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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.6 no.1 Belém  2014

 

Artigo

 

Casa preta: uma etnografia de um espaço de sociabilidade da juventude grafiteira de Belém

 

House black: ethnography of a space of sociability youth graffitt of Belém

 

Casa negra: una etnografía de un espacio de sociabilidad de la juventud gratitera de Belén

 

 

Leila Cristina Leite Ferreira; Antonio Mauricio Dias da Costa; Denise Machado Cardoso

 

 


RESUMO

o objetivo desse artigo é apresentar o resultado de uma etnografia sobre a Casa Preta, um dos espaços de sociabilidade da juventude grafiteira de Belém. Essa pesquisa é fruto da dissertação de mestrado em antropologia. A Casa Preta é considerada um espaço cultural de produção do hip hop como de outros movimentos, por exemplo,o Movimento Negro. A metodologia aqui utilizada foram a etnografia, a história de vida e a antropologia visual com observação, entrevistas e depoimentos que possibilitaram conhecer o que levou a formação do Coletivo Casa Preta e a organização da casa enquanto um local de moradia e de arte. A Casa preta como um espaço de arte é um dos espaços onde a juventude grafiteira se reúne se mobiliza e realiza contatos com sua rede de sociabilidade

Palavras-chave: casa preta; hip hop; grafite; Belém.


ABSTRACT

the objective of this article is to present the results of ethnography in House Black during the master's degree in anthropology. The House Black is a of the existing cultural spaces in the city of Belém, where sociability between graffitt youth takes place. The same is also regarded as a cultural space by enabling the production of hip hop and aggregate subjects belonging to other social movements, such as the black movement. The methodological tools used were: the ethnographic record, life history, visual anthropology, interviews and testimonials. Knowing and understanding that enabled the formation of collective House and the organization as a place of residence and art. The House Black as an art space is where graffitt mobilizing youth meets and making contacts with its network of sociability.

Keywords: House Black; hip hop; graffitt; Belém.


RESUMEN

el objetivo de este trabajo es presentar los resultados de una etnografía sobre la Casa Negra, uno de los espacios de sociabilidad juvenil que hace grafiteira en Belén. Esta investigación es el resultado de una disertación de maestría en antropología. La Casa Negra es considerada un espacio cultural para la producción de hip hop así como de otros movimientos, por ejemplo, el Movimiento Negro. La metodología utilizada aquí fue la etnografía, la historia de la vida y la antropología visual con observación, entrevistas y testimonios que permitieron conocer lo que llevó a la formación del Colectivo Casa Negra y la organización de la casa como lugar de residencia y de arte. La Casa Negra como un espacio de arte es un espacio donde los jóvenes que hacen grafito se reúnen, se movilizan y realizan contactos con su red de sociabilidad.

Palabras-clave: casa negra; hip hop; grafito; Belén.


 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo desse artigo é fazer uma etnografia sobre à Casa Preta, um dos espaços de sociabilidade da juventude grafiteira de Belém. Essa pesquisa decorre da dissertação de mestrado concluída no ano de 2013 no PPGSA na UFPA. A metodologia é a etnografia e a história oral. Durante a pesquisa percebeu-se que a Casa Preta era um espaço, não só do hip hop como de outros movimentos sociais em que várias discussões eram levantadas, assim como vários projetos eram realizados envolvendo jovens.

A Casa Preta é localizada no bairro de Canudos, em Belém sendo organizada por um coletivo de mesmo nome. Suas atividades envolviam a organização de eventos e projetos, além da realização de oficinas como a de construção de tambor que era realizada dentro do projeto denominado Tambor Firme, em que crianças aprendiam a montar e tocar tambor. O projeto era financiado pelo Governo Federal. A Casa Preta organizou o Mutirão de Grafite junto com a Cosp Tinta Crew, visando levar o hip hop para as ruas da periferia de Belém. Os Mutirões envolviam um Dj, um Mc, um grafiteiro, um B'Boy, uma trançadeira, um poeta marginal e toda uma rede de sociabilidade comunitária conjugando ações com a música, a dança, a poesia além do grafite. O projeto ocorreu durante todo o ano de 2012 e inicio de 2013.

 

A Casa Preta

Espaço onde são desenvolvidos projetos envolvendo o uso da tecnologia do software livre. Simmel (2006) chama atenção para o fato de que quando algum grupo se reúne com seu grupo, clube, associação nem sempre o que vai ocorrer são apenas conversas sobre os assuntos relacionados as organizações que integram, mas situações em que as pessoas irão conversar unicamente pelo interesse na conversa. E é isso que também ocorre na Casa Preta, momentos de descontração, estão interligados com os momentos de prazer por usufruir da companhia uns dos outros. A "Casa Preta", á uma casa grande com um pátio onde estava uma bancada na qual se localizava um computador usado de modo coletivo. No pátio também se localizou alguns materiais usados nas oficinas.

A "Casa Preta" é uma casa cultural que está se tornando importante no meio artístico marginal que se localiza principalmente nas periferias da cidade e estavam ligados aos movimentos Hip Hop e negro dentro da cidade de Belém. Nesse espaço eram realizadas oficinas diversas nas áreas de tecnologia, dança afro, fabricação de tambor; palestras em parceria com o "Instituto de Artes do Pará" (IAP) através de projetos que são financiados pelo governo do estado.

O coordenador da casa faz a narrativa do histórico da "Casa Preta,

"Casa Preta", foi fundada para ser uma casa de cultura para participar da construçãoja coletiva pela ideologia pan africanista que pensa na questão do negro dentro do Pará, não só do Pará, mas dentro do Brasil, de você poder se enxergar como negro dentro do Brasil. O movimento "Casa Preta" começou acontecer através de ações: festas, eventos, debates, alguns processos sobre tecnologia, sobre educação, sobre africanidade. Então, hoje o "Casa Preta" ira transformar-se em associação, estamos no processo de conseguir o CNPJ, vai ser "Associação de Afro Desenvolvimento Casa Preta" um nome jurídico pra poder fazer correria de recurso pra poder manter os projetos.

O "Coletivo Casa Preta" tinha vários parceiros entre eles a Cosp Tinta Crew, a "Casa Tainã" e Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (CEDENPA). Assim ela estava ligada ao Movimento negro e de coletivos que organizavam ações em prol da população negradentro e fora do estado. Essa relação permite um amplo debate entre o coletivo e outras instituições que estavam se mobilizando dentro do Brasil.

A"Casa de Cultura Tainã" é um espaço cultural que funciona de maneira muito próxima a maneira como é organizada a "Casa Preta" e a aproximação entre eles, como é possível perceber na fala acima, é facilitada através de Don Perna que morou e militou na casa durante vários anos. A "Casa de Cultura Tainã" foi fundada em 1989 com o nome de "Associação de Moradores Vila Castelo Branco". O nome mudou a partir de um concurso entre os moradores. Ela fica localizada na Vila Padre Manoel da Nóbrega em Campinas, São Paulo.

Sua missão é possibilitar o acesso à informação, fortalecendo a prática da cidadania e a formação e a formação da identidade cultural, visando contribuir para a formação de indivíduos consciente e atuantes na comunidade. A casa de cultura Tainã apresenta-se, oje, como uma das poucas opções de ação comunitária efetiva, sendo reconhecida como a única referencia cultural numa região onde se registram todos os tipos de carências, resultantes da falta de políticas sociais que assegurem a sobrevivência e qualidade de vida de crianças e jovens. Ela atende hoje em média 450 crianças e adolescentes/mês e 1.350 pessoas indiretamente através de atividades, oficinas e shows realizados fora da entidade. (Casa de cultura Tainã. Caminho das Estrelas. Disponível em: http://www.taina.org.br/casa.php. Acessado em: 29-03-2013)

Os projetos desenvolvidos pela "Casa Tainã" são: Nação Tainã, Fábrica de Música, Lidas e Letras, Projeto Tambor Menino, Projeto Orquestra e Tambores de Aço.

O projeto Lidas e Letras, é

Parte da Casa de Cultura Tainã, o Projeto organiza e administra uma biblioteca comunitária, que conta com um acervo de 3.000 títulos, além de uma discoteca de mais de 300 títulos e documentos da história da comunidade. Um dos principais objetivos da biblioteca é realizar atividades na comunidade que possibilitem a integração e o desenvolvimento de projetos estimulando a cultura e a capacitação para trabalho em comunidade, além de estreitar vínculos com outras bibliotecas da região via rede e através da automação do atendimento e digitalização dos acervos. (Casa de Cultura Tainã. Caminho das Estrelas. Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-2013)

O projeto "Nação Tainã" objetiva,

Desenvolver um estudo direcionado aos ritmos de percussão e as danças brasileiras na Casa de Cultura Tainã, nasce o projeto "Nação Tainã", que reúne pessoas de diversos pontos da cidade e entidades, afins de buscarem no passado e trazer para os dias de hoje os ritmos existentes no nosso país e que foram se apagando com o passar dos tempos. Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-2013)

O projeto "Tambor Menino",

Tem como ferramenta à arte e busca-se dentro dele a afirmação da identidade das crianças e adolescentes, algumas vezes "perdida", outras "esquecida", caminhando para a construção da cidadania e da cultura dos mesmos. Neste viés almeja-se resgatar e valorizar traços de manifestações que ainda resistem, como os ritos afro-brasileiros, o rap, a capoeira, o maracatu, o jongo, ou seja, as tradições do povo. (Casa de cultura Tainã. Caminho das estrelas. Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-2013)

O projeto "Tambores de Aço",

[...] tem por objetivo oferecer para crianças e jovens a possibilidade de identificar por legitima vivência a arte através de suas manifestações expressivas e criativas que deverão ocorrer num ambiente favorável para que os mesmos possam utilizar de forma potencial e construtivo seu tempo livre. O trabalho artístico de caráter formativo propõe o fortalecimento do jovem como fonte de determinação de sua trajetória facilitando seu reconhecimento e posicionamento diante de si mesmo e do mundo. (Casa de Cultura Tainã. Caminho das Estrelas. Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-2013)

A "Casa de Cultura Tainã" oferecia aos jovens e crianças da comunidade onde fica, oficinas em seus projetos com arte para que assim introduzisse em um conhecimento a respeito de questões raciais e artísticas que podem levar a um conhecimento que de alguma forma ficou perdido na concepção deles. E todas essas características são encontradas dentro da "Casa Preta" e em seu projeto "Tambor Firme". Na página da "Casa Preta" disponível na internet se encontrava o seguinte texto,

Noiz A Casa Preta é uma associação de afro desenvolvimento que reúne articuladores do Movimento Negro e da Cultura Hip-Hop, produtores culturais e educadores. Sua sede está localizada no bairro de Canudos, na fronteira com o bairro Terra Firme em Belém do Pará. Os participantes da Casa discutem e atuam em diversas áreas que abordam a tecnologia e a ancestralidade, identidade e auto-estima da população pobre e negra no intuito de aprofundar o desenvolvimentos de uma metodologia própria sobretudo afro-brasileira. Integrante da Rede Mocambos, como Núcleo de Formação Continuada, a atuação desse coletivo promove no Estado do Pará, Maranhão, Manaus, Amapá e Porto Velho uma rede que vem conectando através das tecnologias da informação e comunicação comunidades quilombolas rurais e urbanas. Aliada a essa apropriação tecnológica, há uma articulação permanente na construção de ações afirmativas. (Noiz. Coletivo Casa Preta. Disponível em: http://www.coletivocasapreta.com.br/ pagina-exemplo. Acessado em: 01-03-2013)

A narrativa demonstra a ligação da casa Preta com a "Casa Tainã" através de seu contato com a "Rede Mocambos", que é mais um dos projetos dessa casa e talvez seja o seu maior espalhado por várias partes do Brasil.

É uma rede de negras e negros de âmbito nacional. Conectando através das tecnologias da informação e comunicação comunidades quilombolas rurais e urbanas. Para isso buscamos parcerias de diversos segmentos para que de forma colaborativa e coletiva possamos reunir diferentes programas, projetos e ações voltados para o desenvolvimento humano, social, econômico, cultural, ambiental e preservação do patrimônio histórico-memória dessas comunidades.É uma rede solidária de comunidades, no qual o objetivo principal é compartilhar ideias e oferecer apoio recíproco. Os eixos principais que a Rede enxerga são a identidade cultural, o desenvolvimento local, apropriação tecnológica e a inclusão social. A ideia da Rede nasceu em quilombos, em particular em um quilombo urbano19, a Casa de Cultura Tainã. (Rede Mocambos. http://www.mocambos.org/sobre, acesso em: 25-03-2013)

Como diz o texto a "Rede Mocambos" desenvolve trabalhos que estão preocupados com questões mais voltadas para o meio digital, a inclusão digital, o desenvolvimento de software livre, sem perder de vista as questões sociais que envolvem os coletivos que fazem parte da rede em todo o país. A rede também busca um envolvimento com o governo visando e outros parceiros. Na articulação de projetos, o "Coletivo Casa Preta" dialoga com o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)

O Cedenpa é uma Entidade sem fins lucrativos, sem vínculos políticos-partidários, fundada em 10 de agosto de 1980 e legalizado em 27 de abril de 1982, que, a partir do Estado do Pará, vem contribuindo no processo de superação do racismo, preconceito e discriminação, que produzem a desigualdades sócio-raciais, de gênero e outras, prejudicando, sobretudo, a população negra e indígena, em todos os aspectos da sociedade brasileira. Trata-se de uma associação composta por um bocado de negras e negros, de diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade, níveis de informação, profissões/ ocupações, orientações sexuais, níveis de renda, religiões, estaturas, volume corporal, vícios, e outros aspectos da individualidade (Quem somos. CDENPA. Disponível em: http://www.cedenpa.org.br/Quem-somos. Acessado em: 29-03-2013)

O CEDENPA fica em Belém no bairro da cremação e tem as questões raciais como preocupação principal. Os projetos e eventos dos quais participam são:

Construção da Sede do Cedenpa, Educação Interracial, Escola Sem Racismo, Bigus e Erês, Zumbi 300 Anos, Projetos de Articulação /Projetos de Leis, Encontro de Comunidades Negras Rurais, Encontro de Mulheres Quilombolas (seis versões), Fórum Social Mundial, Conferência Mundial contra o Racismo , Xenofobia e outras formas de Discriminação, Projeto Escola Ori de Erê-ECOE, Amazônia Canta Zumbi (duas versões), Ações afro-culturais : Banda Afro Axé Dùdù, Grupo de Capoeira, de Rap, de Dança afro, de Brega, de Teatro, de Afro-estética/Grife, etc. ( Principais projetos. Disponível em: http://www.cedenpa.org.br/Principais -Projetos#. Acessado em: 29-03-2013)

Seus projetos todos visam às questões sociais e raciais mesmo os que estão voltados para o trabalho com a arte. E sua ligação com o "Coletivo Casa Preta" é na discussão de todas essas questões. No site também estão uma biblioteca digital, livretos e livros à venda e vários artigos publicados no próprio site. Essa página está atualizada. O trabalho dessa instituição é importante para o movimento negro dentro do estado enquanto esclarecedor dessas questões e realizador de atividades que denunciam o preconceito e buscam a luta pela igualdade racial e social. A "Casa Preta" desenvolve um trabalho parecido dentro do que diz respeito à questão racial. Além disso dentro do CEDENPA tem um infocentro que onde estão envolvidos os membros da "Casa Preta". Perna explica da seguinte maneira essa elação entre CEDENPA e "Casa Preta":

A gente tem parcerias com o CEDENPA e parcerias com a MALUNGU. Então a gente acaba se envolvendo em alguns processos ligados a tecnologia, por exemplo, a gente tem um infocentro no CEDENPA. A gente procura dá manutenção e correr atrás de recursos pra poder o CEDENPA ser um núcleo de formação continuada da "Rede Mocambos". Então, aqui o "Casa Preta" acaba se tornando uma perna da "Rede Mocambos", formando uma perna física vamos dizer assim, porque dai eu to aqui, o Guine tá aqui, Lamartine tá sempre aqui e a gente acabou dando oficinas ligado a área de tecnologia ou ligada a essas construções com quilombolas tanto urbano quanto rural. (Don Perna, 33 anos, Dj, conversa em: 21-01-2012)

MALUNGU, é uma palavra de origem africana que significa companheiro. Esta palavra foi escolhida para nomear a coordenação das "Associações das comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará". A representação estadual foi criada em Santarém em novembro de 1999 em caráter ainda provisório. Em 2002, a Coordenação Estadual realizou a sua primeira assembleia geral no Município de Baião. Em março de 2004, a MALUNGU foi oficialmente criada com a aprovação de seu estatuto, a eleição do Conselho Diretor e da Coordenação Executiva e a definição das prioridades de trabalho da organização. (Comunidades Quilombolas. Disponível em: http://www.cpsisp.org.br/comunidades. Acessado em: 01/03/2013)

Assim, é possível visualizar melhor a rede que existe entre todas essas instituições e que a "Casa Preta" representa um importante membro de toda essa movimentação entre os que estão pensando novas alternativas pelo país. E tudo sem que esqueçam seus interesses locais que fazem com que cada coletivo consiga desenvolver seus trabalhos separadamente e em conjunto. Segundo Don Perna a relação com da "Casa Preta" com o CEDENPA se dá,

A relação com o CEDENPA é tranquila e funciona de forma ancestral. Elas são nossas mestras. O CEDENPA é dirigido por mulheres e temos o respeito que elas buscam e nós também realizamos algumas ações e apoios no sentido de fortalecer a luta de combate ao racismo. (Don Perna, 33 anos, Dj, articulador cultural e fabricante de tambor, conversa em: 28-04-2013)

E em conversa com Dona Eliana, que estava cuidando do quiosque "Ingá. Quilombo da República" do CEDENPA que fica localizado na Praça da República ela me falou também dessa relação da "Casa Preta" com o CEDENPA e ela apenas me confirmou as informações de Don Perna, uma relação com as mulheres do espaço que se concretiza na realização dos eventos realizados ou pelo coletivo ou pela instituição em apoio mutuo. No quiosque são vendidos alguns produtos como roupas, revistas, livros relacionados a questão negra.

A minha visita foi ao quiosque e não a sede do CEDENPA porque ela estava fechada para manutenção. Então fui até a Praça da República onde fica localizado o quiosque que abre todo final de semana e conversei com Dona Eliana que estava ali para vender os produtos e que se disponibilizou a me passar as informações que eu estava precisando, segundo ela essa relação entre "Casa Preta" e CEDENPA é boa e sempre que necessário um colabora com o outro. Mas, no que diz respeito aos grafiteiros ela afirmou que não trabalham juntos a não ser que queiram ter algum espaço grafitado então entram em contato com eles e o grafite é feito.

Don Perna tem nessa relação um processo de aprendizado e respeito pela experiência que essas mulheres tem como Movimento Negro dentro do Pará, um conhecimento que ele diz ser de ancestralidade e que o ajuda a entender e se posicionar nessas questões. Don Perna me contou que a oficina que está ocorrendo agora com o apoio do Governo Federal, que é o "Bloco Firme" e está sendo realizado no "Polo São Pedro", um espaço voltado para oficinas artísticas localizado no bairro da Terra Firme. Esse projeto está levando a oficina de construção de tambores para jovens do bairro da Terra Firme durante algumas tardes por semana, oficialmente como disse Don Perna, a faixa etária vai dos quinze aos vinte e nove anos, no entanto, não tem uma idade definida e abrange da criança ao adulto. Nessa oficina estão envolvidos Rui e Perna.

Dentro da casa também está ocorrendo esta oficina, no entanto isso não é comum e elas ocorrem geralmente fora de lá e a casa fica sendo o ponto de apoio dos oficineiros. A intenção dos integrantes do coletivo é de fazer com que esse coletivo consiga se tornar uma associação, "Associação de Afro Desenvolvimento Casa Preta" e Don Perna acentua que isso é necessário para que seja possível fazer o que eles chamam de "corre", ou seja, sair atrás de patrocínio para os projetos.

Mas, por enquanto o "Coletivo Casa Preta", ou simplesmente "Casa Preta", é composta por grafiteiros da crew "Cosp Tinta", por Guiné, que é professor de dança afro; Cristina, que é antropóloga; Rui, que é artesão e construtor de tambor, Don Perna, que é dj, articulador político e fabricante de tambor. E conta com uma vasta rede de relacionamentos a qual começarei a falar mais um pouco nas próximas linhas

Os grafiteiros estão ali também a partir da participação do Ed, do Graf e do Rogério, que são grafiteiros da "Cosp Tinta" e que trabalham juntos com a "Casa Preta" participando de suas reuniões diversas e discutindo as suas ações em conjunto buscando uma colaboração no envolvimento com essas pessoas para que também seja possível como enfatizou o grafiteiro Ed, fortalecer a organização das atividades e os meios de sobreviver cada um daquilo que realmente sabem fazer. Os grafiteiros e o "Coletivo Casa Preta" se conheceram a partir de pessoas e atividades das quais participavam juntos e com esse contato começaram a realizar projetos, festas, reuniões e organizações de eventos.

E nesse processo se dá a relação da "Casa Preta" com o Movimento Hip Hop, ou seja, com a participação de pessoas ligadas aos elementos do movimento dentro da casa fazendo parte do coletivo ou mesmo como amigos dentro de uma relação de organizar os eventos, os projetos e tornar o hip hop constantemente sendo pensado dentro de Belém. É importante perceber que a "Casa Preta" é um espaço onde a grande preocupação é com a arte. Então é nessa direção que o grafite, o Mc, o B'boy, o Dj, a poesia marginal e os tambores estão presentes como elementos da cultura negra e que estão pensando e produzindo a arte marginal e de rua dentro da cidade.

Espaços como esse são importantes para que a juventude grafiteira, assim como a juventude que faz parte de sua rede de sociabilidade possa se reunir para suas decisões coletivas, projetos conjuntos e principalmente para o repensar os seus respectivos movimentos.

 

Referências

BOSI, Ecléa (1994). Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

DAMATTA, Roberto (1997). A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

SIMMEL, Georg (2006). Questões fundamentais da sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

 

Nota sobre os autores
Leila Cristina Leite Ferreira:

Mestre em Antropologia e Doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA),
pesquisadora do Visagem- Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem, e pesquisadora do Juerê-Grupo de
Estudos e Pesquisas em Antropologia das Crianças, Infâncias e Juventudes

 

 

19 , a Casa de Cultura Tainã. (Rede Mocambos. http://www.mocambos.org/sobre, acesso em: 25-03-2013) Como diz o texto a "Rede Mocambos" desenvolve trabalhos que estão preocupados com questões mais voltadas para o meio "Quilombo urbano é um aglomerado de pessoas na sua maioria negros e negras. E logicamente como você tá no Brasil, você vai ter outras etnias que também compõem esse cenário, esse local, essa comunidade e são valores que certamente a sociedade negra em geral nega esses valores, não trabalha no protagonismo e nem trabalha na emancipação de uma ideologia, de um pensamento, de uma cosmologia africana. A África não tá presente no nosso cotidiano brasileiro. E isso é uma manobra utilizada pelo eurocentrismo, é uma manobra utilizada pelo sistema que realmente quer nos distanciar da nossa origem, enfim do que realmente é importante, do nosso berço, da nossa mãe África". (Don Perna, 33 anos, Dj, conversa em: 20-10-2012)