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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

 

Abordagem centrada na pessoa e políticas públicas de saúde brasileiras do século XXI: uma aproximação possível

 

Person centered approach and brazilian public health policies of the century XXI: a posssible aproximation

 

 

Anita Bacellar; Joana Simielli Xavier Rocha; Maira de Souza Flôr

Espaço Viver Psicologia – Brasil

 

 


RESUMO

As mudanças que ocorreram no modelo e conceito de saúde brasileiro nas últimas décadas, produziram mudanças no paradigma que demandam uma reestruturação no contexto teórico/prático e na concepção de homem e de saúde/doença dos profissionais da saúde. Esse estudo teórico tem como objetivo apresentar os pressupostos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa e demonstrar que se trata de uma proposta psicológica que se aproxima teoricamente das diretrizes propostas pelas Políticas Públicas nos serviços de saúde do Brasil. Percebe-se que a efetivação do modelo de saúde atual implica em uma postura de atendimento que valorize o potencial da pessoa e resgate sua autonomia. Para tal, as atitudes de consideração positiva incondicional, empatia e autenticidade, sugeridas pela Abordagem Centrada na Pessoa, precisam ser desenvolvidas entre os profissionais da saúde. Tais atitudes também contribuem com o desenvolvimento da interdisciplinaridade e da humanização, atualmente ainda distantes da efetivação na prática.

Palavras-chave: saúde pública; abordagem centrada na pessoa; humanização; interdisciplinaridade.


ABSTRACT

The changes occurred on the model and concept of Brazilian health in last decades, produced changes on the paradigm which demands a restructuration on the theoretical /practical context and on the conception of man and the health/disease of the health professionals. This theoretical study has the objective of presenting the theoretical presupposes of the Person Centered Approach and demonstrates that it is a psychological proposal which theoretically grounds the guidelines proposed by the Public Policies at the health services of Brazil. One realizes that the effectuation of the current health model implies on a posture treatment which valorizes the potential of the person and rescues their autonomy. For that, the attitudes of the unconditional positive consideration, empathy and authenticity, suggested by the Person Centered Approach, needs to be developed between the health professionals. Such attitudes also contributes with the development of interdisciplinarity and humanization, currently still far from effectuation in practice.

Keywords: public health; person centered approach; humanization; interdisciplinarity.


Resumen

Los cambios que se han producido en el modelo de concepto y de la salud de Brasil en las últimas décadas se han producido cambios en el paradigma que exige una reestructuración en el contexto de la teoría / práctica y concepción de profesionales de la salud del hombre y de la salud / enfermedad. Este estudio teórico tiene como objetivo presentar los principios teóricos del Enfoque Centrado en persona y demostrar que es un enfoque psicológico que se aproxima a las directrices teóricamente proponen las políticas relativas a los servicios de salud en Brasil. Se observa que la eficacia del modelo de salud actual implica una actitud de cuidado que valora el potencial de rescatar el individuo y su autonomía. Con este fin, las actitudes de empatía incondicional consideración positiva y la autenticidad, sugeridos por el Enfoque Centrado en la Persona, que se desarrollará entre los profesionales sanitarios. Tales actitudes también contribuir al desarrollo de interdisciplinario y humanización, actualmente todavía lejos de materializarse en la práctica.

Palabras clave: salud pública; enfoque centrado en la persona; humanización; interdisciplinariedad.


 

 

Introdução

As políticas públicas que regem a saúde brasileira na atualidade iniciam sua história no período da industrialização, com a criação em 1923, da Caixa de Aposentadoria e Pensões, que tinha como objetivo suprir as necessidades financeiras do trabalhador que precisava se afastar do trabalho por motivo de adoecimento. Foi somente a partir de 1965, inicialmente através do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e posteriormente, em 1977, pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que o governo passou a disponibilizar assistência médica ao trabalhador brasileiro, por meio da compra de serviços médicos do setor privado hospitalocêntrico e curativista. Com a implantação do Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS), em 1982, o acesso à saúde passa a ser função da atenção primária.

Essa caminhada histórica consagrou o princípio da saúde como direito de todos e dever do Estado que culminou, em 1988, na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado dois anos depois pela Lei nº 8080/1990, que rege sobre as diretrizes norteadoras da prevenção, promoção e recuperação da saúde no que diz respeito à pessoa, a organização e aos serviços. Nesse contexto, o Sistema Único de Saúde (SUS) proposto pelo Ministério da Saúde é um projeto que propõe a implementação de um paradigma tão novo, que seria impossível esperar a inexistência de dificuldades na sua operacionalização. No entanto, como aponta o Ministério da Saúde (2004),

O SUS hoje ainda enfrenta: Fragmentação do processo de trabalho e das relações entre os diferentes profissionais; Fragmentação da rede assistencial dificultando a complementaridade entre a rede básica e o sistema de referência; Precária interação nas equipes e despreparo para lidar com a dimensão subjetiva nas práticas de atenção; Sistema público de saúde burocratizado e verticalizado; Baixo investimento na qualificação dos trabalhadores, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho em equipe; Poucos dispositivos de fomento à cogestão e à valorização e inclusão dos gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde; Desrespeito aos direitos dos usuários; Formação dos profissionais de saúde distante do debate e da formulação da política pública de saúde; Controle social frágil dos processos de atenção e gestão do SUS; Modelo de atenção centrado na relação queixa-conduta (pp.11-12).

Essas dificuldades vão desde a complexidade de distribuição econômica e de recursos para a aplicação e manutenção do projeto até a necessidade dos profissionais repensarem suas práticas e desenvolverem a habilidade de colocar seu conhecimento teórico a serviço da flexibilização da prática, das mudanças de paradigmas e dos valores vividos na atualidade.

Este processo de repensar a prática dos profissionais da saúde vai além da adaptação teórico/prática. Relaciona-se diretamente com as relações interpessoais que estes profissionais estabelecem. O projeto do SUS alcança a individualidade, a particularidade das pessoas em seu contexto e, para que o cuidado à saúde se aproxime da compreensão das singularidades de cada pessoa, os profissionais precisam desenvolver habilidades relacionais que os aproximem da compreensão e do cuidado integral das pessoas.

Aproximando-se desta reflexão, Martins (2004), afirma que,

O profissional da saúde que desenvolve atividade assistencial (...), além das ações e procedimentos técnicos ligados à sua área específica, estabelece sempre, com as pessoas que atende, relações interpessoais. Seu trabalho depende, portanto, da qualidade técnica e da qualidade interacional. (...) a abordagem da qualidade interacional também torna necessário o estudo de vários temas teóricos e a reflexão sobre o desenvolvimento de atitudes (p. 21).

Mas a que se referem estas habilidades relacionais a serem desenvolvidas pelos profissionais da saúde e como desenvolvêlas? Ao explorar esta questão, é possível aproximar-se da convergência entre as políticas públicas de saúde no Brasil e a proposta da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). É a partir dessas reflexões que, neste artigo, se pretende apresentar os pressupostos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa e demonstrar que se trata de uma proposta psicológica que se aproxima teoricamente das diretrizes propostas pelas políticas públicas nos serviços de saúde do Brasil.

Para a realização de tais objetivos, será construído um breve histórico do conceito de saúde até a atualidade, apresentando os princípios norteadores, a legislação, as ações propostas e as dificuldades enfrentadas pelo sistema público de saúde no Brasil. Em seguida, serão relacionadas as políticas públicas de saúde do Brasil com os pressupostos teórico/práticos da Abordagem Centrada na Pessoa, refletindo sobre as possíveis contribuições dessa abordagem para o processo de implantação e consolidação do novo conceito de saúde.

Sobre o conceito de saúde: uma síntese histórica

O conceito de saúde desenvolvido por cada população, em diferentes momentos históricos, reflete os costumes, valores e conceitos adotados pela sociedade. A compreensão que um grupo de pessoas tem sobre saúde em uma determinada época representa uma escolha por um jeito de viver dessa população. Por isso, só é possível compreender o conceito atual de saúde reconstruindo o contexto histórico em que se deu a sua origem e desenvolvimento.

O conceito de saúde decorrente da Revolução Industrial e do desenvolvimento do capitalismo se sustentou na visão de homem fragmentada em corpo e mente. Com o desenvolvimento da medicina moderna, no século XVIII e XIX, nasce o conceito de saúde associado à medicalização da saúde e, com ele, a concepção de saúde vinculada a ausência de doença. As políticas de saúde da época, em acordo com esse conceito, priorizaram as ações medicamentosas e curativas (Scliar, 2007).

O período das guerras mundiais desencadeou diferentes tipos de problemas no contexto da saúde. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países vencedores, preocupados com a realidade advinda do após guerra criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização supranacional criada para exercer a função de enfrentar os problemas consequentes da guerra e manter a paz mundial. Das propostas produzidas pela ONU surge a Organização Mundial da Saúde (OMS), com o papel de sugerir soluções para os problemas de saúde decorrentes da guerra e de promover o maior nível de saúde possível em todos os povos (Kahhale, 2003).

Considerando a realidade histórica da época, é possível compreender que o conceito de saúde, presente até então, era sinônimo de ausência de doença. Foi em decorrência da percepção da limitação deste conceito, rompendo com a visão medicamentosa e com esta dualidade entre saúde e doença, que em 1948 a OMS "propõe como princípio, norteador das suas atividades, o entendimento de saúde como o completo bem-estar físico, mental e social" (Kahhale, 2003, p. 165). Com esta mudança conceitual, a preocupação ultrapassou as questões biológicas, levando à inclusão de ações que contemplem os aspectos psíquicos e sociais da população.

A ampliação dos aspectos envolvidos no conceito de saúde gerou uma quebra de paradigma, que vai da desconsideração dos aspectos psicossociais vinculados a saúde à busca do completo bem-estar.

Kahhale (2003), apesar de considerar que o novo conceito traz uma série de benefícios, aponta para o fato de que essa nova concepção considera a saúde como um estado estático de bem-estar, desconsiderando o dinamismo da vida humana. Em outras palavras, concebe como saudável a permanência de um estado físico, psíquico e social, desconsiderando que o bem-estar é produto da capacidade do indivíduo de superar as dificuldades advindas da intersecção existente entre condições ambientais, aspectos físicos, psíquicos e sociais. Eis um conceito que, não incorpora a capacidade de superação e atualização presente na pessoa em desenvolvimento. Como afirma Kahhale (2003) "A saúde é um reflexo da capacidade de tolerância, compensação e adaptação de cada indivíduo, dos grupos e da sociedade em geral frente às condições ambientais, sociais, políticas e culturais nas quais estão inseridos". Nesses termos, "Saúde é um processo dinâmico, ativo, de busca de equilíbrio, não sendo possível falar em saúde plena" (p. 166).

Um novo conceito de saúde, que contempla o ser humano em seu constante processo de transformação realizadora necessitava de um novo modelo de cuidado e de uma nova legislação.

A implantação legal deste conceito de saúde integral no Brasil ocorreu sob influência do Movimento da Reforma Sanitária, que objetivava a saúde integral para todos através de três ações: promoção, proteção e recuperação (Kjawau; Both & Brutscher, 2003). Além deste movimento nacional, contribuíram com o processo de legalização, a Conferência Internacional de Alma Ata (em 1978) e a Conferência de Otawa no Canadá (em 1986), organizadas pela OMS e a Unicef.

Foi em meio a este cenário nacional e internacional que aconteceu a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, momento em que foi aprovado o projeto do SUS elaborado pela Reforma Sanitária. Podese dizer que todos estes acontecimentos históricos contribuíram para que o SUS conquistasse base legal suficiente a ponto de ser incluído na constituição de 1988 como um órgão a serviço da saúde integral para todos (Kujawa; Both & Brutscher, 2003).

Com o objetivo de que o atendimento à saúde chegasse a toda a população, incluiu-se nas diretrizes de saúde pública ações e serviços de promoção, prevenção, reabilitação e tratamento da saúde. Este movimento se desenvolve através de três níveis de atenção: a básica, a média e a alta complexidade, também denominadas atenções primária, secundária e terciária (Brasil, 2006). Com a abrangência destas três atenções, buscou-se trazer a integralidade das ações para o atendimento, considerando a saúde em sua totalidade. Essas ações estão voltadas para os cidadãos, tanto na sua individualidade, quanto na coletividade.

A atenção básica pode ser considerada a porta de entrada do atendimento em saúde por possuir menor complexidade. Inicialmente, o cidadão seria atendido através da atenção básica representada principalmente por postos e centros de saúde. Nos casos em que há necessidade de recursos mais complexos, a pessoa seria encaminhada para os outros serviços da rede de maior complexidade (Brasil, 2007). Tem como estratégia principal o Programa de Saúde da Família e, assim como o SUS, em geral, preconiza o acesso universal e contínuo da população aos serviços de saúde e a integralidade das ações, como:

integração de ações programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de promoção à saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação, trabalho de forma interdisciplinar e em equipe, e coordenação do cuidado na rede de serviços; desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população descrita, garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado; valorizar os profissionais da saúde por meio de estímulo e do acompanhamento constante de sua formação e capacitação; realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados, como parte do processo de planejamento e de programação; e estimular a participação popular e o controle social (Brasil, 2007, p.14).

O segundo nível de atenção é o de média complexidade, cujo objetivo é prestar atendimento aos principais agravos da saúde com procedimentos especializados, em uma complexidade maior do que a atenção básica. Nele estão incluídas consultas hospitalares e ambulatoriais, exames e alguns procedimentos cirúrgicos.

O terceiro é o nível da alta complexidade, no qual se incluem procedimentos com uso de alta tecnologia e alto custo financeiro, como cirurgias de grande porte.

Em suma, através da atenção primária, secundária e terciária, o SUS pretende oferecer a toda a população, saúde de uma forma ampliada, contemplando as necessidades particulares de cada pessoa. Uma atenção que vai dos cuidados básicos aos complexos, articulando-se ao eixo da Política Nacional de Humanização (PNH) instituída em 2003 pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2004).

No que diz respeito à Psicologia:

Esses novos paradigmas têm uma importância especial no que se refere à presença e participação do psicólogo da saúde nas diferentes propostas de atenção à saúde da população, posto que os elementos participantes do processo de instalação das doenças mencionadas por Susser – "enfermidade" e "anormalidade" – são notoriamente de cunho psicossocial. Cada dia mais a valorização de intervenções primárias, secundárias e terciárias em saúde pressupõe a necessidade de se compreender e intervir sobre estes contextos do indivíduo ou grupos, expostos às diferentes moléstias ou outras condições de agravo à saúde (Sebastiani, 2000, p. 202).

Assim, a ampliação conceitual trouxe a necessidade de incluir no cuidado à saúde outros profissionais, que atendessem a todos os aspectos humanos (Ismael, 2005). Passam a fazer parte das políticas públicas de saúde e da equipe de profissionais da saúde médicos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais (Martins, 2004).

A expansão dos serviços põe em prática uma assistência à saúde multiprofissional e, com ela, o atendimento prestado por vários profissionais, com atuações diferenciadas, a uma mesma pessoa. Segundo Japiassú (1976), trata-se de um trabalho que se realiza através da justaposição de atuações, sem necessariamente ocorrer troca ou interação entre elas.

Não demorou muito a percepção de que disponibilizar o acesso a diferentes profissionais da área da saúde não era condição suficiente para garantir o cuidado integral. A relação entre os profissionais da saúde e os usuários do serviço passa a ser reconhecida como a grande célula promotora de uma política humanizada em saúde e, com a ela, a necessidade de desenvolver, nos profissionais de saúde, atitudes que promovam a construção de relações interpessoais de crescimento entre todas as pessoas que fazem parte desse processo. Martins (2004), confirma esse pensamento quando diz que "o profissional da saúde que desenvolve atividade assistencial, além das ações e procedimentos técnicos ligados à sua área específica, estabelece sempre, com as pessoas que atende, relações interpessoais. Seu trabalho depende, portanto, da qualidade técnica e da qualidade interacional" (p. 21).

Essa nova realidade, desperta a necessidade de pôr em prática a articulação dos diferentes conhecimentos que fazem parte da área da saúde e, com ele, o conceito de interdisciplinaridade.

Mais do que a necessidade da multidisciplinaridade, é fundamental a interdisciplinaridade, ou seja, a interação entre os diferentes níveis do saber profissional, não apenas articulados entre si, mas também harmonizados diante de uma proposta mais ampla de compreensão do doente e da doença (Camon, 2000, p. 12).

Uma perspectiva que integra os profissionais da saúde para abordar a pessoa na sua integralidade deve contemplar o desenvolvimento de uma postura que considere a realidade da pessoa como algo dinâmico, singular, relacional e que considere o humano existente em cada indivíduo. Esse é o único jeito de promover um verdadeiro processo de humanização e isso porque, "a humanização dos cuidados em saúde pressupõe considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade de construção de um espaço concreto nas instituições de saúde que legitime o humano das pessoas envolvidas" (Pessini & Bertachini, 2006, p. 3), sejam estes os pacientes, os familiares ou os profissionais.

Nessa perspectiva, passa a ser responsabilidade dos profissionais de saúde o desenvolvimento de um olhar atento e considerador, uma prática voltada para a criação de condições facilitadoras do desenvolvimento do protagonismo e da coresponsabilidade das pessoas na atenção à saúde, como forma de garantir a prática de alguns dos princípios norteadores da Política de Humanização:

Construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS; Co-responsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e atenção; Compromisso com a democratização das relações de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, estimulando processos de educação permanente (Brasil, 2004, p.15).

Mas a inclusão da Psicologia nas políticas públicas de saúde nem sempre foi regida por esta compreensão ampliada. De acordo com Kahhale (2003), foi na década de 1970 que ocorreu a inclusão da Psicologia e da assistência social na atenção primária a saúde. Uma inserção que só foi possível em decorrência de um movimento realizado por psicólogos, que visou romper com o modelo clínico curativo e desenvolver a Psicologia Social Comunitária, trabalhando, assim, de maneira interdisciplinar.

A amplitude das situações que passam a fazer parte da nova concepção de saúde põe o psicólogo em uma posição de verificar a adequação dos recursos teórico/práticos já existentes e de implementar processos de adaptação e de criação de novos recursos científicos. Nasce a Psicologia da Saúde, uma área de conhecimento que:

agrega o conhecimento educacional, científico e profissional da disciplina Psicologia para utilizá-lo na promoção e na manutenção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença, na identificação da etiologia e no diagnóstico relacionado à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de política da saúde (Matarazzo, 1994, citado por Gimenes, 2003, p. 41).

E que pode ser reconhecida como uma Psicologia que:

considere a compreensão orgânica da psicossomática, da psico-oncologia, os avanços da psiconeuroimunologia, as especificidades da psicologia hospitalar nos detalhamentos de sua intervenção nas diferentes doenças apresentadas pelo paciente e, acima de tudo, uma psicologia que leve em conta a historicidade do paciente. É aquela psicologia cuja prática se insere na realidade institucional de forma a modificar até mesmo os níveis de estruturação institucional, se assim se fizer necessário. (...) É aquela psicologia que mais do que tentar explicar o sofrimento do paciente, tenta, principalmente, compreender este sofrimento articulando-o com a sua realidade existencial. (...) Uma psicologia ao mesmo tempo clínica, social, hospitalar e institucional e que, por isso, tenha uma visão mais ampla dos conceitos de saúde (Camon, 2000, p. 11).

Na medida em que se afirma que a humanização é um meio para promoção desta saúde ampliada, ela também é um resultado deste processo. A questão não está em divulgar entre os profissionais o quanto a humanização leva à promoção da saúde ampliada e vice-versa, mas sim ajudá-los a desenvolvê-las. E neste ponto, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) pode dar sua contribuição.

Abordagem Centrada na Pessoa e seus pressupostos básicos

A Abordagem Centrada na Pessoa foi desenvolvida por Carl R. Rogers, renomado psicólogo norte-americano do século XX. No contexto da psicologia clínica foi o primeiro psicólogo a exercer a função de psicoterapeuta e o pioneiro no interesse pela pesquisa científica em psicoterapia. Como integrante do movimento humanista, contribuiu com a consolidação dos princípios da Psicologia Humanista. Seu trabalho com grupo centrado em mediação de conflitos e a crença de que esse trabalho estaria ajudando a sociedade na busca pela paz fez com que ele tivesse seu nome indicado para o prêmio Nobel da Paz no ano de 1987.

Através dessa abordagem psicológica, Rogers construiu seu diferencial de psicoterapia sustentado na existência de uma tendência individual para o crescimento e saúde, na ênfase dos elementos emocionais em detrimento dos intelectuais, na priorização do presente em detrimento do passado e no reconhecimento do papel da relação terapêutica na experiência de crescimento. Em defesa da ideia de que a personalidade humana tende a saúde e ao bem-estar, Rogers desenvolveu atitudes facilitadoras e recursos interventivos que permitem o resgate do potencial realizador existente em todo ser humano. Esse potencial é reconhecido como pilar da teoria, denominado Tendência Atualizante e associado a base motivacional da vida.

Quer o estímulo provenha de dentro ou de fora, quer o ambiente seja favorável ou desfavorável, os comportamentos de um organismo serão dirigidos no sentido de ele manter-se, crescer e reproduzir-se. Esta é a verdadeira natureza do processo ao qual chamamos de vida. (...) Quando se fala de modo básico do que "motiva" o comportamento do organismo, é a tendência direcional que é considerada fundamental. Essa tendência é sempre operante, a qualquer momento, em todos os organismos. Na verdade, é somente a presença ou ausência desse processo direcional total que nos torna capazes de distinguir se um dado organismo está vivo ou morto (Rogers, 2001, p. 269).

Nesse sentido, sua proposta prioriza a capacidade do cliente para a auto-atualização das suas potencialidades, valoriza a potencialidade terapêutica da relação e transfere a importância da técnica para as atitudes do terapeuta.

A partir de 1940, verifica-se a consolidação e a evolução das suas ideias através das inúmeras publicações, representadas em livros e artigos científicos. Dentre os livros, em suas publicações originais, se destacam: "Terapia Centrada no Cliente" (1951), "Tornar-se Pessoa" (1961) e "Um Jeito de Ser" (1980).

Em "Terapia Centrada no Cliente", ele desenvolve de uma forma mais completa suas ideias apresentadas inicialmente em "Psicoterapia e Consulta Psicológica", reconhecendo que seus princípios podem ser aplicados a outros campos (Rogers, 2005).

Nesse contexto, Rogers desenvolveu inicialmente uma abordagem voltada para a psicoterapia, na qual se oferecia um ambiente e uma relação aceitadora e permissiva como condição básica e suficiente para o desenvolvimento de uma pessoa (Wood e outros, 2008). A interação entre a potência para a autorrealização, que é a Tendência Atualizante (Rogers, 1983), e as condições de um meio facilitador, possibilitam o desenvolvimento pessoal, concretizando um processo de crescimento.

Posteriormente, Rogers identificou que esta compreensão não se aplicava apenas ao atendimento psicológico, mas a todas as relações humanas (Wood e outros, 2008). Independente da situação é possível estabelecer uma relação aceitadora e permissiva, na qual haja o interesse genuíno pelo outro. Deste modo, as condições básicas para o desenvolvimento interpessoal, passaram a representar um jeito de ser e de estar nas relações.

A Abordagem Centrada na Pessoa, com sua proposta de promover relações interpessoais autônomas e consequentemente humanizadas, sugere o desenvolvimento de atitudes de consideração positiva incondicional, empatia e autenticidade como características principais desse jeito de ser. São atitudes que concebem o crescimento, a preservação e a sobrevivência como a principal motivação humana, o que equivale a dizer que a principal missão humana seria a de realização das suas potencialidades.

Nesses termos, a consideração positiva incondicional é "uma aceitação calorosa de cada aspecto da experiência do cliente" (Wood e outros, 2008, p. 149). Não há sentimentos que não possam ser expressos e "isto significa um cuidado com o cliente, mas não de forma possessiva (...) implica numa forma de apreciar o cliente como uma pessoa individualizada" (Wood e outros, 2008, p. 150). É aceitar que ele tem um jeito próprio de ser, com escolhas e caminhos próprios.

A consideração positiva incondicional, quando associada á atitude empática, qualifica ainda mais as relações, promovendo nas pessoas a sensação de estarem sendo compreendidas. E o que a Abordagem Centrada na Pessoa entende por empatia? Qual o papel que esse conceito tem para esta teoria? Por empatia entende-se a capacidade de compreender o outro na sua perspectiva. É reconhecer que o conhecimento deve servir apenas para garantir a compreensão da realidade do outro a partir de seus próprios referenciais. Em outras palavras, compreender empaticamente não é apenas ouvir o que está sendo dito, mas procurar entender as razões e emoções presentes no momento em que a relação acontece. Dessa forma, a atitude empática

significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe (...) sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme (Rogers & Rosenberg, 1977, p. 73).

Por fim, considera-se que uma relação facilitadora de crescimento pressupõe a presença por inteiro de ambas as pessoas. Desta forma, se insere também como elemento de sustentação das relações facilitadoras de crescimento e saúde, a autenticidade, entendida como a capacidade de expressar o que a experiência de estar na relação promove. Ao apresentar os benefícios da autenticidade na relação terapêutica Rogers (1976) afirma:

Descobriu-se que a transformação pessoal era facilitada quando o psicoterapeuta é aquilo que é, quando as suas relações com o paciente são autênticas e sem máscara nem fachada, exprimindo abertamente os sentimentos e as atitudes que nesse momento lhe ocorrem. Escolhemos o termo "congruência" para tentar descrever esta condição. Com este termo procura-se significar que os sentimentos experimentados pelo terapeuta lhe são disponíveis, disponíveis à sua consciência, e que ele é capaz de vivê-los, de ser esses sentimentos e estas atitudes, que é capaz de comunicá-los se surgir uma oportunidade disso (p.63).

Nesses termos, autenticidade não significa dizer o que se pensa, mas ter atitudes coerentes com o que é experienciado na relação com o outro, independente do contexto no qual esteja inserida esta relação. A união dessas três atitudes em qualquer relação interpessoal é considerada por Rogers a condição necessária e suficiente para promover o desenvolvimento humano (Wood e outros, 2008).

 

Abordagem Centrada na Pessoa e Políticas Públicas de Saúde: um diálogo possível

A reflexão acerca das convergências entre a ACP e as políticas públicas de saúde pode ser feita a partir da nova definição do conceito de saúde. O fundamento de todo desenvolvimento teórico desta abordagem, se dá a partir da premissa de que todas as pessoas têm uma tendência natural ao crescimento, que se desenvolve a partir da experiência. Denominado Tendência Atualizante, este conceito é definido por Rogers como "um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes" (Rogers, 1983, p. 40). Eis o conceito que descreve as pessoas, como seres que apresentam uma natureza motivacional para a realização de suas potencialidades de forma dinâmica, interativa e relacional e que, certamente contribui com a fundamentação do novo conceito de saúde.

Palavras como integração, prevenção, interdisciplinaridade, relações de vínculo e responsabilização, entre outras, presentes na descrição das políticas públicas de saúde brasileiras, serão facilitadas, se forem estabelecidas relações que apresentem como objetivo

uma maior independência e integração do indivíduo, ao invés de esperar que tais resultados derivem do auxílio dado pelo orientador à solução de problemas. O foco é o indivíduo e não o problema. O objetivo não é resolver um problema particular, mas auxiliar o indivíduo a crescer, de modo que possa enfrentar o problema presente e os posteriores de uma maneira mais bem integrada (Rogers, 1977, p. 6).

A construção de uma relação com esses princípios implica, por um lado, que as pessoas passem a ser responsáveis por seu desenvolvimento pessoal e pelo cuidado de sua própria saúde, promovendo e prevenindo o seu prejuízo e, por outro, que os profissionais passem a considerar a potência das pessoas a que se propõem ajudar. Eis a postura que norteia a relação de ajuda proposta pela Abordagem Centrada na Pessoa e que permite a interlocução com os fundamentos dos três níveis de atenção.

Desde a década de 1920, Rogers desenvolvia uma orientação metodológica que promovia a capacidade das pessoas de utilizarem seus recursos individuais como veículo de desenvolvimento de sua máxima potência e autorrealização (Sales & Souza, 2009). Esta perspectiva permitia, desde então, a sua utilização de forma criativa na construção da Psicologia. Porém, apesar de ter sido teorizado por Rogers algumas décadas antes, Kahhale (2003) aponta que, no Brasil, até 1983, a Psicologia seguia o modelo clínico clássico, aplicando-o inclusive no contexto hospitalar.

Esta forma clássica de atendimento psicológico impossibilita a inserção de um modelo interdisciplinar, por se tratar de atuações individualizadas, que colocam o profissional em posição de destaque em relação ao cliente, e em relação aos demais membros da equipe de trabalho, tornando inviável a troca e interação profissional, necessária para a construção de uma equipe interdisciplinar.

Atualmente, apesar de muitos esforços para integrar os profissionais da saúde pública e com isso garantir um olhar cada vez mais integral, universal e equânime à saúde das pessoas, ainda existem falhas. Os profissionais das diversas áreas de atuação na saúde, ainda são apenas parte de uma equipe multiprofissional. A Psicologia em particular, tem feito esforços no sentido de abandonar a clínica tradicional para desenvolver formas de trabalho que atendam a demanda das pessoas, e está caminhando para a construção de novos modelos de atendimento psicológico.

A partir desta compreensão, o trabalho multiprofissional passa a ser apenas mais um passo para a aplicação do conceito de pessoa integral. A consideração de pessoa como um ser integral e de um conceito de saúde não compartimentado, requer necessariamente a interação entre os vários profissionais da saúde. Uma transição que levaria a atenção interdisciplinar à saúde.

A interdisciplinaridade, porém, vai além de uma troca de informações entre profissionais da saúde, ela exige uma intersecção entre as áreas. De acordo com Japiassú (1976), o trabalho interdisciplinar requer o interesse pelo conhecimento e pela intervenção dos outros profissionais, requer uma abertura do seu próprio arcabouço profissional, para que, a partir da união com os outros profissionais, se construam novos conhecimentos. A partir da interdisciplinaridade, é possível planejar intervenções conjuntas, específicas, únicas, adaptadas às necessidades da saúde de cada pessoa em particular.

Trabalhar interdisciplinarmente envolve uma postura de tolerância, de abertura e um interesse genuíno na atuação dos outros profissionais, postura esta, que não costuma estar presente nas relações humanas. Nina (1995) aponta alguns obstáculos para o desenvolvimento da equipe interdisciplinar e os principais são as questões provenientes do relacionamento entre as pessoas. Pode-se considerar que, para que a interdisciplinaridade possa ser vivenciada na prática dos profissionais de saúde, mais uma vez um paradigma precisa ser quebrado, o paradigma que envolve a postura dos profissionais de saúde.

Nesses termos, a humanização não tem como ser aplicada, pois não é uma técnica. Sua existência depende de uma relação de ajuda em que predomina uma atitude autêntica, onde aquele que oferece ajuda considera a potência e a direção ao crescimento daquele que será ajudado, respeita sua individualidade e seu processo de construção particular. Quando essa pessoa concentra seus esforços em proporcionar condições que facilitem o desenvolvimento do outro "a tendência ao crescimento e a direção deste crescimento serão então evidentes e virão do interior do organismo" (Rogers, 2001, p. 271).

A implantação deste novo conceito de saúde, que propõe práticas humanizadas, resgatou aspectos da pessoa que estavam sendo desconsiderados. Além de considerar os aspectos emocionais e sociais das pessoas presentes em seu processo de saúde ou doença e de promover autonomia no cuidado à saúde, resgata a necessidade de relações interpessoais autênticas como veículo de promoção a saúde.

Os profissionais de saúde também são pessoas em interação, também são homens integrais, assim como sua saúde. E a aplicação da interdisciplinaridade perpassa a postura destes profissionais enquanto pessoas em relações humanas. As dificuldades de aplicação da interdisciplinaridade, antes de ser um problema técnico, é um problema nas relações humanas.

É neste ponto que a ACP se insere como uma proposta de viabilização da ampliação da interdisciplinaridade e concretização do SUS como uma política pública mais eficaz. Enquanto uma forma de abordagem das relações humanas, a ACP não se restringe à Psicologia. Ela pode ser considerada um jeito de ser e de abordar o outro a ser adotado por todos os profissionais, cujo trabalho envolve relações humanas, inclusive os profissionais da saúde.

É preciso levar em conta que a insalubridade nas relações de trabalho dificulta o exercício um jeito de abordar o outro centrado na pessoa. Os profissionais da saúde estão sem condições facilitadoras para o desenvolvimento de compreensão interpessoal e sob pressão social para concretizar um cuidado integral em saúde. Esta realidade desencadeia situações de conflito, nas quais a estimulação para o desenvolvimento de novas atitudes pode receber a facilitação da mediação de conflitos.

Conforme Battaglia (2009), Rogers percebia que,

Quando a pessoa está emocionalmente desadaptada, enfrenta dificuldades, em primeiro lugar, porque rompe a comunicação consigo própria e consequentemente, como resultado dessa ruptura, a comunicação com o outro também fica prejudicada. Nas situações de conflito, que são emocionalmente intensas, nos deparamos frequentemente com pessoas que estão mais preocupadas em prejudicar o outro do que em defender seus interesses e necessidades (p. 130).

Em muitas situações, os profissionais da saúde encontram-se emocionalmente preocupados em perder o seu espaço ao permitir a interação de seu conhecimento com a área de conhecimento dos demais profissionais. No entanto, ainda de acordo com Battaglia (2009), se as pessoas estiverem dispostas a agir com honestidade, o redirecionamento do olhar permite a apreciação e compreensão do ponto de vista do outro, promovendo uma comunicação que tende a tornar possível o entendimento entre as pessoas.

Percebe-se que, com atitudes consideradoras positivas incondicionais, empáticas e autênticas – grandes pilares da postura centrada na pessoa – é possível compreender e interagir com as diferentes manifestações do outro e é possível construir relações permeadas por uma escuta incondicional.

Esta atitude nas relações profissionais promove uma abertura entre os outros profissionais, tornando possível uma comunicação clara e, consequentemente, a resolução de situações de conflito frequentes entre as pessoas na atualidade. Este cenário de desentendimento se aplica também às relações entre os profissionais da saúde, assim como entre profissionais e usuários e os familiares destes.

Fica claro que há falhas e distorções na comunicação entre os profissionais da saúde e desta forma, a implantação efetiva de um trabalho interdisciplinar fica impossibilitada. Se estas atitudes passam a ser adotadas pela equipe de saúde, a interdisciplinaridade pode ser vivenciada na prática diária, resguardando o reconhecimento dos esforços necessários para a consolidação de relações com essa perspectiva.

Os profissionais da saúde, ao adotarem as atitudes da ACP, desenvolverão um interesse real pela atuação do outro profissional. A troca profissional decorrente do interesse genuíno pelo outro se torna um recurso de desenvolvimento pessoal e de facilitação do processo de resgate da saúde dos usuários dos serviços de saúde.

É fato que adotar este jeito de ser, implica em mudanças não apenas nas relações profissionais, mas também nas relações pessoais dos profissionais de saúde. Entretanto, à medida que se compreende que a adoção deste jeito de ser torna possível o próprio desenvolvimento pessoal, as dificuldades da adaptação são vivenciadas e compreendidas como parte do desenvolvimento.

A disponibilidade sincera e o interesse pelo outro, enquanto pessoa integral, permeada pela troca e ação conjunta dos profissionais da saúde pode trazer a efetivação da humanização da atenção à saúde, seja no nível primário, secundário ou terciário. O desenvolvimento dos profissionais da saúde como pessoas, talvez seja a maior contribuição da ACP para que alguns aspectos das políticas de saúde possam ser concretizados em sua amplitude, beneficiando todos os profissionais da saúde.

Toda a proposta de mudança de paradigma sugerida pelas políticas públicas de saúde brasileiras do séc. XXI apresenta a necessidade do desenvolvimento da consideração positiva já concebida pela Abordagem Centrada na Pessoa. Acredita-se que a união desta compreensão com as diretrizes das políticas de saúde brasileiras, seja o caminho que possibilitará a realização da implementação de uma atenção integral à saúde de fato.

A ampliação do conceito de saúde chama pela sua aplicação. Desta forma, não é possível mais restringir a Abordagem Centrada na Pessoa à ambientes acolhedores, como consultórios psicoterapêuticos ou eventos de integração dos psicólogos humanistas. É preciso ousar adentrar os ambientes, muitas vezes hostis, para que, com o jeito de ser centrado na pessoa, estes também possam se tornar permissivos e aceitadores. Sales e Sousa (2009) expressamse sobre isso da seguinte forma:

Encontramo-nos, então numa posição político institucional muito vulnerável à pressão realizada por paradigmas de saúde hegemônicos (...) e contrários aos pressupostos básicos da ACP. Contudo esta convergência restritiva, não nos tem impedido de realizar críticas, pesquisas e práticas construtivas no campo da saúde (p.195).

A ampla gama de profissionais da saúde em atuação, ainda sente as dificuldades herdadas pelos resquícios de um modelo remediativo de saúde. Sendo assim, encontram obstáculos para ampliar criativamente as possibilidades de implantação do conceito de saúde ampliado. A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) oferece a estes profissionais o amparo para esta ampliação de suas atuações, através da interação entre os profissionais e suas diversas áreas de conhecimento, permitindo um crescimento coletivo, que configura um crescimento ainda maior do que seria possível de ser alcançado apenas individualmente.

 

Referências

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Sobre obre os autores:

Anita Baceliar
Graduada em Psicologia pela Universidade Gama Filho,
especialista em Psicologia Clínica e mestre em Educação
pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Atualmente é Psicóloga Clínica com base na Abordagem Centrada na Pessoa,
Psicóloga Hospitalar e Professora universitária/
orientadora de estágio e de trabalho de conclusão de curso.
Fundadora e Responsável Técnica do Espaço
Viver Psicologia. Coordenadora, professora e supervisora do
curso de Especialização em Psicologia Clínica na Abordagem
Centrado na Pessoa oferecido pelo Espaço Viver.
Coordenadora do livro Psicologia Humanista na Prática:
uma reflexão sobre a Abordagem Centrada na Pessoa
publicado em 2009 pela editora Unisul.
Espaço Viver Psicologia -
e-mail anitabacellar@yahoo.com.br.

Joana Simielli Xavier Rocha
Graduada em Psicologia na Universidade do Sul de Santa Catarina
– Unisul, Especialista na Abordagem Centrada na Pessoa pelo
Instituto Delphos – Instituto de Psicologia Humanista.
Atualmente em atuação como Psicóloga Clínica com base
na Abordagem Centrada na Pessoa e Coordenadora de Serviços
no Espaço Viver Psicologia. Espaço Viver Psicologia
e-mail: joanasimielli@yahoo.com.br.

Maira de Souza Flôr:
Graduada em Psicologia na Universidade do Sul de Santa Catarina –
Unisul, com Formação em Psicoterapia na Abordagem Centrada na Pessoa
pelo Centro Catarinense de Psicologia Humanista – Espaço Viver Psicologia.
Atualmente em atuação como Psicóloga Clínica com base na Abordagem
Centrada na Pessoa e Coordenadora de Serviços no Espaço Viver Psicologia.
e-mail: flormaira@yahoo.com.br.

Recebido em: 10/03/2012
Aceito para publicação: 22/10/2012

 

 

1 Trata-se de uma rara síndrome caracterizada pela paralisação de todos os músculos voluntários, exceto do movimento ocular e o movimento de piscar. O indivíduo, na maioria das vezes, depende da ajuda de aparelhos para respirar, comer, apresenta prejuízos visuais, como borrões ou visão em dobro. Contudo, as funções cognitivas ficam preservadas, fazendo-o estar consciente do que se passa ao seu redor, capaz de se lembrar do passado e ainda, pensar e raciocinar normalmente. (BRASSENS, 2009).
2 A significação tradicional, unilateralmente física do termo, está estabelecida com demasiada solidez para que seja adotada em psicologia, com o objetivo de indicar a estrutura da experiência e sua manifestação no comportamento (ROGERS; KINGET, 1977, p. 42).