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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.7 no.2 Belém Dec. 2015

 

Artigo

 

A constituição histórica da relação terapêutica como uma relação de amizade no pensamento de Pedro Laín Entralgo

 

The Constitution of Historical Relationship as a Friendship Relationship in the Thought of Pedro Laín Entralgo

 

El Desarrollo Histórico de la Relación Terapéutica como una Relación de Amistad en el Pensamiento Lain Entralgo

 

Layssa Ramos Gabriel; Tommy Akira Goto1

1Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo introduzir a noção de relação terapêutica com o pensamento de Pedro Laín Entralgo. Para isso utilizou-se da pesquisa bibliográfica documental como procedimento metodológico, explorando as ideias encontradas em duas obras do autor: La Relacion Medico-Enfermo (1964) e (2012). Nessas o autor descreve a relação terapêutica como um encontro que acontece em cinco momentos: o momento de vinculação inicial, o momento cognoscitivo, o momento operativo, o momento afetivo e o momento ético-religioso. A relação terapêutica foi sistematizada a partir da sua constituição histórica na relação médico-paciente. Nesse sentido, Entralgo destaca a relação estreita que encontrou entre a noção de relação terapêutica e a noção de amizade de cada época da civilização ocidental.

Palavras-chave: Relação terapêutica; Amizade; Laín Entralgo; Histórico; Humanismo.


ABSTRACT

This study aims to introduce the notion of therapeutic relationship with the thought of Pedro Lain Entralgo. For this purpose, the documentary literature was used as methodological procedure, exploring the ideas found in two works of the author: La Relacion Medico- Enfermo (1964) e Sobre La Amistad (2012). In these works the author describes the therapeutic relationship as an encounter that happens in five stages: the initial binding point, the cognitive moment, the operating time, the affective moment and the ethical-religious moment. The therapeutic relationship was systematized from its historical constitution in the doctor-patient relationship. In this sense, Entralgo highlights the close relationship that he has found between the notion of therapeutic relationship and the notion of friendship of each era of Western civilization. Both notions have being modified according to the historical moment and the ethical and anthropological view of each period, leaving repercussions on how the therapeutic relationship is experienced.

Keywords: Therapeutic relationship; Friendship; LaínEntralgo; Historic; Humanism.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo introducir la noción de relación terapéutica con el pensamiento de Pedro Laín Entralgo. Para ello se utilizó la literatura documental como un procedimiento metodológico, la exploración de las ideas que se encuentran en dos obras del autor: La Relacion Medico-Enfermo (1964) e Sobre La Amistad (2012).En ellos, el autor describe la relación terapéutica como un encuentro que se lleva a cabo en cinco etapas: el punto de unión inicial, el momento cognitiva, el tiempo de funcionamiento, el momento emocional y el momento ético-religiosa. La relación terapéutica fue sistematizado a partir de su constitución histórica en la relación médico-paciente. En este sentido, Entralgo destaca la relación íntima encontrada entre la noción de relación terapéutica y la noción de amistad cada período de la civilización occidental. Ambas nociones se modifican de acuerdo con el momento histórico y la visión ético y antropológico de cada tiempo, dejando repercusiones sobre cómo se experimenta la relación terapéutica.

Palabras-clave: Terapéutica relación; Amistad; Lain Entralgo; Historia; Humanismo.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe tecer uma reflexão acerca da noção de relação terapêutica no pensamento de Pedro Laín Entralgo. Para tal intento, foi realizada uma pesquisa bibliográfica tendo como base as compreensões específicas do assunto, expostas em obras selecionadas do autor Pedro Laín Entralgo e artigos de alguns de seus comentadores.

Pedro Laín Entralgo (1908-2001) foi um ensaísta, historiador e médico espanhol, considerado por muitos o maior investigador humanista da história da medicina na Espanha no século XX. Com uma produção fecunda, ele escreveu livros e ensaios sobre temas médicos, históricos e antropológicos como também obras de caráter literário e filosófico. Laín iniciou seus estudos de bacharelado nas cidades de Soria, Teruel, Zaragoza e Plampona e prosseguiu na Medicina e Química em Valência e Madrid, especializando-se em psiquiatria em Viena. Trabalhou como médico plantonista no Instituto Provincial Psiquiátrico de Valença. No entanto, encontrou sua vocação na pesquisa e docência, quando recebeu a cátedra de História da Medicina na Universidade Central de Madri (Goic, 2002).

Segundo Orringer (2008), a crise enfrentada praticamente por todos os campos da ciência ocidental no início do século XX, também alcançou a Medicina. Laín, rejeitando a ideia da medicina apenas como ciência, ou seja, de um conhecimento natural aplicado à cura das enfermidades humanas, propõe então um fundamento mais consistente com o objeto de estudo do saber e prática médico: o ser humano.

Entendendo a medicina como um sistema de problemas, Laín Entralgo (1985) encontrou na antropologia médica, sua solução e fundamento, e essa veio a ser uma das bases principais de sua construção teórica. Segundo o filósofo: "la antropología médica es el estudio del hombre en tanto que sujeto sano, enfermable, enfermo, sanable y mortal, desde el punto de vista de su condición de persona individual" (Entralgo, 1985, pp. 31-32). Sua antropologia filosófica esteve presente como fundamento do seu pensamento, ao longo de suas obras subsequentes assim como seu método teórico. De acordo com Perigüell (2002), os temas de Laín tinham como denominador comum utilizar o conhecimento histórico como pressuposto do conhecimento sistemático, ou seja, uma abordagem historiográfica ao mesmo tempo em que elabora uma ontogênese do objeto problematizado. Apesar de não ser um seguidor estrito da fenomenologia filosófica, é inegável a sua apropriação de filósofos fenomenólogos como Edmund Husserl, Max Scheler, Ortega Y Gasset entre outros.

 

MÉTODO

Tendo em vista a exposição da ideia de relação terapêutica no pensamento de Laín Entralgo, a pesquisa bibliográfica documental foi escolhida enquanto procedimento metodológico. De acordo com Lima e Mioto (2007), a pesquisa bibliográfica possibilita um alcance ampliado de informações, por meio do uso de dados dispersos em diferentes publicações. Essa metodologia envolve procedimentos ordenados de busca por soluções, que devem ser realizados com vigilância epistemológica e cuidado em relação ao objeto de estudo proposto. A leitura constitui-se na técnica fundamental na pesquisa bibliográfica. Por meio dela é possível identificar as informações e dados no material selecionado, bem como averiguar as relações existentes entre eles e a sua consistência com o tema abordado (Lima & Mioto, 2007).

Esse estudo utilizou como instrumento um roteiro de leitura elaborado por Lima e Mioto (2007). O roteiro é estruturado em três etapas: identificação da obra, caracterização da obra e contribuições da obra para o estudo. Na etapa de identificação da obra, realizou-se a referência bibliográfica completa e a localização dos livros e artigos pertinentes à pesquisa. Na caracterização da obra, o objetivo e tema central de cada obra foram destacados, bem como o paradigma teórico e os conceitos utilizados. Por fim, na última etapa, foi feita uma análise das contribuições para o estudo proposto por meio do registro dos questionamentos, reflexões e encaminhamentos.

Dentre as obras de Laín, destacamos, para a explanação do nosso tema, os livros: "La Relacion Medico-Enfermo" (1964) e "Sobre La Amistad" (1972), ainda sem tradução para o português. Em La Relacion Medico-Enfermo, Entralgo (1964) coloca como questão principal o encontro amistoso entre a pessoa do enfermo e a pessoa do médico. Para responder a questão suscitada, estrutura a sua obra em duas partes: a história relação entre o médico e o enfermo e a teoria acerca dessa relação. Já em Sobre La Amistad, Laín Entralgo (2012) analisa as reflexões e significados da amizade ao longo do tempo e expõe o quê, em nosso tempo, pode-se dizer sobre ela, fazendo também uma divisão didática entre os significados históricos e as teorias acerca da amizade.

 

A NOÇÃO DE RELAÇÃO TERAPÊUTICA E RELAÇÃO DE AMIZADE AO LONGO DA HISTÓRIA

Entralgo (1964), antes de iniciar seu estudo histórico sobre a relação médico-doente, discerne cinco momentos principais invariáveis da relação médica, à partir dos quais estrutura sua análise sequente: o fundamento da relação médica, o momento cognitivo, o momento operativo, o momento afetivo e o momento ético-religioso. Para o Entralgo (1964), o elemento mais fundamental do fazer médico é a relação do profissional com o paciente, de forma que este é o primeiro momento da relação terapêutica. O encontro inicial entre o paciente e o médico proporciona uma espécie de vínculo decorrente tanto das motivações e interesses pessoais a respeito desse encontro, oriundas do profissional e do paciente: o fundamento genérico da relação terapêutica; como do contexto social e técnico em que ele se dá: o fundamento específico da relação terapêutica. Todos os momentos que se seguem dependem dessa primeira vinculação.

No momento cognitivo acontece à expressão cognitiva da relação médico-paciente, o diagnóstico. Nele, o médico passa a conhecer, pensar sobre, e esse conhecimento só é completo quando há uma compreensão do "enfermo enquanto tal" no âmbito dual da vinculação médico-paciente, entendida aqui como uma vinculação de natureza duo e díade. Por "natureza duo" entende-se um vínculo entre duas pessoas com o propósito de alcançar algo do interesse de ambos e que se situa fora de ambos. Já a "relação quase díade" é um tipo de relação interpessoal e intima que tem a própria intimidade como objetivo final. O terceiro momento — momento operativo —, assim como o anterior, é um resultado da atividade conjunta do médico e do paciente, nesse caso, na determinação e execução dos atos próprios do tratamento. Entralgo (1964) enumera algumas características que o tratamento pressupõe: 1º, ele é uma atividade terapêutica; 2º, é a expressão operativa da vinculação pessoal (quase díade) médico-paciente; 3º, o enfermo não é um mero executor de disciplinas, mas também um reagente, e por fim, 4º, a eficácia terapêutica condiciona-se ao modo de estar em sociedade da pessoa em tratamento.

A relação médico paciente também passa por um momento afetivo, descrito por Laín como uma trama pessoal de afeição particular, dotada de uma complexa série de motivos que os une. Ambos estão em posições qualitativamente diferentes o que resulta em motivações distintas. Entralgo (1964) pontua que a afeição que surge entre os dois pode ser de amizade, como acontecia com os antigos gregos, ou de „transferência‟, como na psicanálise. Por último, o momento ético-religioso corresponde às razões para quê o médico oferece ajuda e o paciente aceita. As motivações médicas podem perpassar desde "para o bem do enfermo", como para a obtenção de lucro e prestígio. Enquanto as motivações do enfermo, geralmente, estão relacionadas à saúde, sendo que a própria saúde tem incluída em si um "para quê?", uma finalidade além da saúde em si. Laín defende que a ética está sempre assentada sobre uma visão religiosa do mundo, ainda que ateia. De forma que a relação médico-enfermo vai ser mais ou menos explicitamente arraigada à posição específica do espírito diante do problema último da religião.

 

Amizade como relação de cura na Antiguidade Ocidental

É na Grécia, no período entre os séculos VI e V antes de Cristo, que acontece o marco decisivo na história da Medicina: sua constituição técnica, a partir dos escritos de Hipócrates. Antes disso, havia basicamente três tipos de relação de cura conhecidas: a ajuda espontânea, que se presta ao enfermo seguindo um instinto natural de auxílio; a cura mágica, sempre vinda de um ser que tem poderes especiais (o mago) para modificar alguns tipos de realidade; e o tratamento empírico, práticas de tratamento populares descobertas por sorte, sem um conhecimento de causas.

A medicina técnica surge, segundo o autor, à partir de algumas noções que a fundamentam: a noção de Physis, como uma realidade universal e divina; a cogniscibilidade da Physis; a ideia de técnica, compreendida aqui como a capacidade do ser humano de auxiliar a natureza na execução de seus movimentos e, por fim, a ideia de um duplo modo de necessidade da Natureza, qual seja, que os fenômenos acontecem no mundo ou por uma necessidade absoluta e inevitável, anánkê, o nascer do sol, por exemplo, ou de uma forma evitável Tykê (azar), uma indigestão por conta do consumo de um alimento fora do prazo de validade, por exemplo.

Como dito, dentro do modelo que o autor concebe a relação terapêutica, temos o primeiro momento e fundamento da prática médica: o vínculo entre o médico e o paciente. Na prática de Hipócrites é esse fundamento seria a philía. Para entender como a amizade se dá na relação terapêutica, é preciso primeiro compreender qual é a ideia Helênica geral acerca da amizade. Nesse sentido, Laín (2012) faz uma minuciosa análise das amizades históricas exemplares dos gregos e dos principais pensadores que escreveram acerca do tema. Estudando as amizades de Diomedes e Ulisses, Aquiles e Pátroclo, Orestes e Pilades, destacaram-se valores como: a estima, a fidelidade, o cuidado mútuo, a ideia de que duas pessoas juntas são melhores para resolver um problema do que uma sozinha, e até mesmo a noção de amigo como aquele que dá a vida pelo outro.

Sócrates estimava a amizade acima de tudo. Contudo quem refletiu mais acerca da amizade na Grécia antiga foram os filósofos Platão e Aristóteles. Platão compara a Philia à Eros. Para ele ambas são formas de amor que, apesar de não coincidirem, carregam uma íntima conexão. Eros, ao se realizar, pode produzir Phília, assim como a philia, quando ganha intensidade suficiente na alma, pode gerar Eros. Sendo que, o amor erótico é concebido como uma realização individual da natureza humana e, em definitivo, da natureza universal. A meta da amizade é o aperfeiçoamento dessa natureza.

Partindo desse pensamento grego geral acerca da amizade, podemos entender como os pensadores gregos e os médicos hipocráticos especificaram a relação de amizade entre o médico e o paciente. Há dois movimentos na relação de amizade entre médico e o paciente: do enfermo para o médico e do médico para o enfermo. Considerando primeiramente a relação de amizade sob a perspectiva médica, Laín analisa, dentro da medicina hipocrática, como o médico pode ser amigo do enfermo. Essa relação é complicada pelo fato de que os dois são distintos entre si, não possuem a igualdade que Aristóteles prevê: "Tal amistad consiste, como sabemos, em larectaarticulación de La philanthrôpia, amor al hombre, y laphilotekhnía o amor al arte" (Entralgo, 1964, p.49). Pela filantropia, o médico é amigo de seu paciente por sua condição humana e, portanto, parte da Physis. Mas é a filotecnia que 'transmite' a condição principal para essa amizade. O médico, como amante da arte, dedica-se a conhecer e aplicar o saber técnico enquanto este permite ajudar a natureza do enfermo no espontâneo movimento à saúde. De modo que, a amizade do médico hipocrático com o enfermo, tanto pela via da philantrôpia quanto da philotknia, é, em suma, um amor à perfeição da natureza humana individualizada no corpo vivente do paciente: 'physiofilia' (Entralgo, 1664).

Em relação à amizade do enfermo com o médico, Entralgo (1964) aponta como base a confiança do paciente naquele que pode auxiliar na restauração de sua saúde. Essa confiança, assim posta, passa por dois momentos constitutivos: a confiança do enfermo na ciência médica e na figura do médico enquanto tal e a confiança no médico individual que o está tratando. Assim sendo, ambos, tanto médico quanto enfermo, exprimem em última instância, por meio dessa amizade, um amor à própria Physis. Laín ainda coloca em dúvida se essa relação amistosa baseada na physiophilia pode mesmo ser considerada uma amizade.

No segundo momento da relação terapêutica, o médico hipocrático formula um diagnóstico. A estrutura desse diagnóstico consta de quatro momentos principais: exploração e descrição da Katástasis; resolução do dilema "são ou enfermo"; descoberta da espécie que pertence à desordem observada, se é tykhê ou anánkê; e, por último, a confecção do diagnóstico individual (Entralgo, 1964). A katástasis compreende a descrição do aspecto geral do caso, considerando à realidade total do corpo do paciente e do meio físico no qual a enfermidade surgiu. A medida utilizada aqui, não é numérica, mas tão somente daquilo que o médico percebe, pela sensibilidade do próprio corpo no corpo do paciente e pela fala do paciente a respeito da sua própria condição, por meio de uma entrevista. De forma que, ao final, será conhecido o modo como à enfermidade se manifesta.

Após conhecer o caso, o próximo passo descrito por Laín (1964), é investigar se este se encaixa em um quadro de saúde ou enfermidade. A saúde é compreendida, a partir de Alcmeão de Crotona, como o equilíbrio das qualidades (frio, calor, úmido, seco), de modo que, a enfermidade seria o desequilíbrio dessas potências. De acordo com a medicina hipocrática, tanto a saúde como a enfermidade, fazem parte da natureza humana. Essa investigação é feita por meio de uma análise racional do caso e quando o que pode ser visto da enfermidade não é conclusivo, utiliza-se a exploração por meio de "provas de sobrecarga" às quais o corpo do paciente reage. Compreendendo que se trata de uma "Katástasis de enfermidade", o médico descobre, por meio dessa investigação, se a enfermidade é fruto de tykê (azar, incidental) ou anánkê (necessidade). Quando se trata de uma enfermidade por necessidade da natureza ou divina, tykê, a técnica médica encontra o seu limite, é uma enfermidade considerada letal.

Apesar de existir, dentro dos médicos hipocráticos, um pensamento tipificador, que especifica as enfermidades em categorias distintas, houve uma grande oposição entre eles acerca da classificação das enfermidades. Muitos desses médicos e pensadores não acreditavam ser possível tipificar todas as enfermidades. Para eles, cada caso de enfermidade era único e, portanto, impossível de classificar. Mas esse "pensamento tipificador" não foi totalmente rejeitado entre os hipocráticos. Ainda que a postura perante cada enfermo fosse de atentar para sua concreta individualidade, havia também um movimento no sentido de intuir as semelhanças entre o enfermo observado e os demais pacientes que o profissional já atendeu.

O terceiro momento da relação médica hipocrática tinha como objetivo conseguir fazer desaparecer toda alteração na Phisis na Katástasis do paciente em sua interação com o meio. Para isso, o médico hipocrático estabelecia uma dieta, compreendida como um regime de vida adequado à anomalia que o paciente suporta, esse regime era relacionado com todas as atividades que o homem executava: alimentação, trabalho, relações sociais. O tratamento era considerado tanto no seu aspecto físico como social. No que diz respeito ao aspecto físico do tratamento, de acordo com Laín (1964) havia alguns princípios que o regulavam. Primeiramente, a própria natureza do enfermo era compreendida como dotada de um esforço curador próprio e espontâneo, de modo que a arte médica estava sempre no sentido de ajudar a natureza nesse esforço para a cura. Naquilo que a medicina não conseguia alcançar, deveria ser respeitosamente reconhecida a sua impotência, mas naquilo que podia, a atitude era a de favorecer e nunca a prejudicar a cura. O princípio terapêutico era o princípio do contrário "o contrário é o remédio do contrário"; sendo que o enfermo deveria confiar e colaborar com o médico, empenhando-se para combater a enfermidade. Para isso, o médico também precisaria se esforçar para conquistar sua confiança.

No aspecto social, o tratamento diferenciava-se de acordo com a classe social a quem o paciente pertencia. Ao cidadão ateniense era oferecida uma terapêutica mais individualizada e atenciosa, levando-se em consideração sua singular biografia e procurando fazer com que ele entendesse ao máximo a respeito de sua condição. Já aos escravos era ofertado um atendimento mais genérico, pois não eram considerados com direito e nem capacidade de compreender. De modo que a relação de amizade peculiar à relação terapêutica, só ocorria entre o médico e os pacientes livres. No que diz respeito à dimensão ético-religiosa da relação médica, a ética da medicina hipocrática tinha uma base religiosa. Apesar da medicina de Hipócrates não se apoiar no culto aos deuses, a Physis possuía uma condição divina. A relação econômica era primeiramente baseada no princípio fundamental de que o médico deveria estar, acima de tudo, a serviço de sua arte e da natureza, colocando-se sempre numa condição de aprendizagem e aperfeiçoamento. O médico deveria levar em conta a situação econômica dos pacientes ao ajustar os honorários, sendo que, às vezes, deveria até mesmo prestar serviços gratuitamente, como retorno de um favor recebido ou à alguém muito pobre. Este último seria por interesse na fama, mas também por amor ao homem e, através dele, à arte e a natureza.

A medicina e a relação terapêutica dos médicos hipocráticos não foi um bloco homogêneo, pelo contrário, dentro dela havia várias escolas de pensamentos distintos. O que permanece comum era a atitude médica perante o enfermo, que poderia ser mais nobre: a do técnico que ama a arte e a natureza e atua em seu serviço; ou menos nobre como a atitude daqueles que exercem a profissão visando somente o lucro e o prestígio social.

 

A Amizade como relação de cura no advento do Cristianismo

Já a partir dos primeiros séculos em que as doutrinas da religião cristã passaram a ser propagadas e aceitas, nota-se uma distinção clara na maneira de entender e praticar a relação médica. Isso se dá em dois modos, de acordo com Entralgo (1964): primeiramente pela presença notória do enfermo no novo testamento e em segundo lugar, pela atitude inédita em relação ao amor entre homens, que é o fundamento da assistência médica.

Dentro da concepção cristã relação terapêutica entre médico e paciente é uma relação de amor. Para compreender melhor a visão cristã dessa relação, é necessário explanar um pouco sobre as novas concepções de Deus, homem e mundo que possibilitaram gerar novas ideias acerca do amor e da amizade. A ideia de Deus no cristianismo sai de uma concepção popular mais "ilustrada" de Deus, como a dos deuses gregos — ou mesmo da Phisis — para uma concepção de um Deus transcendente, pessoal, onipotente, onipresente, que criou o mundo do nada até chegar à criação humana (Entralgo, 2012).

No que diz respeito a „ideia de homem‟, este não é visto como uma parte biológica pensante da phisis, mas que vai além dela, como imagem e semelhança de Deus. Uma persona dotada de atos, intenções e de um espírito imortal. Dentro dessa nova concepção de homem e de mundo que Entralgo (2012) descreve, o fenômeno do amor cristão é concretizado entre as pessoas em um esquema multifacetado que considera aspectos como, a realidade do amante e do amado, do objeto formal de amor e da perfeição do ato amoroso. O amante que, segundo os gregos, é aquele que dava de si algo, seja parte do que tem, faz ou é, para fazer o bem ao amado, ganha uma diferente conotação no cristianismo. Ele é a pessoa, a imagem e semelhança de Deus, que dá de si através de sua natureza pessoal — para além da phisis. Doa suas posses, capacidades/ações e caráter de forma gratuita sem preocupar-se com o retorno.

Enquanto os gregos procuram a perfeição da natureza, os cristãos aspiram à perfeição das pessoas em Cristo. O objeto formal do ato amoroso segue, assim, dois movimentos, ascendente: a perfeição das pessoas em Deus, tanto de quem ama quanto de quem é amado; ou descendente: uma doação efusiva da pessoa do amante ao amado. Da mesma forma, o autor salienta a diferença no que diz respeito a "quem se ama quando se ama ao outro de maneira cristã" (Entralgo, 2012, p.22). Enquanto o grego ama a natureza individual, que pode se tornar perfeita e bela, um „quê‟, para o cristão a ordem é inversa. Ama-se primeiro o „quem‟, o eu, antes de mais nada, em sua realidade atual e, em segundo lugar, quem ele pode ser, a perfeição possível de sua pessoa em Cristo.A palavra „amigo‟, aqui, tem seu sentido fundado em dois modos de amor inter-humano: ágape, amor de caridade e proximidade que se dirige a qualquer pessoa; e Philos, amor de amizade e predileção, direcionado à pessoa singular do amigo. A amizade cristã é, então, constituída por uma integração mútua entre a benevolência, beneficência e confidência, tendo como fim uma pessoa singular.

Para entender a relação terapêutica que se dava entre médicos e pacientes, dentro do pensamento cristão, Entralgo (1964) separou as principais situações históricas que o cristianismo passou: o cristianismo primitivo, o cristianismo medieval ocidental e o cristianismo moderno. Dentre os cristãos primitivos, observa-se um contexto em que os cristãos são uma comunidade unida sofrendo perseguição da sociedade, de modo que é valorizado um modo de vida que dê bom testemunho aos não-cristãos. O fundamento específico da relação médico-paciente está, assim como os gregos, também relacionado à filantropia, só que baseada no conceito de amor cristão: o amor ágape, onde a sua arte, tomada em grande parte do conhecimento grego, estaria a serviço dessa relação de amor.

Na expressão cognitiva da relação terapêutica cristã primitiva, distinguem dois momentos. O primeiro, a definição da enfermidade na ordem natural e fisiológica e, o segundo, qual o seu significado religioso e pessoal. Para diagnosticar a natureza da enfermidade em ambos os aspectos, o médico utilizava-se principalmente da escuta. Assim, sob a perspectiva religiosa, a enfermidade era vista como uma aflição que pode vir tanto para os justos, para serem aprovados e elevados no seu mérito, quanto para os injustos, como punição pelos pecados. Para conhecer-se integralmente a enfermidade individual tratada, o médico precisava saber qual dos dois tipos de casos se tratava e, principalmente, como o paciente suportava a sua aflição (Entralgo, 1964).

O tratamento é um momento muito importante para a relação terapêutica cristã primitiva, pois está intimamente ligado à ideia de ajuda, uma expressão genuína de amor. Entretanto, havia divergências no que diz respeito ao que cura o enfermo quando o tratamento parece eficaz. Havia quem acreditasse que a eficácia era fruto da vontade soberana de Deus e que, portanto, remédios feitos por humanos eram uma afronta. Como também havia os que defendiam que era a virtude curadora do próprio médico quem fazia o trabalho e os que acreditavam que era a estrutura do remédio receitado, com as propriedades naturais que Deus concedeu, que agia para o benefício do enfermo. Não só o aspecto fisiológico tinha importância, Laín (1964) salienta que o cristianismo introduziu novidades sociais por alguns princípios como a condição igualitária do tratamento (o médico não deveria fazer distinção entre posições sociais) e a valorização terapêutica e moral da convivência com a dor.

Para os cristãos primitivos, o caráter ético religioso da relação médico e enfermo era mais essencial do que a própria condição técnica da ajuda, que trazia questionamentos. De modo que, alguns princípios morais advêm disso: a assistência a enfermos incuráveis e moribundos, a assistência gratuita por caridade a quem não tem como pagar, a incorporação de atos práticas religiosas no cuidado com os enfermos, tais como oração, unção com óleo e até exorcismo. Já na Idade Média, o cristianismo, como religião oficial do império romano, vive uma fase de cristianização do mundo. Cria instituições, templos, monastérios, modifica culturas e absorve e aceita também instituições e pensamentos já vigentes. Sendo que o próprio clero também toma grande parte da função de assistência médica. (Entralgo, 1964).

O fundamento genérico da relação terapêutica, ou seja, a relação de amizade, desse período continua sendo o mesmo, com algumas modificações na prática. A profissão médica era estimada pelas pessoas, então havia uma relação de confiança geral na profissão. Entretanto, ao mesmo tempo em que havia essa confiança na medicina, as pessoas faziam sátiras sobre aos termos técnicos rebuscados que os médicos usavam e a sede de lucro de alguns. Com a lei romana, a relação passou a ser contratual, havendo uma combinação prévia de honorários e até mesmo multas se comprovado um mau exercício da profissão. Entralgo (1964) salienta que, a pesar de todos os escritos enaltecendo o amor cristão, não foram poucos os médicos medievais que eram mais amigos do lucro e do prestígio do que do enfermo. A medicina era vista como um ofício e não uma técnica. E acreditava-se que a ação natural e sobrenatural operavam juntas. A cultura religiosa cristã influenciava no estabelecimento de uma ética informal de ajuda os pobres e cobrança mais cara de honorários aos ricos.

O diagnóstico do médico medieval teve uma fase pré-técnica, conforme explica Entralgo (1964), onde o exercício da profissão era meramente caritativo, sem um conhecimento sistemático. Com o tempo a medicina foi novamente se aproveitando da arte e do saber gregos. A enfermidade era vista como um dano nas funções naturais da pessoa, uma propriedade defectiva. Sob o ponto de vista teológico era uma manifestação da vulnerabilidade humana, consequência do pecado original, com o propósito de por em prova a condição moral humana e se manifestava nos indivíduos mediante diversas tipologias que eram individualizadas pela quantidade e intensidade dos sintomas. O princípio de igualdade entre os homens cristãos foi aplicado pela medicina da Idade Média de modo a garantir que todos tivessem assistência. Todavia era uma assistência distinta bem marcada pela estrutura social da sociedade. Os pobres eram atendidos nos mosteiros, os artesãos e a nascente burguesia, à domicílio, e os nobres, tinham um médico particular e as vezes exclusivo. Eles receitavam remédios, tendo por obrigação fazê-lo de acordo com as manifestações físicas da doença e as propriedades daquilo que receitavam. (Entralgo, 1964).

O cristianismo moderno data a partir do século XV. Nesse período, as relações se constituem dentro de um contexto em que a Igreja foi divida com a reforma protestante. Há também, uma crescente secularização da sociedade ocidental, resultando numa coexistência de cristãos com não cristãos. O caráter cristão da amizade médica se essencializa com a formação do Estado moderno, onde o médico se livra das obrigações coercitivas de assistir. O clínico moderno é também um cientista e, portanto, dá uma atenção mais assídua aos pacientes. A relação de amizade se torna difícil, à medida que interesses lucrativos ganham prioridade. Ela ainda é satirizada, sobretudo no teatro, havendo novamente essa relação de desconfiança velada.

Nesse sentido, Entralgo (1964) ressalta que no diagnóstico do médico cristão moderno destacam-se duas características qualitativamente distintas dos diagnósticos anteriores. Primeiro, uma individualização desse diagnóstico, com um critério mais científico-natural do que religioso-filosófico, baseado na singularidade da experiência sensorial. Segundo, numa busca por parte dos médicos de um conhecimento que vá além dos sintomas, uma penetração substancial do caso. Contudo é feita de modo mais especulativo e sem uma busca por comprovação. O tratamento ganha uma nova dimensão com as ideias de Paracelso (1493- 1541) em que toda natureza é considerada como uma farmácia, o médico é um cooperador de Deus na descoberta de tratamentos, que teriam possibilidades abertas e ilimitadas. No aspecto social permanece a estratificação social, onde pessoas mais ricas são assistidas em casa e os pobres ficam nos hospitais com condições cada vez mais insalubres. (Entralgo, 1964).

Os deveres e responsabilidades da relação médico-enfermo, em seu momento éticoreligioso, seguem-se numa divisão ainda mais distinta da obrigação religiosa e civil. A obrigação cristã ficava a encargo da consciência pessoal de cada médico, e a civil era regularizada pelo estado. Quanto à prática dessa „consciência‟, observa-se dois movimentos históricos mais ou menos concomitantes: médicos cristãos que baseavam seu conhecimento nas Escrituras e na natureza e aqueles que apesar de não serem cristãos sustentavam uma moral prática com princípios cristãos. (Entralgo, 1964).

 

A Amizade como relação de cura na Modernidade

A partir do final do século XVII a sociedade ocidental vem se secularizando. Por secularização, Laín Entralgo (1964) entende como um processo em que o homem dispensa a revelação e o sobrenatural como meios de orientar a vida, em favor da sua própria razão, natureza, impulsos e vontades. De modo que, indiferente do número de cristãos, católicos ou protestantes que ainda permaneceram a vida coletiva é dominada pela secularização. O fundamento da relação terapêutica nesse novo cenário é bastante negligenciado tanto por cristãos como não cristãos. Os primeiros fazendo uma separação, que Laín Entralgo (1964) denomina hipócrita, entre vida particular/religiosa e vida profissional. Entretanto, há ainda os médicos que se destacam por exercer uma medicina, fundamentada em uma relação terapêutica de amizade.

A filantropia moderna e secularizada é baseada num ideal também secularizado de pessoa, uma concepção kantiana. O homem como realidade natural, capaz de intimidade, liberdade apropriação pessoal, uma combinação de natureza e espírito, sem a necessidade ou orientação para o sobrenatural. De modo que ela continua sendo uma amizade que procura o bem do amigo por ele mesmo. O respeito à intimidade do amigo torna-se primordial nessa sociedade, numa relação parecida com a atitude cristã diante da sacralidade do próximo. A amizade secularizada seria então "um hábito de La vida humana em que se integran La amabilidad, la procura del bien del amigo, la confidencia y el respeto" (Entralgo, 1964, p. 200).

O pensamento naturalista presente em muitas das relações médico-paciente influencia ao ponto de aqueles que o levam ao cabo na prática, não terem a filantropia como fundamento da relação terapêutica. Nesse caso, o interesse médico na relação pode ser científico ou primariamente financeiro e por prestígio. A amizade deixando de existir pra ceder lugar a uma espécie de camaradagem em que os dois, médico e paciente trabalham juntos para um fim comum. Pensando em um fundamento geral da amizade como a verdadeira filantropia, na sua versão secularizada, Laín Entralgo (1964) indaga então, qual seria o fundamento específico, a forma como o fundamento geral relaciona-se com a técnica. A arte médica ganha o ápice da noção, já presente na baixa idade média, mas agora secularizada, do médico como senhor e não mais servidor da natureza como os gregos pensavam. A crença geral é a de que nenhuma enfermidade existe por necessidade ou é incurável em si, é apenas uma questão da ciência não ter alcançando ainda a cura. O domínio da natureza fica evidente na forma como os tratamentos são feitos. São usados remédios sintetizados, seja por uma cópia de substâncias curativas da natureza ou produção artificial, e até mesmo tratamentos com modificação direta e artificial no corpo do paciente, como as cirurgias. A filotecnia seria, então, um amor a esse tipo de saber e técnica capaz de governar de forma criativa a natureza.

A partir do final do século XIX e início do século XX um novo quadro de assistência é observado na sociedade ocidental. O hospital torna-se a principal forma de assistência médica à população mais pobre, a visita domiciliar do médico bem como o atendimento em consultórios particulares onde os pacientes se dirigem, fica reservada à população mais abastada. As condições hospitalares da época deixavam muito a desejar. Os hospitais, geralmente contavam com um número bom de especialistas e não poucos médicos renomados. Entretanto, Entralgo (1964) denuncia a precariedade do tratamento médico destinado aos pobres ironizando o fato de que os diagnósticos feitos pelos médicos eram maravilhosos e detalhados, assim como as autópsias. Devido aos baixos recursos terapêuticos, pouco se podia fazer no sentido da recuperação da saúde dos pacientes.

A relação médico-paciente estava, na maioria das vezes, marcada por uma visão de medicina em que o paciente pobre era usado como um objeto científico e estatístico para as pesquisas. Essa relação começa a se transformar, no entanto, a partir das crises políticos sociais e da medicina moderna. A negligência com a saúde da população mais pobre era demarcada pelas próprias condições sociais e de trabalho no contexto da Primeira e Segunda Revolução Industrial. Entralgo (1964) aponta que em todas as revoluções político-sociais do mundo moderno, com destaque pra Revolução Francesa e Revolução Soviética, havia a ideia implícita de uma injustiça político social, que ocorria porque o ser humano não era tratado na sua totalidade e dignidade. As reivindicações por justiça social que eclodiram pela Europa também incluíam a pauta das condições médicas e hospitalares de atendimento à população. Sendo que, muitos médicos contribuíram para a formação de estatísticas que denunciavam o descaso com a saúde dos trabalhadores. Uma doença como tuberculose, por exemplo, numa mesma região metropolitana matava até sete vezes mais a população mais pobre do que a população mais rica.

As denúncias e os protestos foram, de acordo com Entralgo (1964), a forma mais externa de introduzir o „sujeito‟ na medicina, pautadas numa exigência geral por condições semelhantes ao tratamento médico que os ricos recebiam. A parte mais sutil da valorização do sujeito aconteceu com a introdução da neurose no consultório psicanalítico. Até Sigmund Freud propor uma teoria psicológica para explicar a histeria, todas as enfermidades eram vistas como apenas de origem física. Por conseguinte, o diagnóstico e tratamento só considerava o ser humano como um corpo natural. Com a formação do método, teoria e prática psicanalista, e a introdução da "cura pela fala", um novo nível de importância foi dado à relação médico-paciente (Entralgo,1964).

Essa nova visão do ser humano e da patologia propagada pela teoria psicanalítica influenciou no nascimento de uma medicina psicossomática nos Estados Unidos e na Inglaterra. De modo que, houve uma introdução sistemática de métodos psicológicos e sociológicos que resultaram numa paulatina formação de uma nova mentalidade médica, bem como uma necessidade crescente de uma "personalização" do paciente, que repercutiria tanto no diagnóstico quanto no tratamento e na própria relação médico-paciente como um todo. Orringer (2008), explica essa transformação ao dizer que "Freud se le antoja a Laín como un antropólogo médico a su pesar, pues, dejando aparte su biologismo y su énfasis en la sexualidad inconsciente, en la clínica enfoca la medicina en la persona como indivíduo enfermo" (p.194).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pedro Laín Entralgo foi um médico além do seu tempo. Inconformado com a forma não só como a medicina era conduzida, mas com a vida política e social na Espanha, sua terra natal, desenvolveu obras que convidavam os leitores a refletir não só sobre as bases da clínica médica, mas das relações humanas na sociedade em geral. Pode-se dizer que é muito contemporâneo, pois suas descrições e conceituações são atuais, principalmente no âmbito das políticas públicas que entre tantas renovações, preconizam a ideia de uma clinica ampliada. É o caso da relação terapêutica (médico-paciente) por ele tratado que evidencia o quanto é rica, ampla e diversa a forma de relacionar intersubjetivamente na promoção da saúde e da cura.

Na construção milenar das relações terapêuticas está uma das principais aspirações do trabalho do psicólogo. Esse estudo teve como intuito apresentar como a relação terapêutica entre médico e paciente vem sendo construída ao longo da história como uma relação de amizade, atrelada sempre aos significados e atribuições acerca da própria amizade, bem como suas implicações nas relações terapêuticas.

No período grego, Laín aponta para uma visão de amizade por semelhanças, que procura o bem do amigo pelo „quê‟ ele é, que quando expressa na relação entre médico e paciente traduzia-se numa busca por parte do profissional de exercer o seu amor pela técnica e pela Phísis através do atendimento aos pacientes. No período cristão, a relação de amizade se dava por um entendimento do paciente como pessoa, humana e divina, onde a medicina era praticamente um trabalho espiritual e não deveria ter como o foco a busca de lucro. Como observado, aos poucos essa noção vai se dissolvendo ao longo do tempo principalmente, no âmbito prático, gerando uma divergência entre aquilo que se prega e se pratica. Essa mudança de valores fica mais evidente à partir do período moderno onde, com o avanço da ciência, a medicina, especialmente a exercida pra população mais pobre, vai se tornando cada vez mais técnica e impessoal.

O sujeito começa a entrar em cena novamente a partir das crises sociais, políticas e científicas que se deram no início do século XX, bem como por uma nova visão de medicina e relação terapêutica introduzida por S. Freud e C. G. Jung, quando resolveram analisar a neurose, partindo primeiramente do estudo e tratamento das histéricas de uma forma diferente do atual, enfatizando os aspectos psicológicos.

 

Referências

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Nota sobre as autoras

Layssa Ramos Gabriel Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Instituto de Psicologia. E-mail: layssa_ramos@hotmail.com.

Tommy Akira Goto Professor Adjunto III da Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. E-mail: proftommy@ hotmail.com.

 

 

Recebido em: 03/05/2016.
Aprovado em: 19/07/2016.

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