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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.2 São Paulo Dec. 2012

 

ARTIGO

 

 

Hierarquia em evidência: um retrato da dominação hegemônica de masculinidade na propaganda de cerveja

 

Hierarchy in evidence: a picture of domination hegemonic of the masculities in advertising beer

 

 

Robson Cardoso de Oliveira; Cristina Donza Cancela

Universidade Federal do Pará - UFPA

 

 


RESUMO

Este trabalho analisa as representações de masculinidades na propaganda de cervejas, investigando uma abordagem em apresentar o homem como consumidor em potencial: ratificada por uma masculinidade hegemônica; e a mulher objetificada: como figuração do prazer e/ou da representação feminina de dona de casa, marcada no ambiente doméstico; configurando em uma associação de assimetria de poder. Para tanto, são discutidos como o papel da masculinidade vem sendo construídos, significados e ressignificados na propaganda brasileira de cervejas. A análise baseia-se em observações realizadas em anúncios vinculados na TV aberta, além de peças publicitárias colhidas no ciberespaço; de cervejas nacionais e internacionais, a exemplo da "Skol", "Nova Schin", "Heineken", entre outras. Como resultado, percebe-se que os anúncios de cervejas, atualmente, associam os consumidores de cerveja ao gênero masculino e para isso realizam anúncios valorizando o homem heterossexual, colocando – o como grande protagonista desses contextos.

Palavras-chave: masculinidades; feminilidades; cerveja; anúncio; hierarquia.


ABSTRACT

This work examines the representations of masculinity in advertising beer, investigating an approach in presenting the man as a potential consumer: ratified by a hegemonic masculinity, and the objectified woman: as pleasure figuration and/or female representation of housewife, marked in the household; setting in a pool of power asymmetry. To this end, we discuss how masculinity role are being built, and resignified meanings in Brazilian advertising of beers. The analysis is based on observations made in open linked ads on TV, and advertising harvested in cyberspace, national and international beers, such as the "Skol", "Nova Schin", "Heineken", among others. As a result, one realizes that the listings of beers currently associate beer drinkers to males and to realize that ads valuing heterosexual man, putting - like the great protagonist of these contexts.

Keywords: masculinities, femininities; beer; advertising; hierarchy.


Resumen

En este trabajo se ha analizado las representaciones de masculinidades en el anuncio de cerveza, investigando un enfoque en la presentación del hombre como consumidor potencial: ratificado por una masculinidad hegemônica; y la mujer objetivada como figuración del placer y/o de la representación femenino de ama de casa, marcada en el hogar; resultando en la creación de una combinación de asimetría de poder. Para eso, se discutió como el papel de la masculinidad ha sido construído, significado y reformulado en los anuncios de cerveza em Brasil. El análisis esta basado en observaciones realizadas en anuncios de la televisón abierta, además piezas de publicidad logradas en el ciberespacio; de cervezas nacionales y internacionales, por ejemplo "Skol", "Nova Schin", "Heineken", entre otras. Como resultado, se ha notado que los anuncios de cervezas, hoy en dia, asocían los bebedores de cerveza a los varones y para llevar a cabo hay la valorización del hombre heterossexual como el gran protagonista de este contexto.

Palabras clave: masculinidades; feminidades; cerveza; anuncio; jerarquia.


 

 

Introdução

Nosso objetivo, com esse artigo, é propiciar uma discussão sobre o papel que homens vêm recebendo na mídia, especificamente, na propaganda brasileira de cervejas. Marcando, com isso, um espaço, dentro dos Estudos de Gênero, para a problematização de masculinidades.

Essa problematização da masculinidade dentro da perspectiva dos Estudos de Gênero ganhou força na década de 1980 (MEDRADO, 1997), com pesquisas engendradas considerando os estudos de masculinidades com base no Feminismo ou como um posicionamento autônomo à esse movimento. Atualmente, os Masculinities Studies vêm ganhando espaço na academia, consideravelmente.

Marcando esse tema, com um viés antropológico, na propaganda brasileira, entra em cena um grande debate: o modo como as representações heteronormativas de gêneros são exibidas nos anúncios publicitários. Por que os carros esportivos são sempre focados para os homens? E os carros grandes, espaços são direcionados ao público feminino que estão sempre acompanhadas dos filhos no banco traseiro? Como se a relação de as crianças fosse apenas com a mãe e não com o pai.

A exemplificação desse debate é observada em campanhas publicitárias de cervejas, as quais os homens são exibidos como os consumidores em potencial. Eles também são os que dirigem os carros com um design mais esportivo ou são o alvo em comercias de concessionárias de automóveis.

Como metodologia, realizou-se uma análise de discurso das representações imagéticas dos anúncios vinculados na TV aberta. Foram reunidas algumas peças publicitárias de cervejas, de forma a contribuir como exemplificação deste trabalho.

Foram analisados, neste trabalho, 08 anúncios de cerveja (1 da Skol, 1 da CERPA, 1 da Sol, 1 da Kaiser, 1 da Nova Schin, 01 da Tuborg e 02 da Heineken). Como instrumentos de investigação da pesquisa, também, está uma entrevista semiestruturada realizada com o então Diretor de Marketing da CERPA (Cervejaria Paraense), Ibrahim Dahás, em janeiro de 2010.

A realização de uma relação e diálogo entre o marketing, a publicidade e a antropologia foi necessária e interessante como modo de facilitar as argumentações, bem como a importância de elucidar a interdisciplinaridade que vem sendo cada vez mais evocada em trabalhos acadêmicos.

O artigo está estruturado na discussão de masculinidades na propaganda brasileira, problematizando questões como a publicidade e a dominação de poder masculina. Na sequencia consta a análise dos anúncios publicitários de cerveja, no que tange a participação de homens heterossexuais nessas campanhas.

 

Masculinidades na Propaganda

Ao longo dos anos, a publicidade desenvolveu um papel importante no processo de desenvolvimento do mercado, ganhando cada vez mais importância por parte dos profissionais de marketing.

A publicidade é a uma maneira de comunicação entre a empresa e o cliente. Neste caso, ela é o meio que transmitirá a mensagem da organização para o consumidor. O termo publicidade deriva do latim publicus que quer dizer público, ou seja, trata-se de informar ideias, socializando-as a todos e todas.

A publicidade é uma técnica de comunicação de massa, paga, com a finalidade precípua de fornecer informações, desenvolver atitudes e provocar ações benéficas para os anunciantes, geralmente para vender produtos ou serviços. Ela serve para realizar as tarefas de comunicação de massa com economia, velocidade e volume maiores que os obtidos com quaisquer outros meios (SANT'ANNA, 2009, p.60).

A partir da veiculação das peças publicitárias, os profissionais de marketing esperam despertar o interesse do consumidor, demonstrando nos anúncios um mundo perfeito, sem maldades e doenças, e sim com a presença de sorrisos e conquistas. Evidenciando, também, os possíveis sonhos dos clientes, aquilo que realmente desejam, o que poderiam obter em um mundo imaginário, não real, mas de um sonho prazeroso no qual possuiriam aquilo que almejam.

A publicidade coloca em evidência o sonho dos clientes, mas, além disso, ela própria é retratada como um mundo mágico, de perfeição, de sonhos. Ou seja, em um anúncio publicitário tudo é possível: carros podem voar, podem virar robôs, objetos se personificam desejando algo, animais ganham vida, homens podem sonhar em possuir mulheres "perfeitas" e vice-versa. Enfim, para haver a transmissão da mensagem publicitária não importa o modo como será transmitida essa comunicação para o receptor, mas o que interessa é que esta mensagem chegue ao público-alvo e este a absorva e possa ser persuadido. Para tanto, a utilização dos sonhos do consumidor é uma maneira de chamar atenção e ao mesmo tempo tornar o anúncio publicitário mais criativo.

Rocha (1990) destaca:

Nasce, pois, uma enorme curiosidade e um grande fascínio pelo mundo da publicidade. Pelo mundo que nos é mostrado dentro de cada e todo anúncio. Mundo onde produtos são sentimentos e a morte não existe. Que é parecido com a vida e, no entanto, completamente diferente, posto que sempre bemsucedido. Onde o cotidiano se forma em pequenos quadros de felicidade absoluta e impossível. Onde não habitam a dor, a miséria, a angústia, a questão. Mundo onde existem seres vivos e, paradoxalmente, dele se ausenta a fragilidade humana. Lá, no mundo do anúncio, a criança é sempre sorriso, a mulher desejo, o homem plenitude, a velhice beatificação. Sempre a mesa farta, a sagrada família, a sedução. Mundo nem enganoso nem verdadeiro, simplesmente porque seu registro é o da mágica (p.25).

Segundo Beleli (2005):

Publicidade, propaganda e marketing (re)inventam possibilidades de consumo com suas formas criativas de transformar velhos ou novos produtos em algo imprescindível na vida de pessoas, tornando-se peça-chave na ativação da produção, através da (inter)mediação entre produtos e consumidor (p. 05).

A propaganda é relacionada à propagação de princípios, teorias e ideologias. O termo foi traduzido pelo papa Clemente VII, em 1957, com a função de propagar a doutrina da religião católica. Daí a relação do termo em questão com a difusão de princípios e ideologias. (SANT'ANNA, 2009).

Beleli (2005) classifica a publicidade como a promoção social de consumo de bens, enquanto que a propaganda ligada à política, ideologia e religião. A mesma autora lembra que a partir da segunda metade do século XX política e religião passaram a ser vistas também em um sentido comercial, aumentando assim a dificuldade na determinação dos dois conceitos.

Hodiernamente, os termos publicidade e propaganda têm sido utilizados no Brasil como sinônimos. É comum encontrarmos pessoas denominando publicidade ao que é propaganda ou vice-versa. Então, apesar da realização da diferenciação dos termos, trabalharemos, neste artigo, essas duas modalidades de comunicação como sinônimos.

A publicidade é o meio de ligação entre os domínios da produção e do consumo. Ela atua como um operador totêmico. Em vista disso, notamos ao meio publicitário um grande poder de persuasão. A publicidade não apenas informa, ela procura persuadir o cliente o que Baudrillard (1968) conceitua como um imperativo publicitário:

A publicidade tem por tarefa divulgar as características deste ou daquele produto e promover-lhe a venda. Esta função 'objetiva' permanece em princípio em sua função primordial... da informação a publicidade passou à persuasão. (BAUDRILLARD, 1968, p. 174).

A publicidade nada mais é do que a vivência, o retrato da sociedade. Afinal, esse é um dos objetivos do meio publicitário: retratar o modo de viver e pensar da sociedade, mas, ao mesmo tempo, criar modos de viver e pensar para imbuir ao meio social. Iara Beleli (2005) constatou em sua tese, através de entrevistas exploratórias, que a publicidade é como se fosse mera descrição da realidade, segundo a visão dos profissionais de marketing entrevistados.

Nesse contexto, problematizamos a representação de masculinidades na propaganda brasileira, destacando a exibição de personagens másculos, viris, heterossexuais, dominadores de mulheres e de masculinidades subalternas (VALE DE ALMEIDA, 1996).

Homens e mulheres vivenciam relações assimétricas. A masculinidade hegemônica se apoia no patriarcado como forma de perpetuar essa posição de dominação.

A masculinidade hegemônica é um modelo cultural ideal que, não sendo atingível – na prática e de forma consistente e inalterada – por nenhum homem, exerce sobre todos os homens e sobre as mulheres um efeito controlador. Implica um discurso sobre a dominação e a ascendência social, atribuindo aos homens (categoria social construída a partir de uma metonímia do dismorfismo sexual) este privilégio potencial. Um paradoxo deve, desde já, ser elucidado: se masculinidade e feminilidade são, ao nível da gramática dos símbolos, conceptualizadas como simétricas e complementares na arena do poder são discursadas como assimétricas. (VALE DE ALMEIDA, 1996, p. 163).

Por patriarcado entende-se como uma ordem de gênero, na qual a masculinidade hegemônica define a inferioridade da mulher, bem como das masculinidades subordinadas. (VALE DE ALMEIDA, 1996). Por este último sujeito, compreende-se como representações masculinas que não se enquadram no perfil de dominador, efeitos perversos engendrados deste modelo central de masculinidade1. O modelo central de masculinidade determinará como efeitos perversos deste sistema os que vivenciam a homossexualidade, sendo estes estigmatizados e subordinados. Homens que não vivem a conduta heterossexual são considerados "passivos", são comparados às mulheres, para tanto esses dois sujeitos são colocados em uma situação de submissão engendrada pela lógica da dominação masculina. Então, a masculinidade hegemônica atua como relação de poder entre os gêneros, privilegiando masculinidades em detrimento de feminilidades, e na submissão de masculinos que fogem à esse padrão de poder.

A dominação masculina ocorre tanto no ambiente público como no doméstico (WELZER-LANG, 2001). Os homens dominam as mulheres no espaço público ao receberem maiores poderes políticos e econômicos do que as representações femininas. Já no ambiente doméstico, a figura do "marido" ainda exerce grande autoridade dentro do lar2.

Pela lógica da dominação masculina, homens devem ser fortes, valentes, terem virilidade, potentes. Enquanto a mulher é delegado o papel de submissa, frágil, delicadas. Porém, as características positivas masculinas geram alguns problemas, no qual Bourdieu (1999) infere que os dominantes são "dominados" por sua própria dominação, haja vista a preocupação com a força física, virilidade, potência e tamanho do pênis.

A representação do homem másculo, viril, foi explorada nos anúncios publicitários de cigarro. A propaganda de cigarros impõe representações e modelos de identificação e posição do sujeito (KELLNER, 2001). A partir homofobia. Revista de Estudos Feministas, 9 (2), 460- 482. 2 Quanto a estas afirmações, não há uma generalização, haja vista que dependerá das culturas que vivenciam esta situação social. Em alguns espaços de trabalhos, atualmente, a mulher possui maiores poderes políticos e econômicos, bem como em muitas famílias, a "esposa/ mãe" tem mais autoridade do que o marido e é ela quem cuida das finanças. de 1950, a marca Marlboro passou a associar seus anúncios à masculinidade, demonstrando o ser "homem de verdade". A utilização da figura do caubói, combinado ao sucesso dos anúncios, fez com que, culturalmente, se associa-se o "homem de verdade" como o "homem Marlboro".

 

Figura 1 - Divulgação do "homem Marlboro"3

 

Para Ibrahim Dahás, ex-Diretor de Marketing da CERPA, essa é uma tendência que não ocorre apenas para o cigarro, mas também para a cerveja como forma de relacionar o cliente à força, virilidade e charme. Consumindo o produto, o consumidor pensaria em ser aquilo que é mostrado, "o homem Marlboro", "o homem de verdade".

Os anúncios publicitários de cervejas, nos dias de hoje, associam os consumidores de cerveja ao gênero masculino e para isso realizam anúncios valorizando o homem heterossexual, colocando-o como o grande protagonista desses contextos.

A utilização do masculino heterossexual, na propaganda de cervejas, é a do "homem tradicional". Segundo Ruth Sabat (2001), essa representatividade de masculinidade é ligada à virilidade e à força, diferentemente da visão de "homem da nova era" que expressa maneiras mais suaves, carinhosas, é mais humano nos gestos e ações, divide a responsabilidade com a família e podem chorar.

Além da utilização de homens que demonstram sua virilidade, a exibição ao lado de mulheres "perfeitas", como nos anúncios publicitários de cerveja, representa aquele modelo que Daniel Welzer-Lang (2001) chamou de "grandes homens".

A partir desta evidência, notamos uma profunda relação na apresentação dos anúncios de cervejas de necessidades dos homens, bem como status que eles gostariam de obter. Neste sentido, a mensagem que a Kaiser emitiu, por meio da publicidade, como forma de contra-atacar a Brahma, quando a primeira, exibiu comercias utilizando animais como tartaruga e siri, comprovam que aquela marca valoriza um único público: masculinos heterossexuais. Na mensagem era informado: "o brasileiro não gosta de bichinhos esquisitos, gosta mesmo é de mulher" (COBRA, 2001, p. 92). A mulher passou a ser usada como "isca" para atrair consumidores (homens) a beber cervejas.

As campanhas seguem uma ordem estabelecida no que se evidencia como um tripé comercial, o qual podemos visualizar em suas "pontas" a mulher, o futebol e a cerveja. Todas essas ramificações estão interligadas e são direcionadas ao público masculino heterossexual (COBRA, 2001).

 

 

É visível que as campanhas publicitárias de cervejas são voltadas quase que exclusivamente ao público masculino, sendo sempre os protagonistas e são os que consomem. Há argumentos, nos comerciais, que levam apenas os homens a consumirem, como o tripé comercial, pois as ramificações desse tripé são, geralmente, voltadas ao público masculino heterossexual. Segundo Cobra (2001): "Costuma-se dizer que o macho brasileiro curte três paixões: cerveja – quase como um refrigerante, futebol – como um fanático e viciado, e mulher – como objeto de prazer" (p. 24).

Então, com esse modelo de anúncio publicitário de cerveja, o homem ratifica o seu poder no mundo, possuindo à mulher e à cerveja. O homem é exposto como o consumidor em potencial, pois para as marcas de cervejas, ele é aquele que pode comprar o "líquido precioso", já as mulheres ficam em segundo plano, pois na regra da abordagem publicitária heteronormativa, ela é aquela que nasceu para ser a dona de casa e não consumidora de cerveja.

Analisando as imagens (Figura 3), a da esquerda reforça a fala de Berenice Bento (2007) quanto ao homem consumir além da cerveja a própria mulher. Nesta representação imagética uma moça está parada em frente a um balcão e através do copo posto em uma mesa a sua frente podemos observar de um ângulo que a mulher está dentro da taça, como se ela fosse a própria bebida. É interessante notar, também, no vestido da modelo, que possui a cor amarela, semelhante a da cerveja, bem como a parte superior é branca o que representaria o "colarinho" da bebida.

 

Figura 3 - Cartaz de divulgação da cerveja Kaiser4

 

A imagem da direita foi alterada, substituindo o símbolo da Kaiser (a letra "k") pelo símbolo masculino, em uma referência ao indicativo de que aquela bebida só deve ser consumida por homens, é para o público masculino que a comunicação publicitária está agindo.

As mensagens publicitárias são dirigidas a um público masculino heterossexual que por meio de uma construção de patriarcado e de masculinidade hegemônica consegue encontrar meios de serem dominadores.

 

Masculinidades nos anúncios publicitários de cerveja

Os modelos de propaganda das marcas de cervejas apresentadas nas veiculações comerciais de TV aberta são bastante semelhantes. Na sua maioria, há um bar como cenário, predomínio de homens no espaço, presença de mulheres com seus corpos "perfeitos", sendo que podem ser as garçonetes do bar ou estarem ao lado dos atores principais desse anúncio, como meras coadjuvantes.

A representação masculina tem sido utilizada como consumidores em potencial de cervejas, bem como possuidores das mulheres com corpos "perfeitos" exibidos nos anúncios. Com a exposição na propaganda marcada por uma posição binária combinada à uma masculinidade hegemônica reforça as falas de Bento (2007) e Vale de Almeida (1996). Bem como a exibição de corpos femininos "perfeitos" que ratifica os argumentos de Miriam Goldenberg (2005) e Marcel Mauss (2003) sobre as noções de corporeidade.

A exposição dos anúncios serve como modo de exemplificar todo o contexto apresentado neste trabalho. Para tanto, segue abaixo a exposição de 08 peças publicitárias que dialogam com o que já foi demonstrado.

Em um anúncio, intitulado "aliança" da Skol, um homem está bebendo em um bar com os amigos. A cena é agitada, dinâmica e com uma música simulando uma festa, até que sua namorada chega. A agitação do comercial muda para um clima de romantismo, com um fundo musical romântico. O homem pega de seu bolso um objeto e logo mostra os detalhes de algo circular, brilhante. A moça imagina ser uma aliança e que o namorado vai lhe pedir em casamento. Ele vai colocando o objeto no dedo dela. Até que para a surpresa da mulher, ela observa que o objeto circular se trata do chaveiro do carro dele, como pelo fato de ele ter bebido bastante, ela teria de dirigir o veículo. Mas aí fica a pergunta, por que não ocorreu o inverso? Por que o anúncio não emitiu a mensagem da moça bebendo, enquanto o namorado ficava responsável por dirigir o carro. A hierarquia entre os gêneros reforça essa exposição para colocar o homem como o consumidor de cerveja, enquanto a mulher fica com a função de dirigir o veículo.

Em um anúncio da CERPA, um homem está andando por uma praia. A impressão que se tem é que ele está perdido. Até que ele avista pessoas. Ao chegar próximo acaba desmaiando. Um homem ao ver a cena, acaba pedindo uma CERPA para dar de beber ao desmaiado. Então se aproxima, em câmera lenta, uma salva-vidas, loira, bonita, corpo escultural, trajando uma blusa vermelha com o símbolo de salva-vidas e biquíni. A moça traz uma CERPA e dar de beber ao desmaiado que logo acorda e fica observando admirado a mulher. Os outros homens na praia também ao verem a cena fingem desmaiar. É importante observar que somente os homens desmaiam, as mulheres na praia ficam revoltadas. Ou seja, o desmaio não serve apenas para beber aquela marca de cerveja, mas sim para receberem a atenção da salvavidas.

Em um anúncio publicitário da cerveja "Sol", intitulado "mudança", exibido em julho de 2007, a personagem principal é um homem que aparece "no bar do Zeca" sozinho, o dono do bar chega e oferece uma cerveja "a de sempre" e o cliente decide mudar e pede uma Sol. Observa-se que tudo está preto e branco e que próximo à mesa dele está uma mulher gorda e com roupas grandes. Ao cliente decidir pela mudança, o dono grita: "mudança", e tudo muda: o bar vira "bar da Sol", chega um caminhão da Sol e o anúncio deixa de ser preto e branco e passa a ficar colorido. A garçonete antes gorda e com roupas grandes, tira a roupa grande e surge uma mulher bonita e com roupa justa e curta. Surgem seus amigos do futebol (todos homens), mulheres bonitas e sensuais saem de dentro do caminhão de cerveja como se fossem o próprio produto. Há uma televisão no cenário em que está sendo exibida uma partida de futebol – a relação com o tripé comercial é evidente neste anúncio. O cliente começa a enumerar coisas positivas dandolhes ponto como a garçonete nova, os amigos do futebol que vão beber Sol com ele, e a "mulherada" como ele mesmo diz. Ao final da peça publicitária, acaba se sentando ao lado do personagem principal uma mulher no estilo daquelas que desciam do caminhão, no que se conclui em um duplo sentido de companhia para aquele homem: está ali a mulher e a própria cerveja, o que ratifica a fala de BENTO (2007) mostrada anteriormente.

Com a análise dos anúncios estrangeiros, verificamos uma peça publicitária da cerveja Heineken. Uma mulher apresenta às amigas sua casa, cada cômodo. Até que chega ao seu closet e o abre. As amigas gritam ao verem a quantidade de roupas e sapatos da anfitriã. Elas param de gritar ao ouvirem gritos mais altos do que os dela. Então elas procuram de onde vêm os gritos até que veem o que aparenta serem os seus maridos gritando ao verem um "closet refrigerado" cheio de cervejas Heineken. Como se as cervejas fossem exclusivas ao público masculino, enquanto mulheres só ligam para sapatos e roupas.

Em outra peça da cerveja Heineken, um homem observa uma mulher tentando pegar um produto no alto de uma prateleira. Ao se aproximar para ajudá-la, ele reconhece que ela é a atriz Jennifer Aniston e fica surpreso. Ela, então, faz um gesto a ele para que pegue o produto (aí o anúncio mostra qual era o produto: duas últimas garrafas da cerveja Heineken na prateleira). Ele pega as garrafas, mas ao invés de dar a atriz ele fica com elas.

Na peça da cerveja estrangeira "Tuborg", exibida no Brasil, um homem está em um bar, bebendo cerveja e observa uma mulher tomando um chá. A mulher é representa como feia, com cabelos presos, vestindo roupas longas e largas. Quando o homem toma um gole da cerveja, ele vê a mulher de cabelo Solto. Ao tomar outro gole, ele a observa como se ela estivesse se insinuando para ele. E ele continua bebendo, e ela continua fazendo charme. A cerveja acaba. Ele então fecha os olhos e depois reabre para ver se está acontecendo isso: quando ele a vê da maneira como ela estava quando ele chegou ao bar, "feia", tomando chá. O homem pede uma nova cerveja, como se só a bebida não o completasse, mas ele necessita da visualização da mulher da maneira a qual ele a via enquanto bebia, como se além de consumir a bebida, ele precisasse consumir, também, a mulher.

Outra peça publicitária analisada é uma campanha da "Kaiser", do início de 2001, em que estão presentes os atores Murilo Benício e Marcos Palmeira. Nesse anúncio, os dois estão sentados em uma praia que parece deserta, o primeiro ator está lendo uma revista, enquanto o outro pega uma cerveja, ao mesmo tempo sai uma moça das águas do mar, trajando apenas um biquíni de cor vermelha, tonalidade da marca referida. Então, todo o movimento os quais, o ator realiza com a garrafa a moça em seguida o faz: deitar, virar etc. O outro que estava lendo o jornal percebe todo o contexto e deixa a revista de lado. Até que o ator Marcos Palmeira tenta retirar o rótulo da garrafa, idealizando que em seguida a moça retiraria o seu biquíni. Ele retira o rótulo, porém ela não retira sua roupa de banho, fazendo um sinal negativo com a cabeça e sorri e os dois também acabam rindo da situação e o comercial se encerra. O que se pode analisar dessa última peça publicitária analisada é o poder do homem sobre a mulher, ele brinca, simbolicamente, com a garrafa como se estivesse brincando com ela mesma, e está. Ele realiza movimentos para o seu bel prazer, há uma satisfação individual masculina em evidência (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011).

No comercial que lançou o conceito da Nova Schin de "cervejão", um homem (Pedrão) chega a um bar, senta-se com seus amigos e pede uma "cervejinha". Um de seus amigos questiona-o se ele assiste a um "joguinho" ou "jogão", se gosta de "mulherzinha" ou de "mulherão". Pedrão, então, responde que gosta de "jogão" e "mulherão" e, portanto pede ao garçom um "cervejão". Evidencia-se nesse anúncio, o tripé comercial problematizado por Cobra (2001).

Dentro do contexto das peças publicitárias analisadas, podemos traçar papeis dessas representações de masculinidades nos anúncios de cerveja verificados. Dos oito anúncios, identificamos quatro personagens: o belo heterossexual, o homem praiano, o cliente do bar e os amantes de cerveja.

O que esses personagens têm em comum? O poder engendrado por uma masculinidade hegemônica. Todos eles possuem uma postura de superioridade perante as mulheres e masculinidades identificadas como subalternas. Além disso, todos eles são heterossexuais, as peças publicitárias deixam implícita a sexualidade de os personagens, seja mostrando à namorada, esposas ou o simples interesse dos personagens por mulheres. Outra semelhança entre os personagens, trata-se de que todos estão consumindo cervejas nos anúncios, marcando-os como os consumidores em potencial. (Tabela 1).

 

 

Nem sempre na propaganda de cervejas a beleza é utilizada como algo essencial, normatizado, uma regra dos anúncios. Essa regra é válida para mulheres, porém aos homens isso não é uma máxima. Segundo Ibrahim Dahás, esta é uma técnica bastante utilizada na publicidade como nos anúncios da CERPA do personagem "Alfredo" que sempre ficava interessado nas mulheres bonitas, perfeitas e sempre era "perseguido" por sua esposa, uma mulher feia e gorda. Além da objetificação feminina da associação da mulher à cerveja, a representação de mulheres bonitas, sensuais, "perfeitas" é recorrente nos anúncios. A mulher feia é representada como a "concorrência", algo indesejado pelos clientes (homens heterossexuais).

No entanto, a apresentação de homens que não possuem um "padrão" de beleza não é algo questionado. Os personagens clientes do bar no comercial "cervejão" da Nova Schin são exemplos disso, além do "baixinho da Kaiser" e do próprio supracitado, Alfredo da CERPA. Os casos do "baixinho" e "Alfredo" são emblemáticos, pois eles sempre estão acompanhados de belas mulheres e elas os desejam.

 

Figura 4 – Baixinho da Kaiser, sempre acompanhado de belas mulheres5

 

 

Considerações Finais

Encontramos argumentos, através de entrevista com o então Diretor de Marketing da CERPA, que o homem representando na publicidade de cerveja é aquele que "homens normais" gostariam de ser: fortes, viris, jogadores de futebol (geralmente, o sonho de qualquer criança é ser jogador de futebol), possuidores de mulheres bonitas.

E é essa a representação de masculinidade que vem sendo construída na propaganda brasileira: o homem forte, viril, heterossexual, que se relaciona, amigavelmente, com outros homens de mesma característica; desejam mulheres "perfeitas", sempre são os consumidores em potencial de cervejas.

A masculinidade hegemônica atua no campo dos anúncios diretamente, como podemos observar no anúncio "cervejão" em que um homem intimida o outro quando esse pede uma "cervejinha", há um padrão, uma normatização de como a masculinidade deve ser representada no anúncio.

O homem normal é o heterossexual, as masculinidades subalternas problematizadas por Vale de Almeida (1996) e Kimmel (1998) quase não aparecem nos anúncios, e quando aparecem são estigmatizadas, inferiorizadas e ridicularizadas. Apesar de Kimmel (1998) argumentar que a masculinidade hegemônica é invisível para aqueles que a procuram no cotidiano de suas práticas, percebemos que ela é visível no "mundo dos anúncios", há um ideal de masculinidade bem definido na propaganda de cervejas.

Ratificando, esse campo do definido como um ideal de masculinidade nos anúncios de cervejas é o do homem heterossexual, que possui namorada, é casado ou está na companhia de belas mulheres; são consumidores de cervejas (quase que exclusivos). E a beleza não é um fator de valorização ou desvalorização. Contudo, as mulheres são sempre pensadas como coadjuvantes, e não consumidoras em potencial. Estão nos comerciais para serem vistas, desejadas e consumidas em espaços de sociabilidade masculina. As feminilidades são subsumidas aos ideais e práticas de masculinidade hegemônicas atualizadas nas peças publicitárias.

 

Referências

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Sobre obre os autores:

Robson Cardoso de Oliveira
Bacharel em Administração pela UFPA,
mestrando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA-UFPA).
Bolsista da CAPES. Membro do Movimento Universitário em Defesa da Diversidade Sexual
Grupo Orquídeas.
e-mail: robson.cardosodeoliveira@gmail.com

Cristina Donza Cancela
Doutora em História pela Universidade de São Paulo-USP,
possui mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP,
sendo graduada em História pela UFPA.
Atualmente é professora da Faculdade de História do IFCH/UFPA,
do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA-UFPA).
e-mail: donza@ufpa.br

Recebido em: 2208/2012
Aceito em : 17/11/2012

 

 

1.Para ter um maior aprofundamento sobre o assunto ver: Vale de Almeida, M. (1996) Gênero, Masculinidade e Poder: Revendo um caso do sul de Portugal. Anuário Antropológico, 95, 161-190. Welzer-Lang, D. (2001) A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista de Estudos Feministas, 9 (2), 460- 482.
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. Quanto a estas afirmações, não há uma generalização, haja vista que dependerá das culturas que vivenciam esta situação social. Em alguns espaços de trabalhos, atualmente, a mulher possui maiores poderes políticos e econômicos, bem como em muitas famílias, a "esposa/ mãe" tem mais autoridade do que o marido e é ela quem cuida das finanças.
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. Recuperado em 15 de junho, 2012 de http://happybatatinha.files.wordpress.com/2007/10/m arlboro.jpg
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