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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

 

Que corpo é esse? O metrossexual em debate

 

What is this body? The metrosexual in discussion

 

 

Edyr Batista de Oliveira Júnior; Cristina Donza Cancela

Universidade Federal do Pará.

 

 


RESUMO

Este artigo faz uma análise do corpo do metrossexual como algo "fabricado" e que mescla práticas e valores masculinos e femininos. Com a realização de dezesseis entrevistas semi-estruturadas pôde-se discorrer sobre o modo de ser metrossexual presente no cotidiano não apenas dos interlocutores que se reconheceram como metrossexuais, mas também, daqueles que procuraram marcar seu distanciamento com essa categoria de classificação. Para muitos o metrossexual não é pensado enquanto experiência para si, mas enquanto lente para analisar o Outro no exercício da sua masculinidade, uma vez que há o diálogo com os valores e experiências idealmente criadas para esse neologismo, mas não necessariamente a vivência tal como alardeada nos meios de consumo midiáticos.

Palavras-chave: metrossexual; masculinidades; corpo


ABSTRACT

This article analyzes the body of the metrosexual as something "manufactured" and that merges male and female values and practices. With the realization of sixteen semi-structured interviews it was possible to talk about the metrosexual way of being present in the everyday life not only of the interlocutors self-acknowledged as metrosexuals, but also of those who tried to delineate their distance from this rating category. For many of the interviewed people, the metrosexual is not thought as an experience for themselves, but as lens to analyze the exercise of their masculinity, since there is a dialogue with the values and experiences ideally created for this neologism, but not necessarily the experience as touted through the means of media consumption.

Keywords: metrosexual; masculinities; body


Resumen

Este artículo es un análisis del cuerpo de los metrosexuales como algo "fabricado" y combina las prácticas y valores masculinos y femeninos. Con dieciséis entrevistas semiestructuradas podrían hablar sobre la manera de ser metrosexual presente en la vida diaria no sólo de los interlocutores que si reconoce como metrosexuales, sino también, de los que intentó marcar su distancia con esta categoría de clasificación. Para muchos el metrosexual no se considera como experiencia para si mismo, sino como un lente para mirar a la otra en el ejercicio de su masculinidad, una vez hay diálogo con los valores y la experiencia idealmente creado para este neologismo, pero no necesariamente viven como consumo de medios en la tan cacareada.

Palabras clave: metrosexual; masculinidades; cuerpo


 

 

Introdução

Durante a sua trajetória de vida as pessoas dialogam com práticas e representações múltiplas, hegemônicas ou não, pelas quais elas transitam, criando estratégias de ação em meio aos limites e possibilidades da dinâmica do cotidiano. Elas se deslocam em meio às classificações identitárias reafirmando, resistindo, resignificando marcas sociais e convenções num embate contínuo. Deste modo, categorias de classificação centralizadas naquilo que pode ser chamado de masculinidade hegemônica podem ser (per) seguidas por aqueles que se "identificam" com o gênero masculino: "A masculinidade hegemônica é um modelo cultural ideal que, não sendo atingível – na prática e de forma consistente e inalterada – por nenhum homem, exerce sobre todos os homens e sobre as mulheres um efeito controlador" (Vale de Almeida, 1996, p.163).

Interessante atentarmos para os possíveis embates das pessoas e dos reconhecidos como homens, em particular, a fim de disciplinarem os/seus corpos o mais próximo possível desse modelo ideal. É um verdadeiro jogo de "vigiar e punir" – para brincarmos com o título do livro de Foucault – , pois os que não conseguirem adestrar seus corpos no discurso heteronormativo, controlador, serão vistos como desviantes (Goffman, 2008), outsiders (Becker, 2008), anormais (Foucault, 1997)... O que contribui, também, para o surgimento da chamada masculinidade não-hegemônica, ou dita subalterna (Connell, 1995; Kimmel, 1998). Ou, melhor dizendo, das múltiplas formas de vivenciar a masculinidade, num jogo de negociação com os valores e práticas construídos como ideais.

No entanto, as transformações por que tem passado a sociedade fazem com que certos paradigmas relativos ao adestramento do corpo igualmente se modifiquem. Desse modo, com o peso da obrigação de ser homem aos moldes pré-estabelecidos pela heteronormatividade1, com o avanço dos movimentos feministas e, consequentemente, com a cada vez maior inserção da mulher no mercado de trabalho – realizando atividades outrora destinadas apenas aos homens – e, por fim, com as mudanças na vivência da masculinidade, falase de uma "crise masculina", o que tem contribuído para novas/outras representações do masculino (Garboggini, 1999; Silva, 2000; Oliveira, 2004; Beleli, 2005; Souza, 2009).

Um ponto interessante dessas transformações é trazido por Márcio Souza (2009) quando o mesmo diz que esse homem é fruto de uma temporalidade marcada pela ressignificação constante entre masculino e feminino, pois "se vivemos em um novo tempo, um novo padrão de comportamento em bases não tradicionais e mais flexíveis, se faz emergente" (p.133). Sendo assim, se outrora se construía como ideal a imagem de que os homens não choravam, gastavam com carros e cervejas, por exemplo, não tinham nenhuma ou pouquíssima preocupação com a aparência – qualquer calça, camisa e chinelos serviam/combinavam – cada vez mais, na contemporaneidade, essas imagens ideais têm mudado. A associação do homem com o cuidado do seu corpo está presente na atualidade, no que diz respeito não apenas a sua forma física, mas também à estética da pele, do cabelo, das roupas. Um estilo mais elaborado da apresentação de si. A frequência de homens em salões de beleza, centros estéticos, para que sua (boa/melhor) imagem seja consumida por si e pelas outras pessoas, passa a ser cada vez maior. O homem do século XXI consome de carros a hidratantes corporais, pode demonstrar sensibilidade e chorar diante de um filme romântico sem necessariamente a mesma repreensão... Ou seja, vivenciar atitudes e valores ideais outrora aceitos como exclusivos das mulheres, como se verá mais adiante.

Desse modo, é nesse quadro diacrônico, de flexibilidade, de um novo/outro (re)ordenamento dos corpos, dos gêneros, que se encontra o "Metrossexual".

Esse termo fora criado pelo jornalista Mark Simpson, em 1994, quando ele escreveu um artigo para o jornal inglês The Independent intitulado "Here come the mirror men". No entanto, o neologismo ganha grande repercussão midiática em 2002 quando Simpson escreve "Meet the metrosexual" para a revista online Salon (Garcia, 2004, 2005, 2011; Barreto Januário, 2009)2.

A imagem do metrossexual é construída como a de um homem que se preocupa muito com sua aparência. Assim, ele frequenta manicure e pedicure, vai ao salão de beleza, faz diversos tratamentos estéticos, gosta de ir a shoppings, modela seu corpo na malhação e/ou em outros esportes...

Outrora conhecidos pela insensibilidade, certa despreocupação com a forma de apresentar seus corpos, os homens no século XXI legitimam o cuidado de si, gastado dinheiro, por exemplo, com produtos de higiene e beleza; tudo para ficarem mais apresentáveis e, principalmente, desejáveis.

Para melhor compreender o modo de ser e de pensar o metrossexual, realizamos 16 entrevistas3, com base em um roteiro semiestruturado, sendo que a escolha dos/as interlocutores/as ocorreu dentro dos nossos laços sociais4. Optamos por executar esse método da pesquisa qualitativa, a fim de descobrir perspectivas diferentes sobre os temas aqui analisados (Minayo, 2000; Gaskell, 2005). Assim sendo, conversamos com cinco mulheres e com 11 homens, todos residentes em Belém do Pará, universitários ou formados de diferentes cursos. Nossos/as interlocutores/as têm em comum, portanto, morarem em Belém, o nível de escolaridade e a questão geracional, pois suas idades estão compreendidas entre 18 a 30 anos; e, os/as mesmos/as se diferenciam pelo gênero e pela vivência da sexualidade. Essas entrevistas ocorreram majoritariamente na UFPA; porém, dois interlocutores tiveram suas entrevistas realizadas noutros lugares, justamente por não serem estudantes da UFPA. Além disso, é significativo dizer que três interlocutores, Apolo, Cratos e Zeus, se autodenominaram de metrossexuais, devido a grande preocupação que eles têm com o cuidado de si.

Destarte, podemos perguntar: Como nossos entrevistados definem o metrossexual? Como o corpo do metrossexual é pensado, ressignificado por nossos/as interlocutores/as? E, ainda, de que forma os homens com quem conversamos lidam com a questão da forma de se vestir, cuidar do corpo, da pele, das roupas?

Pensando o(s) corpo(s)

O corpo fala, expõe nossos gostos, posicionamentos políticos, a que "tribo" pertencemos... Ele também é escrita e, por isso, passível de (re)apropriação/ões, (re)elaboração/ões e (re)leitura/s.

Assim, o corpo revela nossa interação com o mundo, inserindo-nos em determinados espaços, tempo, cultura, o que contribui para a (re)formulação de nossas identidades (Goldenberg e Ramos, 2002; Le Breton, 2007; Castro, 2007).

Dessa forma, o corpo tem um importante papel, pois manifesta – mesmo quando esconde – o que é permitido, o que é aceito na forma de apresentá-lo nas diversas sociedades. Ele igualmente pode servir como protesto, subversão da norma que o enquadra, escraviza; por isso, é, também, objeto de vigilância (Foucault, 1997; 2006).

Segundo os antropólogos Mirian Goldenberg e Marcelo Ramos (2002), é no final do século XX e início do XXI que o culto ao corpo, no Brasil, torna-se uma obsessão: "Assistimos, no Brasil, especialmente nos grandes centros urbanos, a uma crescente glorificação do corpo, com ênfase cada vez maior na exibição pública do que antes era escondido e, aparentemente, mais controlado" (p. 24). De acordo com os pesquisadores, a exigência de um corpo bonito, perfeito, deve-se ao bombardeio de imagens vindas do cinema, televisão, jornais, revistas e publicidades. Ou seja, como fala David Le Breton (2007), o corpo "está sob a luz dos holofotes" (p.10), uma vez que, mais e mais, ele tem tido visibilidades.

Na publicidade, por exemplo, o corpo ganha status de agregador de valores. Ele direciona o público-alvo, contribui para a transmissão de signos que serão cobiçados pelos/as consumidores/as: sucesso, beleza, virilidade, confiança... E, desse modo, contribui para o consumo do produto vendido (Garboggini, 1999; Goldenberg & Ramos, 2002; Garcia, 2005, 2011; Freitas, 2011). Na verdade, muitas vezes, o que o/a comprador/a quer ao adquirir certos produtos é produzir em si um corpo semelhante ao/à do/a garoto/a-propaganda.

Destarte, a publicidade contribui para manter e, mesmo, criar hábitos e modos de vida, pois ela "(...) não se refere apenas aos produtos, mas remete também, e fundamentalmente, a conceitos, atitudes, valores que patrocinam modos de ser e viver" (Beleli, 2005, p.153). Assim, é possível encontrar novas e antigas representações de masculinidades e feminilidades sendo veiculadas na contemporaneidade, conforme observou Flailda Garboggini (1999):

Apesar de constatarmos um grande número de comerciais com enfoques tradicionais, nos anos 90, percebemos que, mesmo entre eles, existe uma nova forma de abordagem. (...). Vemos que um novo conceito quanto à masculinidade é incentivado pela propaganda. (...) muitos são, efetivamente, ameaçadores da posição privilegiada dos homens, sobretudo, daqueles arraigados aos conceitos machistas e tradicionais (p.230).

Por isso, deve-se pensar o corpo do metrossexual como algo constantemente fabricado pela mídia e pelo consumo, pois esse homem pode ser encontrado em uma revista, em um filme, na internet, nas telenovelas... E o mesmo consome produtos como cremes, xampus e hidratantes; frequenta shoppings e SPA; além de se utilizar dos serviços de esteticistas, manicure, pedicure e cabeleireiros/as.

Para nossos/as interlocutores/as, ser metrossexual é ser muito vaidoso, exagerado nos cuidados com a aparência. Eles/elas destacam ainda o uso de produtos e atitudes consideradas femininas, como cremes antirrugas, lipoaspiração, sensibilidade, "acertar" as sobrancelhas... Para Leila Freitas (2011): "... o ‘cuidado de si', imperativo outrora meramente feminino, passa a compor o repertório de práticas destinadas ao homem (metrossexual)" (p.7).

Não raro, as dicotomias entre os gêneros são acionadas. Mesmo reconhecendo as mudanças de comportamentos masculinos e femininos em nossa sociedade e considerando, algumas vezes, positivamente os cuidados com a aparência por parte dos homens, para nossos entrevistados esse tipo masculino ainda é visto como usuário de "coisas de mulher"; ele extrapola o que se espera de um homem.

Atena: [o metrossexual] pega para si atos e modelos que sempre foram das mulheres. Por exemplo, se arrumar, estar "antenado" na moda, arrumar o cabelo antes de sair de casa, passar creme, fazer sobrancelhas, unhas (...) os papéis que sempre foram das mulheres, os homens agora pegam...

Apolo: O homem que cuida da sua aparência, muito da sua aparência, mais do que seria esperado por um homem, entendeu? [Pesquisador: E o que é esperado?]: Que o homem não se preocupe com essa questão de beleza, de estética... Hoje está se mudando essa ideia, mas a base, a base sólida mesmo da mente humana, aqui na sociedade ocidental, é essa de que o homem tem que ser... não tem que se preocupar muito com questões de estética e que isso seja coisa de mulheres.

A idade foi um dos fatores que apareceram na fala das pessoas. A maioria destacou a adolescência como o período em que as preocupações com a aparência começam a se intensificar. Contudo, para eles/elas, esses cuidados podem começar na infância e, com o tempo, ir aumentando na vida das pessoas. Além disso, os/as interlocutores/as salientaram a questão de se levar o cuidado com o corpo para toda vida, não estabelecendo, portanto, um limite etário final para que uma pessoa possa cuidar de si, pois para Maia "(...) você sempre tem que estar se cuidando, seja pela sua saúde ou pela realização pessoal". Também, segundo Hipnos, essa preocupação com a aparência na velhice seria resultado de uma sociedade consumidora de imagens na qual vivemos, além de compreender parte do processo de valorização dos/as idosos/as, intelectualmente e visualmente, na contemporaneidade.

Quando questionados se se consideravam pessoas vaidosas, ou se possuíam o cuidado sobre si e seu corpo, as pessoas se apresentavam com algum grau de vaidade ou cuidado com o corpo. Deste modo, o "ser vaidoso" ou "ser muito/extremamente vaidoso", muitas vezes, não tinha uma fronteira muito fixa para os interlocutores. O que para uns poderia ser considerado exagero, para outro se apresentava como um cuidado naturalizado, normatizado. De qualquer maneira em suas falas, o "exagerado" é sempre o outro. Desse modo, todos destacaram a importância de se pensar o corpo, a saúde, etc., mas muitos criticaram os exageros percebidos no Outro, particularmente naqueles construídos como metrossexuais.

Destarte, pensar o homem enquanto metrossexual é ter em mente a elaboração de um corpo diferenciado no que tange aquele incentivado pela heteronormatividade. O metrossexual desenvolve e vivencia uma "nova/outra" performance masculina, a qual está também fundamentada na "fabricação" do seu corpo – ideia emprestada e ressignificada dos trabalhos de Viveiros de Castro (1987) e DaMatta (1976) com os grupos indígenas Yawalapíti e Apinayé, respectivamente.

Portanto, assim como o uso de determinados objetos e elementos fazem parte da "fabricação" do corpo Kayapó, atribuindo-lhe significados e representações sociais, e, deste modo, comunicando sua posição e status à comunidade (Turner, 1980), o metrossexual, o homem muito vaidoso, de forma semelhante, lança mão de "substâncias" e adereços que comunica à sociedade sua "nova/outra" maneira de vivenciar a masculinidade como, por exemplo, bases e esmaltes nas unhas, maquiagem masculina, cremes hidratantes e antirrugas, determinadas roupas, marcando seu lugar na sociedade, seu pertencimento5.

As pessoas entrevistadas, em sua maior parte, não se identificaram como metrossexuais. Uma das marcas que negavam o enquadramento nessa categoria de classificação era o fato de eles mesmos cortarem suas unhas, ou as roerem. A "autonomia" aí era justificada por uma questão de praticidade. Mesmo aqueles que disseram ter frequentado alguma vez uma manicure/pedicure preferem fazer essa limpeza em casa. O cuidado com as mãos e os pés, nesse sentido, é considerado mais uma questão de higiene do que de vaidade, motivo que resulta na não preocupação, de certa forma, com a unha roída. O medo de se machucarem, de contraírem alguma doença derivada da não ou má esterilização dos materiais usados nos salões, foi igualmente justificado pelos entrevistados como motivo de não frequentarem salões para o cuidado com as unhas. A base configura-se, entretanto, como o produto que eles mais usam nas unhas. No entanto, usar esmalte de cores é considerado como "estilo da pessoa", mas não isento de críticas:

Apolo: Eu acho que é estranho... Tem homem que coloca a base preta, aí eu acho que já tem um motivo mais roqueiro assim. Mas, voltando à base colorida, eu acho meio estranho. Hoje em dia, ainda para mim, eu acho meio estranho. [Pesquisador: Por quê?]: Por que não é normal, na nossa cultura, particularmente, eu acho que não é normal. [Pesquisador: E o que seria normal?]: O normal seria não usar (risos).

Hércules: Acho que é desnecessário! (...) Eu acho feio na verdade, sabe? Por que eu acho que nada a ver o homem que pinta a unha... Eu lembro muito quando o Marcos Mion pintava a unha de preto. Égua! Eu achava ridículo! (...) Não tem necessidade. (...) Não acho bonito.

Hipnos: Eu não acho legal... O esmalte preto quando daquele lance de show de rock, enfim, tem toda uma identidade, mas fora isso eu não acho nem um pouco atrativo. Eu não me interessaria por um homem que usa esmalte.

Contudo, o uso do creme no corpo seja ele hidratante, esfoliante, protetor solar, apareceu com mais frequência na fala dos entrevistados. Visto como vaidade, tanto o uso por eles quanto por outras pessoas, foi justificado devido ao ar condicionado, quando há muita exposição ao sol, para hidratar, ficar cheiroso e como tratamento a acnes. Apenas Hércules é contra o uso desses produtos. Ele coloca em questão sua namorada, sua mãe e até a condição sexual dos homens por usarem hidratantes e óleos pós-banho. Segundo ele, essa ação é "uma frescura muito desnecessária". De qualquer forma, mesmo para aqueles que têm a prática do uso desses cremes, tal prática não foi lida como própria apenas ao metrossexual. O fato de usar este tipo de produto, não necessariamente é considerado pelos homens entrevistados como uma marca que os identifica com o metrossexual. As mulheres entrevistadas tão pouco associaram o uso desses produtos necessariamente apenas aos homens metrossexuais.

Para complementar a paisagem corporal construída como própria ao homem vaidoso, identificando-o como tal, tem-se a questão das vestimentas. O modo como os corpos são apresentados, "encapados" por tecidos e adereços, por exemplo, diz muito sobre a pessoa; afinal, "A moda, em si, é uma linguagem" (Portinari & Coutinho, 2006, p.65). Destarte, a maioria dos interlocutores procura adaptar o disponível nas lojas aos seus gostos. Mesmo aqueles que disseram "não seguir as tendências" fazem uma bricolagem de peças e estilos, pois consumir e fugir do que está sendo lançado nas passarelas dos Fashions Weeks do mundo é quase impossível, principalmente porque eles frequentam os shoppings – templo de culto ao consumo de todas as espécies e exposição do que está em evidência no setor do vestuário. Pensando a moda como efêmera (Lipovetsky, 2009), a questão do estilo próprio é fundamental; afinal, a pessoa vaidosa procura se sentir bem com o que veste:

Estilo pessoal não é a mesma coisa que moda. Moda é a última oferta da indústria de vestuário. Seu estilo pessoal é o que faz você diferente de todos os outros. Tem a ver com o que fica bem em você, como combina as peças, o que o faz se sentir confortável e como escolhe se apresentar para o mundo à sua volta (Flocker, 2004, p.114).

Além disso, com exceção de Perseu, todos os demais falaram que possuíam um ou outro produto das seguintes "grifes"6: Addidas, Aramis, Brooksfield, Calvin Klein, All Star, Colcci, Hering, Nike, Tacco, Adji, Apple, O Boticário, Bunny's, Cavalera, Coca-cola, Dolce & Gabbana, Fiorucci, Fóssil, Le Potische, Levi's, Overend, Play Boy, Redley, Renner e Tommy Hilfiger. Dessas, Apolo usa óculos da Calvin Klein, Play Boy ou Fiorucci, sapatos da All Star e roupas da Coca-Cola; Cratos compra perfumes de O Boticário e sapatos da Nike, Addidas e All Star; Dionísio consome roupas da Levi's e da Bunny's; Hefesto veste Colcci, Clavin Klein e Hering; eletrônicos para Hércules são os da Apple, tênis da Addidas e calças da Tacco; Hipnos compra camisas e calças da Aramis, Brooksfield, Calvin Klein e Tommy Hilfiger; Morfeu utiliza roupas da Renner, Hering, Tacco, Adji e Overend, relógio da Fóssil e mochilas da Le Potische; Nomos usa roupas da Colcci e Cavalera; as calças e camisas de Poseidon são da Dolce & Gabbana, Redley e Addidas; e, finalmente, Zeus usa mochilas e calças da Calvin Klein.

Assim, por meio do que vestem e como vestem, nossos interlocutores, demonstram "novas/outras" possibilidades de ser homem, comunicam seu modo de ser metrossexual ou com características lidas como metrossexuais, mesmo que eles não se identifiquem com essa classificação, pois a aparência, consequentemente o consumo, torna-se central no universo dos homens vaidosos, e revela muito sobre a pessoa: "(...) mercado/mídia reconhece e legitima – por meio do consumo – quem pode mais, quem pode menos" (Garcia, 2011, p. 106). Portanto, os efeitos serão diferentes se você chega a uma festa de confraternização, da empresa onde você trabalha, vestindo uma calça Calvin Klein ou uma Pit Bull.

No que diz respeito a essa questão do "vestir-se", os interlocutores sempre estabelecem diálogos, mudos ou não, com terceiros. Afinal, comprar uma roupa é mais do que usar um tecido, é a construção da imagem de si, um certo conceito. Um diálogo de assimilação, resistência e ressignificação com as tendências consideradas hegemônicas, underground e, mais especificamente, com aquelas próprias aos grupos nos quais esses sujeitos circulam. Por vezes esse diálogo é direto. Ao comprarem uma roupa, por exemplo, mas principalmente, quando escolhem algo para usarem na universidade, estágio, trabalho, "balada"7..., eles perguntam para alguém se estão bem "apresentados", bem vestidos. Esse alguém, em todos os casos, são mulheres: mães, irmãs, amigas... E o que acontece quando eles ouvem um "não" como resposta? Eles, geralmente, trocam!

Morfeu: Às vezes, quando eu vou sair para alguma festa, pergunto para minha mãe: E aí mãe, eu estou bonito? Como é que está? [Pesquisador: Se ela disser que não?]: Não, às vezes, (...) eu quero só que ela olhe (risos) (...). Só quando eu tenho dúvidas em relação a uma roupa, se vai ficar bacana ou não, aí se ela falar que não, eu realmente não uso.

Apolo: (...) eu sempre peço opinião. Às vezes eu peço opinião para minha irmã, para minha mãe para saber como é que eu estou (risos). [Pesquisador: Quando elas falam que não ficou bom...]: Eu vou e troco! (risos).

Quando Mark Simpson e Wilton Garcia falam do metrossexual, eles dizem que os mesmos são homens de alto poder aquisitivo. Contudo, a maioria dos homens com quem conversamos, mesmo os que se consideraram metrossexuais, como Apolo, Cratos e Zeus, apesar de estagiarem e/ou trabalharem, recebem ajuda financeira dos pais. Seus gastos, desse modo, estão pautados dentro do que é possível para suas rendas:

Hefesto: Como eu moro só, eu administro o dinheiro que os meus pais me dão. Então, eu fico meio assim: Ah, vou comprar isso depois. Mas, às vezes, quando eu vejo algo que me interessa, eu procuro pesquisar para ver se encontro algo mais barato ou, caso a situação no momento seja possível, eu vou e compro...

Hipnos: Olha, eu tenho uma renda média, entre o que eu ganho e o que os meus pais me dão, de R$ 2.500 reais por mês. Eu gasto com roupa (quando compra) uns R$ 700 reais por mês, mais ou menos isso.

Assim, o modo de ser metrossexual desses três sujeitos que se identificaram como metrossexuais têm que ser negociada com os limites de renda e condição social na qual se inserem, mostrando que embora haja um ideal de metrossexual, há um jogo de negociação com esse ideal, se aproximando e se distanciando de algumas das características criadas como próprias àqueles que assim se classificam.

Um ponto que chamou atenção enquanto conversávamos sobre dinheiro e gastos, foi descobrir a importância que os interlocutores dão a questão da comida. Quando perguntamos com o quê e onde eles gostavam de gastar o dinheiro deles, aqueles que respondiam "com comida" sempre a diziam por primeiro. Desse modo, eles gostam de frequentar excelentes restaurantes, saborear bons pratos.

Hércules: Primeiro, eu adoro comer. Então, inevitavelmente, boa parte do meu dinheiro vai para comida, porque (...) eu gosto de comer bem. (...) no início do mês, acabou de sair a minha bolsa, uma das primeiras coisas que eu faço é ir a um restaurante legal, comer aquela comida gostosa...

Hipnos: Eu gosto muito de temakerias. Restaurante japonês, eu gosto muito do Kamisama, que não é um restaurante absurdamente caro, mas é um bom restaurante. E, eu gosto do Dom Giuseppe, acho legal, e de rodízios de carne.

Também fazem parte da lista de gastos deles: roupas, revistas, livros, viagens, perfumes, cinema, vídeo game, shopping, "coisas" para a aparência... Os entrevistados gastam muito com roupas. Se se atentar para as "marcas" que eles citaram, elencadas acima, confirmar-se-á isso.

Dos 11 homens com quem conversamos apenas Hércules e Perseu nos disseram não serem vaidosos. Segundo Christiane Collange (1982): "os homens das novas gerações (...) demonstram uma consciência muito mais aguda das regras de bem-estar e, principalmente, da importância da aparência. Eles pretendem ser mais sadios para se sentirem mais belos" (p.137). E isso é algo que deve ser levado em consideração, pois dos oito entrevistados que se declararam "vaidosos", como dissemos antes, apenas Apolo, Cratos e Zeus autodenominaram-se de metrossexuais. Ou seja, a vaidade está além de se reconhecer enquanto metrossexual, pois ela, cada vez mais, faz parte da construção do ser masculino. Podemos nos perguntar se o uso desse neologismo, como justificativa para algo, brevemente não será apenas um detalhe ou não terá mais importância fazendo parte do cotidiano e das práticas dos homens, se consolidando como fazendo parte de novas performances agregadas à masculinidade hegemônica. Afinal, os ideais ditos hegemônicos estão situados historicamente, transformando-se ao longo dos tempos e das sociedades.

Assim, se em sociedades indígenas como entre os e Yawalapíti, há a "fabricação do corpo" mediante a intervenção consciente sobre a matéria, como nos lembra Viveiros de Castro (1987), de algum modo, podemos nos perguntar se o corpo do metrossexual também não é produto de uma intervenção consciente na matéria? Afinal, essa intervenção ocorre por meio do uso da maquiagem masculina, do trabalho realizado na academia para esculpir o corpo, de procedimentos cirúrgicos, do uso de cosméticos e roupas estilizadas.

Para o metrossexual o que importa não é o esconder-se, mas o mostrar-se, o aparecer para ser desejado. Primeiramente, desejado por si – pois o metrossexual recorrentemente é identificado pelas pessoas, no senso comum, com o termo narcisista – e, depois, pelos outros. O metrossexual está no mostrar-se, no expor-se, haja vista que o padrão de beleza existente hoje se inscreve em propriedades fetichistas de um corpo imagético, sensual, desejado (Garcia, 2004, 2005; Freitas, 2011; Barreto Januário, 2009).

Desse modo, Goldenberg e Ramos (2002) chamam a atenção para o fato das pessoas terem dificuldades em mostrarem seus corpos em determinados contextos, devido a grande difusão, segundo os autores, de imagens na mídia de modelos cuja aparência é impecável. Assim, para exibir um corpo sem receios "é necessário investir na força de vontade e na autodisciplina" (p. 27). E o metrossexual "aparece", mostra-se, pois tem confiança no corpo que produz.

Turner (1980) nos revela que há todo um cuidado por parte dos Kayapó com a apresentação do seu corpo. As ações que realizam visam "socializar" o indivíduo; fazê-lo parte da sociedade. Dessa forma, removem os pelos faciais, furam e utilizam objetos nas orelhas e boca, arrancam as sobrancelhas. Ou seja, vários procedimentos são tomados para identificar cada membro na sociedade Kayapó. Esses "procedimentos" podem ser chamados de marcação corporal, o que para Le Breton desempenha diferentes funções em cada sociedade, integrando o/a indivíduo no interior de certos grupos (Le Breton, 2007, p.59-60).

Com os homens muito vaidosos há cuidados nesse sentido também. O cuidado os insere em um lugar, os situa na sociedade, os constroem dentro de determinada condição de classe, associa-os a determinados grupos, valores e práticas, criando expectativas em torno de si. Ao mesmo tempo em que constroem seu corpo eles constroem uma imagem de si, um lugar na sociedade, onde eles esperam serem vistos e desejados. "O metrossexual aprecia estar bem aparentemente e uma de suas características é gostar de exibir isso para os outros; querer mostrar-se, expor algo em relação à sua aparência" (Oliveira & Leão, 2011, p.197). Sendo assim, os metrossexuais usam cremes antirrugas, fazem depilação, "acertam" as sobrancelhas, fazem as unhas, têm cuidado com os cabelos. Com isso, atraem os olhares para si. De algum modo, a imagem é a abertura para novas aproximações, sociabilidade, um modo de estar, de se reconhecer e ser reconhecido pelos demais.

Com exceção de Nomos e Zeus, todos os demais cortam o cabelo em salão – entendido aqui como um espaço frequentado por homens e mulheres e que além do corte, oferece outros tratamentos.

Dionísio: Sempre cortei em salão. [Pesquisador: Por quê?]: (...) eu acho que não me identificaria cortando o cabelo com um barbeiro. Até mesmo pela questão dele ser mais prático e tal. Já no salão é outra coisa, o cabeleireiro tem todo um cuidado com o teu cabelo...

Morfeu: Salão, salão de mulher. Eu sempre cortei com mulheres, em salões de mulheres mesmo. A maioria que frequenta é mulher (...) às vezes eu chego sábado lá (...) e elas olham um homem e acham que eu estou esperando, que sou acompanhante de alguém (...) eu vou lá porque eu acho que ela tem uma sensibilidade muito grande para o corte.

O consumo do espaço "salão", para os interlocutores, ocorre em decorrência do trabalho ali ser "mais completo", uma vez que não se dará apenas o corte, mas outros processos estão envolvidos. Dois outros fatores que também foram destacados são o "preço" e a "distância". Poseidon, por exemplo, frequenta um salão próximo de sua casa, o qual é barato.

A maioria nunca pintou e nem tem vontade de pintar os cabelos, resultado parecido quando o assunto é alisar, pois acham que não ficaria bem – no sentido de bonito –, nem natural. Discurso semelhante quando o referencial é o outro:

Hipnos: [Pesquisador: O que você acha dos homens que pintam o cabelo?]: Não vejo problema algum. Se ficar bonito, não tem problema não. [Pesquisador: E os homens que alisam?]: É, eu acho estranho. Geralmente não fica muito natural, a não ser quando o cabelo do homem é um pouco maior que dá para fazer um trabalho melhor, uma hidratação, não sei o quê... fica um pouco melhor. Mas, quando é curto e o cara alisa, fica meio artificial (...) eu acho mais bonito, tanto homens quanto mulheres, com o cabelo natural.

Apolo: [Pesquisador: O que você acha dos homens que pintam o cabelo?]: Eu acho que alguns casos funcionam e em outros não (risos). [Pesquisador: Como assim?]: Em alguns casos fica bonito, atraente, mas em outros casos eu acho que fica artificial, fica feio. [Pesquisador: E os homens que alisam?]: Fica feio quando o cabelo obviamente não é liso, não é? Forçam para que fique liso e aí fica esquisito.

Tirar os pelos das sobrancelhas, aparentemente uma atividade exclusiva feminina, revelou-se mais praticada pelos interlocutores do que a ida a manicure/pedicure. Sete deles disseram que já tiraram, em algum momento, pelo menos, os pelos que ficam entre uma sobrancelha e outra; e Cratos, que nunca "fez", tem vontade. Se levarmos em consideração que a maioria nunca foi "fazer" pé e mão em um ambiente que não o doméstico, pelos motivos outrora apresentados e, também, que muitos deles roem as unhas, a modelação do corpo via supercílios chama a atenção. Esse é um cuidado feito muitas vezes, em casa, mas executado!

A questão colocada por eles sobre esse assunto pode ser resumida em uma palavra: excesso. Um homem com bastante pelos pode tirar, mas, pouco; uma vez que, só à mulher é permitido tirar mais. Contudo, essa ação é considerada, em alguns casos, "um pouco demais", ou seja, desnecessária:

Hefesto: Eu acho assim: não faz mal tirar a sobrancelha e tudo mais. (Ênfase): Mas, em excesso, deixar a sobrancelha fina, porque eu já vi homens com sobrancelhas mais finas do que de mulheres, eu acho que isso não fica bem. (...) limpar o rosto é ótimo; agora, tudo no seu excesso (...) eu acho que não é muito válido.

Hércules: (...) a primeira vista, parece também uma coisa feminina para mim. Mas, eu também conheço várias pessoas que fazem os quais, não necessariamente, são gays ou qualquer coisa assim. Então, para mim... Já não é nada de (bem baixinho): anormal.

Hipnos: (...) eu acho exagerado um homem fazer as sobrancelhas. Eu acho que a sobrancelha é a marca de expressão do rosto (...). E quando o cara começa a trabalhar muito essa área, fica meio padronizado (...) perde no conceito beleza (...) e isso eu acho feio. Feio mesmo!

Apolo: Eu acho legal quando fica com uma aparência limpa, não é? (...), mas têm homens que eu acho, pelo caráter da sua sexualidade, (...) gostam de deixar mais fina, com uma aparência mais feminina.

Dionísio: Eu já gosto. Eu acho que dar uma aparência, também, bem mais saudável para o rosto do homem, porque têm homens que tem as sobrancelhas juntas que, sei lá, fica muito estranho (...).

Quando Hércules diz que conhece muitos homens que não vivenciam uma condição homoerótica e, mesmo assim, fazem atividades pensadas como "coisas de mulher" e nem por isso, ele os considera "anormais" por "fazerem" as sobrancelhas ou irem à manicure, sua fala nos permite pensar a reestruturação dos comportamentos de gêneros experienciado pelos homens que se identificam, ou não como metrossexuais. As possibilidades de performance são ampliadas. As fronteiras são alargadas. É um discurso, um tipo de habitus8, outrora não autorizado, ganhando status de autorizado, de permitido.

Destarte, a depilação entra aqui como uma atitude também masculina e que tem a ver com a higiene. Ela pode ser tanto a extirpação total dos pelos do corpo ou parte dele; "aparar" os mesmos também foi considerado. Sendo assim, exceto Hércules e Nomos nunca fizeram alguma depilação; contudo, Hércules tem vontade, pois acha "um pouquinho feio" suas costas peludas e por que a namorada lhe pede muito. Mas, ele acha desnecessário o homem fazer depilação no corpo inteiro, pensamento compartilhado com Morfeu e Dionísio, por exemplo. Diferentemente, Hefesto e Cratos preferem seus corpos, e de outros, livres de qualquer pelo.

A vaidade, no contexto aqui apresentada, tem várias nuances. Mesmo que o discurso do "não estou nem aí para isso" vez ou outra apareça, todos os nossos interlocutores demonstraram certa preocupação com seus corpos, dando mais, ou menos, atenção a determinadas áreas e fatores, mas nunca sendo totalmente alheios. Desse modo, o Outro é avaliado a partir de minhas experiências. O que eu faço/uso causa menos estranhamento quando analiso o meu próximo. Assim, muitos deles não se reconheceram como metrossexuais, a despeito de possuírem certas práticas de cuidado com o corpo, como o uso de roupas de marca, o corte de cabelo em salão de beleza feminina, o fazer a sobrancelha e tirar o excesso de pelos. E, mesmo entre aqueles que se autodefiniram como metrossexuais, nem sempre a vivência desse modo de ser metrossexual pode estar sonante com os valores e práticas tidas como próprias a esses sujeitos. Afinal, alguns deles não possuem renda para manter o conjunto de produtos e serviços necessários à manutenção da vivência do cuidado com o corpo. Essas pessoas dialogam com os valores e experiências idealmente criadas, mas não necessariamente as vivenciam tal como alardeada nos meios de consumo midiáticos.

As práticas e valores associadas ao cuidado com o corpo estão presente no cotidiano não apenas daqueles que se reconheceram como metrossexuais, mas também, daqueles que procuraram marcar seu distanciamento com essa categoria de classificação. Para estes últimos o metrossexual não é pensado enquanto experiência para si, mas enquanto lente para analisar o Outro na vivência da sua masculinidade.

 

Considerações Finais

A ideia de um masculino despreocupado com o que veste, que passa sabonete nos cabelos para não gastar muito tempo na hora do banho com xampus e condicionadores, tem perdido espaço na cena contemporânea.

É possível perceber que os homens, a cada dia, externalizam, mais e mais, o cuidado com o corpo. Os sujeitos entrevistados estão constantemente produzindo sua paisagem corporal com produtos de beleza e serviços voltados para os cuidados da aparência. Eles se reconhecem assim. Alguns usam cremes no corpo e procuram tratar dos cabelos em um salão, mesmo que barato, mas que os deixem com um corte bonito, diferenciado do "comum" realizado em barbearias; outros consomem produtos da Tommy Hilfiger e frequentam academias – de bairro ou de renome. Ou seja, realizam diversos procedimentos para fabricarem corpos desejáveis, que chamem atenção, que sejam mais um ponto a seu favor na hora de se relacionar com as demais pessoas. Afinal, a contemporaneidade é imagética!

Com o intuito de nomear esse homem que cuida muito da aparência, que não tem receio de gastar com produtos de beleza, surge o termo metrossexual, o qual vem (de)marcar esse "novo/outro" consumidor, porque eles compram e como compram! Há os que aproveitam a designação "fashionmercadológica" para assumirem a vaidade, o consumo. Outros preferem manterem-se longe da imagem, embora também façam algum tipo de uso de equipamentos, serviços ou produtos voltados ao cuidado do corpo. No final, todos fazem a mesma coisa: consomem! Mesmo que este consumo adquira significados e discursos diferenciados. Consomem a si na frente dos espelhos, consomem produtos e lugares, refletem valores, projetam uma imagem de si, enfim, montam sua autorrepresentação, (re)constroem sua noção de pessoa e suas performances de masculinidade articulando bens, produtos e significados. O metrossexual, apesar de algumas resistências, está cada vez mais visível na sociedade brasileira. Desse modo, inicialmente como um tipo masculino que vai de encontro com os ditames da masculinidade hegemônica que, entre outras coisas, prega que os homens não devem ter grandes preocupações com a aparência, o metrossexual aos poucos vai saindo de uma condição de "contra-poder" para se tornar um "poder", também, disciplinador dos corpos, pois dita o que pode ou não ser considerado como comportamento e valores metrossexuais, conforme mostra Wilton Garcia (2011).

Em vista disso, mais do que dizer se essa vivência da masculinidade é boa ou não – devemos superar o maniqueísmo! –, que o uso da designação fashion-mercadológica enquadra os homens, as pessoas de modo geral, em classificações que, geralmente, são ideais, ou seja, nunca atingidas na sua plenitude, terminamos este texto – não exaurindo suas questões (essa nunca foi nossa intenção), mas, esperamos que levantando "novas/outras" problematizações –, com uma citação do guia de estilo do metrossexual, de Michael Flocker (2004): "Sua vida é sua própria criação. Faça que seja boa" (p.198). Isso basta!

 

Referências

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Sobre obre os autores:

Edyr Batista de Oliveira Júnior
Mestrando em Antropologia (PPGA/UFPA) e
bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Cristina Donza Cancela:
Professora Doutora da Universidade Federal do Pará

Recebido em: 10/04/2012
Aceito para publicação: 12/12/2012

 

 

1. Segundo Richard Miskolci (2009) o termo "heteronormativo" fora usado, em 1991, por Michael Warner e "expressa as expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, por tanto, fundamento da sociedade" (p.156). Ou seja, refere-se à tendência de se ver as relações heterossexuais como a norma e as outras formas de comportamento sexual como desvios.
2
. Os textos "Here come the mirror men", "Meet the metrosexual" e outros, sobre esse assunto, de autoria de Mark Simpson, podem ser conferidos em: <http://marksimpson.com/pages/journalism/www.mar ksimpson.com>..
3. Os nomes dos/as nossos/as interlocutores/as foram trocados para preservar suas identidades.
4 Este artigo é uma parte modificada da pesquisa de mestrado que realizei no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA-UFPA), orientada pela Professora Doutora Cristina Donza Cancela.
5 Servimo-nos dos trabalhos desses autores para pensar a contemporaneidade, assim como, por exemplo, Margareth Mead que, após estudar a tessitura da vida social dos Arapesh, Mundugumor e Tchambuli, pôde refletir sobre a sua própria sociedade. É simplesmente (se é que se pode chamar o processo de reflexão de simples) a aplicação de uma teoria, de uma "lente", para analisar, enxergar outra realidade. Então, por que não utilizar etnologias que, entre outras coisas, falam sobre o corpo, para pensar o homem pósmoderno? Claro, as ressalvas são feitas! Que ao término desta reflexão o/a leitor/a possa ter suas próprias conclusões dessa apropriação.
6 Grife está sendo usada aqui como referência a uma marca ou loja (re)conhecida.
7 Esse termo refere-se a festas.
8 Segundo Bourdieu (2004): "O habitus, como sistema de disposições para a prática, é um fundamento objetivo de condutas regulares, logo da regularidade das condutas (...) faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias" (p.98).