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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.6 no.1 Belém  2014

 

Relato de Experiência

 

 

De Fritz Perls ao VI Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-Terapia em Belém do Pará

 

 

Sandra Maria Moreira de Menezes

Secretaria de Justiça e Direitos Humanos

 

"... 'Assim como não se pode falar de eventos no universo, sem as noções de espaço e tempo, também, na relatividade geral, torna-se sem sentido falar de espaço e tempo fora dos limites do universo’. O que quer dizer que evento / espaço / tempo / são correlativos, de modo que espaço/tempo não apenas afetam os acontecimentos, mas também são afetados por qualquer coisa que aconteça no universo". (Hawking, s/d como citado em Domingues, 1996, p.121).

 

1. Introdução

Em seus estudos com Kurt Goldstein em 1926, o então psicanalista Frederick Salomon Perls (1893-1970) não imaginara que os desdobramentos de sua releitura da psicanálise influenciariam, 46 anos depois, psicólogos como Thèrése Tellegen e Jean Clark Juliano na região centro-oeste do Brasil e alcançaria João Maria do Amaral Torres, um paraense, que em 1972 graduou-se no curso de Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e traria para Belém do Pará, 24 anos depois do marco teórico que lança a Gestalt-terapia no cenário das abordagens psicológicas humanistas (livro de Perls, Hefferlline e Goodman, 1951), a possibilidade dos psicólogos paraenses conhecerem, viverem e praticarem a abordagem gestáltica. (Kiyan, 2006; Ferreira, 2002; Pimentel, 2003; Juliano, 1992).

O retorno de João Maria do Amaral Torres para Belém desdobrou-se em muitos movimentos de estudo e fortalecimento da abordagem através de profissionais em espaços diversificados, como na academia, inicialmente na Universidade Federal do Pará (UFPA) e nas Faculdades Integradas do Colégio Moderno (FICOM), posteriormente na Universidade da Amazônia (UNAMA), mais recentemente na Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ);

Através da formação de grupos e institutos como o Grupo Açaí (1987-1990), Grupo de Estudos em Gestalt-terapia (1994), Instituto Amazônico da Abordagem Gestáltica (IAAG), fundado por um grupo de gestaltistas como João Maria do Amaral Torres, Edilza Lobato, Marta Santos, Elizabeth Carvalho e Wanderléa Ferreira (1999-2002) (Ferreira, 2002); Centro de Capacitação em Gestalt-terapia (CCGT), fundado por Cíntia Mara Lavratti (desde 2004), Núcleo de Estudos Fenomenológicos da UFPA (NUFEN), coordenado por Adelma Pimentel (desde 2005).

A partir de Cursos de Especialização e Formação em Gestalt-terapia, como I Curso de Especialização em GT, ministrado pelo Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro em parceria com o Instituto de Gestalt de Brasília (IGT – 1996-1999), Curso de Formação de Orientadores em Corpo e Criatividade na perspectiva Gestáltica, ministrado por Maura Maria Alves do (IGT – 2000) (Ferreira, 2002); Aprimoramento em Gestalt-terapia e Curso "Conhecendo a Gestalt-terapia, ministrado por Wanderléa Ferreira e Kamilly Vale (desde 2012) . Por meio de publicações de livros, artigos em revistas científicas, tais como: Livros: Psicodiagnóstico em Gestalt-terapia, Cuidado Paterno: Enfrentamento da violência e Violência Psicológica nas Relações Conjugais - Pesquisa e Intervenção Clínica, escritos por Adelma Pimentel em 2003, 2008 e 2011, respectivamente; Artigos: Quando o contato não leva a awareness: Uma análise do processo saúde-doença segundo a Gestalt-Terapia, escrito por Edilza Lobato em 2006; Contribuições da abordagem gestáltica para atendimentos de urgência subjetiva em um hospital de pronto-socorro, escrito por mim em 2009; Psicoterapia Gestáltica: uma intervenção clínica à mulher em situação de violência psicológica com autoria de Kamilly Vale e Wanderléa Ferreira, e o artigo Proteção de jovens em território vulnerável: Uma leitura gestáltica, escrito por Lia C. da Silva em 2012. Sem contar os inúmeros trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais sobre a abordagem, além da produção de várias dissertações de mestrado.

Mediante encontros locais sobre a abordagem, como o I Encontro de Gestalt-terapia, ocorrido em 2002 na UFPA, II Encontro Nortista da Abordagem Gestáltica: Ensino, Pesquisas e Intervenções na Amazônia, ocorrido em 2012 na UFPA e a terceira edição desse evento com o tema: Configurações humanas na contemporaneidade, ocorrido nessa mesma universidade no ano de 2013.

Esses eventos ocorridos aqui em Belém são efeitos, não causais, mas correlatos dos eventos ocorridos em outros espaços e regiões do Brasil, como os Encontros Regionais que, desde o início da década de 1990 promovem crescimento, desenvolvimento e consolidação científica dessa abordagem psicológica, em uma periodicidade bienal.

De acordo com Ferreira (2014), o I Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia, aconteceu em Recife (PB) em dezembro de 1990; o II Encontro em Maceió (AL) em 1992; Fortaleza (CE) sediou o III Encontro em 1994; Em Camaragibe (PB) ocorreu o IV Encontro, no ano de 1996. A pesar dessa sequência, observa-se na história da abordagem um período de "estiagem" que durou cerca de 16 anos, nos quais os encontros permaneceram suspensos por razões até o momento desconhecidas. Contudo, houve a retomada desses encontros em Fortaleza (CE) com o V Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia, com o tema Por uma Gestalt do Encontro, em outubro de 2012.

 

3. Belém: A experiência como sede do VI Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia

Em consonância com os movimentos nacionais e regionais relacionados ao desenvolvimento da Gestalt-terapia, Belém do Pará teve a honra de sediar o VI Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia com o tema Ampliando Fronteiras (VIENNEGT), que ocorreu nos dia 02, 03 e 04 de Setembro de 2014, no Hangar – Centro de Convenções da Amazônia.

Este encontro foi concebido no momento em que o V Encontro estava finalizando, quando Belém foi escolhida, em assembleia, para sediar o próximo encontro de Gestalt-terapia. O VIENNEGT começou a ser gestado em Janeiro de 2013, em uma primeira reunião de gestalt-terapeutas e estudantes de psicologia engajados com a prática gestáltica em diversos campos de atuação, como a clínica, o hospital, a docência, a comunidade e a área de justiça.

Formou-se um grupo constituído por cerca de vinte pessoas que se reuniam mensalmente, frequência esta que foi aumentando conforme os grandes dias (02, 03 e 04 de setembro) se aproximavam, chegando a duas reuniões semanais. Ao longo desses encontros houve dedicação, renúncias, dificuldades, concordâncias e divergências, desistências de pessoas em continuar a integrar a comissão, mas que mui amorosamente continuaram torcendo e apoiando, de longe, o projeto de construção deste evento. O inverso também ocorreu, isto é, a aproximação de gestalt-terapeutas parceiros oriundos de outros Estados brasileiros, como Lika Queiroz (BA), Silvério Karkoswki (CE), Luiz Lilienthal (SP) e Jorge Ponciano Ribeiro (DF).

Assim, foram constituídas as seguintes comissões: Coordenação Geral: Kamilly Vale, Lia Botega e Wanderléa Ferreira; Comissão Financeira: Kamilly Vale, Julia Barbalho e Elizabeth Carvalho; Comissão Logística: Elyene Souza, Loanda Medeiros e Mylena Nahum; Comissão Científica: Adelma Pimentel, Ana Paula Monteiro, João Maria Torres, Sandra Menezes, Silvério Karkoswki e Wanderlea Ferreira; Comissão de Marketing: Kamilly Vale, Marcia Pimenta e Mylena Nahum.

A Comissão Científica do Encontro propôs eixos temáticos como pontos de partida para a submissão de trabalhos e para a composição da programação do evento, configurada da seguinte forma: 02 Conferências, 05 Minicursos, 03 Mesas redondas, 05 Workshops, 01 Roda de conversa, 08 Comunicações orais e 05 Painéis.

Os eixos norteadores, a partir dos quais "ampliamos fronteiras", foram: O Gestalt-terapeuta no contexto da clínica ampliada, Violência, Direitos Humanos e Políticas públicas, Gestalt-Terapia e espiritualidade e Práticas emergentes na abordagem gestáltica.

As experiências foram tecidas mediante o contato com representantes de Institutos de Gestalt e Professores de Universidades Federais do Brasil, tais como:

Jorge Ponciano Ribeiro, professor titular emérito da Universidade de Brasília (UnB), fundador e presidente do Instituto de Gestalt-terapia de Brasília (IGTB), que ministrou o Minicurso Espiritualidade e Gestalt-terapia e a Conferência Gestalt-terapia: uma configuração criativa que nasce, no caos, da Pós-modernidade;

Maria Alice Queiroz de Brito (Lika Queiroz), professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Instituto de Gestalt Terapia da Bahia (IGTBA), ministrante o Minicurso Reconfigurando o campo familiar: um enfoque transgeracional;

Mônica Botelho Alvim, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), ministrante da Conferência A poética da experiência: Gestalt terapia, fenomenologia e arte e fez lançamento de seu que tem o mesmo título da conferência;

Silvério Karwowski e Ednalva Karwowski, membros do corpo docente do Instituto de Gestalt do Ceará (IGC), compuseram a Mesa Redonda O silêncio do paciente no consultório;

Marcus Cézar de Borba Belmino, fundador do Instituto Diálogos (CE), que propôs o Minicurso Os desdobramentos políticos e educacionais do trabalho de Paul Goodman e lançou seu livro Fritz Perls e Paul Goodman: Duas Faces da Gestalt-terapia;

Cintia Lavratti, professora da Universidade da Amazônia (UNAMA-PA) e fundadora do Centro de Capacitação em Gestalt-terapia (CCGT/PA) e Lia Silva, sócia e professora do (CCGT/PA), proponentes da Mesa Redonda A legitimidade social e a cidadania dos ajustamentos psicóticos;

Luciane Patricia Yano, professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e co-autores Djeane Santana e João Auricélio Sousa Da Silva, proponentes do Painel História da gestalt-terapia no Acre;

Ana Paula Monteiro, mestranda da Universidade Federal do Pará (UFPA), Luciana do Nascimento Castello – mestranda da UFPA e psicóloga do Hospital João de Barros Barreto (HUJBB-PA) e Jaisa Alline Ferreira Araújo, psicóloga do Hospital Ophyr Loyola (HFOL-PA), componentes da Mesa Redonda Possibilidade e desafios da atuação na área da saúde.

Dentre as proponentes de Workshop, destacam-se Teresinha Mello (RJ), com Oficina do prazer: um pouco além da fronteira;

Rosana Zanella, membro do corpo docente do - Instituto Sedes Sapientiae (SP), com Recursos lúdicos e expressivos na clínica gestáltica com crianças e adolescentes e Larissa de Lucena, membro da comissão científica do CCGT-PA com Redescobrindo a si mesmo - método Feldenkrais como possibilidade de awareness.

O VIENNEGT reuniu cerca de 320 pessoas, sendo 14 convidados (autores de renomada literatura da abordagem), 274 psicólogos gestaltistas de todas as regiões brasileiras e estudantes do curso de Psicologia, além de 13 integrantes da comissão organizadora do evento e 13 monitores.

O Encontro foi uma parceria centros de formação em Gestalt-terapia localizados no norte e nordeste do País e com os indispensáveis apoio e colaboração de empresas privadas. O evento possibilitou a discussão de temas de grande interesse acadêmico e profissional, tanto para a ciência psicológica quanto para a abordagem gestáltica.

 

4. Fechamento e abertura de gestalten, simultaneamente.

Retomo o sentido de interconexão expresso na epígrafe deste artigo para dar um fechamento a este artigo. Assim, como todo "(...) evento/espaço/tempo/ são correlativos (...)" (Hawking, s/d como citado em Domingues, 1996, p.121), à época de Perls e suas revisões da teoria freudiana, nos idos de 1940, um evento como o VIENNEGT no Brasil, no Estado do Pará, na cidade de Belém não existia, obviamente, como concretude para ele.

Assim como nem era cogitado quando Thèrése Tellegen viajou para Londres, sedenta por conhecimento e trouxe para Jean Clark Juliano, Walter Ferreira da Rosa Ribeiro e Lílian Frazão o aprendizado vivido em workshops realizados em território inglês.

Semelhantemente, este Encontro não existia para João Maria do Amaral Torres quando da sua graduação na década de 1970 na UFMG. No entanto, o VIENNEGT, como um importante acontecimento na história da Gestalt-terapia no Pará, existia como potencial em todos os eventos/espaços/tempos desde os questionamentos teórico-metodológicos de Perls, atravessando continentes, épocas, culturas e espaços acadêmicos e, sobretudo, pessoas, até chegar em 02, 03 e 04 de setembro de 2014, dias em que a abordagem gestáltica encontrou congraçamento entre os gestalt-terapeutas paraenses e estes com gestaltistas vindos de todos os Estados brasileiros, para compartilhar saberes-fazeres e ampliar as fronteiras.

Ao mesmo tempo em que uma gestalt se fecha imediatamente outra se faz a partir da emersão de uma essência para a atualidade, um horizonte de futuro se abre. Assim o fluxo de contatos. Assim foi o VIENNEGT em Belém, experienciando intensamente pela comissão organizadora, pelos convidados e pelos participantes... E findou. No seu fim, teve outro início: A escolha do Estado do Acre para sediar o VII Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia em 2017.

 

Referências

Domingues, I. (1996). A ordenação dos acontecimentos históricos na sucessão temporal: Necessidade, Contingência e Liberdade. In: I. Domingues. O fio e a trama: Reflexões sobre o tempo e a história. (pp. 95-168). São Paulo: Iluminuras: Belo Horizonte: Editora UFMG.

Ferreira, W.N.B. (2014). Carta-convite do VI Encontro Norte-Nordeste de Gestalt-terapia, Belém do Pará. Recuperado em 25 de Setembro, 2014, de http://www.viencontronortenordeste gt.com.br/p/apresentacao.html

Ferreira, W.N.B. (2002). Nas linhas e entrelinhas da história da Gestalt-terapia em Belém do Pará. Manuscrito não publicado.

Juliano, J. C. (1992). Gestalt-Terapia: revisitando as nossas estórias. Revista de Gestalt. 2, 7-21.

Kiyan, A. M. M. (2006). E a gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls (2a ed). São Paulo: Editora Altana.

Pimentel, A. S. G. (2003). A história da Gestalt-terapia no município de Belém. Revista do NUFEN – Série Diálogo e Diversidade, 01, 07-19 2003.

 

 

Sobre o autor:
Sandra Maria Moreira de Menezes
,
Psicoterapeuta, Psicóloga na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
Atua no Centro de Capacitação em Gestalt-terapia (CCGT/PA)
E-mail: sandradmenezes@ig.com.br