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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

 

Psicoterapia de Rogers e ludoterapia de Axline: convergências e divergências

 

Rogers' psychotherapy and Axline´s play therapy: convergences and divergences

 

 

Rosa Angela Cortez de BritoI; Vilma Maria Barreto PaivaII

I Faculdade de Tecnologia Intensiva

II Universidade Federal do Ceará

 

 


RESUMO

Axline referiu que a sua base teórico-prática em ludoterapia é a psicoterapia não-diretiva rogeriana. Para compreender a afirmação da autora sobre seu referencial teórico, este trabalho propõe como estudo a análise das relações entre a psicoterapia não-diretiva de Rogers e a ludoterapia nãodiretiva de Axline. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica das obras de Rogers, de Axline e de comentadores. Como resultado, verificou-se que a ludoterapia de Axline encontra-se entre dois momentos da evolução teórica de Rogers: a fase não-diretiva e a fase reflexiva. Portanto, a teoria de Axline não pode mais ser considerada semelhante à psicoterapia nãodiretiva, mas como uma transição para a terapia centrada no cliente.

Palavras-chave: psicologia humanista; ludoterapia; terapia centrada no cliente.


ABSTRACT

Axline referred that her theoretical-practical base in play therapy is the rogerian's non-directive psychotherapy. In order to understand the author's statement on her theoretical referential, this paper proposes as study the analysis of the relationships between Rogers's non-directive psychotherapy and Axline's non-directive play therapy. The methodology used for the accomplishment of this work was the bibliographical research of Rogers's, Axline`s and reviewers' papers. As obtained result, it was verified that the Axline's non-directive play therapy is between two moments of Rogers' theoretical evolution: the non-directing phase and the reflexive phase. Therefore, Axline's theory should no longer be considered similar to the non-directing psychotherapy, but as a transition for the client centered therapy.

Keywords: humanistic psychology; play therapy; client-centered therapy.


Resumen

Axline dijo que su base teórica y práctica para la terapia de juego no directiva es la psicoterapia de Rogers. Para entender la declaración del autor sobre su marco teórico, se propone como el análisis del estudio de la relación entre la terapia de juego psicoterapia no directiva y Axline Rogers no-política. La metodología utilizada fue la literatura de las obras de Rodgers, Axline y comentaristas. Como resultado, se encontró que la terapia de juego de Axline está entre dos veces la evolución teórica de Rogers fase fase no directiva y reflectante. Por lo tanto, la Axline teoría ya no puede considerarse similar a la psicoterapia no directiva, sino como una transición a la terapia centrada en el cliente.

Palabras clave: psicología humanista; terapia de juego; terapia centrada en el cliente.


 

 

Introdução

Neste artigo abordamos onde a Psicoterapia Não-Diretiva, proposta por Carl Rogers, e a Ludoterapia Não-Diretiva, de Virginia Axline, convergem e onde estas propostas divergem, trazendo, junto a esse objetivo, discussões sobre os pontos apresentados. As obras de base para a construção deste trabalho são os livros Psicoterapia e Consulta Psicológica, lançado em 1942 e Ludoterapia – A Dinâmica Interior da Criança, lançado em 1947. O espaço de tempo (cinco anos) que separa as duas obras, as semelhanças entre as propostas e a terminologia usada pelos autores nos possibilita falar que eles compreendem que fazem psicoterapia com as mesmas ideias. No entanto, percebemos que existem sutis diferenças entre as duas propostas, as quais nos permitem falar de pontos de encontro e de desencontro nas teorias, bem como repensar o espaço ocupado pela teoria de Axline na Abordagem Centrada na Pessoa, tomando como base a evolução da obra rogeriana proposta por Hart (1961, 1970, citado por Cury, 1987) e por Wood (1983).

Não temos a pretensão de abordar aqui todos os pontos que se mostrem relevantes na proposta trazida por nós. Temos a intenção de iniciar uma discussão que pode se converter em estudos posteriores em relação à Ludoterapia Centrada na Criança, para que esta prática possa ser melhor compreendida, melhor contextualizada e, consequentemente, melhor utilizada pelos profissionais que atendem crianças, incluindo uma das autoras do presente artigo.

Convergências entre a Psicoterapia nãodiretiva e Ludoterapia não-diretiva

Rogers (1942/2005) e Axline (1947/1984), ao falarem de suas teorias, informam que têm um ponto de partida: proporcionar ao indivíduo uma relação sem o controle do terapeuta, uma relação sem diretividade, onde ele passa a ser o foco da terapia, ao invés do seu problema. Segundo Gobbi, Missel, Justo e Holanda (2002), a noção de "não-direção" diz respeito à abstenção do terapeuta de intervenções que possam se interpor ao processo do indivíduo. O indivíduo dá, portanto, a direção ao terapeuta em sua consulta psicológica. Nesse contexto, Rogers (1942/2005) entende que, nessa terapia

[...] um dos principais objetivos do psicólogo é ajudar o cliente a exprimir livremente as atitudes afetivas que estão na base dos seus problemas de adaptação e dos seus conflitos [...] o cliente encontra neste processo uma libertação afetiva dos sentimentos até então reprimidos, uma maior consciência dos elementos fundamentais de sua própria situação e uma capacidade crescente para reconhecer seus sentimentos de uma maneira livre e sem receio (p. 173-174).

Axline (1947/1984) trouxe, sobre sua proposta teórica, que

[...] a ludoterapia não-diretiva [...] pode ser descrita como uma oportunidade que se oferece à criança de crescer sob melhores condições. Sendo o brinquedo seu meio natural de auto-expressão lhe é dada a oportunidade de, brincando, expandir seus sentimentos acumulados de tensão, frustração, insegurança [...] libertando-se desses sentimentos através do brinquedo, ela se conscientiza deles, esclarece-os, enfrenta-os, aprende a controlá-los, ou os esquece. Quando ela atinge uma certa estabilidade emocional, percebe que sua capacidade para se realizar como um indivíduo, pensar por si mesma, tomar suas próprias decisões, tornar-se psicologicamente mais madura e, assim sendo, tornar-se pessoa (p. 28).

Estes dois autores seguiram apresentando outros aspectos semelhantes em suas teorias, que consideramos importante ilustrar neste artigo.

Sobre as semelhanças entre as ideias de Rogers e Axline, ambos defendiam a ideia de que o terapeuta deve confiar na capacidade de crescimento do indivíduo, para possibilitar uma relação onde o cliente possa se autodirigir e esta direção possa ser seguida pelo terapeuta, sem receios. Dessa forma, Rogers informava que a terapia, com esse pressuposto, serviria de apoio para que o indivíduo pudesse desenvolver-se. Rogers (1942/2005) afirmou que "a terapia não é uma forma de fazer algo para o indivíduo ou de induzi-lo a fazer algo sobre si mesmo. É antes um processo de libertá-lo […], de remover obstáculos que o impeçam de avançar" (p. 28, grifo no original).

Axline (1947/1984) apresentava um posicionamento semelhante sobre a ludoterapia, afirmando que a confiança na capacidade da criança é fundamental para que a terapia possa alcançar êxito. Na ludoterapia, de acordo com essa premissa de confiança na capacidade da criança, ela pode "descobrir seu caminho, testar a si própria, deixar revelar sua personalidade, tomar a responsabilidade por seus próprios atos […], a criança adquire a coragem de seguir em frente e de se tornar um indivíduo mais maduro e independente" (p. 32).

Pode-se compreender, então, que ambos os autores entendiam que a confiança do terapeuta na capacidade da pessoa à sua frente, seja uma criança ou um adulto, serve de base para uma terapia que promove libertação, auto-responsabilidade e maturidade.

Continuando a abordar as semelhanças entre Rogers e Axline na psicoterapia nãodiretiva, enfocamos os critérios que são necessários para o estabelecimento da relação terapêutica. Rogers (1942/2005) os denominava de "aspectos fundamentais"; Axline (1947/1984) chamou de "princípios básicos". Independentemente da terminologia utilizada, os dois autores falaram de critérios que devem existir numa psicoterapia, com adultos ou crianças.

Com a finalidade de esclarecimento destas propostas, expomos abaixo os aspectos fundamentais descritos por Rogers e os princípios básicos de Axline. Rogers (1942/2005) propôs como aspectos fundamentais:

1. Calor e capacidade de resposta por parte do psicólogo que torna a relação possível e a faz evoluir gradualmente para um nível afetivo mais profundo. [...] porém, trata-se de uma relação nitidamente controlada, uma ligação afetiva com limites definidos;

2. Permissividade em relação à expressão dos sentimentos;

3. Existem limites definidos à ação do indivíduo […], ajudando a criar uma estrutura que o cliente possa utilizar para conseguir uma melhor compreensão de si mesmo;

4. Relação psicológica livre de qualquer pressão ou coerção (p. 87-88).

Axline (1947/1984) destacou, como princípios básicos, as seguintes propostas:

1. O terapeuta deve desenvolver um bom relacionamento com a criança para o estabelecimento do rapport;

2. Aceitar a criança completamente;

3. Estabelecer um sentimento de permissividade;

4. Reconhecer e refletir os sentimentos;

5. Manter o respeito pela criança;

6. A criança indica o caminho;

7. A terapia não pode ser apressada;

8. O valor dos limites (p. 87, grifo no original).

Para Rogers (1942/2005), a terapia deve ser uma relação de calor e afetividade controlados pelo terapeuta. Ou seja, "[...] trata-se de uma relação nitidamente controlada, uma ligação afetiva com limites definidos" (p. 87). Dessa forma, esse autor entendia que o terapeuta não deve se envolver com as questões do cliente a ponto haver identificação com suas questões pessoais.

Axline (1947/1984) também apresenta a mesma postura, ao apresentar uma postura terapêutica de "sensibilidade […], compreensão e genuíno interesse pela criança" (p. 77). Junto a essa postura sensível, também estaria presente uma postura profissional ao lidar com a criança, sem envolvimento emocional. Isso fica claro quando ela afirma que "o terapeuta não deve se envolver emocionalmente com a criança pois, quando isso acontece, a terapia desvirtua-se, e a criança não se beneficia nestas complicadas circunstâncias" (p. 79).

Compreendemos a visão trazida por Rogers e Axline exposta acima. Consideramos, inclusive, que o limite da atuação profissional do terapeuta ou do ludoterapeuta de orientação rogeriana e uma possível compreensão do cliente dessa relação de calor e segurança como de afetividade, por parte do terapeuta, seja tênue. Mas entendemos também que esta postura suscite mal-entendidos e uma atitude do terapeuta de não-afetividade extrema, gerando o que chamamos de 'distanciamento seguro' entre terapeuta e cliente (a criança), de forma que a relação possa ser comprometida pela excessiva preocupação do terapeuta em não se mostrar afetivo, podendo gerar incongruência entre o que o terapeuta sente e o que ele expressa.

O terapeuta deve, para minimizar isso, estar seguro de seu papel de atuação, de seus pressupostos teóricos, bem como estar emocionalmente preparado para o desenvolvimento da relação terapêutica com a pessoa atendida. É possível confirmar nossa afirmação em Rogers (2002), em que ele descreve quais seriam os elementos importantes para o treinamento de um terapeuta: uma boa base teórica que sustente sua prática; a participação do terapeuta em grupos de encontro e em acompanhamento psicoterápico – neste último, caso haja necessidade; que o terapeuta tenha contato – o mais cedo possível – com a sua própria prática; e a compreensão do terapeuta de que, provavelmente, leva-se uma vida inteira para o seu aprimoramento.

Outro critério proposto por Rogers e que pode ser verificado na obra de Axline é quanto à relação de permissividade que o terapeuta disponibiliza ao cliente. Segundo Rogers (1942/2005), na relação terapêutica, deve haver permissividade sobre a expressão de sentimentos do cliente. O psicólogo deve proporcionar ao cliente um lugar onde poderá falar de qualquer sentimento, positivo ou negativo, que ele experimentar e ele será compreendido e aceito. Ou seja, "[...] através da aceitação [...] da completa ausência de qualquer atitude moralista ou judicativa da atitude de compreensão […], acaba por reconhecer que todos os sentimentos e atitudes podem se exprimir" (p. 88).

Axline também enfatizou a importância da permissividade e do não julgamento na expressão de sentimentos da criança. A profundidade com a qual ela expressa seus sentimentos está intimamente ligada à essa permissividade. A aceitação dos sentimentos da criança, segundo a autora, pode acontecer tanto por meio verbal, quanto por meio nãoverbal. Independentemente da forma de expressão desse sentimento, a permissividade possibilita que a criança adquira, pouco a pouco, a consciência da sua responsabilidade quanto às escolhas que faz. Ela poderá, então, decidir a direção que a relação terapêutica pode tomar. Dessa forma, Axline (1947/1984) alerta para o fato de que "o grau de permissividade que faz com que a terapia seja realmente bem sucedida é diretamente proporcional à aceitação da criança" (p. 106).

A questão da permissividade em Rogers e Axline, então, apresenta-se como ponto de convergência, no que tange à completa aceitação de sentimentos e atitudes e aos efeitos proporcionados por essa postura do terapeuta: o reconhecimento por parte do cliente de aspectos de si, até então negados; uma maior responsabilidade sobre as escolhas realizadas pelo indivíduo; um direcionamento do processo terapêutico cada vez mais encaminhado ao crescimento. Em resumo, um processo terapêutico eficaz.

Outro critério semelhante entre Rogers e Axline a ser enfocado é o da construção de limites terapêuticos na relação entre o psicólogo e o cliente. Rogers (1942/2005) abordou essa questão, defendendo que os limites na relação terapêutica criam uma estrutura onde o cliente pode compreenderse melhor. Os limites representariam um dos "elementos vitais" (p. 89) que aumentariam a percepção do cliente da responsabilidade sobre seus atos e sentimentos na terapia. A existência dos limites é importante para a manutenção da aceitação incondicional do terapeuta, importante para a manutenção da relação terapêutica. O posicionamento de Rogers (1942/2005) fica claro na citação a seguir:

[...] em qualquer situação terapêutica, quer com crianças, quer com adultos, surgem exigências, exprimem-se desejos, em relação aos quais o psicólogo tem que tomar uma atitude. O iniciante ou psicólogo pouco treinado [...] tem tendência a ceder a essas exigências [...] até que essas exigências crescem a um ponto tal que o psicólogo não pode ceder. Nesse momento, a afeição e o desejo de ajudar tornam-se aversão e tentativa de evitar a relação (p. 96).

Para evitar essa situação prejudicial ao cliente e ao terapeuta, este deve ter consciência da necessidade de existirem limites e que estes devem ser bem definidos, claramente compreendidos pelo cliente e utilizados de maneira construtiva.

Axline (1947/1984), assim como Rogers, enfatiza que o terapeuta deve ter os limites definidos de maneira clara e que estes devem ser poucos, geralmente limitados aos materiais utilizados ou ao ataque físico sobre o terapeuta. Axline (1947/1984) defendia que os limites servem para vincular, minimamente, a psicoterapia à vida cotidiana da criança, para que esta aprenda a canalizar suas ações sobre o material presente na sala de terapia, bem como para que a terapia seja construída em torno do respeito entre terapeuta e criança. Dessa forma, ela reorganiza melhor suas experiências e lida de maneira mais construtiva com os limites impostos pelos relacionamentos cotidianos.

Ainda sobre os limites que o terapeuta deve colocar na relação terapêutica, ambos os autores enfatizaram a necessidade de que os limites na psicoterapia fossem esclarecidos ao cliente, seja ele adulto ou criança. Rogers justificou essa necessidade para a manutenção da aceitação incondicional, tão importante para a eficácia da terapia. Axline compreendia a importância dos limites para situar a criança de que a terapia faz parte do mundo de relações em que ela vive. Uma relação com características diferenciadas, sem dúvida, mas ainda assim uma relação onde o respeito mútuo é fundamental.

Mais uma semelhança percebida na teoria de Rogers e Axline refere-se à capacidade do terapeuta de não apressar o processo de seu cliente. Rogers (1942/2005) entendia que a relação terapêutica deveria ser livre de qualquer tipo de pressão ou coerção por parte do terapeuta. Ele enfatiza que "o psicólogo competente abstém-se de introduzir nas situações terapêuticas os seus próprios desejos, reações e inclinações" (p. 89). A hora terapêutica pertence ao cliente e não ao terapeuta. Rogers compreendia que a recusa de influenciar o cliente seria "uma base positiva para o crescimento e desenvolvimento da personalidade, para a escolha consciente e para a integração autocomandada" (p. 90).

Pode-se fazer um paralelo desse aspecto da relação terapêutica de Rogers com o sexto princípio de Axline (1947/1984), na Ludoterapia não-diretiva: a criança indica o caminho e o terapeuta o segue. A hora da terapia pertence à criança. As opiniões e sentimentos do terapeuta não são bemvindos naquele momento. A autora entende que "a criança é bloqueada pela intromissão da personalidade do terapeuta, no brinquedo. Consequentemente, este deve se manter de fora [...]" (p. 129).

Para Rogers e Axline, a relação terapêutica eficaz é aquela na qual o cliente dá o direcionamento. Dessa forma, posicionamentos, julgamentos de valor, opiniões de qualquer natureza que o terapeuta insistir em inserir na relação poderão ser refutadas pelo cliente ou atrasar avanços na terapia, por se tratar de uma direção dada pelo terapeuta.

O último aspecto que abordamos aqui como convergência entre as teorias de Rogers e Axline diz respeito as respostas do terapeuta aos sentimentos que o cliente expressa na terapia. Ambos os autores compreendem que o terapeuta deve responder não aos conteúdos, mas sim aos sentimentos que o cliente (adulto ou criança) coloca nesses conteúdos. Rogers (1942/2005), ao falar de sua teoria nãodiretiva, propõe que o terapeuta mantenhase vigilante para reconhecer os sentimentos que o cliente expressa, de forma a tornar o cliente capaz de conduzir-se de maneira mais eficaz para os sentimentos que permeiam seu problema de adaptação. Isso fica visível na seguinte afirmação de Rogers (1942/2005): "quando o psicólogo está atento à resposta às atitudes expressas pelo cliente, reconhece e clarifica esses sentimentos, a entrevista está centrada no cliente e os elementos que surgem são efetivamente relevantes para o problema do cliente" (p. 139).

Axline (1947/1984) dá ênfase à resposta reflexiva, um termo mais característico da fase reflexiva do que do período não-diretivo (Wood, 1977, citado por Cury, 1987). No desenvolvimento dessa resposta, porém, percebemos que ela utiliza o termo "resposta-reflexiva" para caracterizar uma resposta que surja de um terapeuta que esteja sempre atento aos sentimentos que a criança expressa, reconhecendo-os, objetivando que a criança clarifique sua forma de pensar e ajude a si própria. Para Axline (1947/1984) "a terapeuta é sensível ao que a criança está sentindo e expressando […]. Ela reflete essas atitudes emocionalmente expressas, de tal maneira que a ajude a compreender-se melhor" (p. 27).

Diante do exposto, sobre a forma de clarificar os sentimentos expressos pelo cliente, podemos concluir que apesar da terminologia diferenciada, os dois autores estão se referindo, conceitualmente, ao mesmo tipo de resposta.

Em acordo ao que escrevemos no início deste artigo, abordaremos características que consideramos convergente nas teorias de Rogers e Axline. Percebemos pontos de encontro nestes autores quanto aos objetivos da terapia, quanto ao pressuposto que ampara as duas teorias, quanto à importância da permissividade, aos limites terapêuticos, quanto à postura do terapeuta de nãocoerção do cliente e quanto ao tipo de respostas que o cliente recebe do terapeuta diante dos sentimentos que ele expressa.

 

Desencontros entre a Psicoterapia não-diretiva e Ludoterapia não-diretiva

Apesar de Rogers e Axline apresentarem semelhanças no que tange à psicoterapia não-diretiva, podemos verificar que os autores têm pontos de divergência ao abordarem a psicoterapia na perspectiva do método não-diretivo.

Em Psicoterapia e Consulta Psicológica, sobre a ludoterapia desenvolvida no contexto não-diretivo, Rogers (1942/2005) afirmou que não parecia haver outra diferença entre a terapia de adultos e a ludoterapia, com exceção à questão da comunicação entre terapeuta e criança. Segundo o autor, "a diferença mais notável está em que na ludoterapia a relação é definida muito mais através das ações do que das palavras" (p. 95). Ou seja, a diferença não ocorreria nas atitudes do terapeuta, independentemente da faixa etária atendida. O terapeuta continua caminho e o terapeuta o segue. A hora da terapia pertence à criança. As opiniões e sentimentos do terapeuta não são bemvindos naquele momento. A autora entende que "a criança é bloqueada pela intromissão da personalidade do terapeuta, no brinquedo. Consequentemente, este deve se manter de fora [...]" (p. 129). Para Rogers e Axline, a relação terapêutica eficaz é aquela na qual o cliente dá o direcionamento. Dessa forma, posicionamentos, julgamentos de valor, opiniões de qualquer natureza que o terapeuta insistir em inserir na relação poderão ser refutadas pelo cliente ou atrasar avanços na terapia, por se tratar de uma direção dada pelo terapeuta. O último aspecto que abordamos aqui como convergência entre as teorias de Rogers e Axline diz respeito as respostas do terapeuta aos sentimentos que o cliente expressa na terapia. Ambos os autores compreendem que o terapeuta deve responder não aos conteúdos, mas sim aos sentimentos que o cliente (adulto ou criança) coloca nesses conteúdos. Rogers (1942/2005), ao falar de sua teoria nãodiretiva, propõe que o terapeuta mantenhase vigilante para reconhecer os sentimentos que o cliente expressa, de forma a tornar o cliente capaz de conduzir-se de maneira mais eficaz para os sentimentos que permeiam seu problema de adaptação. Isso fica visível na seguinte afirmação de Rogers (1942/2005): "quando o psicólogo está atento à resposta às atitudes expressas pelo cliente, reconhece e clarifica esses sentimentos, a entrevista está centrada no cliente e os elementos que surgem são efetivamente relevantes para o problema do cliente" (p. 139).

Axline (1947/1984), ao analisar as semelhanças com o aconselhamento nãodiretivo, não enfoca diferenças entre as duas teorias, nem na sua prática profissional. No entanto apresenta uma sistematização diferenciada e mais detalhada das atitudes a serem desenvolvidas pelo terapeuta na relação com criança. Rogers (1942/2005) faz uma divisão menos detalhada que a proposta por Axline.

Axline (1947/1984) também traz uma discussão que pode se apresentar como diferença e que está relacionada à terminologia de sua proposta psicoterápica. Ela afirmou que o termo não-diretivo traz uma ideia clara do papel do terapeuta na relação, mas não deixa muito claro o papel do cliente. Ela propôs, então, um termo que enfatizaria mais o papel do cliente: "terapia auto-diretiva" (p. 37). Com isso, podemos inferir que Axline tentava focar sua terapia em termos do cliente, em paralelo ao foco nas atitudes do terapeuta na relação, gerando uma aproximação com a fase posterior da teoria rogeriana: a Terapia Centrada no Cliente.

Com base nas questões apresentadas acima, mesmo que Axline não tenha apresentado claramente as diferenças entre as duas teorias, estas diferenças tornam-se visíveis a partir da sistematização diferenciada à de Rogers e da proposição de uma nomenclatura desse ênfase ao papel do cliente na terapia.

Outro desencontro entre Rogers e Axline é sobre a eficácia da psicoterapia e sua relação com o estado emocional do indivíduo que chega ao terapeuta. Para Rogers (1942/2005) haveria a necessidade de se verificar a existência de um estado de tensão que o "habilitasse" a iniciar a psicoterapia.

Segundo o autor, "a consulta psicológica pode ajudar apenas quando há um certo grau de mal-estar provocado por uma situação de desequilíbrio" (p. 53). Ainda sobre a psicoterapia e consulta psicológica nãodiretivas, Rogers (1942/2005) salientava que

[...] estas [a consulta psicológica e a psicoterapia] podem ser eficazes apenas quando existe um conflito de desejos e carências que provocam tensão e exigem um determinado tipo de solução. Fundamentalmente, o que de mais rigoroso se pode dizer acerca desta situação é que, antes de a consulta poder ser eficaz, as tensões criadas por esses desejos e necessidades em conflito tem que ser mais dolorosas para o indivíduo do que o sofrimento e a tensão de procurar uma solução para o problema (p. 54).

Ainda sobre a questão do estado do cliente e da eficácia da terapia, Rogers (1942/2005) afirmava que o cliente deveria estar consciente de que deveria buscar ajuda e, também, desejar esta ajuda. Isso está claramente ilustrado na seguinte passagem: "é certamente mais provável que a consulta psicológica tenha êxito quando [...] o cliente deseje ajuda e reconheça conscientemente esse fato" (p. 66). Reconhece, porém, que a psicoterapia pode ser eficaz nos casos em que o cliente não se perceba precisando de ajuda de maneira consciente.

Para ilustrar a afirmação acima, Rogers utilizou como exemplo um atendimento realizado com uma criança. A criança quase sempre não sabe o que faz na sala de terapia, mas reconhece, à medida que o processo avança que há alguém ali que pode ajudá-la. Apesar de suscitar semelhança com a postura que Axline toma e que será demonstrada a seguir, há diferença nos posicionamentos pelo fato de Rogers (1942/2005) pouco se deter a essa discussão nessa obra, afirmando a necessidade de "analisar mais adequadamente" (p. 68) essas situações e mantendo sua primeira proposta no decorrer do livro. A maneira como Rogers desenvolve suas ideias deixa claro que o cliente deve estar em um grau de sofrimento emocional acentuado e ter a consciência de que precisa de ajuda, apesar de ele trazer um exemplo sobre o processo com a criança.

Axline (1947/1984), em contrapartida, afirmava que a ludoterapia pode acontecer mesmo que a criança não esteja num grau muito acentuado de tensão ou de desajustamento, bem como nas situações onde a criança apresente claramente sinais de que encontra-se em sofrimento emocional. A psicoterapia poderia servir, então, para prevenir uma situação de agravo do desajuste. A citação abaixo corrobora essa noção:

Não há nenhuma justificativa em esperar até que a criança esteja seriamente desajustada para que se tente ministrarlhe alguma ajuda. Parece haver uma certa higiene mental preventiva nas experiências de ludoterapia. E a criança, mesmo que não esteja seriamente desajustada, diverte-se muito com a experiência. Isto para ela é uma brincadeira. O fato da própria criança se dirigir, fazendo o que quer remove qualquer vestígio de medo da situação terapêutica, desde o primeiro contato (AXLINE, 1947/1984, p. 75).

Diante do exposto, acerca da eficácia na terapia – independentemente da consciência do cliente quanto à necessidade de passar por esta terapia – há um avanço em comparação com a perspectiva não-diretiva. Esse avanço se deu na medida em que a autora obtinha dados empíricos, a partir de sua prática direta com atendimento de crianças, ao contrário de Rogers, que apresentou esses dados a partir dos resultados de pesquisas e dos atendimentos realizados por membros de sua equipe de pesquisadores. Não fica claro nos capítulos do livro Psicoterapia e Consulta Psicológica que Rogers tenha atendido as crianças cujos relatos estão ilustrados na obra.

O último ponto que consideramos divergente entre as teorias dos autores estudados diz respeito à natureza da ligação entre o cliente e a família. De acordo com Rogers (1942/2005), quando as demandas do cliente estão ligadas ao relacionamento familiar, a terapia poderia ter uma maior eficácia, caso o cliente se mantivesse "afetivamente ou espacialmente liberto do controle familiar" (p. 73). A exceção seriam os clientes que não tivessem demandas relacionadas a questões familiares. Esse pressuposto deveria ser obedecido, de maneira especial, quando o cliente fosse criança ou adolescente.

Ainda, segundo este autor, a terapia realizada unicamente com a criança fracassaria ou poderia, ainda, trazer maiores dificuldades ao indivíduo atendido. Para Rogers (1942/2005), "a terapia só com a criança pode levá-la simplesmente a fixar-se numa oposição radical aos pais, agravando assim o seu problema" (p. 73). Além disso, o autor chamou a atenção para a seguinte situação:

[...] o tratamento exclusivo da criança também corre o risco de tornar os pais ciumentos e hostis quando descobrem que o terapeuta sustenta uma relação íntima com os filhos. Isso acontece mesmo com os pais que teoricamente desejam que a criança receba ajuda psicológica (p.73).

De acordo com a passagem acima, segundo Rogers, para que a relação terapêutica fosse eficaz, em casos que envolvessem demandas relacionadas à família, os pais também deveriam passar por psicoterapia conjuntamente, para que todos alterassem as formas de relação estabelecidas entre eles na dinâmica familiar.

Um dos motivos que justificariam o posicionamento de Rogers (1942/2005) em defesa do tratamento conjunto dos pais e da criança parece ser o fato de que, em muitos casos, os pais tendem a culpabilizar as crianças por conta de demandas ou dificuldades que são suas e não delas. Segundo este autor, "ao centrar as queixas na criança, o pai ou a mãe está se defendendo de críticas, e normalmente é suficientemente defensivo para negar que esteja diretamente envolvido ou que necessite de ajuda" (p. 93)

Sobre a questão entre família, cliente e a relação terapêutica, Axline (1947/1984) tem um posicionamento oposto ao de Rogers. Para esta autora, não há necessidade de que os pais ou responsáveis pela criança passem por terapia no decorrer do tratamento da criança. Contudo, ela não descarta que o acompanhamento psicoterápico dos pais, aliado ao acompanhamento com a criança pode potencializar e acelerar o andamento do processo de psicoterapia desta. Isso fica claro na seguinte passagem de Axline (1947/1984):

[...] embora os pais, ou substituto dos pais, sejam frequentemente um fator agravante no caso da criança mal ajustada, e ainda possa a terapia prosseguir mais rapidamente se os adultos receberem também alguma ajuda terapêutica ou aconselhamento, não é necessário que isto aconteça para assegurar o sucesso da terapia (p. 81 – grifo no original).

Axline (1947/1984) confirmava a não necessidade de que os pais passassem por terapia com a justificativa de que, em vários dos casos que acompanhou, as crianças tornaram-se emocionalmente mais fortes e foram capazes de, sozinhas, lidar de maneira diferenciada com a situação familiar que lhes era imposta produzindo, dessa forma, alguma mudança no ambiente. Segundo a autora, "se a criança torna-se madura e responsável, também os adultos se irritam menos e sentem menos necessidade de entrar em choque com ela" (p. 81).

Quando a criança tem demandas relacionadas a questões familiares Axline (1947/1984) ressaltava que, em muitos casos, quando os pais passam por psicoterapia e a criança não, a compreensão que eles vão adquirindo a partir de seu próprio processo pode trazer melhorias na relação com a criança e levar a uma consequente melhora das demandas desta.

A partir das questões levantadas acima verificamos que, para Rogers, a terapia com crianças ou jovens com algum grau de dependência em relação à família só teria sucesso quando se identificasse 'a quem pertenceria' a demanda. Caso ela seja do familiar, este deveria passar por terapia para que o indivíduo "afetado" (no caso, a criança ou o adolescente) pudesse obter melhora. Na situação em que o indivíduo apresentasse questões emocionais e que existisse um grau de dependência familiar, o tratamento psicoterápico só seria eficaz em situações de afastamento do convívio familiar ou caso os familiares também fossem acompanhados em psicoterapia.

Axline defendia, em contrapartida, que a criança tem a capacidade de alterar as relações familiares, mesmo que somente ela faça terapia. Mas apontou que a terapia realizada com os outros membros da família poderia trazer resultados satisfatórios mais rapidamente. Compreendemos, acerca do exposto, que Axline avançou quanto ao nível de confiança na capacidade de crescimento do cliente, através de uma extensão da eficácia do processo terapêutico: o indivíduo atendido poderia, também, a partir da psicoterapia, promover mudança em sua dinâmica familiar.

Com base no exposto acima, apresentamos e desenvolvemos os pontos divergentes entre a teoria de Rogers e Axline: a diferenciação entre a psicoterapia com adultos e a ludoterapia infantil, a eficácia da terapia e sua relação com o estado emocional do cliente e a natureza da ligação entre o cliente e a família. Apesar de serem poucas, estas diferenças são bastante significativas para compreender a proposta de Axline como diferenciada da psicoterapia não-diretiva que Rogers postulou em Psicoterapia e Consulta Psicológica.

 

Adendo sobre a discussão acerca dos desencontros

À medida que a nossa leitura sobre o período não-diretivo em Rogers e em Axline avançava, percebíamos a existência de divergências entre essas duas propostas sobre psicoterapia. Esses desencontros foram desenvolvidos no tópico anterior.

As significativas diferenças encontradas, nos levam a inferir que a teoria da autora não se encontraria situada no período nãodiretivo, tal como Rogers (1942/2005) sistematizou. Lançamos como proposta que a teoria da ludoterapia não-diretiva de Axline seja uma transição entre entre a teoria nãodiretiva e a teoria da Terapia Centrada no Cliente, desenvolvida por Rogers na obra Terapia Centrada no Cliente, tomando como base a divisão desenvolvida por Hart (1961, 1970, citado por Cury, 1987) e Wood (1983). Ou seja, a prática de Axline apesar de ser denominada pela autora de Ludoterapia nãodiretiva, apresenta aspectos que a aproximariam de uma Ludoterapia "centrada no cliente". A prática e a teoria, porém, não avançam a ponto de poderem ser classificadas como ludoterapia centrada no cliente. Descreveremos a seguir os aspectos que justificam a proposta.

Acerca da implicação subjetiva do terapeuta na relação com a criança, Rogers (1942/2005), afirmava que, no estabelecimento da relação terapêutica, o envolvimento afetivo do terapeuta poderia existir, mas que deveria ser controlado: "será mais prudente se o terapeuta, evitando os extremos da reserva ou da ultra-implicação, criar uma relação caracterizada pelo calor, pelo interesse, capacidade de resposta de uma dedicação afetiva, num grau limitado com clareza e precisão" (p. 88).

Axline (1947/1984) apresentava um posicionamento semelhante ao de Rogers. Salientava a necessidade da implicação pessoal do terapeuta para a eficácia da terapia afirmando que "o sucesso da terapia começa com o terapeuta. Ele deve [...] ter confiança em suas convicções. Deve iniciar cada novo contato com segurança e calma. [...] Deve estar verdadeiramente interessado em ajudar a criança" (p. 79). Prosseguia seu posicionamento afiamando, na mesma obra: "é preciso [ao terapeuta] conter-se para evitar os extremos no relacionamento. Mostrar excessivo afeto, muito aconchego, podem facilmente extinguir a terapia [...]" (p. 79, inserção nossa).

Na fase Reflexiva, em Cury (1987), uma das principais características do atendimento psicoterápico era a intensa participação subjetiva do terapeuta, assim como o reconhecimento da importância do que é vivenciado no encontro com o cliente para a vida pessoal do psicólogo. Axline (1947/1984), em sua teoria, ainda mantém-se presa à noção da relação de limites claramente definidos, característica da fase Não-Diretiva.

Outro ponto diz respeito ao uso da resposta-reflexo. Esse tipo de resposta foi definido por Kinget & Rogers (1966/1977, p. 53, v. II) da seguinte maneira: "refletir consiste em resumir, parafrasear ou acentuar a comunicação expressa ou implícita do cliente". A finalidade dessa resposta, segundo os autores, seria manter-se em consonância com uma das condições facilitadoras descritas no volume I da mesma obra: "que o ciente perceba – mesmo que numa proporção mínima – a presença de 4 e 5, isto é da consideração positiva incondicional e da compreensão empática que o terapeuta lhe testemunha" (KINGET; ROGERS, 1966/1977, p. 182, grifos no original).

Apesar de conferir significativa importância para o reflexo de sentimentos, Axline (1947/1984) utilizou essa modalidade de resposta descontextualizada das atitudes facilitadoras e do ambiente de segurança promovido por estas, mas mantendo-se situada à noção de permissividade: "parece que a absoluta permissividade, construída pela ausência absoluta de sugestões, é mais produtiva para a terapia" (p. 104). A permissividade, característica da fase nãodiretiva, é definida por Rogers (1942/2005) como a "[...] aceitação pelo psicólogo do que [o cliente] diz, da completa ausência de qualquer atitude moralista ou judicativa, da atitude de compreensão que impregnatoda a entrevista [...]" (p. 88).

O último aspecto que abordamos refere-se à problematização sobre o termo não-diretivo proposta por Axline (1947/1984). Conforme exposto no tópico anterior, ela sugere o nome terapia auto-diretiva, para que fique claro o papel do cliente nesta relação terapêutica. Essa tentativa de rever o nome de sua terapia a aproxima do que Cury (1987) apresentou como característica para a mudança do termo não-diretivo para o termo centrado no cliente na teoria rogeriana: tornar o cliente o real foco da atenção do terapeuta e não mais focar na atitude do terapeuta de não dirigir a terapia.

Diante das justificativas apresentadas, tornamos pertinente a ideia de que a teoria da ludoterapia proposta por Axline encontrase em um momento de transição entre duas perspectivas teóricas da obra rogeriana: a teoria da terapia não-diretiva e a terapia centrada no cliente.

 

Considerações Finais

No momento da escrita deste trabalho, nós nos questionamos sobre a importância de escrever sobre a fase não-diretiva do trabalho rogeriano (do qual Axline afirmava fazer parte), em detrimento do estudo sobre práticas mais atuais da Abordagem Centrada na Pessoa. Estudar sobre isso, contudo, firmanos teoricamente para estudos futuros mais aprofundados sobre Ludoterapia.

Consideramos pertinente levantar alguns questionamentos, mesmo que estes não sejam desenvolvidos neste momento. Essas questões poderão ser sementes de futuras pesquisas dentro do campo de produção científica da Abordagem Centrada na Pessoa. As problematizações que levantamos no decorrer deste trabalho possuem como base a prática de uma das autoras deste artigo como ludoterapeuta.

Nessa perspectiva, tanto o trabalho, quanto a pessoa da autora estão muito mais próximos da criança (ou do adulto atendido). A implicação pessoal com a criança, certamente, é diferenciada. Do ponto de vista do serviço em atendimento psicoterápico, a autora realiza uma atividade profissional. Do ponto de vista da relação terapêutica, estreita laços com a criança que geram proximidade e a mobilizam de alguma maneira.

Para desempenhar este trabalho sem perder a noção de um serviço prestado e sem esquecer de promover a manutenção do fluxo experiencial dessa relação, julgamos importante uma consistente sistematização da prática. Também, é possível questionar: de que maneira a noção de experienciação (Messias & Cury, 2006) e a tendência formativa (Rogers, 1983/2005), conceitos das fases experiencial e coletiva, podem influenciar a atual prática em Ludoterapia?

Outra questão que pode ser levantada é: como se daria a relação entre a linguagem verbal e a comunicação entre a criança e o terapeuta? Axline (1947/1984) argumenta que a criança se utiliza dos brinquedos como meio de "falar" de si para o terapeuta. Rogers (1942/2005) aponta que a linguagem verbal só seria importante no momento da comunicação dos limites terapêuticos, na psicoterapia. Como lidar, dentro dessa proposta, com a criança que não brinca? Já que, na ludoterapia centrada na criança, o terapeuta não deve sugerir atividades para serem realizadas ou brinquedos na hora do atendimento, como a criança se comunicaria caso ela não se utilizasse desses meios?

Ainda sobre a questão da comunicação, Axline (1947/1984) sugere quais brinquedos e materiais o terapeuta deve ter em sua sala e que possibilitariam à criança uma melhor expressão de seus sentimentos. Nesse momento reconhecemos que, apesar de jogos como os de dama ou de xadrez (ou qualquer jogo de regras anteriormente definidas) serem utilizados na terapia com algum sucesso, estes não representam o melhor tipo de material para que a criança possa se expressar. Qual seria, então, o material ideal para uma sala de Ludoterapia nos dias atuais? A criança de hoje tem acesso a jogos de regras complexas, tanto no mundo real quanto no virtual, através da Internet. Jogos mais condizentes com o contexto da criança fariam com que a comunicação, expressão e vivência dos sentimentos fluíssem mais facilmente? Ou a criança se comunicaria melhor com algo que não fizesse parte da sua realidade de vida?

No tocante às contribuições para a abordagem centrada na pessoa, mais especificamente para a teoria da personalidade, o avanço dos estudos em Ludoterapia poderia trazer contribuições relevantes para a compreensão de como o desacordo entre o eu e a experiência se desenvolve. Kinget & Rogers (1977, v. I) postularam que "a criança percebe sua experiência como sendo a realidade" (p. 196 – grifo no original). Esse autor propõe que a tendência atualizante é o seu critério de avaliação. A partir da necessidade de consideração positiva do organismo e intervenção das pessoas-critério, pode-se possibilitar uma correta simbolização ou levar a um desacordo entre o eu e a experiência, por parte da criança. Essa noção do processo que, segundo Kinget & Rogers (1977, v. I), levaria uma pessoa ao desacordo e à consequente deformação de sua experiência para manter a sua estrutura de eu, poderia ser acrescida de mais algum aspecto, levandose em consideração a perspectiva da noção de experienciação (Messias & Cury, 2006)?

Com a realização deste trabalho, acreditamos ter aberto portas para novos estudos em Ludoterapia e na Abordagem Centrada na Pessoa. Estudos que exijam implicação pessoal, para que possam se desenvolver de maneira mais viva, assim como sugeriu Rogers, em vários momentos de sua obra.

 

Referências

Axline, V. M. (1984). Ludoterapia: A Dinâmica Interior da Criança. Belo Horizonte: Interlivros. (Original publicado em 1947).         [ Links ]

Axline, V. M. (1991). Dibs Em Busca de Si Mesmo. Rio de Janeiro: Agir. (Original publicado em 1964).         [ Links ]

Cury, V. E. (1987). Psicoterapia Centrada na Pessoa: evolução das formulações sobre a relação terapeuta-cliente. 89 f. Dissertação de mestrado. Mestrado em Psicologia Clínica. Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Gobbi, S. L, Missel, S. T, Justo, H., & Holanda, A. (2002). Vocabulário e Noções Básicas da Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Vetor.         [ Links ]

Kinget, G. M., & Rogers, C. R. (1977). Psicoterapia e Relações Humanas. Vols. I e II. Belo Horizonte: Interlivros.         [ Links ]

Messias, J. C. C., & Cury, V. E. (2006). Psicoterapia Centrada na Pessoa e o Impacto do Conceito de Experienciação. Recuperado em 15 de agosto de 2008, de http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/188/1 8819303.pdf.         [ Links ]

 

 

Sobre obre os autores:

Rosa Angela Cortez de Brito
Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará.
Atua na área clínica e como docente do curso de psicologia
da Faculdades Nordeste (FANOR) e da Faculdade de Tecnologia Intensiva (FATECI).
Continua desenvolvendo estudos sobre a Ludoterapia na Abordagem Centrada na Pessoa.
e-mail: rosabrito@ymail.com

Vilma Maria Barreto Paiva
Psicóloga. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
e docente do curso de Psicologia da mesma Universidade.
e-mail: vilmabarretopaiva@gmail.com.

Recebido em: 10/03/2012
Aceito para publicação: 15/09/2012