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vol.5 número2Resenha do livro - O homem da morte impossível e outras histórias: psicopatologia fenomenológicaResenha da dissertação de Dorotéa de Cristo, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. Orientadora: Profª Drª Adelma Pimentel. Experiências de homens em busca de cuidado Na Unidade Básica de Saúde da Pedreira em Belém/Pará índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
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Revista do NUFEN

versión On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.5 no.2 São Paulo  2013

 

Resenha

 

 

Resenha da dissertação de Klézio Kleber Teixeira dos Reis do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. Uma hermenêutica da tentativa de suicídio praticada por homens

 

 

Daniel Társis

Universidade Federal do Pará

 

Nesta resenha se busca apresentar e explanar a dissertação de mestrado que tem como objetivo geral a análise da literatura médica/psiquiátrica e das ciências humanas para identificar as possíveis motivações para homens adultos que atentam contra a sua existência e, como objetivo específico, a reflexão sobre a experiência de tentar morrer. Composta por seis sessões e subdividida em outros tópicos da terceira até a quinta sessões, a dissertação contém na primeira parte a introdução, que explana sobre o homem e como este é subjetivado em meio à cultura machista hegemônica. A segunda sessão aborda acerca da metodologia utilizada. A terceira, quarta e quinta sessões discorrem sobre o suicídio, suas classificações e como o fenômeno se encontra conectado a questão de gênero e as possíveis condições motivadoras para que este tipo de violência auto-infligida ocorra. A última sessão corresponde às considerações finais sobre o estudo.

A temática da dissertação busca contribuir para a redução da invisibilidade do fenômeno, além de ter sido parte do universo existencial do autor, estando em proximidade com situações de tentativa de suicídio. Enquanto psicólogo, o autor pretende também, identificar futuramente, estratégias de prevenção de violência auto-infligida por homens inseridos em uma cultura patriarcal e oferecer informações que permitam a compreensão da motivação desses indivíduos na realização dessa violência para que outros profissionais psicólogos possam implementar ações na área da saúde mental.

O autor inicia abordando como os homens inseridos em um meio cultural no qual existe uma ideia predominante marcada por uma masculinidade idealizada – características como força, objetividade, virilidade e distanciamento emocional – é almejada como padrão para o gênero masculino ao mesmo tempo em que comportamentos considerados como pertencentes ao "mundo feminino" são vistos com inferioridade. Citando Paschoalick, Lacerda e Centa (2006), o autor rebate essa estrutura social hegemônica mostrando que o gênero é algo que se constrói e, por isso, é um produto histórico, o que permite modificar determinados comportamentos, assim como possibilitar a coexistência de múltiplos modelos de gênero, sobressaindo-se um ou outro de forma mais flexível. (Gomes, Rebello & Nascimento, 2010).

Com o aumento de pesquisas relacionando a masculinidade à violência imersa em uma cultura patriarcal, vê-se a importância do nexo entre esses dois pontos no sentido em que possibilita maior visibilidade ao processo de afirmação do "ser homem" e as motivações para o ato violento. Citando a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) criada pelo Ministério da Saúde e que tem como objetivo a promoção de ações de saúde do homem em seus diversos contextos socioculturais e político-econômicos, o autor aborda a importância da criação de meios tecnológicos que amenizem as manifestações de violência, inclusive a tentativa de suicídio e o suicídio. Colocando como critérios utilizados pela Organização Mundial da Saúde, o autor define o suicídio como "uma forma de violência contra si mesmo, de auto-agressão ou violência auto-infligida." Dentre alguns dados que o autor mostra na dissertação a respeito do suicídio com fontes da OMS e do painel de indicadores do Sistema Único de Saúde (SUS), é revelado um significativo aumento da dificuldade de obtenção de dados sobre as tentativas de suicídio do que em relação ao suicídio consumado. Mas, de forma geral, as possíveis razões levantadas para esse impedimento de dados mais verossímeis são: Fatores culturais ligados a uma base religiosa predominantemente judaico-cristã que interferem na subnotificação, evidenciando dificuldades para lidar com o acontecimento, e o tabu envolvido na temática, assim como a estigmatização pela família do sujeito que se suicidou.

Na sessão "Fenomenologia do Suicídio", o autor acrescenta à discussão da temática do suicídio a intencionalidade, a qual pode ser tomada como base de estudo da Fenomenologia por ser traço definidor da experiência. A intencionalidade suicida não possui uma definição final, pois há a coexistência ambígua do suicida em se auto-infligir e ao mesmo tempo ter a intenção de continuar vivo. É citado como a Fenomenologia é um instrumento importante para a apreensão das motivações dos indivíduos que praticam o suicídio, já que o isolamento e a análise do fenômeno inserido em seu contexto permitem um questionamento e debate sobre os pressupostos aparentemente naturais do evento. Segundo Cavalieri (2009), no fenômeno do suicídio sempre haverá dimensões a seu respeito que precisam ser explorados, o que leva o autor da dissertação a crer na suspensão de ideias e pensamentos a priori sobre o fenômeno. O suicídio e a tentativa de suicídio são acontecimentos nos quais há uma inter-relação de fatores biológicos, psicológicos, psiquiátricos e sociais, portanto deve ser observado pelo pesquisador a partir de um contexto cultural e no presente do fenômeno. Outro ponto interessante é a observação sobre como o suicídio foi significado ao longo dos séculos, sendo encarado de distintas formas dentre os diferentes tipos de sociedades.

Na quarta sessão, "Suicídio: Uma forma de violência", o suicídio é identificado como uma categoria ou subcategoria da violência. Em uma das categorizações, o suicídio e a tentativa de suicídio – violências auto-infligidas - seriam ações destrutivas diretas. O autor ainda cita Pimentel (2012), que afirma que a violência seria um contraponto do cuidado, o que consequentemente, sendo o suicídio uma modalidade de violência, o mesmo se caracterizaria como a prática do descuido de si mesmo. Em relação às violências auto-infligidas, um componente que necessita ser alvo de reflexões é o corpo, já que é por meio dele que uma observação da retrospectiva da relação entre o sujeito e o "mundo" poderia servir para a compreensão das motivações que levaram o indivíduo a tal ato extremo.

Citando Wang e Radamam (2004), o autor discute sobre a dificuldade da criação de uma teoria psicológica geral sobre o suicídio, pois o fenômeno, sendo íntimo e pessoal, caracteriza-se por ser muito complexo e, além disso, por se tratar de um acontecimento de morte voluntária, tornaria as conclusões desses estudos em teorias especulativas, com dificuldades em se fazer generalizações e aplicabilidades clínicas. Diante de vários comportamentos e sentimentos que caracterizariam uma pessoa que se encontra sob o risco de se suicidar – ambivalência de sentimentos, impulsividade e pensamentos rígidos e drásticos – o autor enumera algumas posturas que o psicólogo em um atendimento com um indivíduo que praticou alguma violência auto-infligida deveria ter: Mostrar acolhimento, transformando o ambiente em um espaço tranquilo; escutá-lo com empatia e possuir uma atitude de não-julgamento. Uma atitude de compreensão às descrições do sujeito em relação as suas experiências é fundamental para um melhor contato e criação de vínculo com esse indivíduo.

Quanto às tentativas de suicídio, comentadas no último subtópico da quarta sessão, o autor destaca que algumas pesquisas encontradas em Schnitman et al., (2010) e que focaram na história de vida de adolescentes e jovens, detectaram experiências adversas no desenvolvimento emocional deles, tais como: Negligência emocional durante a infância; rejeição no período da infância e adolescência; violência física, verbal e sexual intrafamiliar e embates relacionais graves e separações recentes.

Retomando a ideia iniciada na introdução da dissertação, o autor desenvolve a relação entre o ato suicida e o estudo de gênero como tentativa de ampliação da análise do fenômeno na quinta sessão. Citando Parente, Soares, Araújo, Cavalcante e Monteiro (2007), a ideia de que os homens desempenham comportamentos que predispõe ao suicídio ganha espaço quando se observa a forma como o homem está inserido em uma sociedade que visa uma masculinidade idealizada, esperando desse homem características fortes e viris, impedindo ou dificultando a vazão de sentimentos e pensamentos considerados mais sensíveis, o que poderiam potencializar em alguns homens a prática de comportamentos violentos, entre eles o autodestrutivo Ainda na sessão cinco, o autor aponta e enumera situações particulares que podem ser vistas como motivadoras para o ato suicida. Entre elas estão os homens usuários de álcool e drogas que possuem de forma atrelada outros fatores problemáticos como sintomas da tentativa de abstinência e a culpa da recaída; homens inseridos em um ambiente laboral pouco satisfatório, estando insatisfeitos em seu emprego e/ou estando desempregados por muito tempo; homens idosos que em sua velhice sofrem muitas perdas relacionadas a sua saúde e adquirem incapacidades funcionais e cognitivas; homens encarcerados, privados de sua liberdade e expostos a inúmeras vulnerabilidades; homens com problemas amorosos; etc.

Em suas considerações finais, o autor (1º) observa a necessidade de produção de mais pesquisas sobre o comportamento agressivo de homens contra si mesmo; (2º) sinaliza a negligência da PNAISH em tratar do debate sobre a saúde mental dos homens, priorizando a questão da saúde física; (3º) percebe a necessidade de mais estudos específicos voltados para homens em relação a subjetivação da cultura sobre eles e como isso os leva a comportamentos de risco; (4º) reflete sobre o ocultamento dos homens em assumir seu sofrimento psíquico; (5º) e sugere a criação de instrumentos e órgãos do governo que auxiliem no registro de indivíduos que cometeram suicídio e a capacitação permanente dos profissionais da saúde que convivem com essa realidade em seus ambientes de trabalho. O autor ainda conclui que a tentativa de suicídio pode ser compreendida como uma alienação existencial, que se faz fértil quando há a limitação da abertura de possibilidade.

 

Referências

Cavalieri, E. (2009). O suicídio na abordagem fenomenológica. Em I. Campos (org.). Vidas Interrompidas (pp. 178-185). Vitória, Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo.         [ Links ]

Gomes, R., Rebello, L. E. F. S. & Nascimento, E. F. (2010). Medos sexuais masculinos e política de saúde do homem: lacunas e desafios. Em B. Medrado, J. Lyra, M. Azevedo & J. Brasilino (Orgs.). Homens e masculinidades: práticas de intimidade e políticas públicas (pp. 95-108). Recife: Instituto PAPAI.         [ Links ]

Parente, A. C. M., Soares, R. B., Araújo, A. R. F., Cavalcante, I. S. & Monteiro, C. F. S. (2007) Caracterização dos casos de suicídio em uma capital do Nordeste Brasileiro. Rev. Bras. Enferm., Brasília jul-ago; 60(4): 377-81.         [ Links ]

Paschoalick, R. C., Lacerda M. R. & Centa, M. L. (2006). Gênero masculino e saúde. Cogitare Enferm. jan/abr; 11(1): 80-86.         [ Links ]

Pimentel, A. S. G. (2012). Psicoterapia e clínica ampliada. Em A. F. Holanda (Org.), O Campo das psicoterapias: reflexões atuais (pp.165-174). Curitiba, Juruá         [ Links ].

Schnitman, G., Kitaoka, E. G., Arouca, G. S.S., Lira, A. L. S., Nogueira, D. & Duarte, M. B. (2010). Taxa de mortalidade por suicídio e indicadores socioeconômicos nas capitais brasileiras. Revista Baiana de Saúde Pública v.34, n.1, p.44-59 jan./mar.         [ Links ]

Wang, Y. P. & Ramadam, Z. B. A. (2004) Aspectos Psicológicos do Suicídio. Em A. M. A. S. Meleiro, C. T. Teng & Y. P. Wang (Coord.), Suicídio: Estudos Fundamentais (pp. 79-96). São Paulo: Segmento Farma.         [ Links ]

 

Sobre o autor: Daniel Társis
Acadêmico de Psicologia na Universidade Federal do Pará;
Bolsista de Iniciação Científica – CNPq

 

Recebido em junho de 2014
Aceito em setembro de 2014