câncer contemporâneo" chamado bullying. Atos de intimidação e violência ocorrem, principalmente, no ensino fundamental. Por isso a menor incidência na rede estadual, que tem foco no ensino médio. É certo que todos os dias, quem sabe, milhões de crianças e jovens de todo o mundo são afetados pelo bullying, seja como vítimas ou como agressores, e há a tendência de então vítimas tornarem-se agressoras.

Embora ainda haja relutância em certos setores ao debate do preconceito racial e étnico, no contexto das preocupações sobre saúde mental, pesquisas psicológicas, sociológicas e antropológicas já demonstraram que o racismo está relacionado com a perpetuação de problemas mentais.

Continuando o cenário de transformações, encontramos uma das mudanças mais significativas do século XX, a implantação de uma rede de telecomunicações e de informações (com grande contribuição da internet). Este aparato pode ser considerado como o fenômeno mais importante desse século, facilitando o advento da globalização. E a partir disso, a vida contemporânea e seus derivados assumiram a velocidade como condição sine qua non, a desestruturação do tempo e do espaço, categorias que estão se transformando de um modo radical (MASI, 2000).

Há indícios a sugerir que as representações na mídia exercem influência sobre os níveis de violência, o comportamento sexual e o interesse na pornografia, bem como que a exposição à violência nos jogos de vídeo aumenta o comportamento agressivo e outras tendências agressivas (DILL; DILL 1998).

Hoje em dia, os gastos em publicidade em todo o mundo estão ultrapassando em um terço o crescimento da economia mundial. A comercialização agressiva está desempenhando papel substancial na globalização do uso de álcool e tabaco entre os jovens, aumentando assim o risco de transtornos relacionados com o uso de substâncias e as condições físicas associadas (KLEIN, 1999).

Podemos observar através de apenas alguns tópicos do Relatório sobre a Saúde no Mundo (2001), como a crise mundial vem afetando todos os aspectos de nossas vidas, ou seja, a saúde, o meio ambiente, a economia, as relações sociais, a tecnologia, a política. A crise atinge dimensões intelectuais, morais, espirituais e científicas. Capra (1995) ressalta como um sinal impressionante o fato de os especialistas, nos vários campos, já não estarem capacitados para responder às indagações, aos problemas urgentes que surgem em suas respectivas áreas. Estes mecanismos conjugam-se em complexidade com "duas" perceptíveis atitudes contemporâneas: a individualização e a apatia social.

Bauman (2001), numa análise sociológica, diz que a nova instantaneidade do tempo muda radicalmente a modalidade do convívio humano - e mais conspicuamente o modo como os humanos cuidam (ou não cuidam, se for o caso) de seus afazeres coletivos, ou antes, o modo como transformam (ou não transformam, se for o caso) certas questões em questões coletivas (p. 146-147).

Enfim, por meio da mídia, a saúde, um problema humano e existencial, pode ser compartilhada por todos os segmentos da sociedade. Para esses segmentos sociais, a saúde e a doença envolvem uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana e seus significados, exprimindo uma relação que perpassa o corpo individual e social, o ser humano enquanto ser total. Portanto, a saúde e a doença são categorias que trazem uma carga histórica, cultural, política e ideológica.

Chegamos à conclusão de que precisamos compreender o homem da atualidade – possuidor de uma vida líquida imerso na dinâmica de uma sociedade líquido-moderna - para começarmos a vislumbrar uma concepção de saúde mais assertiva e salutar. Se de fato compreendermos este homem como um ser integral implicado por questões da contemporaneidade, deveremos, então, promover a saúde com base neste entendimento. Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da "modernidade fluida" produziu na condição humana (BAUMAN, 2001).

 

A PSICOLOGIA EM CRISE (?)

Enquanto escrevíamos este trabalho, alguns acontecimentos emergiram na dinâmica de nossas vidas, causando reflexões, questionamentos e dores. Referimo-nos aos desastres na Região Serrana/RJ; a guerra na Líbia; o terremoto e o tsunami no Japão; o massacre na escola de Realengo/RJ; e o tornado no Alabama nos EUA. O resultado destas fatalidades foram milhares de mortos, feridos, desabrigados, refugiados e desamparados. Em todos estes casos subjaz um fenômeno – o sofrimento emergente.

Em uma reportagem do jornal consta que a fila para tratar doença mental, como a do autor do massacre da escola de Realengo/RJ, dura até quatro meses. (Jornal O Globo - 17 de abril de 2011). Observando as ações das Secretarias de Saúde e Educação, percebemos o total despreparo das instituições às situações de urgências e de emergências, demonstrando, por exemplo, a ineficácia no atendimento psicológico e social às famílias afetadas.

Sabemos o quanto este sofrimento emergente está impactando a vida destas pessoas (e as nossas); então, poderíamos nos perguntar: como a Psicologia poderia ajudar?

Desde a década de 1980, assistimos ao surgimento de uma nova problemática da Psicologia, advinda, principalmente, de sua inserção na rede pública. Até esse período, as instituições públicas, não possuíam psicólogos em seus quadros, com raras exceções, tais como alguns hospitais psiquiátricos, por exemplo. Arrancado de seu papel técnico e cientificista e sustentado por uma suposta unidade da Psicologia, o psicólogo brasileiro se vê diante de uma serie de questões político-sociais que atravessam o fazer psicológico e apontam para o caráter alienante das práticas tradicionais.

As questões agora mudam de foco e problematizam a própria função da psicologia. Esta deve seguir trabalhando a partir de teorias e técnicas importadas, em uma pseudo-universalidade, ou deve tentar escutar a real demanda da população brasileira? Como construir práticas que atendam a essa demanda de modo a contextualizar as problemáticas emergentes em cada comunidade, desenvolvendo trabalhos de transformação das relações injustas e excludentes e não reproduzindo o sistema sócio-dominante? (CFP, 1988; 1994).

Tassinari (2009, p.174) expõe o seguinte questionamento: "Será que a psicoterapia tem evoluído na direção de incluir as necessidades sociais e de ser de ajuda para a maioria das pessoas que a procuram? Nossos modelos de psicoterapia têm sido efetivos em aliviar, resolver ou modificar o sofrimento da maioria da população brasileira?". E enfatizamos: Esses modelos têm sido efetivos para a maioria das pessoas no atendimento das suas urgências e para as que precisam nas emergências? A autora (op. Cit.), diz que,

durante muito tempo, a Psicologia, através de seus praticantes, tem respondido às pessoas de uma maneira quase que invariante com psicoterapia individual, duas a três vezes por semana, durante um período longo. É quase como se a Psicologia fosse identificada somente como Psicologia Clinica, esta entendida como psicoterapia individual de fundamentação psicanalítica, realizada nos consultórios particulares de duas a quatro vezes por semana, por cerca de cinco anos. Parece - nos empobrecedor reduzir a Psicologia a este entendimento, excluindo assim outras possibilidades eficientes de atendimento psicológico, bem como diferentes propostas psicoterápicas (p.173).

 

EVOLUÇÃO DA CONCEPÇÃO DE PSICOLOGIA CLÍNICA

A denominação Psicologia Clínica foi utilizada pela primeira em 1896, por Lightner Wittmer, quem importou a palavra "clínica" da medicina, por considerá-la o melhor termo para indicar o caráter do método de exame e avaliação do desenvolvimento mental e físico da criança. Desta forma, Wittmer, protestava contra as especulações filosóficas e os resultados da experimentação de laboratório, pois o psicólogo clínico deveria se interessar principalmente pela criança individual, com vistas a descobrir a relação entre causa e efeito na aplicação dos vários tratamentos pedagógicos para a criança que sofre de retardo geral ou especial e até para a criança normal.

A etimologia da palavra "clínica", de origem grega, remete ao significado "cama" e "inclinar-se" e designa os cuidados que o médico dispensa aos doentes acamados. Augras (1981) considera infeliz essa denominação, uma vez que ela é imediatamente associada à idéia de doença.

Ampliando um pouco sua definição original, mas ainda mantendo sua dimensão avaliadora, a Associação de Psicologia Americana, divulgou em 1935, a seguinte declaração:

A Psicologia Clínica tem por finalidade definir as capacidades comportamentais e as características do comportamento de um indivíduo através de métodos de medição, análise e observação, e na base de uma integração desses resultados com os dados recebidos dos exames físicos e histórias sociais, fornece sugestões e recomendações com vistas ao apropriado ajustamento do indivíduo (MACKAY, 1975, p.75).

A concepção clássica ou tradicional da Psicologia Clínica estava influenciada pelo modelo médico, através da Psicanálise, onde o profissional atuava como um expert e restringia-se a clientela oriunda de classes sociais favorecidas, com enfoque intra-individual, enfatizando os processos psicológicos e psicopatológicos, realizando psicodiagnósticos e psicoterapia individual e grupal (esta, mais raramente).

Estudo do Conselho Federal de Psicologia (1994) apresenta os vetores que impulsionaram o rompimento da concepção clássica de Psicologia Clínica: mudanças socioculturais amplas, mudanças no campo da Psicologia, mudanças sócio-políticas no país e necessidade de uma prática transformadora fizeram eclodir práticas e revisões teóricas que dessem conta de novas demandas e novas concepções de saúde e doença mental, justificando a inserção da Psicologia no campo da Saúde.

Assume-se aqui o entendimento da Psicologia Clínica como pertencente à área da Saúde, com sua atuação no contexto social, podendo atuar também no nível preventivo (prevenção primária), utilizando-se de diferentes orientações teóricas, promovendo saúde em diversos contextos, além do consultório particular: hospital geral, hospital psiquiátrico, prisões, manicômio, creche, postos de saúde, escolas, favelas, trabalho com meninos e meninas de rua, com famílias vítimas de violência doméstica, nas varas de família, infância e juventude, somente para citar algumas de suas possibilidades atuais.

Recentemente, o Ministério da Saúde (2004), em seu programa HumanizaSUS publicou a cartilha sobre a Clínica Ampliada, afirmando que "Os valores que norteiam esta política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários, a participação coletiva no processo de gestão e a indissociabilidade entre atenção e gestão" (p.4). A Clínica Ampliada propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, não só a combater as doenças, mas a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça de viver outras coisas na sua vida. A Ética implícita na clínica ampliada converge profundamente com as propostas da Psicologia Humanista.

Partindo da insuficiência da prática psicológica na experiência clínica, busca-se compreender o mal estar contemporâneo, apontado, insistentemente, como sofrimento humano num mundo conturbado. O tema se impõe como urgência visto que essa prática questiona a transição de paradigmas científicos, atitudes fundamentalistas e niilistas, ao lado da globalização da economia, avanços tecnológicos propiciadores de intensa aproximação de misturas e pulverização de diferenças. Como consequência desta transição, as referências que respaldavam a compreensão do sujeito moderno, ancoradas pela consciência e racionalidade, estão sendo questionadas.

Do mesmo modo, também se põem em questão as figuras subjetivas, concebidas como relativamente estáveis para respaldar a construção de um modo de ser, apresentando a ordem ligada ao equilíbrio, pela separação nítida entre interior e exterior, através das quais o sujeito é fundamento de sua própria existência: funda sua liberdade e constrói sua essência. Tal compreensão, início da experiência clínica, demanda uma ressignificação. (Andrade, 1996).

Nesse sentido Andrade (1996) propõe que cartografar o mal-estar contemporâneo é atentar para o modelo de ciência e suas conjunções, nosologias comunicacionais e cognitivas, efeitos nas estruturas clássicas e modernas de verdade, sujeito, história e mundo. Sofrimento como mal-estar representa um fenômeno perturbador atual, implicando considerar a "reviravolta" subjetiva da realidade, direcionando o foco para os processos de constituição da subjetividade e impasses experienciados na contemporaneidade. Implica "reviravoltear" a subjetividade, fora do âmbito da identidade e representação, demandando os múltiplos processos de subjetivação, engendrados nas dimensões sociais, culturais e temporais. Referese a questões como: os instrumentos compreensivos da Psicologia apreendem as novas modalidades de inscrição das subjetividades contemporâneas?

É patente que o contexto social, político, econômico e cultural contemporâneo clamam por mudanças nas abordagens implicadas tanto na concepção e implementação de saúde e educação quanto na pedagogia da formação profissional de seus agentes. Propor alternativas de trabalho técnico e reflexões teóricas para profissionais que lidam com uma população resultante de uma nova ordem mundial apresenta-se como uma tarefa desafiadora para os psicólogos.

Em face desse enfoque de realidade, imposta progressivamente com contundência e pungimento, cabe a pergunta: seria possível abrir outras possibilidades de práticas clínicopedagógicas, em saúde e educação, para o mal-estar contemporâneo? (ANDRADE, 1996; MORATO, 1999).

No contexto pós-guerra, o Aconselhamento Psicológico surgiu como uma modalidade da psicologia clínica, visando a prontidão ao cuidado do sofrimento imediato do outro (MORATO, 1999), dando a ver a necessidade de a Psicologia atentar, sofrer e transformar-se, acompanhando as mudanças sociais, como criação de métodos para buscar o bem-estar daqueles que demandavam para além da cientificidade de investigações, intervenções e teorias. No fundamento dessa prática, encontrou-se a articulação entre referenciais – teórico e metodológico – como valor ético no compromisso científico e social do psicólogo: um posicionamento epistemológico outro acerca de explicações científicas e sua pertinência como destinação para o bem-estar da humanidade (MORIN, 1990), redirecionando pesquisas para além dos muros da Universidade (dos laboratórios a ações interventivas em campo), pois esta guinada poderia promover uma prática mais humanizante de atenção psicológica a instituições, reconhecendo seus profissionais como agentes sociais de mudança.

Neste sentido, a Abordagem Centrada na Pessoa, ao enfatizar a saúde em todos os empreendimentos humanos, inaugura na Psicologia a noção de psicoterapia, não como tratamento e sim como um trabalho de crescimento, de promoção do desenvolvimento. Isso implica em conceber saúde e doença mental como pertencentes a um mesmo contínuo. O entendimento aqui adotado para a concepção de saúde remete à concepção de Rogers (apud WOOD, 1994) da pessoa em funcionamento pleno. O organismo humano se esforça continuamente por se desenvolver, mesmo em condições adversas.

 

CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

Carl Ranson Rogers, fundador da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), nasceu em 1902, em Oak Park, Illinois, e faleceu em 1987, na Califórnia, onde passou os últimos trinta anos de sua vida. Deixou documentada sua vida por meio de artigos e livros, tornou-se PhD em Psicologia Clínica pela Universidade de Colúmbia. Iniciou a vida profissional como psicoterapeuta de crianças e famílias numa clínica infantil pública em Rochester, no estado de Nova York, e seu trabalho clínico colaborou para legitimar a prática psicoterápica como uma atribuição dos psicólogos, e não apenas dos médicos, nos Estados Unidos. Autor de inúmeras obras sobre psicoterapia; grupos; ensino e aprendizagem e conflitos sociais, desafiou a ciência da época ao assumir uma postura eminentemente humanista, ao imprimir ênfase à tese da Tendência Atualizante:

Rogers propõe um aspecto básico da natureza humana que leva uma pessoa em direção a uma maior congruência e a um funcionamento realista. Além disso, esta tendência não é limitada aos seres humanos; é parte do processo de todas as coisas vivas. É esta tendência que é evidente em toda vida humana e orgânica; expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o Self.

Rogers (1983) sugere que em cada um de nós há uma tendência inerente em direção a sermos competentes e capazes quanto o que estamos aptos a ser biologicamente. Assim como uma planta tenta tornar-se saudável, como uma semente contém dentro de si o potencial para se tomar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tornar uma pessoa total, completa e auto-atualizada.

A tendência em direção à saúde não é uma força esmagadora que supera os obstáculos ao longo da vida; pelo contrário, é facilmente embotado, distorcido e reprimido. É vista como a força motivadora dominante numa pessoa que estáfuncionando de modo livre, não paralisada por eventos passados ou por crenças correntes que mantinham a incongruência. A Tendência Atualizante atua e está presente em todos os seres orgânicos e tende a complexidade tanto em situações ditas favoráveis quanto nas desfavoráveis ao organismo. Segundo Rogers (1983), é essa tendência operante que nos faz perceber quando um organismo está vivo ou morto.

Nos primeiros 30 anos, a Terapia Centrada no Cliente era chamada de Abordagem Centrada no Cliente e, nos anos seguintes, vem sendo chamada de Abordagem Centrada na Pessoa. No início, contribuiu, mais especificadamente, para a prática e para a teoria da psicoterapia e da psicologia humanista, depois, Rogers ampliou a prática e os conceitos teóricos derivados para, praticamente, todos os tipos de relacionamento humano, sempre com a aplicação das três condições necessárias e suficientes (apud PERCHES, 2009) a outros campos, como educação; organizações; grupos; famílias; comunidades e instituições psiquiátricas.

A denominação Abordagem Centrada na Pessoa é adequada a todos os contextos, porém, deve-se compreender a obra de Rogers como eminentemente clínica, não só por ter sido assim iniciada em sua trajetória pessoal, mas porque a análise das intervenções propostas revela-se extremamente coerente com uma prática psicológica clínica aplicada às pessoas em diferentes contextos e formas de relacionamento - psicoterapeuta e cliente; aluno e professor; patrão e empregado; pais e filhos; membros de grupos com conflitos inter-raciais, religiosos e político-ideológicos.

Wood (2010) propõe sete elementos para descrever a Abordagem Centrada na Pessoa como "um jeito de ser ao se deparar com certas situações", "um posicionamento existencial em suas atitudes" e há também "uma perspectiva fenomenológica em suas intenções", ainda que não seja uma filosofia, como o próprio autor ressalta. Os elementos consistem de:

1. Perspectiva de vida positiva;

2. Crença numa tendência formativa direcional, "trata-se de uma tendência evolutiva para uma maior ordem, uma maior complexidade, uma maior inter-relação".

3. Intenção de ser eficaz nos próprios objetivos, facilitar o processo de mudanças construtivas na dinâmica psicológica;

4. Consideração pelo indivíduo, na sua singularidade, por sua autonomia e capacidade de se auto-determinar;

5. Flexibilidade de pensamento e de ação não tolhido por teorias;

6. Tolerância quanto às incertezas e às ambigüidades;

7. Capacidade de senso de humor, humildade e curiosidade.

Rogers (1951) prioriza, assim, sua preocupação com a importância da postura do psicoterapeuta como pessoa na relação com o cliente e, também, com a aplicação dessa filosofia de ajuda psicológica por meios de atitudes concretas, ainda que não sejam técnicas de psicoterapia. Para tal, é necessário que o psicoterapeuta despoje-se de teorias e de psicodiagnósticos para permitir-se vivenciar a realidade intersubjetiva daquela relação de ajuda psicológica, ao levar em consideração tanto o referencial de vida e de valores do cliente como a sua própria subjetividade na relação (O";HARA, 1983).

 

PLANTÃO PSICOLÓGICO

Apresentamos o Plantão Psicológico – aqui fundamentado pela Abordagem Centrada na Pessoa – como uma modalidade de serviço contemporâneo por sua "natureza", capaz de atender às inúmeras camadas da sociedade e suas demandas, abrindo possibilidades de mudanças em larga escala. Como em raros instrumentos musicais, possui uma confortável tessitura – potente na promoção da saúde, intervenção terapêutica, e no atendimento à urgência psicológica e às emergências.

Vimos no inicio deste trabalho, que a crise mundial, complexa, multidimensional, e a liquidez da sociedade e da vida, vêm afetando todos os aspectos de nossas vidas, ou seja, a saúde, o meio ambiente, a economia, as relações sociais, a tecnologia, a política, e etc.

Em correspondência, assistimos à ampliação da Psicologia Clinica, saindo da vertente meramente curativa, de tratamento em consultórios individuais, de longa duração, fundamentados prioritariamente na psicanálise freudiana, para trabalhos com grupos e/ou indivíduos em diferentes contextos, ou de curta duração, fundamentados em diversas orientações teóricas contemplando também a dimensão preventiva e de crescimento pessoal, tendo o psicólogo o papel de agente de mudança social.

Porém, o acesso aos serviços da Psicologia ainda não está garantido a todos, especialmente, nos países em que o desenvolvimento ainda é precário. Hegenberg (2004) pondera que no mundo atual, fazer várias Psicoterapias Breves, nos vários momentos diferentes de uma pessoa, parece fazer mais sentido do que uma análise única, por um logo período de tempo, afirma ainda que:

O fenômeno da exclusão social acontece de inúmeras maneiras; econômicas, social, cultural. Testemunhamos em nosso meio, como parte desse processo, inúmeras pessoas, vivendo em situação de grande sofrimento sem dispor de possibilidades para encontrar ajuda necessária para seu tipo de padecimento. É urgente que possamos contar com práticas clínicas de qualidade e que tenham sido desenvolvidas em meio ao rigor demandado pela comunidade científica, para que possam ser inseridas em políticas públicas de saúde mental (p. 12).

A proposta do atendimento do Plantão Psicológico vem preencher parcialmente esta lacuna, adequando-se às necessidades da pessoa que necessita conversar com um profissional capaz de ajudá-la a entender melhor a sua realidade, em seus momentos de aflição. Aguardar numa longa fila de espera e/ou submeter-se às entrevistas de triagem para avaliação e encaminhamento são procedimentos que parecem dificultar o engajamento na psicoterapia, especialmente para as pessoas que se encontram pouco interessadas no processo de reconstrução da personalidade, mas que precisam de uma atenção especial em determinados momentos de suas vidas.

Segundo Mahfoud (1999) esse Serviço chamado de Plantão Psicológico foi implantado no Brasil inspirado nas experiências do modelo de walk-in-clinics, nos Estados Unidos para prestar atendimento imediato à comunidade nas décadas de 70 e 80, e visava um atendimento emergencial no momento em que havia procura.

Rosemberg (1987) relata a trajetória do primeiro Serviço de Plantão Psicológico de que se tem registro no Brasil. Sendo a implantação no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), em 1969, no setor de aconselhamento psicológico.

Cury (apud PERCHES, 2009) enfatiza que o plantão psicológico originou-se, portanto, como uma prática institucional que objetivava o atendimento à demanda emocional emergencial dos clientes, praticada por plantonistas disponíveis e qualificados, e que funcionava, em geral, numa sessão única, com possibilidade de um ou mais retornos, conforme a necessidade do cliente e as normas de funcionamento do serviço em que se inseria.

Uma definição inicial do Plantão Psicológico é oferecida por Mahfoud (1987):

A expressão Plantão está associada a certo tipo de Serviço, exercido por profissionais que se mantém à disposição de quaisquer pessoas que deles necessitem em períodos de tempo previamente determinados e ininterruptos.". Do ponto de vista da instituição, o atendimento de plantão pede uma sistematicidade do serviço oferecido. Do profissional, este sistema pede uma disponibilidade para se defrontar com o não planejado e com a possibilidade (nem um pouco remota) de que o encontro com o cliente seja único. E, ainda, da perspectiva do cliente significa um ponto de referência, para algum momento de necessidade (p.75).

Esta definição é complementada por Tassinari (2010), que propõe o Plantão Psicológico como:

Um tipo de atendimento psicológico que se completa em si mesmo, realizado em uma ou mais consulta sem duração predeterminada, objetivando receber qualquer pessoa no momento exato (ou quase exato) de sua necessidade, para ajudá-la a compreender melhor sua emergência e, se necessário, encaminhá-la a outros Serviços. Tanto o tempo da consulta, quanto os retornos, dependem de decisões conjuntas do plantonista e do cliente, tomadas no decorrer da consulta. [...] o plantonista e o cliente vão juntos procurar no "momento já" as possibilidades ainda não exploradas, que podem ser deflagradas a partir de uma relação calorosa, sem julgamentos, na qual a escuta sensível e empática, a expressividade do plantonista e seu genuíno interesse em ajudar, desempenham papel primordial (p.176).

Para May (1999, p. 222), a melhor maneira de o homem garantir o futuro é enfrentar o presente de forma autêntica com coragem e proveito, mas alerta que: "Enfrentar a realidade presente provoca às vezes ansiedade. [...] esta ansiedade é uma espécie de vaga sensação de estar "nu", ou de encontrar-se diante de uma realidade da qual não se pode fugir, recuar ou esconder-se".

Apoiar esse homem nesse enfrentamento faz parte da proposta do atendimento do Plantão Psicológico, que cria um espaço em que se pode buscar por ajuda quando precisar. Conforme Mahfoud (1999), o psicólogo neste tipo de serviço não está ali para solucionar problemas, mas procura estar presente e acolher, centrado na pessoa mais que no problema.

Assim, o que o psicólogo oferece, é um espaço em que a pessoa ao expressar seus sentimentos, se sinta acolhida para que seja capaz de repensar e rever suas questões. E, uma vez alcançada (e vivida) esta relação experiencial, a tendência atualizante do cliente poderá retomar o seu percurso original, e então, os fluxos de crescimento, a auto-atualização, direcionará o organismo para uma maior harmonia e melhor funcionamento. Deste modo, o potencial da vida estender-se-á amplamente promovendo processos de saúde na pessoa.

O Plantão Psicológico pode ser um serviço com eficiente aplicação da Psicologia e da Abordagem Centrada na Pessoa, permeado pelas atitudes facilitadoras do profissional, que fornecem um ambiente "ideal", bem como a possibilidade de, em um único encontro, a pessoa conseguir clarear a sua demanda, ou seja, uma compreensão mais nítida (e mais verdadeira) de como se compreende em determinada situação.

Podemos encontrar vários trabalhos desenvolvidos que validam a eficácia do Plantão Psicológico, oferecidos em diversos contextos, tais como: Escolas; Organizações públicas e privadas; Hospital Geral; Hospital Psiquiátrico; Comunidade; Organizações Militares; Clínicas Escola; Instituições Socioeducativas; em situações de emergências; e entre outros.

Acreditamos que a sua potencialidade de aplicação possua possibilidades inimagináveis, o que sugere esforços para novas pesquisas. No que diz respeito à mobilização de estruturas, tanto individual quanto institucional, o Plantão Psicológico permite mudanças significativas e enriquecedoras; quando não, é sucumbido por "desconfortos" e "ameaças", porque nem sempre estamos dispostos a lidar com o que emerge através deste serviço.

 

PLANTÃO PSICOLÓGICO NA COMUNIDADE, UM EXEMPLO

No segundo semestre de 2010, o autor-estagiário teve oportunidade de participar de uma equipe no projeto piloto de Plantão Psicológico inserido na Comunidade, no morro da Mangueira no Rio de Janeiro, através de uma parceria entre a Clínica Escola de Psicologia Humanista da Universidade e o Centro Cultural Cartola.

O relato do atendimento transcorreu da seguinte maneira: A sala do plantão "ficava" numa biblioteca no segundo andar do prédio, e eu atendia as quartas-feiras às 16h. Num destes dias, recebi P. de nove anos, que freqüentava as atividades de lutas (judô e capoeira) oferecidas no CCC, e era acompanhado com psicoterapia oferecida neste local.

Lembro, ele adentrando a sala com um jeito malandro, desafiador (mascando chiclete) e percebi-o um pouco desconfiado. Disse-lhe que poderia ficar a vontade, e que estava disponível para conversar sobre o que ele quisesse.

P. disse-me que tinha uma gangue (eram mais três) e que ele era o chefe. Que brigavam e batiam nos "colegas" porque estes não tinham dinheiro e eram otários (mulherzinhas). Sua gangue sempre andava com bastante dinheiro (em torno de R$ 200 reais no bolso) e eram mais fortes. Por causa deste comportamento havia sido suspenso algumas vezes, e era marginalizado por todos na escola.

Morava com os seus avôs maternos, pois sua mãe deixou-o aos seus cuidados, e ela estava no segundo casamento, onde obteve mais dois filhos (6 anos e 2 anos).

Minha postura foi a de buscar compreender e acolhê-lo em toda a sua complexidade, no que ele estava expressando no nosso encontro. O que realmente importava, era que havia uma pessoa que estava alí em busca de algo.

Durante o nosso encontro, percebi que à medida que eu buscava estar mais presente em sua morada, mais próximos e confiantes ficávamos um do outro. Como estávamos numa biblioteca, P. reparava os detalhes, então, ofereci-lhe a possibilidade de conhecer o espaço. Em seguida pegou uma folha e quis desenhar (com silêncios e conjecturas), intercalados com as nossas conversas experienciais proporcionadas pelos seus desenhos; desenhou um carro (paixão de seu irmão caçula). Depois, levantou-se da mesa e folheou alguns livros. Disse-me que gostava de ler as Aventuras de Narizinho, e que possuía toda a coleção (exploramos os sentidos). Nosso encontro neste dia durou 40 minutos, e P. perguntou-me se poderia retornar na próxima semana (um feedback).

Na semana seguinte, P. adentra pela porta dizendo: "Oi tio, cheguei, posso entrar!?" Neste dia, conversamos basicamente sobre seus avôs (com quem mora). Disse-me que gostava muito deles, e que sempre ajuda a sua avó nos afazeres domésticos (varre a casa, passa o pano nos pisos, lava louças, e etc.), o que a deixa muito contente... Nosso encontro neste dia durou 20 minutos.

Um atendimento enriquecedor, dois encontros, que me mostraram o potencial mobilizador do Plantão e a suas finalidades (acolhimento, compreensão, experienciação, liberdade, [....]). De início um menino demonstrando a sua agressividade e "macheza", e que durante o atendimento foi mobilizando-se e vivenciando a sua afetuosidade. Fui testemunha de como o movimento da tendência atualizante pode atuar em um curto tempo.

Oferecer-lhe um ambiente facilitador, de confiança, de incondicionalidade e empático, permitiu-nos dialogar num significativo nível experiencial. Este ambiente "ideal" permitiu que P. pudesse ser o que é, e não o que deve, e então, vivenciar mesmo por alguns momentos as suas verdades com liberdade, o que facilitaria novas possibilidades experienciais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há como negarmos a nova realidade, a dimensão fluida da vida que se apresenta no novo cenário contemporâneo, onde diversos desdobramentos experienciais têm implicado e "reviravolteado" a subjetividade e o modo de ser das pessoas, numa imbricação relacional que constrói a dinâmica da sociedade, e é construída por ela.

Neste contexto, quão importante torna-se também "reviravoltear" a Psicologia (e a Ciência) para (co)responder verdadeiramente a demanda social – principalmente na promoção da saúde e nos enfrentamentos emergentes. Ultrapassar o conceito de Psicologia Clínica para além do consultório, redefinindo – teorias e práticas – a ajuda psicológica, talvez seja o desafio mais premente desta época.

Sendo assim, refletir sobre a prática de serviço do Plantão Psicológico, como uma possibilidade de intervenção com grande potencial mobilizador para a promoção de saúde na sociedade contemporânea, torna-se uma atitude ética, frente aos paradigmas nos quais a Saúde, a Psicologia e a Contemporaneidade têm se deparados.

Acreditamos que a Abordagem Centrada na Pessoa oferece recursos suficientes para as propostas do serviço de Plantão Psicológico. Além disso, a ACP como uma postura ética (AMATUZZI, 2010) do humanismo oferece significativas e potentes contribuições para a contemporaneidade. Também estamos atentos à necessidade de continuar explorando este terreno fértil do Plantão, que pode ser útil em situações de catástrofes, quando o acolhimento à urgência pode ser um marco na vida de uma pessoa ou de uma comunidade. Neste sentido, este artigo convida a levar adiante as sementes aqui lançadas.

 

REFERÊNCIAS

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