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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

 

Potência e vulnerabilidades masculinas no campo do HIV/AIDS: a intervenção psicoterapêutica

 

Power and male vulnerabilities in the field of HIV/AIDS: psychotherapeutic intervention

 

 

Warlington Lobo; Adelma Pimentel

Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

Este artigo é um ensaio teórico que se utilizou metodologicamente um levantamento bibliográfico referente a produção científica de artigos e capítulos de livros a respeito do referido tema: fizemos uma revisão do conceito de adesão masculina ao tratamento ao HIV/aids, entrelaçando o assunto aos desdobramentos das vulnerabilidade; intervenção da psicologia clínica de orientação gestáltica e da clinica ampliada, como uma politica de saúde que procura humanizar os serviços de diagnóstico e assistência. Após análises e leitura minuciosa do material selecionado as principais conceituações e conclusões visando esboçar nossa compreensão. A discussão dos dados foi realizada na interface com a ciência psicológica nas áreas da clínica e da saúde.

Palavras-chave: masculinidades; psicologia clinica; intervenção psicoterapêutica;


ABSTRACT

This article is a theoretical test that used methodologically a bibliographic survey regarding the scientific production of articles and chapters of books regarding this theme: we did a review of the concept of male bonding to HIV/aids treatment, intertwining the subject to consequences of vulnerability; intervention of clinical psychology gestalt guidance and expanded clinic, as a health policy which seeks to humanize the diagnostic services and assistance. After thorough reading and analysis of selected material key concepts and conclusions aiming to outline our understanding. The discussion of the data was conducted at the interface with the psychological science in the areas of clinical and health.

Keywords: masculinities; Clinical Psychology; psychotherapeutic intervention;


Resumen

Este artículo es un papel que se utilizó metodológicamente una literatura relativa a la producción de artículos científicos y capítulos de libros sobre el tema, dijo: revisamos el concepto de adherencia al tratamiento masculino contra el VIH / SIDA, entrelazando el asunto a evolución de la vulnerabilidad, la intervención de la psicología clínica y orientación gestáltica clínico expandido como una política de salud que busca humanizar los servicios de diagnóstico y asistencia. Después de la lectura y análisis a fondo del material seleccionado conceptos clave y las conclusiones con el fin de perfilar nuestra comprensión. El análisis de los datos se llevó a cabo en la interfaz con la ciencia psicológica en las áreas de clínica y de la salud.

Palabras clave: masculinidades; psicología clínica; intervención psicoterapéutica.


 

 

Introdução

Este artigo é um ensaio teórico que metodologicamente utilizou um levantamento bibliográfico acerca da produção científica de artigos e capítulos de livros a respeito do tema: uma leitura do conceito de adesão masculina ao tratamento ao HIV/aids1 , entrelaçando o assunto aos desdobramentos da vulnerabilidade; intervenção da psicologia clínica de orientação gestaltica e da clinica ampliada, uma politica na área de saúde que procura humanizar os serviços de diagnóstico e assistência. Após leitura minuciosa do material selecionado as principais conceituações e conclusões visando esboçar nossa compreensão. A discussão dos dados foi realizada na interface com a ciência psicológica nas áreas da clínica e da saúde. Segundo o Ministério da Saúde "Os homens têm dificuldade em reconhecer suas necessidades, cultivando o pensamento mágico que rejeita a possibilidade de adoecer" (BRASIL, 2008, p. 6). A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, (PNAISH)2 evidencia que os homens utilizam os serviços de saúde por meio da atenção especializada, pelos serviços de média e alta complexidade, e por isso, propõe fortalecer e qualificar a atenção primária "Para que a atenção à saúde não se restrinja à recuperação, garantindo, a promoção da saúde e a prevenção a agravos evitáveis" (BRASIL, 2008, p. 5). E, sobretudo, esta política objetiva que os serviços de saúde reconheçam os homens como sujeitos que necessitem de cuidados e, assim, incentive-os na atenção à própria saúde (BRASIL, 2009).

Gomes (2010) em seu estudo sobre Representações Sociais sobre a aids e a Terapia Anti-Retroviral e Influências no Tratamento de Pessoas Vivendo com HIV/aids mostrou que no Estado do Pará, em cada grupo de 100 mil habitantes, 14,7 estão infectados com o vírus HIV, segundo dados do Boletim Epidemiológico DST/AIDS (BRASIL, 2009). O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde revela que em 2011 esses números são 14,1 infectados com a doença. E ainda segundo levantamento da Sespa3, nesse mesmo ano, o Estado do Pará tem a sexta maior taxa de mortalidade dentre os Estados da Federação. Sendo que a cada grupo de 100 mil paraenses no ano de 2010, 7,2 pessoas morreram em razão da aids. No Boletim anterior, esse número era de 6,6 a cada 100 mil habitantes.

Ainda no Pará segundo a SESPA no período de 1985 a 2010, foram registrados 1.128 casos de aids entre os homossexuais, enquanto que, no mesmo período, 4.216 heterossexuais foram diagnosticados com a doença. Percebe-se mudanças no comportamento dos homossexuais, hoje eles se previnem e utilizam o preservativo. É importante ressaltar que se a partir deste panorama, essas estatísticas mostram à importância da atenção por meio do governo à população e aplicação e fiscalização das políticas públicas voltadas para esses sujeitos, para que assim possamos acolher e ouvir suas experiências com a vivência do diagnóstico da aids e como isso repercute em suas vidas e orientam suas condutas. Além do diagnostico, o tratamento psicológico é uma das diretrizes contidas na política da clínica ampliada. (Secretaria Estadual de Saúde do Pará. DST/AIDS, 2009)

 

Conceituando a Psicologia Clínica

Em uma análise histórica é possivel observar que a psicoterapia é uma das estrategias da psicologia clinica, o campo amplo que implica em diferentes métodos, técnicas e olhares; porém, aquela se insere no imaginário popular enquanto a principal tarefa do psicólogo clínico. De certa forma, isso denota um grau de estereotipia que pode estar relacionada ao modelo médico, influenciado pela psiquiatria que deu origem a prática psicológica. (SCHNEIDER, 2006, p. 102).

Etimologicamente, a palavra psicoterapia vem do grego psykhē - mente, e therapeuein - curar. O conjunto dos sentidos mencionados nos faz perceber as significações derivadas da cultura médica presentes nos sentidos. O conceito de psicologia clínica também faz alusão aos posicionamentos médicos, já que significa cama ou leito. Esse tipo de clínica pauta-se em estudos de casos (SCHNEIDER, 2006).

Outras significações foram agregadas ao conceito de psicologia clínica. Por exemplo, em uma perspectiva sartriana, a palavra "cura" implica focalizar a situação da outra pessoa, o cliente, e favorecer a superação das situações conflituosas que estejam inseridas de forma a perceber aquilo que os outros fizeram dele. Destarte, "curar", implica transcender os problemas vividos e colocar as questões situacionais em novos parâmetros para que os anseios e desejos sejam viabilizados.

Cura, em uma perspectiva sartriana, nunca poderia ser, portanto, uma conformação ao que o paciente é, um assumir a sua condição, uma aceitação de si mesmo, um autoconhecimento, uma adaptação às circunstâncias sociais, como pregam muitas outras psicoterapias. Não! A psicoterapia existencialista sartriana só faz sentido se possibilitar ao paciente o seu estatuto de sujeito, ou seja, enquanto sujeito que tem de se escolher em situações concretas, com clareza de seu compromisso ontológico com os outros, com a sociedade. (SCHNEIDER, 2006, p. 109)

Schneider (2006) afirma que da filosofia sartreana pode-se depreender uma abordagem clínica com contornos e metodologias distintas do modelo médico. Embora não tendo sido um psicoterapeuta e nem realizado atendimento clinico, Sartre contribuiu para a prática clinica, de forma significativa, com suas proposições, principalmente no que tange aos aspectos epistemológicos.

Os conhecimentos psicológicos e filosóficos propostos por Sartre fornecem as condições necessárias para a viabilização de um momento póspsiquiátrico, que supere os impasses gerados pela dialética entre a tese psiquiatrizante e sua antítese antipsiquiatrizante ou antimanicomial. (LEONE, 2000 apud SCHNEIDER, 2006, p. 111).

A formação das práticas clínicas esteve ligada ao direcionamento médico para o campo dos signos e sintomas em que os primeiros designam os segundos. É primordial, no saber médico, a descrição da sintomatologia e o conhecimento da enfermidade. E é nesse contexto que a clínica psicológica esteve (e prossegue) pautada, (herdeira) em um modelo médico baseado em concepções curativas dos sintomas (FOUCAULT, 1987).

No entanto, há mudanças epistemológicas decorridas com a descoberta da anatomia patológica em que a doença passou a ser conhecida por meio de técnicas de dominio do corpo que dessacralizado, em adoecimento, em estado cadavérico propiciou sua análise. Dessa forma, morte, vida e doença passaram a compor uma tríade técnica e conceitual no campo médico.

O auge da clínica médica se situa entre o final do século XVIII e o início do século XIX. Esse último foi, sem dúvida, um dos séculos mais prósperos para a área, devido às muitas descobertas no ramo da Biologia e às invenções que possibilitaram a instrumentalização médica. (MOREIRA e cols., 2007, p. 69)

O método anátomo-clínico permitiu uma nova visão acerca dos fatores que geravam as patologias, pois era bem mais acessível trabalhar com prevenção e a cura. Isso evidenciou novas perspectivas tanto no campo ontológico quanto epistemológico e também na própria consolidação da medicina científica.

A constituição da clínica médica, principalmente no século XIX, tornou-se um marco histórico nas práticas ocidentais desenvolvidas para um corpo doente. Nesse sentido, é importante perceber as críticas elaboradas pelo filósofo francês Michel Foucault (apud MOREIRA e cols., 2007, p. 48): "Articula o discurso médico [...] que evidencia as relações discursivas que 'fabricam' a doença e seu tratamento".

Em síntese, percebe-se o caráter discursivo que passou a imperar sobre o corpo doente e que promoveu uma reordenação acerca das práticas que organizam a medicina moderna. Criou-se uma nova práxis de intervenção na direção à cura do sofrimento do indivíduo, como também a medicina garantiu que o corpo se torna motivo de controle disciplinar e tecnológico.

Tal premissa evidencia uma lógica: a coexistência de articulações entre jogos de saber e poder, isto é, os discursos médicos produzidos passaram a ser considerados como verdadeiros. Os discursos médicos incidiram sobre os corpos e os sujeitos, enfatizando o poder daqueles sobre os clientes. Assim, o termo biopoder foi concebido no século XIX para justificar o processo de controle discursivo sobre o sujeito e a espécie humana. É o poder sobre a vida que se estabelece tanto do ponto de vista de uma biopolítica, quanto de uma esfera disciplinar. As práticas discursivas passam a exercer um controle social exercido pela medicina e também pela psicologia. Criam-se os estatutos do que se é considerado normal e patológico e a partir daí o biopoder passa a ter forma. Essa perspectiva adentra no século XX com todo um arcabouço de controle disciplinar, no qual a medicina passa a ajustar o cotidiano dos sujeitos, moldando-os, normatizando-os e regulando as políticas de saúde através de todo um aparato tecnológico.

Moreira e cols. (2007) afirmam que o conhecimento médico acumulado, aliado às novas tecnologias possibilitou revoluções nas práticas médicas, tais como: especialidades, tratamentos sofisticados. No entanto, a clínica médica acabou se fragmentando em inúmeras especializações e ainda delegou ao paciente a decisão sobre que especialidade escolher. É um momento que o paciente vai até o médico.

A reflexão histórica acerca da clínica médica é de suma importância para o entendimento da clínica psicológica e sua contextualização. Moreira e cols. (2007) ressaltam a importância de Sigmund Freud, médico criador da clínica psicanalítica cuja proposição interventiva deslocou a ênfase do método, isto é, a clínica freudiana enfatiza a escuta do sofrimento em detrimento dos processos de observação da doença praticados pela clínica médica.

De acordo com Schneider (2002 citado por MOREIRA e cols. 2007, p. 28) "A perspectiva de tratar o cliente como um sujeito de sua história de adoecimento, e não como mero objeto" é uma constribuição da clinica freudiana. Outra inovação da clínica psicanalítica é a introdução do segredo clínico enquanto parâmetro do processo terapêutico. O paradigma da psicoterapia fundamenta-se na proposição de manter entre psicoterapeuta e cliente uma relação de confiança e sigilo de modo que estes elementos funcionam como suportes para a efetividade para tratar o sofrimento psíquico.

Durante a modernidade, a clínica psicológica aprimorou-se e a categoria sujeito adquiriu um status singular e solipsista criando ilusão de uma potencia infinita do individuo. Neste cenario, transitavam as concepções de praticas medicas que abordavam o sujeito considerado "anormal", "desajustado", e a clínica psicológica pautada na escuta do sofrimento.

No contexto histórico adveio à ênfase positivista, a Revolução Industrial e o surgimento das ciências humanas, em que a psicologia esteve "atrelada" à concepção burguesa, o que deu contornos elitistas a clínica psicológica. No que tange ao positivismo, por exemplo, observa-se a entrada da quantificação dos elementos psicológicos, principalmente com a criação dos testes psicométricos e o desenvolvimento da psicologia experimental (SCHNEIDER, 2006).

A clínica individual permanecia abocada a padrões neoliberais que tornaram o individual sinonimo de individualista, muitas vezes perverso, que se esquece do homem em prol da lógica do capital. No entanto, o contexto social também foi entrando no consultório quando pesquisadores e psicólogos de orientação social, fenomenlógica existencial e hermenêutica e histórico critica perceberam que na clínica do segredo havia limitações, portanto requeria novas formas de intervenções (MOREIRA e cols., 2007). Havia a necessidade de se redesenhar uma psicologia tradicional para que a mesma passasse a ter um engajamento social e, assim, responder a demandas vindas das relações humanas, por exemplo, a da valorização da alteridade. (GENTIL, 2008) Foi introduzido o conceito de subjetividade como uma categoria referencia teórica que atualizava a psicoterapia, ressaltando a interação, o encontro com o intersubjetivo, no qual o outro possibilita a entrada do eu no mundo social. (MOREIRA, 2004 apud MOREIRA e cols., 2007, p. 615).

Psicologia, ou melhor, as psicologias, devem encontrar seu compromisso social, pois o eu não se constitui sem o outro, ou seja, não há individualismo que se sustente na ausência do social. Se o paradigma moderno é o da consciência que propicia o individualismo, o paradigma contemporâneo é o da linguagem que pressupõe o encontro intersubjetivo. (MOREIRA e cols., 2007, p. 616)

A saída do consultório e a ocupação de outros ambientes sociais se estabeleceram desde o início do século passado, em que o psicólogo tornou-se cada vez mais presente em diversos espaços dos sistemas de saúde pública, dos asilos e hospitais psiquiátricos, penitenciárias e de comunidades. Isso possibilitou uma visão de psicologia clínica baseada não unicamente na figura do consultório, mas na qualidade da escuta que se pode dar independente do espaço de atuação. Moreira e cols. (2007) deixam claro que o profissional reflita em suas práticas sociais, pois novos modos de produção, subjetivação, formas de se criar a si mesmo e o mundo são deparados constantemente e tudo isso incide sobre o espaço social.

Nas pesquisas de Ferreira Neto (2003), as questões das práticas sociais da psicologia não se aplicavam à clínica, principalmente em meados dos anos 70, quando já havia grupos de psicólogos engajados em ações sociais e reflexões políticas. O que se observava era uma clínica ainda distante do social e apolítica. Se de um ponto, um grupo de psicólogos ia para além das dimensões clínicas, outros, perpetuavam o contexto individualista e indiretamente ligados às concepções médicas e ideologias políticas dominantes.

Coimbra (1999 citado por SALDANHA, 2004), enfatiza que na década de 70, no 93 Brasil, havia uma psicologização do cotidiano, em que:

Os acontecimentos sociais são esvaziados e analisados unicamente pelo prisma psicológico-existencial. Com essa 'tirania da identidade', qualquer angústia do cotidiano, qualquer sentimento de malestar é remetido imediatamente para o território da 'falta', da 'carência', no qual os especialistas 'psi' estão vigilantes e atentos. Para essa família 'em crise' e para esses filhos 'desviantes' há que se ter atendimentos específicos, peritos que lhe digam como sentir, pensar, perceber, agir, viver neste mundo. (COIMBRA, 1999, p. 80)

Em meados da década de 80, quando houve uma abertura política e crescimento dos movimentos sociais, as práticas da psicologia clínica entraram em confronto com toda a transformação que pulsava no Brasil, pois até então os laços entre profissionais e elite/ as classes econômicas dominantes eram muito fortes. As atividades da clínica eram consideradas neoliberais e privadas, portanto, de caráter excludente.

O próprio Conselho Federal de Psicologia, à época, criticava esse tipo de clínica tradicional e hegemônico centrado na concepção individualista.

De acordo com o órgão, essa atividade tem objetivos analíticos, psicoterapêuticos e/ou psicodiagnósticos, e baseia-se em uma concepção da clínica como um saber/fazer universalizado, associado a uma concepção de sujeito universal e a-histórico, metas e fundamentos que, sem dúvida, circunscrevem a clínica como espaço de reprodução e mantêm a cisão entre clínica e política. (MOREIRA e cols., 2007, p. 618)

A concepção de uma clínica fundamentada nos moldes tradicionais ainda predomina entre muitos estudantes e profissionais de psicologia. Ferreira Neto (2004 citado por MOREIRA e cols., 2007), afirma que as práticas da clínica social sempre estão em processo de construção e que a clínica liberal curativa não consegue dar conta das múltiplas demandas sociais, as quais sempre emergem. Portanto, é a partir da década de 80 que as práticas sociais da psicologia passam a abranger uma demanda popular elevada com suas particularidades, contudo ao mesmo ainda se observa uma psicologia tentando partir para uma politização de fato. Algumas ações voltadas para a camada popular da sociedade se confundem com a lógica do assistencialismo.

Atualmente, observa-se uma atuação clínica associada a processos de politização e flexibilização cada vez mais crescentes e necessárias frente a toda multideterminação de fatores que perpassam a atividade profissional nos diferentes campos de atuação. Nesse sentido, a intervenção psicológica deve estar pautada numa base que busque associar o sujeito psicológico ao sujeito político e, consequentemente, chegar ao um sujeito histórico capaz de se envolver com sua própria história, a história de sua comunidade e da própria humanidade.

No contexto da saúde, por exemplo, temos uma abrangência de atuação principalmente nas unidades básicas de saúde articuladas com os Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), os quais são espaços considerados alternativos para o tratamento manicomial. No desenvolvimento das atividades psicológicas para além do consultório, a psicologia da saúde constituiuse em um grande campo de atuação ancorado na perspectiva da psicologia social.

A primeira característica é o compromisso com os direitos sociais pensados numa ótica coletiva. Foge, portanto, das perspectivas mais tradicionais da psicologia voltadas à compreensão de processos individuais ou intra-individuais. Dialoga com teorias e autores que pensam as formas de vida e de organização da sociedade brasileira contemporânea. Tende a pesquisar e atuar em serviços de atenção primária, em contextos comunitários, em problemas de saúde em que pesa a prevenção à doença e a promoção da saúde ou onde há necessidade de acompanhamento continuado (como as doenças crônicas e a saúde mental). Tende ainda atuar na esfera pública. (SPINK, 2003 apud SALDANHA, 2004, p. 19)

É importante perceber a necessidade da superação dos enfoques intra-individuais predominantes em muitas práticas. O campo de atuação também deve pautar-se na discussão acerca dos processos de saúdedoença partindo-se da premissa de que este é um processo histórico e multideterminado. Na prática, pensar na possibilidade de superar tais questões implica em confrontar-se com todo um sistema político, social e ideológico mantenedores do modelo centrado no indivíduo e no próprio atendimento individual e superar a idéia de que o "cliente" é aquele que deve ser orientado, tratado e treinado para aderir às atividades decididas pelo corpo técnico.

No bojo das reconfigurações da psicologia clinica e da concepção de saúde, o Estado Brasileiro organizou O Sistema Único de Saúde (SUS) regulamentando-o pela Lei nº 8.080/90 com os princípios doutrinários de universalidade, equidade e integralidade propôs uma atenção integral à saúde, meta que subsidiou as Ações Integradas de Saúde (AIS).

A psicologia clinica se inseriu nos debates sobre políticas de saúde e que também começou a atuar com outros profissionais da saúde. É nesse momento que o conhecimento psicológico passou a ter espaço na discussão da saúde pública.

Numa trajetória que passa pelo SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde) e chega à implantação do SUS (Sistema Único do SUS) o que se observa é que o psicólogo vem sendo absorvido pela saúde pública- ainda em proporções distantes do desejado- sem uma revisão mais ampla do seu processo de formação, ainda direcionado para a sua atuação dentro do modelo 'clássico'. Na realidade, não seria errôneo afirmar-se que toda a equipe não se encontra preparada pelos seus cursos de graduação, para atuar nesta nova concepção de prestação de serviços. (BIANCO et al, 1994 apud SALDANHA, 2004, p. 26)

O campo da saúde tem se construído a partir de tensões surgidas no próprio contexto histórico e na busca de profissionais compreenderem seus lugares no espaço das práticas em saúde. Tal entendimento se compreende porque historicamente a psicologia clínica destacou-se enquanto independente e sua inserção recente nas instituições de saúde pública implicou na reprodução das práticas clínicas nesses espaços, principalmente nos ambulatórios e hospitais.

Com a participação da psicologia nas discussões acerca da saúde pública, suas práticas passaram a ter outros contornos, pois passa a trabalhar com outros profissionais, com grupos atendidos em unidades de saúde. Deve-se destacar a VIII Conferência Nacional de Saúde ocorrida em 1986 que possibilitou esse novo entendimento baseado na política de atenção integral à saúde.

Segundo Saldanha (2004), quando se trabalha na perspectiva da saúde, não se pode deixar de compreender a questão da relação saúde-doença, em que a visão, o saber médico potencializou essa dicotomia transformando a sociedade em duas grandes camadas: dos "normais" e dos "patológicos". Tais camadas acabaram se tornando institucionalizadas e servindo para o direcionamento de muitas práticas da saúde.

No entanto, com o processo de debates sobre as políticas de atenção integral à saúde, o discurso médico direciona o entendimento sobre saúde e doença para uma perspectiva social, canalizando suas atividades para metas educativas, principalmente com a prestação de serviços médicos. É uma proposta preventista e que se constitui em três modelos: a prevenção primária, baseada na promoção da saúde e da proteção específica em relação a um agravo; prevenção secundária, presente no diagnóstico e tratamento; e a prevenção terciária, relacionada à recuperação do dano e à reabilitação. Pensar na possibilidade das práticas psicológicas em saúde de estarem condizentes com a proposta de atenção integral à saúde mostra dificuldades relacionadas aos tensionamentos entre a forma que se pensa a relação saúde-doença.

Saldanha (2004, p. 50) esclarece algumas questões de tensão quando afirma que "A existência de várias 'psicologias' que atravessam os encontros entre Psicologia e saúde demonstram a impotência da visão compartimentada". Velhas e novas práticas psicológicas coexistem em um sistema ainda dicotômico entre saúde-doença.

Entre os anos de 70 e 90, ocorrem no Brasil manifestações, como parte da luta pela democratização do estado. Isso se reflete no campo da saúde em que transformações de ordem política possibilitaram a inserção do profissional nas ações integrais de saúde. Foi um período de ressignificações das relações entre saúde-doença, bem como da possibilidade de se perceber a doença enquanto um processo no qual necessita ser visto em suas dimensões biopsicossociais.

O SUS criou a Humanização da saúde enquanto política transversal, destacando a questão de se perceber o indivíduo em toda a sua complexidade e avultando os aspectos subjetivos nas práticas de saúde e humanização dos cuidados, indo desde o respeito no atendimento, priorizando a atenção primária. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), através da Secretaria de Atenção a Saúde, criou a Política Nacional de Humanização, visando à valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, sejam eles usuários, trabalhadores e gestores, o que aumentou a atuação da psicologia no campo das políticas públicas no Brasil, na atenção básica (CAMARGO-BORGES; CARDOSO, 2005), média e alta complexidade (TONETTO; GOMES, 2007). Percebendo a necessidade de se humanizar os atendimentos realizados pela equipe de saúde, outra possibilidade de se humanizar esses atendimentos são os cuidados paliativos, em especifico para pacientes sem possibilidade de cura, no caso de nossa pesquisa, homens com HIV/aids. Vieira (2010) revela que os cuidados paliativos são segundo a Organização Mundial de Saúde, "Uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares frente a problemas relacionados à doenças sem possibilidade de cura, através da prevenção e alivio do sofrimento, identificando e avaliando e tratando a dor e outros problemas físicos, psicossociais e espirituais" sendo as práticas de cuidados paliativos bastante utilizadas em ambiente hospitalar, objetivando a qualidade de vida dos pacientes em situação de intenso sofrimento, além do apoio à família, em internamento ou no domicílio. Ou seja, os cuidados paliativos destinam-se a doentes que não têm perspectiva de tratamento curativo, sem possibilidade de cura, com doença progressiva, cuja expectativa de vida é limitada, sendo o seu sofrimento intenso e com problemas de difícil resolução que exigem apoio específico da equipe que o atende o/os pacientes.

Michelin et al (2010) ressalta que os cuidados paliativos tem sido um grande aliado de pessoas vivendo com aids, pois segundo os autores é possível oferecer uma melhora na qualidade de vida, ainda que a doença não apresente possibilidade de cura.

O maior aliado a qualquer paciente é o diálogo, porém, em se tratando de um paciente em cuidado paliativo, isso deve ser muito mais trabalhado. Atender um paciente que esta sem possibilidade de cura é uma tarefa para pessoas que estejam dispostas a se envolver intensamente com o paciente e sua família. (MICHELIN et al, 2010, p. 3)

Nesta perspectiva a autora ressalta que para um melhor entendimento dos profissionais da área da saúde, é necessário que saibam os princípios dos cuidados paliativos que são; promover o controle da dor e sintomas desconfortantes, considerando a morte como um evento natural da vida; e oferecer um tipo de suporte que possa fazer com que o cliente viva tão ativamente quanto possível a chegada de sua terminalidade. Sendo o cuidado iniciado precocemente e unindo esforços juntamente com a equipe multiprofissional oferecendo o cuidado mais abrangentemente possível.

Na especificidade do trabalho clínico de base gestaltica para homens vivendo com HIV/aids, a psicoterapia breve é a modalidade que praticamos. Fundamentada na teoria de campo e na psicologia organísmica, e nos princípios da homeostase e da pregnância, e ciclo de auto-regulação organismica. Conforme Perls (1970), é uma intervenção que possibilita aos homens descobrir as próprias habilidades, o potencial criativo e encontrar os meios que lhe permitirão lidar com a situação de dificuldade existencial. Nesse sentido, compreender a gestalt-terapia é compreender o indivíduo dentro dessa totalidade e possibilidades de integração, restaurar o contato consigo mesmo. É o rompimento com as práticas terapêuticas tradicionais. (PERLS, 1997)

Considerando que o objeto deste texto é uma discussão sobre a potência e vulnerabilidade de homens que vivem com HIV/aids a partir da contribuição da psicologia clinica e da saúde, na proxima seção do texto abordaremos a adesão do indivíduo ao tratamento.

 

Adesão do indivíduo desão ao tratamento

O Documento Base para Gestores e Trabalhadores do SUS - HuamanizaSUS destaca como um dos princípios da política o "Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade". É um momento em que a psicologia atravessa o campo da multiprofissionalidade e atua com outros profissionais sem perder de foco seu objeto de estudo: o indivíduo com toda a sua singularidade. Ampliam-se as possibilidades de atuação. (MINISTERIO DA SAÚDE, 2010).

Quando se fala em "Humanização do SUS" entende-se a valorização dos atores que compõe o quadro da saúde, no entanto, a humanização em si pressupõe um empenho pertencente a cada indivíduo já que a mudança não acontece de fora para dentro do sujeito. Parece-nos que uma premisa da politica que se viabiliza pela ação da equipe e do usuario da saude é que há necessidade de conscientizar-se acerca da importância que o outro tem no processo de desenvolvimento individual e social.

Assim, a humanização preconizada pelo SUS é um elemento essencial para a prática da clínica ampliada, pois colabora com a eficácia desta. Voltando ao texto básico do Ministério da Saúde, percebe-se que a clínica ampliada "propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, não só a combater as doenças, mas a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não o impeça de viver outras coisas na sua vida" (BRASIL, 2004, p.64).

Dadas às realidades locais do país, a sistematização da clínica ampliada pode incidir em um processo dinâmico em um dado local e mais lento, em outro. A gestão e as equipes trabalham com suas próprias singularidades e adaptam suas linhas de ação dependendo do contexto onde estão inseridas. Em Centros de Apoios Psicossociais (CAP's), por exemplo, os serviços de psicologia são voltados para a reabilitação psicossocial.

Sobre o HIV/aids, os atendimentos psicológicos em Belém do Pará são realizados no Hospital de Referência. A aids, de acordo com Parker (1998) por estar vinculada a idéia de morte e a comportamento de risco, desencadeia nos sujeitos um intenso medo, a discriminação e o preconceito, e mitos que colaboram para estigmatizar4 e provocar abalo psíquico e social a pessoa vivendo com HIV e/ou aids, em sua família e amigos, somada a outras discriminações aumentando o impacto da epidemia. Essas freqüentes ocorrências geralmente fazem com que muitas pessoas continuem, ainda hoje, sendo vitimas de discriminação em função do diagnóstico de HIV/aids sendo ele positivo, ou até mesmo por se suspeitar ter o resultado soropositivo para o HIV. A não aceitação de sua soropositividade é geralmente a primeira figura que emerge acompanhada de sérios abalos a promoção do acesso universal a saúde. Pessoas com HIV/aids expressam diferentes reações psicológicas em relação a sua condição positiva para infecção do vírus HIV (BRASIL, 2003).

Grandes partes dos problemas suscitados pela epidemia estão relacionadas ao preconceito em diferentes esferas do convívio social. O despreparo dos seus integrantes para responder às questões morais, éticas e sociais relacionadas à epidemia, a repercussão limitada da ação judicial individual, que provoca mudanças apenas na vida das pessoas diretamente envolvidas no processo, e sua impossibilidade de fortalecer os portadores enquanto grupo coletivamente organizado. (MIRANDA; GARCIA, 2005, p. 21)

Atualmente, o Tratamento Antirretroviral (TARV) se estabelece como um mecanismo de tratamento, mas ainda não é completamente efetivo dado as dificuldades que muitos têm de permanecer aderidos ao tratamento que é praticamente para a vida toda.

Ao descobrir a sorologia positiva para o HIV/aids, o homem entra em uma nova etapa que pode ser decisiva para si. Aderir a um tratamento que inclui anti-retrovirais e acompanhamentos médicos nem sempre é bem visto por muitos. A rotina muda e o indivíduo passa a adotar uma forma de vida diferenciada se quiser manter a qualidade de vida.

Lima (2012, pp. 23-24) enfatiza que "o tema adesão constitui-se numa área de grande importância para a Saúde Pública e um desafio para a educação. Aderir a um tratamento é bem mais do que simplesmente cumprir as ordens prescritas". Isto significa toda a complexidade que esta temática aborda, pois requer toda uma reelaboração de vida. É importante perceber que o indivíduo doente requer ser visto e respeitado em todos os seus aspectos biopsicossociais e não simplesmente ser considerado um mero receptor mecânico de remédios. O homem vulnerável fica imerso em um contexto estigmatizante que torna a adesão ao tratamento algo muito mais complexo e dificil.

O Brasil é um país com diversas culturas, hábitos, formas de ser e agir, cujas particularidades incluem a exigência na intervenção da psicologia clínica da inclusão das questões decorrentes da pressão, do estigma, que intensificam a vulnerabilidade e afetam a adesão dos homens ao tratamento. Por meio da psicoterapia, o indivíduo consegue encontrar um sentido para o tratamento que se torna significativo para ele de modo a observar que ele não é a doença em si, mas que está vivendo com ela.

Atualmente, as pessoas diagnosticadas com HIV/aids têm acesso gratuito ao Tratamento Antirretroviral (TARV), no entanto, o abandono é constante. Assim, há a necessidade de reflexão sobre esse assunto. Lima (2012) chama a atenção para as motivações que implicam da redução da adesão, por exemplo: a) a participação do próprio indivíduo; b) o envolvimento dos que dele cuidam, tais como o meio familiar, os profissionais de saúde; c) as politicas e a gestão pública.

Historicamente, o Brasil ainda se destaca em relação a outros países na questão da adesão aos tratamentos antirretrovirais. O acesso gratuito às medicações foi de suma importância para que a gestão pública pudesse traçar novas estratégias para tornar os tratamentos mais eficazes. Entretanto, devido ao abandono constante dos tratamentos com antirretrovirais, as respostas ao combate do HIV/aids se tornam menos eficazes fazendo o governo e o setor da saúde sejam instados a estabelecerem mecanismos que possam aumentar tais respostas.

Retomando as contribuições da psicoterapia, pensamos que a intervenção contribui para a qualidade de vida dos homens, na medida em que o investimento psíquico da pessoa vivendo com HIV/aids para ter uma boa qualidade de vida é intenso. A carga emocional elevada pode provocar sentimentos de desesperança e baixa autoestima levando-se em consideração que a rotina de vida muda com a utilização de medicamentos em horários específicos.

A relação profissional de saúde-usuário pode influenciar também positiva ou negativamente para a adesão ao tratamento. Daí, a necessidade de se repensar questões de ordem de saúde pública para que de fato o indivíduo se sinta capaz e responsável para assumir o compromisso sobre si mesmo.

Sobre esta questão, Seidl et al (2007, p. 2306) consideram que "em HIV/aids, a relação com o usuário deve caracterizar-se por uma postura de acolhimento, para o atendimento de demandas específicas e sua participação no planejamento e decisão acerca do seu próprio tratamento". Percebese, portanto, que o processo de adesão ao tratamento não é unilateral, algo vindo de um poder superior até chegar ao indivíduo, todavia, um processo relacional que depende da pessoa para tornar-se efetivo. Além disso, os autores destacam a necessidade de estudos mais efetivos relacionados à adesão, como citam no seguinte trecho:

A existência de uma política pública de acesso universal à medicação antiretroviral em nosso país faz com que estudos sobre adesão à TARV sejam de grande relevância, para propiciar melhor compreensão do problema e atuação adequada das equipes profissionais, visando garantir boas condições de saúde e qualidade de vida a pessoas vivendo com HIV/AIDS" (SEIDL, 2007, p. 2313).

Lima (2012) reitera que os Programas de Tratamento Integral ou Plano Individual de Adesão constituem-se como estratégias importantes para adesões mais significativas. De acordo com esta autora, os programas fazem parte de projetos preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que objetivam tratamentos baseados nas realidades individuais, incluindo limites e possibilidades de adesão.

Compreende-se tal Plano Individual como um compromisso do indivíduo e da própria rede de saúde no estabelecimento de ações efetivas para se chegar numa significativa qualidade de vida. Na busca por uma almejada qualidade de vida significativa ao portador do vírus HIV, requer levar em consideração também mudanças paradigmáticas na forma, por exemplo, que muitos profissionais da saúde têm ainda do indivíduo. Uma visão de que este é um "paciente", ou seja, alguém passivo e sem voz ativa em seu processo de restabelecimento.

Nesse sentido, Lima (2012) pondera que:

Os profissionais não-médicos têm participação fundamental neste processo de assistência na saúde-doença, desde a revelação diagnóstica ao paciente até a facilitação da adesão. O paradigma médico-centrado, prescritivo, tem sido ampliado e vêm incorporando os conhecimentos específicos dos psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, educadores, com objetivo de oferecer o melhor tratamento possível ao pacientes.A aids, dada a complexidade de seu tratamento, a longa duração e (até aqui) a impossibilidade de cura, requer estratégias inovadoras, planejadas, avaliadas para que os pacientes infectados pelo HIV tenham adesão (LIMA, 2012, pp. 23-24).

Não há um padrão específico que indique se a adesão está sendo eficaz ou não. O que se pode destacar é demarcadores que vão desde a ordem biológica, subjetiva até os sociais que contribuem para a parada ou continuidade do tratamento. Assim, dieta, excreção, alimentação (ordem biológica), auto-estima, aceitabilidade da doença (ordem subjetiva), preconceitos, estigmas, participação social (ordem social) podem ser considerados como alguns desses
demarcadores.

Ainda o caminho a se trilhar é longo, mas colhe bons frutos nesse processo complexo que é viver com HIV/aids e as diversas vulnerabilidades e estigmas que impedem adesões de caráter efetivos para o tatamento da síndrome da Imunodeficuencia adquirida (SIDA).

 

Considerações Finais

Até o momento, o entendimento da relação entre as práticas psicológicas, principalmente, as da clínica, acabaram se moldando às mudanças e necessidades do próprio processo histórico. No entanto há que se levar em consideração que o foco é o indivíduo que se expressa de múltiplas formas e constantemente ressignifica a vida dele.

Quando se atenta para a questão da saúde, preconiza-se o estabelecimento de relações significativas entre todas as instâncias, como os gestores, os profissionais e os usuários. Há que se ter uma visão crítica para que cada profissional, dentro de sua especificidade, atue de forma consciente e respeitando o outro enquanto humano.

Um exemplo típico de como a "humanização" pode ser estabelecido, são nas relações dos pacientes com doenças infecto-parasitárias e os "cuidadores" deles nos hospitais. Essa questão envolve o rompimento de preconceitos e lógicas préestabelecidas que acabam separando o atendido do profissional de saúde e, consequentemente, do mundo.

Quando se fala dos pacientes com HIV/aids, muitos estigmas são levantados e necessitam ser superados para que haja de fato um atendimento humano.

Bezerra (2001) pensa na interioridade psicológica do sujeito, no entanto, lida com toda a rede de subjetividade envolta dele, implicando todas as formas de estímulo que, no campo da alteridade, apresentam-se para o sujeito. Autores como (COSTA; BRANDÃO, 2005; DUTRA, 2004; PORTELA, 2008; FERREIRA NETO, 2008). Têm discutido a atuação do psicólogo clínico para além do setting tradicional. A atuação clínica em outros contextos tem recebido diferentes denominações, como "clínica ampliada", "clínica social" e "clínica transdisciplinar" (FERREIRA NETO, 2008). A entrada dos psicólogos no campo da saúde pública muito contribuiu para tal expansão (SPINK; MATTA, 2003).

E a própria clínica também nesse momento de ruptura, tentando sua articulação com a política, daí o termo "clínica ampliada", cuja proposta é a superação do modelo da clínica tradicional. Obviamente, isso necessitou de uma redefinição do próprio objeto, dos objetivos da clínica, bem como dos meios de trabalho na assistência individual, familiar e de grupos. A noção de clínica ampliada deve ser pensada na possibilidade de instrumentalização, modalidades intervencionistas com objetos, palavras, silêncios de modo a instigar o sujeito em sua capacidade de organizar suas próprias práticas psicológicas e sociais de maneira mais criativa e adaptativa.

Ferreira Neto (2008) afirma que no processo de trabalho em saúde, o modelo clínico tradicional, principalmente, o psicanalítico, acaba perdendo seu apogeu, seu saber absoluto em face de novos reordenamentos frente a uma realidade complexa. Desta forma, evidencia-se a relevância de se teorizar acerca da prática do psicólogo em atendimentos no hospital, dentro das especificidades que a instituição oferece, sempre com respeito e ética para com o outro e nas perspectivas através de psicoterapia na modalidade breve com pacientes sem possibilidade de cura, sendo uma tentativa de facilitar um canal de comunicação que amenize a dor e o sofrimento, proporcionando ao cliente falar sobre suas experiências que dão sentido a sua existência.

Leitão (1993) destaca que o trabalho de psicoterapia no ambiente de um hospital exige do psicólogo um prévio conhecimento da realidade na instituição, seja do contato direto com o novo contexto de trabalho, onde terá que atuar em constante interação com a equipe multiprofissional de saúde. O psicólogo deverá "hospitalizar-se" não da mesma forma e sentido que o paciente adoentado se encontra, mais da mesma forma e sentido que todos os demais membros da instituição que ali estão inseridos.

Nesse contexto, é importante a incorporação de homens dentro de uma perspectiva de gênero em políticas de saúde e outras que sejam relevantes para a prevenção, tratamento e acompanhamento de pacientes com aids.

 

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Sobre obre os autores:

Warlington Lobo
Psicólogo, Mestrando em Psicologia (PPGP/UFPA)
e Bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ).

Adelma Pimentel
Professora Doutora da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Recebido em: 11/05/2012
Aceito para publicação: 06/11/2012

 

 

1.Utilizaremos o termo aids em caixa baixa, seguindo recomendação do Departamento Nacional de Doenças Sexualmente transmissíveis, pois no Brasil, o processo de dicionarização do termo AIDS deixa de ser uma sigla e passou a representar uma doença. Disponível em URL:http://www.aids.gov.br.
2
. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, (BRASIL, 2008, p. 05) Disponivel em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/pr t1944_27_08_2009.html
3. Secretaria Estadual de Saúde do Pará. DST/aids,2009.
4
Para Goffman (1988, p. 7), estigma é a "situação do indivíduo que não está habilitado para a aceitação social plena." Estigma é um atributo que faz com que sujeitos sejam enjeitados socialmente, provocando uma segmentação social.