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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.5 no.2 São Paulo  2013

 

Artigo

 

Relatos de experiência em história da psicologia: conexões Brasil e Estados Unidos da América4

 

Experience in the history of psychology: connections Brazil and United States of America

 

Inoformes de experiencia en la historia de la psicología: conexiones Brasil y los Estados Unidos de America

 

Rodrigo Lopes MirandaI; Cecília Andrade AntipoffII; Delba Teixeira Rodrigues BarrosII

I Universidade de São Paulo, Campus Ribeirão Preto (USP-RP)

II Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

 


RESUMO

Este trabalho é o relato da experiência de três pesquisadores brasileiros em história da psicologia, numa viagem ao Center for the History of Psychology da University of Akron, nos Estados Unidos da América. Os relatos descrevem: (a) em que consiste o Center e o que ocorre nele, (b) o contexto de cada uma das viagens, (c) as percepções dos pesquisadores, (d) algumas aprendizagens, em termos de pesquisa, com arquivos em história da psicologia e (e) curiosidades. Estima-se que o trabalho convide o leitor a uma visita ao Center for the History of Psychology, seja ela virtual ou, preferencialmente, presencial. Além disso, acredita-se que este texto apresente a história da psicologia como área promissora e fascinante na psicologia brasileira.

Palavras-chave: Relato de Experiência; História da Psicologia; Center for the History of Psychology.


ABSTRACT

This paper is an experience report of three Brazilian researchers on the history of psychology, who travelled to the Center for the History of Psychology of the University of Akron, United States. These experiences are about: (a) what is the Center and what happens there, (b) context of each one of those visits, (c) some learning in archival research on history of psychology, (d) researchers’ impressions and (e) curiosities. We expect this paper to invite our readers for visiting the Center; a virtual visit or, rather, an in-person one. Therefore, we believe this paper presents the history of psychology as a prominent and fascinating area in the Brazilian psychology.

Keywords: Report of Experience; History of Psychology; Center for the History of Psychology


RESUMEN

Este artículo es un relato de la experiencia de tres investigadores de la historia de la psicología brasileños en un viaje al Center for the History of Psychology de la Universidad de Akron, EE.UU. Los relatos describen: (a) en qué consiste el centro y qué ocurre allí, (b) el contexto de cada uno de los viajes, (c) la percepción de los investigadores, (d) algunos aprendizajes, bajo la perspectiva de la investigación, con archivos en historia de la psicología, y (e) algunas curiosidades. Se estima que el artículo invite al lector a una visita al Center for the History of Psychology, sea esta virtual o, preferencialmente, presencial. Además, este texto se propone a presentar la historia de la psicología como un sector prometedor y fascinante en la psicología brasileña.

Palabras-clave: Relato de experiencia; Historia de la Psicología; Center for the History of Psychology.


 

 

Como poderia a História ser maçante?
Ela é a história de vidas fascinantes em tempos fascinantes.
Se não fossem interessantes, por que as pessoas perderiam tempo com essas lembranças?
(Benjamin, 2007/2009, p. xv)

 

O objetivo do presente texto é ser um relato de três experiências de diferentes pesquisadores em história da psicologia, que visitaram o Center for the History of Psychology (Centro para a História da Psicologia - CHP). Para a sua criação, inspiraram-se no trabalho de Benjamin (1998), intitulado "Pesquisa nos Arquivos da História da Psicologia Americana: Um estudo de caso". Nele, Benjamin descreve sua primeira visita aos Archives of the History of American Psychology (Arquivos da História da Psicologia Americana - AHAP) e aquilo que vivenciou nessa visita. Seu relato, repleto de detalhes academicamente importantes, é entrecortado por suas piadas e tiradas sagazes sobre o fazer historiográfico. Seu trabalho nos moveu a escrever nossas próprias memórias sobre a experiência vivida no CHP.

As três experiências, apesar de diferentes, conectam-se pelos interesses dos autores em história da psicologia. Acreditamos, assim como Benjamin na epígrafe que abre nosso texto, que a história da psicologia é fascinante. Ela nos auxilia a compreender as escolhas de pessoas no tempo passado e como essas escolhas edificaram diferentes caminhos para o nosso presente, o que nos habilita a construir novas memórias desse passado e a nos projetarmos para um tempo futuro. Assim, podemos compreender melhor de onde (psicólogos) viemos e para onde podemos ir.

 

APRESENTANDO O CENTER FOR THE HISTORY OF PSYCHOLOGY

O CHP faz parte da University of Akron, na cidade de Akron, Estado de Ohio, nos EUA. A história do CHP se inicia com a fundação dos AHAP, em 15 de novembro de 1965, por John Popplestone e Marion McPherson. De acordo com seu primeiro grupo de diretores:

O maior comprometimento dos Arquivos é com uma história intelectual da psicologiaamericana, mas aquilo que possuímos também reflete eventos e políticas institucionais, ações políticas e sociais, e muitas outras atividades nas quais os psicólogos têm se envolvido no exercício de seu trabalho na psicologia (Popplestone & McPherson, 1971, p.19, trad. nossa)5 .

Em 1999, David Baker assumiu a direção dos AHAP. Em 2010, foi criado o CHP, que passou a abrigar as coleções de documentos, filmes, fotografias, etc., dos AHAP, além de um museu de artefatos psicológicos. O CHP arquiva documentos de cerca de 600 psicólogos diferentes, 8.000 filmes, 50.000 livros, 20.000 fotografias e 1.500 artefatos. Podemos encontrar, por exemplo, o boneco dos experimentos de Albert Bandura e as roupas da prisão experimental de Stanford.

 

I - EM BUSCA DE ARTEFATOS DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL

Partes de minha experiência em Akron foram relatadas, previamente, no blog do CHP, em três ocasiões6 . Utilizarei trechos de tais relatos naquilo que descrevo neste trabalho. Meu principal interesse de pesquisa, desde o mestrado, tem sido a história da psicologia experimental, especialmente a ideia da circulação e produção da psicologia com laboratórios e aparatos.

 

1. EM QUE CONTEXTO FUI AO CHP?

A ida para o CHP fez parte do meu doutorado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da UFMG. Permaneci no CHP por oito meses, entre fevereiro e outubro de 2013, com bolsa de estágio sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Minha pesquisa de doutorado tinha por objeto o laboratório de psicologia experimental instalado em 1929, na Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte. Meu interesse específico era observar como os artefatos do laboratório de psicologia experimental nos auxiliam a compreender a circulação da psicologia: (i) entre diferentes países e (ii) entre o laboratório e o uso cotidiano da psicologia. Essa viagem ao CHP permitiu-me o contato com sua coleção de aparatos, além de fontes primárias que descreviam o seu uso, em outros contextos.

 

2. O QUE FIZ NO CHP DURANTE OITO MESES?

Em uma das piadas de Benjamin (1998), ele descreve uma "doença" comum aos que visitam o CHP, a Documentia Distracta:

(...) uma condição que produz desorientação e distorções na percepção do tempo. O indivíduo afetado começa a ler documentos totalmente irrelevantes. Em sua forma mais aguda, essa doença prolonga bastante o tempo necessário para completar o projeto pretendido (p. 245).

Tomo a liberdade de discordar de Benjamin, pois não acredito que aqueles outros documentos sejam irrelevantes. Todavia, sua leitura nos coloca na condição de desenvolver diferentes atividades dentro do CHP, para além de nossa pesquisa inicial. Aqui, minha experiência parece muito similar à dele, pois me envolvi em quatro projetos diferentes.

Um conjunto de fontes primárias, coletadas no Brasil, permitiu-me observar que o laboratório que eu estudava possuía cerca de sessenta instrumentos diferentes. Com base nessa lista, pude obter no CHP, ou por seu intermédio, fotos de trinta e seis deles. Além disso, descrevi o uso prescrito de 90% dos instrumentos, o que nos auxiliou a compreender como era um laboratório de psicologia, na década de 1930, bem como a serventia de seus aparatos. Encontrei inúmeras fontes primárias nos arquivos, tais como: (a) revistas científicas (e.g., American Jornal of Psychology, (b) catálogos de instrumentos (e.g., C.H. Stoelting, EUA; James Jaquet S.A., Suíça), (c) monografias (e.g., Andrews, 1948) e (d) manuais de laboratório (e.g., Titchener, 1901). Outros conjuntos de materiais poderiam ter sido pesquisados, mas me exigiriam um tempo extra ou habilidades que ainda não possuo. Por exemplo, há uma série de catálogos em alemão da E. Zimmermann, principal empresa produtora de instrumentos de laboratório de psicologia na transição para os 1900, que poderia ter sido pesquisada.

O segundo projeto em que me envolvi consistia na reintegração de fontes primárias às coleções do CHP. Tais fontes incluíam material não publicado, dados brutos de pesquisas, relatórios de pesquisa, fotografias, etc. Nesse projeto, pude manusear documentação de treze importantes e famosos psicólogos, tais como David McClelland – que trabalhou com teorias de motivação – e Milton Rokeach, que pesquisou sobre adoecimento mental e preconceito social. O terceiro projeto foi derivado deste segundo. Nele, utilizei o nome dos vinte e dois países ibero-americanos como palavras-chave para buscas nas coleções dos arquivos. Nessa busca, encontrei 300 entradas diferentes para os países ibero-americanos, sendo que o Brasil é o segundo país com maior quantidade de entradas: 437 . Por exemplo, achei cartas de Arrigo Angelini e Maria Amélia Matos endereçadas a pesquisadores estadunidenses. A existência desse tipo de material vai ao encontro da descrição dada por Popplestone e McPherson (1971) sobre a palavra "American", no AHAP:

O termo "americana" foi incluído não com base em considerações nacionalistas, mas devido a necessidade de impor limitações práticas. Ele abrange todo psicólogo que tenha trabalhado ou trabalhe nos Estados Unidos da América, pessoalmente ou por sua influência nesse país (p. 14)8

Esse é um projeto que precisa ser continuado no CHP, com buscas mais refinadas por termos vinculados a cada um dos países ibero-americanos.

Por fim, o quarto projeto foi a criação de um museu virtual de instrumentos de laboratório de psicologia experimental, que ainda continua em desenvolvimento.

 

3. QUAL A MINHA PERCEPÇÃO SOBRE O CHP?

Acredito que todos aqueles envolvidos com a história da psicologia deveriam visitar o CHP. Pode ser uma visita virtual ao seu material disponível online, por meio de contatos com sua equipe para acesso aos materiais. Todavia, uma visita presencial seria valiosíssima.

Seu acervo é bastante extenso! Com tempo e paciência, é possível achar documentação primária para pesquisas dos mais variados temas em história da psicologia, especialmente se o tópico da pesquisa permite diálogos de história global e local. Nunca esquecerei o dia em que Jodi, uma das arquivistas, mostrou-me um livro de Wilhelm Wundt, em alemão. Quando o abrimos, ele estava assinado por William James. Folheando o livro, vimos várias anotações e comentários de James sobre sua leitura de Wundt. Embora não pudéssemos ler alemão, podíamos acessar algumas das ideias de James às propostas do psicólogo de Leipzig.

O pessoal do CHP é incrível, desde os estagiários até seu diretor. Por exemplo, lembro-me de várias discussões com Michael, um estagiário que era o representante dos estudantes negros junto à Universidade, sobre questões de raça e preconceito nos EUA e no Brasil. Outro exemplo eram minhas reuniões frequentes com David Baker sobre os projetos nos quais me envolvia e como poderia avançar em cada um deles. Esse contato foi tão positivo que ele se tornou meu co-orientador de doutorado.

Dessa forma, acredito que o CHP é um local que deve ser visitado, tanto por seus recursos materiais, importantíssimos para a história da psicologia, quanto pelas possibilidades de aprendizado com sua equipe.

 

4. QUAIS FORAM MEUS APRENDIZADOS EM TERMOS DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA PSICOLOGIA?

Poderia listar inúmeras aprendizagens que obtive durante meus oito meses nos EUA e, especificamente, no CHP. Todavia, selecionei quatro delas.

A primeira aprendizagem é ter cuidado com a Documentia Distracta para que ela não fique em sua forma mais séria: "... [que] leva normalmente o pesquisador a abandonar o projeto original em favor de outro, que também acaba sendo abandonado, e assim por diante" (Benjamin, 1998, p. 245). Os documentos primários são fascinantes e induzem o surgimento de diferentes questões de pesquisa. Ao lidar com arquivos, é de extrema importância o foco nas questões de pesquisa. Ainda mais se os arquivos forem extensos.

A segunda aprendizagem é que a história se faz com documentação primária. O trabalho com fontes secundárias e terciárias é importante para nos auxiliar a delimitar o problema de pesquisa e, às vezes, contribui para a leitura das fontes. Todavia, o foco deve recair nas fontes primárias que devem ser, sempre que possível, de variadas modalidades.

A terceira aprendizagem demonstra que o trabalho historiográfico se faz com tempo e paciência. Vá ao arquivo e burile as caixas, as pastas, os documentos, até encontrar algo que ajude na construção da história de seu objeto. O passado não sabia que ficaria para a posteridade; portanto, não está organizado linearmente, esperando o olhar do historiador. É imprescindível ter paciência ao lidar com as fontes.

Por fim, carrego duas frases de meus orientadores. A primeira, de meu orientador brasileiro, uma paráfrase da Profª. Regina Helena de Freitas Campos: "pequeno é bonito". Recorte bem seu problema de pesquisa. Ele deve ser simples e bem delimitado, o que promove um trabalho mais direcionado. A segunda, "o importante são as pessoas"9 , foi dita por meu co-orientador. De acordo com ele, os conteúdos existem para serem analisados, bem como as teorias e os métodos. O que devemos cultivar é a relação com as pessoas, pois são elas que fazem a diferença. Essas duas frases, no campo historiográfico, sugerem que a pergunta de pesquisa deve ser simples, para que o trabalho seja factível, no arquivo. A pesquisa deverá respeitar as três lições mencionadas anteriormente. Além disso, o pesquisador deve cuidar de suas relações, pois tem muito a aprender com cada um com quem se relaciona, durante as várias atividades do fazer científico. A ciência é uma atividade que se faz em grupo.

 

II - EM BUSCA DE DADOS SOBRE A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO EM TERRAS ESTADUNIDENSES.

Minhas pesquisas, tanto no mestrado (finalizado em 2010), quanto no doutorado (em andamento), reportam para o entendimento da História da Educação de crianças superdotadas. Em 2010, a pesquisa que realizei priorizou a história da educação destas crianças no Brasil, mais especificamente no Estado de Minas Gerais. Constatei que a história brasileira, para ser melhor compreendida, pode se relacionar com a história estadunidense, de onde vieram fontes de grandes pesquisadores e estudiosos sobre o tema e que foram vastamente lidos e citados por educadores brasileiros, inspirando as práticas aqui realizadas.

 

1. MINHA EXPERIÊNCIA NO CENTER FOR THE HISTORY OF PSYCHOLOGY

A pesquisa que realizei no CHP aconteceu entre os meses de março e junho de 2014, como parte do meu estágio doutoral, realizado também pelo Programa de Pós Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da UFMG. Estive esses meses no CHP, por meio de financiamento proporcionado pela bolsa de estágio sanduíche da CAPES.

Minha atual pesquisa tem como objetivo a realização de um estudo de caso histórico sobre uma Escola fundada em 1978, na cidade de Nova Lima (Minas Gerais), que tinha como uma de suas propostas pedagógicas o atendimento especializado às crianças superdotadas. Na primeira fase da pesquisa, constatei que os fundadores da instituição liam e citavam pesquisadores estadunidenses, para embasar teoricamente o que realizavam, na prática, com a sua clientela de alunos. Sendo assim, surgiu o desejo de um aprofundamento sobre as propostas iniciais dos estudiosos estadunidenses, no que diz respeito à educação e psicologia das crianças superdotadas. Esse estudo está vinculado à ideia de circulação e produção de conhecimentos em psicologia educacional.

Cheguei ao CHP muito animada e com meus objetivos bem delimitados e organizados. Pensei que os meses que passaria ali seriam mais do que suficientes para fazer o que minha orientadora e eu havíamos planejado. Mas, ao chegar lá, o contato com uma enorme quantidade de documentos, fotografias, livros e artigos fez com que surgisse um sentimento inesperado: o desespero. Constatei que seria impossível ler tudo o que eu havia selecionado. E, mais do que isto, a cada caixa aberta, eu me deparava com documentos manuscritos, citando outros pesquisadores e me levando a caminhos novos e desconhecidos. Tive que lidar com outro sentimento: a frustração. Foi extremamente frustrante ter que abrir mão de documentos e caixas sobre os quais adoraria ter me debruçado, mas o tempo não estava do meu lado, nesse aspecto. Cheguei ao CHP com a certeza de que meu caminho seria linear. Mas me deparei com a tal doença Documentia Distracta, que tomava conta de mim por alguns dias e, depois, sumia (quando eu retornava ao "fio condutor" da minha pesquisa). Mas descobri que esta é realmente uma condição da pesquisa histórica em arquivos tão ricos como o do CHP, ela vai e volta...

Pude ter acesso a uma vasta coleção de documentos de interesse para a pesquisa que venho desenvolvendo, no Brasil. Nos arquivos do CHP, foram encontrados documentos de vários autores que trabalharam com o tema de educação e psicologia de superdotados nos EUA e que estabeleceram entre si relações profissionais, seja via correspondência, seja pessoalmente. No entanto, devido ao estágio doutoral de apenas dois meses e, além disso, à enorme quantidade de documentos encontrados, optei por priorizar alguns deles, quais sejam: Terman (1916), Hollingworth (1926) e Miles (1946). Também encontrei um vasto material que vai de 1910 à década de 1970, mas todas as coleções não foram consultadas.

 

2. O QUE FICOU DA MINHA EXPERIÊNCIA EM ESTUDOS DE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CHP

Minha experiência no CHP foi extremamente feliz e proveitosa. Contei com o auxílio de toda a equipe que, com toda presteza e boa vontade, auxiliava-me em tudo o que eu necessitava para a viabilização da coleta de dados. Além disso, meus estudos foram facilitados pela organização dos arquivos e pela facilidade em obter os materiais e documentos de forma independente, quando necessário.

Para aqueles que estão "mergulhados" nos estudos em História da Psicologia ou pensam em dar este "mergulho" o CHP é, com toda certeza, um lugar de referência para visitar, não só pela riqueza de materiais, mas também pela organização e pelas pessoas que fazem parte daquele lugar.

Também tive a oportunidade de participar de algumas palestras sobre o CHP, seus objetivos e sua forma de funcionamento. O local onde eu realizava minha coleta de dados era frequentemente visitado por grupos de estudantes, psicólogos e pesquisadores. Em algumas dessas visitas, pude acompanhar as apresentações e discussões em grupo.

O contato com as fontes primárias, materiais, documentos e manuscritos originais dos autores que pesquisei favoreceu o meu entendimento e amadurecimento, enquanto pesquisadora da História da Psicologia, além de gerar, em mim, um maior entusiasmo para a construção da pesquisa e escrita da tese. Aprendi que estudar História da Psicologia requer tempo, flexibilidade e curiosidade. O movimento é semelhante à brincadeira de "caça ao tesouro", tão comum entre as crianças. A cada caixa aberta, são inúmeros os documentos, fotos e "pistas" que nos levam a buscar novas caixas, com novos caminhos. A única diferença é que a brincadeira de "caça ao tesouro" tem fim...

 

III - A PRESENÇA DAS MULHERES NA CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL (OP) NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

As questões relacionadas à escolha profissional têm sido objeto de meu interesse desde o final do século XX. A pesquisa, a prática e a docência neste campo configuram minha atuação, minha investigação, enfim, minha identidade profissional.

Embora não tenha me dedicado especificamente ao estudo da história da psicologia, conclui minha tese de doutorado "convicta de que o resgate da história de uma área de conhecimento é fundamental para se compreender melhor sua situação na atualidade sua repercussão e seu alcance" (Barros, 2004, p. 19).

Seduzida por essa ideia, constatei, ao me debruçar mais sobre a história da OP, a ausência de nomes femininos na construção desse campo. Esse foi o início do projeto de Pós Doutoramento que estou desenvolvendo junto ao Programa de Pós Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da UFMG.

A busca por representantes femininos no cenário histórico da OP me levou a dois nomes de psicólogas estadunidenses, que contribuíram para seu desenvolvimento. Uma delas, Leta Stetter Hollingworth (1886-1939), era para mim uma completa desconhecida. No entanto, a partir do contato com o Prof. David Baker, do CHP, soube que o arquivo com a obra dessa autora (e de seu marido, Harry L. Hollingworth) foi a primeira coleção dos AHAP e continha extensa documentação sobre seu trabalho.

Começou, assim, meu envolvimento com o CHP, que se concretizou em uma agradável estadia de dois meses na cidade de Akron, durante o verão.

 

1. MINHA EXPERIÊNCIA NO CHP

Assim como meus colegas que participam deste relato, o acolhimento afetivo da equipe que integra o CHP foi a primeira de muitas vivências pessoais enriquecedoras, no tempo passado em Akron. A ela se somou a oportunidade de conhecer pessoas de diferentes lugares do mundo, associadas ou não ao universo acadêmico, com distintas e variadas experiências, o que, por si só, é um presente para um psicólogo.

A consulta ao material disponível no CHP foi, sem dúvida, um tempo de muito aprendizado. O arquivo de Leta S. Hollingworth é vasto e muito bem organizado, o que torna a pesquisa ágil e agradável. Tendo em vista meu projeto, dediquei-me à busca de qualquer relação de seu trabalho com a questão da OP, o que implicou em leitura cuidadosa de todo o material disponível sobre ela.

Considerando que meu foco de trabalho estava muito bem definido, não me senti compelida a desviar minha atenção, embora seja mesmo tentador se render a tanta informação, de tantos nomes importantes que aparecem em cada material consultado.

A exceção a essa colocação foi a biografia de Leta, escrita por seu marido após sua morte. O relato é tão intenso e afetivo que, por várias vezes, tive que me lembrar que não se tratava da leitura de um romance, mas da busca de informações sobre a pesquisadora e sua obra. Ainda assim, trouxe para o Brasil dois volumes sobre a vida de Harry Hollingworth, aos quais pretendo me dedicar, mais tarde, com o interesse e o prazer de quem se delicia com a leitura de histórias de amor!

A consulta aos arquivos disponíveis me permitiu traçar o percurso da carreira de Leta Hollingworth, visualizando seu encontro com a OP muito além do texto clássico de 1916, "The Vocational Aptitudes of Women", percebendo sua posição no contexto histórico em que viveu e no qual se destacou. A compreensão desse contexto histórico é fundamental para uma leitura adequada de suas ideias, muitas das quais, no cenário contemporâneo, podem se mostrar sem sentido.

Pode parecer que a afirmação acima seja uma constatação óbvia, mas o clima de mergulho na pesquisa documental, proporcionado pela estadia no CHP, revela esse aspecto de uma maneira pungente. A sequência da construção do pensamento da autora, suas descobertas proporcionadas pelos estudos desenvolvidos ao longo de toda a vida, o questionamento de ideias preconcebidas do mundo em que vivia e trabalhava, sua abertura para olhar de forma inusitada a realidade ficam extremamente facilitadas nesse contexto de imersão e de intimidade cotidiana.

Muito mais poderia ser dito sobre o que fica de minha experiência no CHP, mas acredito que nada pode ser dito por completo, pois sempre se perde na transmissão e nunca se esgota na lembrança. Foi uma experiência inestimável que, se me permite o contexto acadêmico, recomendo sem reservas a quem se interessa pela história da psicologia.

De acordo com as palavras da própria Leta Hollingworth (1940)

Como acabei incluída nesse livro sobre mulheres de sucesso? Eu não sei. Eu fui intelectualmente curiosa, trabalhei duro, fui honesta exceto naqueles pequenos sofismas saudáveis que ocasionalmente são necessários quando a autoridade é estúpida, sempre detestei desperdício e nunca tive medo de empreender um experimento ou mudar de opinião. Meu lema de família, traduzido do latim, é: Eu amo experimentar. Talvez esta seja a explicação. (p.35, trad. nossa)10 Soa-me como um bom conselho.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso objetivo era o de expor três relatos de experiência de pesquisadores vinculados à história da psicologia em um dos mais importantes arquivos em história da psicologia nas Américas. Pudemos mostrar em que consiste o CHP e o que ocorre nele, os motivos de cada uma das visitas, nossas percepções e curiosidades, algumas aprendizagens, etc. Estimamos ter seduzido o leitor a uma visita – preferencial presencial – ao CHP e, mais ainda, acreditamos ter mostrado a história da psicologia como uma fascinante área do conhecimento em psicologia.

A pesquisa em arquivos é imperativa para o fazer historiográfico e a visita ao CHP reiterou essa premissa. Além disso, nossa experiência vai ao encontro daquilo que vem sendo discutido na história da psicologia como a necessidade de produções de histórias conectadas. Histórias que nos ajudem a entender como um determinado conhecimento produzido em uma localidade, circulou e se tornou, também, global. Com isso, poderemos ver especificidades e conexões entre as histórias da psicologia em diferentes países. Os arquivos do CHP atenderam a demandas de histórias da psicologia brasileira. Seus arquivos nos ajudaram a entender como o conhecimento psicológico circulou e conectou países. Assim, fica o convite a mais conexões entre a história da psicologia brasileira e estadunidense.

 

Referências

Andrews, T. G. (1948). Some Psychological Apparatus: A classified bibliography. Psychological Monographs: General andapplied, 289.         [ Links ]

Barros, D. T. R. (2004). Estruturação de Uma Técnica Projetiva de Interesses para Orientação Profissional de Adolescentes TEPI. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil. Trabalho não publicado.         [ Links ]

Benjamin, L. T., Jr. (2009). Uma Breve História da Psicologia Moderna. Rio de Janeiro: LTC. Original publicado 2007.

Benjamin, L. T., Jr. (1998). Pesquisa nos Arquivos da História da Psicologia Americana: Um estudo de caso. Em J. Brožek& M. Massimi (Orgs.), Historiografia da Psicologia Moderna: A versão brasileira (pp. 243-252). São Paulo: Unimarco e Edições Loyola.

Hollingworth, L. S. (1926). Gifted Children, Their Nature and Nurture. Nova Iorque: The Macmillan Company.         [ Links ]

Hollingworth, L. S. (1940). Prairie Years. Nova Iorque: Columbia University Press.         [ Links ]

Miles, C. C. (1946). Gifted Children. Caixa M46, Miles Papers, Archives of the History of American Psychology, The Center for the History of Psychology, The University of Akron.         [ Links ]

Popplestone, J. A. & McPherson, M. W. (1971). The Archives of the History of American Psychology. The American Archivist, 34(1), 13-19.         [ Links ]

Terman, L. M.(1916). The Measurement of Intelligence. An explanation of and a complete guide for the use of the Stanford revision and extension of the Binet-Simon Intelligence Scale. Nova Iorque: The Riverside Press.         [ Links ]

Titchener, E. B. (1901). Experimental Psychology: A manual laboratory practice, vol. 1. Nova Iorque: Macmillan & Co., Ltd. Caixa M46, Cora Friedline Papers, Archives of the History of American Psychology, The Center for the History of Psychology, The University of Akron.         [ Links ]

 

 

Notas sobre os autores
Rodrigo Lopes Miranda

Pós-doutorando do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo, Campus Ribeirão Preto. Bolsista FAPESP (No. 2013/22946-3).
Contato: dingoh@gmail.com

Cecília Andrade Antipoff.
Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Contato: Cecília Andrade Antipoff.

Delba Teixeira Rodrigues Barros.
Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Contato: delbabarros@terra.com.br

 

Recebido em janeiro de 2014
Aceito em setembro de 2014

 

 

4 Os autores agradecem a toda a equipe do Center for the History of Psychology: David B. Baker; Cathy Faye;
5 No original: "The major strength of the Archives is the intellectual history of American psychology, but the holdings also reflect institutional policies and events, political and social action, and many other kinds of activities that psychologists have been involved in along with their disciplinary work "
6
Disponível em: http://centerhistorypsychology.wordpress.com/. Acesso: 10 Jul., 2014.
7
Os resultados dessa busca foram publicados no blog do Center: http://centerhistorypsychology.wordpress.com/2013/10/08/celebrating-latin-american-psychologist-day-sources-from-the-center-for-the-history-of-psychology/. Acesso: 11 Jul., 2014.
8
No original: "American’ was included in the title not on the basis of a nationalistic bias but out of respect for the need to impose practical limitations. It is interpreted to mean any psychologist who has functioned or does function in the United States, either personally or by virtue of his extensive influence in this country"
9
As duas frases são sempre ditas em inglês, respectivamente: "small is beautiful" e "it is all about people".
10
No original: "How did I come to be included in this album of women of achievement? I do not know. I was intellectually curious, I worked hard, was honest except for those minor benign chicaneries, which are occasionally necessary when authority is stupid, disliked waste, and was never afraid to undertake an experiment or to change my mind. My family motto, translated from the Latin, reads, - I love to test. Perhaps that is the explanation." Dorothy Gruich; Emily Gainer; Jody Kearns; Lizette Barton e Rhonda Rinehart.