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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.6 no.2 Belém  2014

 

Artigo

 

As interfaces entre relações de gênero, relações raciais, saúde sexual e reprodutiva: um debate a partir das ciências sociais

 

The interface between gender relations, race relations, sexual and reproductive health: a debate from the social sciences

 

 

Denise Machado Cardoso

Grupo de Estudos em Antropologia Visual e da Imagem – VISAGEM

Grupo de Estudos sobre Mulher e Gênero – GEPEM

Grupo de Estudos sobre Populações Indígenas – GEPI.

 

 


RESUMO

Os estudos sobre saúde sexual e reprodutiva inspiram análises interdisciplinares devido à interface que o tema suscita. Nesse texto, procuro analisar as políticas públicas relacionadas ao tema a partir das perspectivas das Ciências Sociais, buscando identificar as ações governamentais no âmbito do estado do Pará. As limitações impostas por tabus e regras sociais, além de outras variáveis presentes nessas políticas públicas, mesmo estando num Estado laico, são indicadas nas discussões que ora desenvolvo. Observa-se que apesar de avanços em termos de acordos internacionais e legislação relativa aos direitos sexuais e reprodutivos, há no Brasil uma série de impedimentos ao exercício pleno desses direitos. Aspectos simbólicos relacionados ao corpo são evidentes no que se refere às práticas de contracepção e higiene. Do mesmo modo, questões relativas à masculinidade, identidade étnico-racial e orientação sexual, dentre outras, estão aquém das possibilidades de atendimento de demandas sociais. Assim, evidencia-se que as questões relacionadas à diversidade e suas interseccionalidades necessitam ser acrescentadas às agendas governamentais referentes à saúde sexual e reprodutiva.

Palavras-chave: Gênero, Reprodução sexual, Política de sáude


ABSTRACT

In this text, analyze public policies related to the topic from the perspectives of the social sciences, seeking to identify the government actions in the state of Pará. The limitations imposed by taboos and social rules, and other variables present in these policies, even being a secular state, are indicated in the discussions that sometimes develop. It is observed that despite advances in international agreements and legislation on sexual and reproductive rights, in Brazil there are a number of impediments to the full exercise of those rights. Symbolic aspects related to the body are evident with regard to hygiene practices and contraception. Similarly, questions relating to masculinity, ethnic-racial identity and sexual orientation, among others, fall short of meeting social demands possibilities. Thus, it is clear that the questions related to diversity and its intersectionalities need to be added to government agendas related to sexual and reproductive health.

Keywords: Gender, Sexual reproduction, Health care policy


RESUMEN

Este ensayo se centra en la noción de la infancia desde la fenomenología de Merleau-Ponty, centrándose en la cuestión de la imitación, incluyendo las posibles repercusiones para las discusiones en la psicología y la educación. A pesar de la escasez de la literatura contemporánea en la psicología fenomenológica, el tema de la niñez ha sido abordado clásicamente por Husserl y Merleau-Ponty. En este último caso, se observa que el fenómeno de los niños se caracterizará ligado a cuestiones de la cultura y de la libertad del niño, entendido como alguien que se asocia com el mundo, como posible para el. La adquisición del lenguaje en la infancia instan a ser considerado como una actitud de posicionamiento infantil en el mundo, y no una mera asimilación. Se concluye con la necesidad de que tanto en la psicología como en la educación, el niño sea considerado como alguien que está en el mundo y es capaz de aprender a asumir las consecuencias de esto.

Palabras-clave: Geneéro, Reproducción sexual, Política de salud.


 

 

A proposta de desenvolver uma reflexão sobre temas complexos, como o são as questões de gênero, saúde sexual e reprodutiva, raça/etnia e masculinidade, exige um aporte teórico e metodológico interdisciplinar. Esse olhar a partir da interdisciplinaridade se faz necessário na medida em que o debate proposto se refere ao contexto de políticas públicas relacionadas a questões amplas e que indicam o trato a partir de perspectivas diferenciadas, demandando assim leituras e interpretações com abordagens teóricas especificas, mas que permeiam o diálogo entre diferentes áreas de conhecimento. Contudo, nesse paper a abordagem se dará a partir das Ciências Sociais na discussão, notadamente a Sociologia e Antropologia.

Tratar de questões que por si só já demandam a superação de generalizações e naturalizações, como é o caso dos estudos sobre relações de gênero, exige um debate a partir de especificidades de contextos socioculturais. Do mesmo modo, agregar perspectivas diferenciadas sobre questões étnico-raciais, de geração e classe é um desafio do qual não se pode desviar sob pena de desenvolver debates superficiais e de pouco alcance. O desafio maior nesse texto é problematizar as políticas públicas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos. Assim, apresento uma breve reflexão acerca das possíveis interseções que as políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva apresentam no contexto atual do estado do Pará.

 

Ações governamentais de saúde sexual e reprodutiva


As ações governamentais relacionadas à saúde sexual e reprodutiva se baseiam na legitimação de uma noção de direitos relacionados à reprodução. No Brasil esse processo teve em sua base de discussão uma marca feminista a partir da criação da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, no final de 1980 e início dos anos 1990 (BANDEIRA, 1999). Ainda nos anos 1990 o termo saúde da mulher foi praticamente substituído por saúde reprodutiva devido à abrangência das ações deste programa e pelas discussões desenvolvidas nas Conferências Internacionais do Cairo (1994) e Beijing (1995). Desde essas conferências o termo mais usual, embora ainda não conclusivo, passou a ser saúde sexual e reprodutiva, por incluir homens e mulheres na atenção à sexualidade, de modo mais ampliado.

A respeito da legislação pertinente registrou-se que há Tratados Internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil (convenções do Cairo, Beijing, Cedaw e de Belém do Pará), Lei federal 9263 de 12 de janeiro de 1996, que regula o art.226, §7° da CF/88; à autonomia sobre o corpo entre outros previstos na CF/88 e dos direitos fundamentais à vida, à saúde, a livre escolha do casal sobre o planejamento familiar.

Há normas específicas nas políticas presentes no Sistema Único de Saúde, sobre direitos sexuais e reprodutivos, para o atendimento adequado às mulheres. E na atual conjuntura se agregam aos cuidados com a saúde da mulher, as especificidades das atuais demandas sociais como, por exemplo, saúde do homem, de mulheres trans e mulheres homossexuais. Embora de maneira tímida, esses avanços têm sido notados nas ações governamentais a partir de demandas específicas desses grupos sociais.

Nota-se também que em termos de diversidade ainda há tabus acerca da sexualidade de pessoas portadoras de deficiência. Homens e mulheres portadores de necessidades especiais de locomoção tem a vivência de suas sexualidades tratadas modo bastante problemático nas políticas e ações referentes aos direitos sexuais e reprodutivos, pois a essas pessoas não lhes são dadas condições favoráveis e adequadas para essa vivência. Em países como Argentina, Espanha e Suécia há avanços em termos de debates e ações que promovem a superação desse tabu, mas na maioria dos países esse tema é silenciado em termos de direitos das pessoas explorarem sua própria sexualidade.

Do mesmo modo se observam tabus relacionados à sexualidade de pessoas com Síndrome de Down ou com Autismo. No caso de pessoas adultas com o tipo de transtorno global do desenvolvimento, como é o Autismo, não lhes são dadas oportunidades de explorarem seu próprios desejos sexuais. E em se tratando de questões de diversidade esse é certamente um tema a ser acrescentado às agendas governamentais referentes à saúde sexual e reprodutiva.

No que se refere ao planejamento familiar se observa que para algumas pessoas ela é considerada uma ação que se restringe ao controle da natalidade, desconsiderando que planejar engloba a decisão de ter ou não filhos, o momento mais adequado para o casal tê-los e a quantidade de filhos desejada. A invisibilização de alguns grupos sociais foi sendo paulatinamente superadas e atualmente se incluem casais homossexuais no processo de planejamento familiar a partir da fertilização in vitro, gestação com parceiros héteros e a adoção de filhos.

Outro assunto que é um verdadeiro tabu nas questões que envolvem planejamento e práticas contraceptivas diz respeito à interrupção de gravidez. O debate sobre esse tema é intenso e recorrente não apenas na academia, pois se tornou assunto em vários contextos do mundo contemporâneo. Contudo, esse tema começou a ser estudado de modo sistemático sob a perspectiva das Ciências Sociais e, precisamente, do ponto de vista da Antropologia, somente a partir das investigações realizadas por Devereux (1955) na década de 1950.

Boltanski (2012) destaca que a prática de interrupção da gravidez possui provavelmente um caráter universal, pois há o conhecimento de estratégias abortivas em diversas sociedades e em diferentes tempos e períodos. Em relação à sociedade capitalista contemporânea Boltanski (2004) desenvolve uma análise sobre o abortamento a partir da situação das mulheres nesse contexto. Especificamente no que se refere ao contexto mais próximo Cardoso e Guedes (2010) apresentam resultados de pesquisa realizada no município de Belém (capital do estado do Pará) sobre percepções das mulheres sobre a interrupção de gravidez. Os dilemas para realização dessas práticas abortivas são recorrentes tanto nas práticas em si quanto na realização de pesquisas que envolvem esse tema.

Desse modo, evidencia-se que o tema além de complexo pela sua própriaconfiguração e interfaces, apresenta-se como um dilema nas questões relacionadas à decisão e implementação de políticas de saúde.

 

Sexualidade: tabus a serem superados nas políticas públicas


Devido a diversos fatores de ordem sociocultural, falar de sexualidade é um tabu em determinados contextos, conforme anteriormente mencionado. Desde o advento da medicina moderna, em final do século XIX, cabia apenas aos profissionais da medicina oficial ter a autoridade para lidar com essa temática. E se no contexto atual há uma vivência menos restrita às uniões afetivas segundo padrões hetero-normativos, para as mulheres há uma vivência silenciada e em muitos casos não lhes é dado o direito de vivenciarem plenamente sua sexualidade. Enquanto que para os homens é praticamente considerada como algo de sua natureza intrínseca a vivência de relações sexuais em suas mais variadas possibilidades o mesmo não ocorre com algumas mulheres.

Mesmo após avanços decorrentes dos movimentos sociais, às mulheres não são permitidas determinadas práticas, expressões e manifestações de seus desejos, tal como o fazem os homens. Assim, aos homens hetero ou homossexuais é permitido, e muitas vezes exigido, que sua sexualidade seja praticada sem constrangimentos.

Cabe incluir nesse debate as reflexões trazidas por Maria Ângela D'Incao em seus estudos sobre família burguesa no Brasil. Embora tenha enfatizado aspectos das práticas e valores burgueses, os estudos dessa autora permitem ampliações acerca da sexualidade e moral que ainda hoje permeiam as relações sociais nos contextos brasileiros. A família no entendimento desta autora passou a ser considerada a base moral da sociedade onde cabia à mulher adotar regras castas em suas relações sexuais com o marido. Além disso, a mulher burguesa deveria cuidar ao mesmo tempo da castidade de suas filhas e também da imagem pública de seu marido. Desse modo, a moral burguesa reorganizou o cotidiano do espaço doméstico, pois filhos educados, esposa casta e dedicada ao marido e casa "acolhedora" passaram a ser valorizados de forma ostensiva pelos que pertenciam à elite social. O lar passou a ser um verdadeiro tesouro onde as mulheres significavam um capital simbólico importante.

Na perspectiva moral cristã o sexo cumpre uma função biológica e reprodutora, enquanto que na moral burguesa, ou uma sexualidade plástica que visa também o prazer, não há unicamente a procriação. Cabe mencionar que Foucault contribui nessas reflexões ao afirmar que:

Diz-se que no inicio do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procuravam o segredos; ...Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência , se comparados com os do século XIX. Gestos diretos, discurso sem vergonha...os corpos "pavoneavam" (...) um rápido crepúsculo se teria seguido à luz do meridiano. A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. A família conjugal a confisca. O casal, legítimo e procriador, dita a lei. (Foucault, 1988, p. 9).

É dado ao entendimento que no decorrer dos últimos séculos e com a ascensão burguesa preocupou-se no espaço social com o decoro do sexo, devido uma nascente concepção cultural desta classe, conforme exemplificado nos estudos de D'Incao (1997) e outros estudiosos do tema.

Ao longo dos tempos, a mulher, na figura da prostituta, vem sendo importante instrumento de manutenção dessa ordem moral burguesa e, ao mesmo tempo, contrariando a concepção cristã de sexo e procriação. "A prostituta na sociedade é como o esgoto no palácio. Se se retirar o esgoto, o palácio inteiro será contaminado" (Richards, 1990, p. 123). A atividade da prostituição é muito mais que funcional, pois a meretriz tem um papel importantíssimo no cenário social, principalmente naquela que assenta a honra da família e do marido na castidade da mulher. Dessa maneira, Chaui ressalta:

porque não tem função procriadora, a prostituição (como as relações sexuais fora do casamento) é socialmente condenada. ao mesmo tempo, porém, é tolerada e até mesmo estimulada, nas sociedades que defendem a virgindade das meninas púberes e solteiras (...) resolve as frustrações sexuais dos jovens solteiros e dos homens que se consideram mal casados para jamais confundirem suas honestas esposas com amantes desenvergonhadas. (1991, p. 79-80).

Além desse aspecto, pais "cuidadosos" com seus filhos aproveitam os serviços da prostituta para afastar qualquer suspeita de homossexualidade dos mesmos.

Para completar essa lógica da família burguesa, utiliza-se de diversos dispositivos sociais nos quais se procura limitar a sexualidade ao casal, se possível, legítimo. A prostituição contribui assim na manutenção da ordem burguesa ao evitar que maridos frustrados sexualmente e jovens solteiros ameacem a castidade das mulheres da classe burguesa.

Embora não se aplique a generalização dessa moral burguesa no trato das questões que envolvem o debate proposto, os estudos sobre essa moral auxiliam na compreensão das relações de gênero uma vez que não apenas ela influencia as práticas referentes à sexualidade, como também a moral cristã interfere nas práticas sexuais de diferentes grupos sociais.

Estudos sobre sexualidade de jovens na Região Metropolitana de Belém indicam que temas como gravidez na adolescência (Pantoja, 2007), iniciação sexual (Conrado et al, 2013) e espaços de sociabilidade homossexuais (Reis, 2012; Silva Filho, 2012) incluem marcadores sociais de classe e ampliam o debate para além das realidades da família burguesa ou camadas médias urbanas. Conrado e Cardoso (2012) sistematizam essas discussões acerca das Intersecções entre raça, gênero, sexualidade, meio ambiente e políticas públicas em Belém do Pará e do mesmo o fazem Souza, Cardoso e Quaresma (2010) no que tange a questão da diversidade sexual e educação.

Em relação aos estudos sobre relações raciais é importante destacar que mesmo com obras relevantes sobre a formação do pensamento social brasileiro, vários foram os estudos que mantêm um viés comparativo com Estados Unidos e apenas recentemente, os estudos se remetem a contextos de países como Colômbia, Argentina e Moçambique, dentre outros. Moutinho et al (2006) indica que há avanços significativos sobre interações raciais, com a homossexualidade, o gênero, o erotismo, a saúde e a intervenção social.

Uma coletânea de artigos publicada na Revista de Estudos Feministas surgiu do debates realizados no contexto do Seminário Internacional "Raça, Sexualidade e saúde: Perspectivas Regionais", realizado na Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, no período de 3 e 5 de novembro de 2004. Segundo artigo de apresentação desse número da REF, o evento proporcionou um debate relevante em termos da discussão sobre a interface entre raça, sexualidade e saúde para além do que havia sido realizado até aquele momento. Nesse sentido, e conforme assinalam Moutinho et al

Se a idéia de que raça (entre outros marcadores sociais) é uma construção histórica e cultural específica que vem sendo partilhada pela grande maioria dos pesquisadores que tratam dessa questão, processos de exclusão social vêm sendo trabalhados a partir de uma perspectiva universalizante sem ser devidamente contextualizados. A "globalização" fornece um vocabulário comum e muitas vezes enganoso nesse sentido, na medida em que esse vocabulário obedece a múltiplos e variados significados. (2006, p. 2)

Um aspecto que merece destaque nesse tema de debate se refere ao cotidiano de profissionais de saúde e de usuários do sistema de saúde, cujos aspectos simbólicos impactam nesses serviços de saúde. Questões relacionadas às percepções de corpo, saúde e doença, religião, gênero, dentre outros, emergem nas mais diferentes situações relacionadas às políticas de saúde. Dentre essas são exemplares os dilemas que envolvem programas de combate e prevenção ao câncer do colo do útero, do pênis e da próstata. 21

No estado do Pará há registros de que a incidência de câncer do colo do útero supera a maioria dos estados brasileiros, denotando a necessidade urgente de adequação às ações governamentais que promovam efetivamente a prevenção e combate a esse tipo de agravo. Recentemente, esse tema veio a baila no XVII Congresso Médico Amazônico, realizado em agosto de 2014, em Belém. Especialista na área apresentaram dados que indicam a deficiência no aparelhamento para exames preventivos, número de leitos aquém do necessário, distribuição desigual de serviços, equipamentos e profissionais ligados à saúde da mulher em idade reprodutiva.

Outra demanda relevante e nem sempre atendida em suas especificidades diz respeito ao atendimento de mulheres que estejam vivenciando as reações do período do climatério e menopausa. Nesses casos, houve debate envolvendo profissionais de saúde em diversos municípios paraenses com vistas à apresentação de proposições relacionadas aos direitos de saúde da mulher, especificamente no que se refere à saúde sexual e reprodutiva. Em 2011 e 2012 foram realizadas pré-conferências municipais de política para mulheres nas quais se destacaram como tema o climatério e a menopausa, ampliando assim o debate para além da saúde restrita à concepção, controle de natalidade, dentre outros.

No que se refere ao câncer do pênis, os números de incidência no estado do Pará são preocupantes. Estudos realizados em cursos de Pós-graduação da Universidade do Estado do Pará e da Universidade Federal do Pará indicam a necessidade de ações mais incisivas no combate ao câncer do pênis. Nesses estudos há indicações que os principais fatores que levam o homem a desenvolver esse tipo de doença são fatores de ordem cultural, pois além de não buscarem serviços de saúde de modo preventivo, muitos homens realizam de modo inadequado a higiene desse órgão. E mesmo com campanhas como "Lave o pinto", os banhos corporais constantes (como é prática comum na região amazônica) não estão garantindo a higiene adequada.

Sobre o câncer de próstata há campanhas de prevenção em todo território brasileiro. Nessa questão há quese considerar os estudos sobre masculinidade desenvolvidos no bojo da ampliação dos estudos de gênero, pois além das percepções sobre o que é ser mulher há que se considerar também o que venha a ser homem.

Atualmente há a no Brasil a campanha nacional "Outubro Rosa" e "Novembro Azul", realizadas respectivamente para a prevenção do câncer de mama e câncer de próstata. Contudo, os estudos indicam que o caráter simbólico referente à masculinidade impede o pleno sucesso dessa ação de combate ao câncer de próstata.

De acordo Nolasko (1997), a crise da masculinidade não se instaura com o advento do movimento feminista, mas a intensifica na medida em que alguns homens reforçam o padrão tradicional para, posteriormente, buscarem possibilidades relacionadas à transformação da intimidade, terreno tenso e confuso para o homem devido ao fato de os homens comumente pouco conhecerem as dimensões do contato, da proximidade, da troca, da solidariedade e da cumplicidade.

Nos estudos realizados por Goldenberg (1991) alguns marcos vigentes para a afirmação da identidade masculina eram a iniciação sexual com prostitutas, a negação da homossexualidade e o desejo de corresponder às expectativas sociais (em especial dos amigos e das mulheres). Ainda sobre esse aspecto, Da Matta (1997) pondera que a construção da masculinidade é atravessada por pontos de insegurança traduzidos principalmente pelo medo da homossexualidade e da impotência. Assim, embora enfatize sua preocupação com a impotência, ou disfunção erétil, os homens "descobrem" que mais do que ter um pênis é preciso saber se relacionar.

Em termos de práticas relacionadas ao atendimento básico de saúde, o atendimento diferenciado nem sempre é realizado a contento, pois homens e mulheres são atendidos por profissionais de saúde que tem lacunas em sua formação profissional ou priorizam princípios de sua formação moral em detrimento dos direitos de usuários do sistema de saúde enquanto cidadãos.

A Constituição Federal de 1988 garante as liberdades laicas no estado brasileiro, contudo, para que efetivamente seja um estado de direito, como manda esta constituição, precisa antes permitir o pluralismo existente na sociedade brasileira. Para Lorea (2006) este entendimento não significa dizer que o Estado deve prescindir do debate religioso, muito pelo contrário, ele deve garantir a diversidade religiosa, e a possibilidade de divergência de opinião dentro da própria sociedade adepta da religião, e dessa forma permitir e resignificar a liberdade religiosa prevista constitucionalmente, enfatizando a liberdade de pensamento e o tratamento igualitário.

Ávila e Correa (1999) consideram que essa tentativa de interferência de algumas igrejas, de origem no catolicismo, sobre questões laicas e ligadas à sexualidade tem trazido impasses à adoção plena de programas sociais e aprovação de projetos de lei fundamentais para a cidadania de homens e mulheres. No entanto, cabe ressaltar que a ação dessas Igrejas produziram resultados positivos no combate à pobreza através de seus trabalhos comunitários desenvolvidos no campo da saúde. Essas ações desenvolvidas principalmente junto a populações pobres atingem em grande parte a parcela feminina, o que demonstra uma situação paradoxal em que a Igreja contribui na melhoria das condições de vida das mulheres, mas em alguns casos, esta instituição dificulta ações específicas, como ocorre, por exemplo, nas demandas ligadas à questão da saúde sexual e reprodutiva.

 

Notas conclusivas

As políticas públicas emergem a partir das necessidades dos grupos sociais que trazem diferenças entre si segundo seus processos identitários e conforme suas histórias e realidades. Desse modo, o Movimento de Mulheres é exemplar, pois traz uma multiplicidade de interesses e demandas inerentes aos diversos segmentos que compõem os mais variados grupos sociais caracterizados como sendo de mulheres. De modo similar se observa em relação aos grupos sociais como: Movimento LGBT, indígenas, remanescentes de quilombos, e vários outros grupos sociais revelam que há uma intensa e diversa manifestação em prol do atendimento de suas demandas conforme especificidades.

Essas necessidades, problemas, conflitos e crises provocam o surgimento de demandas diversificadas conforme os grupos sociais, como é o caso, por exemplo, daquelas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos, combate à homofobia, combate ao racismo, combate à violência doméstica, combate à fome, dentre outras. Embora nem todas as demandas sejam transformadas em ação governamental, é notório verificar que a articulação e agregação de interesses pode contribuir de modo significativo nessa transformação. Tal processo participativo com vistas ao atendimento de demandas sociais pode ser observado, por exemplo, na questão da aprovação Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), Lei que estabelece obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira (2003) e Atendimento à Saúde da Mulher (Brasil, 2004). Contudo, muitas são as demandas que estão em vias de serem atendidas mesmo com a indiscutível pertinência das mesmas.

Outra relevante questão que se coloca nesse debate sobre as políticas públicas diz respeito ao atendimento primário como, por exemplo nos postos de saúde e em programas específicos Saúde da Família. Profissionais nem sempre estão preparados para atendimento que contribua na superação de discriminação por gênero e raça devido à falta de experiência e vivência de situações de discriminação. A empatia com a situação específica é dificultada porque profissionais de Enfermagem, Medicina, Odontologia, Biomedicina e demais membros da equipe de saúde são em sua maioria pessoas que desconhecem as realidades de pobreza, racismo e sexismo, tal como ocorre dentre a maioria da população brasileira. Nesses termos, necessário se faz que as políticas públicas de saúde incluam a capacitação de profissionais de saúde, no que concerne às questões de gênero e raça, além de problematização de marcadores sociais de classe, geração e religião, se forem incluídas outras questões nesse debate, aspectos da diversidade indicam ser necessária, também, a inclusão das demandas de pessoas portadoras de necessidades especiais.

 

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Recebido em março de 2014
Aprovado em setembro de 2014

 

Notas sobre a autora
Denise Machado Cardoso é Doutora em Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), Mestre em Antropologia Social (UFPA), Especialista em Teoria Antropológica (UFPA), licenciada em História (UFPA). Coordena o Grupo de Estudos em Antropologia Visual e da Imagem – VISAGEM; atua como pesquisadora no Grupo de Estudos sobre Mulher e Gênero – GEPEM e no Grupo de Estudos sobre Populações Indígenas – GEPI. É vice-coordenadora do Grupo de Estudos Nosmulheres. É membro do Comitê de Ética em Pesquisa (UFPA) e Consultora Ad hoc da Secretaria de Política para Mulheres – SPM.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2685857306168366
Email: denise@ufpa.brdenise@ufpa.br