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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.7 no.2 Belém dez. 2015

 

Resenha

 

 

Bruns, M. A. T., Santos, C., & Souza-Leite, C. R. V. (Orgs.). (2015). Violência, gênero e mídia: nos horizontes da saúde e educação (1ª ed.). Curitiba: CRV.

 

 

Maria Edileuza A. Paes; Tânia Mara de Melo Souto

Universidade Federal do Pará

 

As organizadoras em uma linguagem refinada e psicológica reúnem nesta obra, contribuições de pesquisas que abordam a questão de gênero em diversas perspectivas teóricas e metodológicas, ressaltando a importância da pesquisa e da intervenção no âmbito escolar e da saúde, enfatizando a importância dos profissionais e pesquisadores desconstruírem estereótipos de gênero, estabelecidos no decorrer da história e que estão presentes em diversos campos e se apresentam de forma naturalizada. No prefácio, há um panorama histórico dos estudos sobre igualdade de gênero e é enfatizado o dever social de se eliminar a violência de gênero. Evidencia-se a importância de que a educação sexual seja obrigatória em todas as escolas, e que aborde questões como a igualdade de gênero, eliminação da violência de gênero e da homofobia, respeito, direitos e deveres.

No capítulo1, escrito por Oliveira e intitulado "VELHOS PROBLEMAS OU OLHARES EXAURISDOS? UMA AGENDA PARA INICIAÇÃO Á PESQUISA EM GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO" explicita que o campo de estudos em gênero, sexualidade e educação é um território complexo, cercado de inúmeros avanços e inovações, bem como contradições e ambiguidades, sendo assim, o autor propõe que se procure construir um conhecimento dinâmico sobre gênero e sexualidade, sempre buscando explorar, descrever, compreender o funcionamento e as relações que o fenômeno faz, ao invés de produzir algo acabado.

Neste contexto, assinala doze pontos, dentre os muitos possíveis, que considera importantes para quem for realizar pesquisas nesse campo, dentre eles estão: atentar-se para as naturalizações que fazemos e sempre questionar o óbvio, visto que as questões de sexualidade e gênero não têm nada de natural. Gênero e sexualidade são construtos históricos, sociais e políticos, são obras humanas, e modificaram-se no decorrer da história, e são formas de poder que arquitetam possíveis formas de se viver. O mundo de gênero e sexualidade é diverso, e toam muitas formas quanto nossos discursos possam compor, além disso, é altamente dinâmico, está em constante construção e mudança. Ao pesquisar estas temáticas deve-se atentar para a localização das maneiras de vivê-lo, localização tanto no sentido literal quanto metafórico (posição política e mental), desconfiar de discursos de neutralidade cientifica, e atentar-se sempre para a quem interessa o que se está pesquisando. Postura ética, o pesquisador deve ser altamente crítico com os procedimentos teóricos e metodológicos seguidos.

Capítulo 2, ou "GÊNERO E SEXUALIDADE: OS DITOS TEÓRICOS", os autores Moura e Souza-Leite abordam fundamentalmente as muitas facetas teóricas ligadas aos temas: sexualidade; relação de gênero e educação sexual apresentam conceitos básicos e de extrema importância para estes campos. Tanto o conceito de sexualidade quanto o gênero são construtos históricos fortemente influenciados pela cultura. Ambas evidenciam que as diferenças e desigualdades existentes entre o sexo feminino e masculino são constituídas através de pensamentos e práticas diárias, não sendo, portanto, algo natural ou prédeterminado.

As autoras enfatizam que a educação sexual é um veículo importante para se debater, informam que no país, no ano de1992 foram elaboradas diretrizes para esta prática no que se refere às atuações de ensino e aprendizagem, que abarcam a sexualidade humana nos diversos âmbitos da questão. Tem como função principal a desmistificação dos modelos normatizantes de sexualidade, através da exposição dos interesses envolvidos na construção e no poder exercido. É uma importante temática a ser discutida, especialmente no processo educativo, tendo em vista que há uma grande demanda nesse campo, conforme é frisado nos capítulos 4 e 8.

O objeto interposto no texto 3 foi escrito por Davi e Bruns, intitulado "CORPOREIDADE PÓS-MODERNA: O CORPO TRANSCENDENDO AS FRONTEIRAS DOS GÊNEROS", os autores iniciam o texto pontuando a necessidade de se pensar o corpo para além de seus aspectos biológicos, voltando a olhar para o sentido simbólico, no qual se erguem subjetividades e modos de vida, sócio-historicamente construídos e influenciados pela cultura. Nessa linha de pensamento o corpo "(...) se apresenta como corporalidade ou corporificação, ou seja, enquanto experiência que reúne afetos, emoções, sentimentos, imaginação, etc." (p. 62)

Na sociedade pós-moderna, tantos as definições de normalidades quanto às categorias de gênero são alvos de constantes transformações, questionamentos e redefinições. Sendo que na atual conjuntura ocidental, o modo de se lidar com o corpo é "ditado pela atividade física como meio de promover a saúde e cultivar a juventude, fonte almejada de felicidade do sujeito pós-moderno" (p.51). Nesse contexto, a lógica do mercado proporciona a possibilidade de sonhar e criar novos corpos de acordo com o desejo do indivíduo, e como a construção da identidade está ligada a questão corporal, algumas vezes, as transformações do corpo estão entrelaçadas a reconstruções de identidade. Essa configuração é caracterizada pela fluidez das mudanças sociais, não tendo espaço para rigidez no que concerne a sexualidade, gênero e identidade, as autoras exemplificam isso com a questão da transexualidade.

O capítulo 4, intitulado "HOMOFOBIA NO ESPAÇO ESCOLAR: UM OLHAR DOCENTE" os autores Souza, Silva e Santos apresentam os resultados de um estudo realizado com docentes da educação básica a respeito da homofobia na instituição escolar. Em seus discursos, os educadores enfatizaram que os episódios de piadinhas e apelidos pejorativos predominam na escola, seguidos por insultos, zombarias, humilhações, exclusões, ameaças e agressão física são comuns (bullying homofóbico). Os professores por muitas vezes banalizaram práticas homofóbicas e mostraram ter um conhecimento superficial sobre o tema.

Embora a escola abrigue sujeitos com as mais diversas vivências de sexualidades, esta população que sofre homofobia, vem sempre marginalizada ao longo do tempo, e a instituição escolar, que é historicamente heteronormativa, mostra-se frequentemente ser um espaço de reprodução de desigualdades, o que vem levando estes alunos a abandonarem as escolas, e causando grande sofrimento psíquico. Torna-se imprescindível que se promova uma formação continuada aos docentes com o objetivo de enfrentar a questão da homofobia no âmbito escolar, visto que os conhecimentos sobre a diversidade sexual vêm se mostrado um método eficaz para a diminuição da incidência desse fenômeno.

No capítulo 5 ou "CONFIANÇA COMO FATOR DE RISCO E VULNERABILIDADE EM PARCEIRAS AFETIVO-SEXUAIS DE ADOLESCENTE", os autores Gabriel e Pinto analisam o papel da confiança no contexto dos fatores de risco e vulnerabilidade contidos nos relacionamentos afetivo-sexuais dos jovens. Entende-se confiança enquanto componente preponderante das relações humanas, responsável por promover o elo de aproximação e envolvimento entre sujeitos movidos por motivações distintas. No âmbito da sexualidade, a confiança se encontra em conformidade com os desejos, vontades e semelhanças entre indivíduos, "em meio a tanto a profusão sentimentos, afetos, manutenção das relações, autoafirmação social, expectativas e perspectivas quanto a trocas e possíveis garantias que lhe cabem" (p. 81).

Os autores, baseado na revisão de literatura evidenciaram que as jovens condicionam o uso regular de preservativo ao tempo de relacionamento e confiança no parceiro, sendo recorrente nas pesquisas realizadas sobre o tema a questão da idealização romântica, mesmo em situações de desigualdade de gênero, entre as variáveis que contribuem para a vulnerabilidade, há a presença de submissão feminina ao companheiro, a passividade, a dependência afetiva, a representação de papéis femininos estereotipadas, entre outros. Por fim, verificaram a necessidade da implementação de práticas de prevenção e autocuidado, bem como ações voltadas ao pensamento crítico e autocrítico, ou seja, educação sexual eficiente.

O capítulo 6 ou "POR TRÁS DAS PORTAS (NEM SEMPRE) FECHADAS A VIOLÊNCIA IMPERA", a autora Rebolho investiga o fenômeno da violência em suas várias faces no mundo da prostituição. Sendo um fenômeno permeado pela relação de poder e dinheiro, as pessoas envoltas no exercício dessa profissão são constantemente alvos de violência (física, moral, psicológica e sexual). Nesse cenário, as prostitutas são expostas as mais diversas formas de violência, são obrigadas a fazer uso de drogas, os clientes incluem mais uma pessoa sem que isto tenha sido combinado, etc. Seus corpos são tratados como produtos a serem comercializados, são desqualificadas, para além do estigma de gênero (por serem mulheres e tidas como inferiores), são classificadas como imorais, e por isso em diversos âmbitos tem seus direitos humanos básicos cerceados.

Os casos de violência contra as prostitutas indicam a desqualificação que essas mulheres recebem, bem como o abandono que sofrem pelos órgãos governamentais e pela sociedade como um todo. Contudo enfatiza-se que é inaceitável que sofram qualquer tipo de violência, nada justifica este cenário, portanto, é essencial que as esferas da sociedade como um todo e as políticas públicas trabalhem para combater a banalização da violência contra essas mulheres, passando a tratá-las acima de tudo como seres humanos dotadas de direitos assegurados pela constituição.

O capítulo 7 escrito por Pimentel, com o título "SUBORDINAÇÃO INTRAGÊNERO FEMININO VIA REDES SOCIAIS", trata sobre a questão da presença do sentimento de inveja na interação entre mulheres que utilizam as redes sociais. Foram utilizadas entrevistas internautas com idade entre 18 a 23 anos, habitantes de diferentes regiões do país. As questões foram agrupadas em três eixos: subjetividade, inveja e intervenção. Segundo a autora o "ciberespaço é cada vez mais o cenário dos processos de subjetivação dos sujeitos e do estabelecimento de suas conexões afetivas" (p.117). Pimentel considera o sentimento de inveja enquanto uma das vertentes de "subordinação intragênero que pode ser qualificada como violência psicológica em forma de cyberbullying", trata-se de uma "forma de manutenção do controle dos padrões comportamentais de mulheres por mulheres" (pp. 119-120).

No capítulo 8, intituldo "GÊNERO E VIOLÊNCIA EM LIVROS PARA A INFÂNCIA", os autores Kornartzki e Rodrigues fazem algumas reflexões a respeito dos discursos de gênero e suas relações com a violência simbólica contida nos livros infantis. As crianças são seres sexuados que no decorrer da vida são educados pelos discursos fornecidos pela sociedade, que por muitas vezes estão contidos em obras literárias as quais tem contato, e que contribuem para a formação de ideais de ser, e reprodução de padrões de gênero. Também é inegável o papel da família nesse processo. Propõe-se a utilização de livros infantis para auxiliar docentes e familiares no diálogo sobre as questões de gênero, buscando desconstruir estereótipos de gênero e possibilitar que as crianças construam sua identidade de gênero de forma livre e sem violência.

O Capitulo 9 ou "CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR: UMA POSTURA RESILIENTE" os autores Tombolato, Dakuzaku, Antonio, Paura e Scabello apresentam uma pesquisa chamada "resiliência em crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar: a percepção de profissionais", realizada com profissionais de órgão Governamental especializado em dar suporte psicossocial e educacional às crianças e adolescentes vítimas de violência. Defini-se resiliência, no que diz respeito ao humano, como superação, adaptação e aprendizagem perante situações traumáticas, ela se desenvolve por meio de relações de confiança.

Os profissionais compreendem que suas atuações não influenciam diretamente no desenvolvimento da resiliência de seus assistidos, visto que consideram que esse processo só é possível com um trabalho intensivo e duradouro, tal qual o processo terapêutico. Porém é destacado que o campo da saúde pode proporcionar ganhos significativos para esse processo quando no momento de interação estabelece um vínculo de confiança, potencializado pelo acolhimento e escuta. A promoção da resiliência não substitui as ações do Estado, e há a necessidade de uma melhor capacitação junto aos profissionais da área.

No capítulo 10 ou "UM HOMEM PARCEIRO DE UMA TRANSEXUAL: O SENTIDO PARADOXAL ATRIBUÍDO À SUA VIVÊNCIA" Agreli e Bruns estudam o fenômeno de como são as vivências afetivo-sexuais de parceiros de transexuais, e utilizam este termo por considerarem não patologizante, compreendem que estes indivíduos vivem uma experiência sexual singular, que não se enquadra nos conceitos fixos de orientação sexual (homossexual, heterossexual e bissexual). Apontam que não há uma verdade universal e incondicional sobre a homossexualidade, e que os profissionais, em especial os da educação, saúde e os que trabalham com as mídias de informação sejam capacitados para lidar com as singularidades desses sujeitos.

O Capítulo 11 intitulado "GÊNERO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: VIVÊNCIAS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE DE UMA UNIDADE DE PRONTOATENDIMENTO DE ARACAJÚ-SE" escrito pelos autores Meurer, Santos, Silva e Neto, observou-se nos relatos dos profissionais deste estudo que, nesta unidade, a intervenção feita se restringe a traumas físicos e a medicação. Eles encontram dificuldade para lidar com situações que vão além do biológico, possuem pouco conhecimento a respeito da Lei Maria da Penha, há muitos casos de omissão quando há suspeita de violência de gênero, desconhecimento sobre o conceito de gênero, despreparo para lidar com questões sociais e subjetivas oriunda de lacunas na formação destes profissionais. Por fim, os autores assinalam a necessidade de se promover discussões sobre gênero, visando dentre outras coisas a desnaturalização das práticas de violência; maior conhecimento, por parte de profissionais da área da saúde a respeito da rede de apoio e da Lei Maria da Penha, bem como um processo de capacitação continuada aos mesmos.

No texto 12 nomeado "JUVENTUDE EM CONTEXTO DE VULNERABILIDADE SOCIAL: AFILIAÇÕES POSSÍVEIS" as autoras Gusmão e Vieira buscaram compreender neste estudo como a vulnerabilidade social reflete na percepção que os adolescentes têm de si mesmos. Nomeia-se vulnerabilidade social, não só a questão financeira, mas também todas as demais formas de desigualdades socais, tais como fragilização dos vínculos sociais afetivos, relacionais ou de pertencimento sociais. Os resultados demonstraram que "(...) adolescentes têm percepções de si fortemente ancoradas às suas vivências nos contextos de rua-escola família-relação com os pares" (p.214), no caso desses jovens, a presença de fatores como famílias desestruturadas, e presença de situações de violência e pouca afetividade nos demais espaços de convívio, contribuem para a exposição deles ao uso de álcool e drogas.

A obra no seu contexto faz a abordagem das interfaces entre as relações de gênero e a violência que encontramos em diversos âmbitos de nossas vidas, incluindo nas relações intrafamiliares no qual se estabelecem por meio das relações dialógicas alicerçadas por discursos produzidos pelos múltiplos saberes existentes e pelas práticas geradas por esses discursos, e que na esfera intrafamiliar se instala de modo silencioso, acabando por tomar nuances naturalizantes, configurando um fenômeno complexo e detentor de diversos significados, identifica-se a necessidade de se pesquisar e investigar as origens dessa construção a fim de naturalizá-la, tornando público o que é tido como privado.

Partindo desses pressupostos, o livro aborda questão de gênero, violência e mídia através de reflexões críticas realizadas pelos pesquisadores e pesquisadores no decorrer dos capítulos, e adota um olhar multidisciplinar as questões. No prefácio Heredero, ao fazer um panorama histórico dos estudos sobre igualdade de gênero, enfatiza o dever social de se eliminar a violência de gênero. Evidencia-se a importância de que a educação sexual seja obrigatória em todas as escolas, e que aborde questões como a igualdade de gênero, eliminação da violência de gênero e da homofobia, respeito, direitos e deveres.

 

 

Nota sobre as autoras:

Maria Edileuza A. Paes. Mestranda do curso Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará. E-mail: santosedileuza@hotmail.com.

Tânia Mara de Melo Souto. Mestranda do curso Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará. E-mail: tm.souto@hotmail.com.

 

Recebido em: 19/03/2016
Aprovado em: 03/07/2016

 

 

 

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