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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.7 no.2 Belém dez. 2015

 

Resenha

 

 

Araújo, L. (2016). Religiosidade e Saúde Mental: enredos culturais e ecos clínicos (1ª ed.) Jundiaí: Paco Editorial.

 

Juliana Ferreira Bassalo

Universidade Estadual do Pará

 

O autor em uma linguagem refinada e objetiva apresenta em sua obra um importante estudo sobre a religiosidade e saúde mental no cenário paraense. Para tal entendimento, oferece ao leitor logo na introdução um pouco sobre sua história pessoal e os caminhos que o levaram a se interessar pela pesquisa no campo da religiosidade e sua interface com a saúde mental. Ao utilizar de narrativas que envolvem o místico, lendas amazônicas e religiões diversas, o autor nos apresenta seu olhar sincrético que se faz presente em toda sua obra. Discorre ainda sobre suas experiências tanto acadêmicas quanto profissionais envolvendo questões sobre cultura e religiosidade, evidenciando a influência de sua história pessoal religiosa nesses contextos.

Na introdução da obre aborda também sobre o modo como algumas manifestações religiosas que acontecem na cidade de Belém, em especial o Círio de Nazaré, mobilizam não só a população, mas, toda uma conjuntura política, cultural e econômica. O autor destaca como as festividades adentram as casas, hospitais, órgãos públicos e inclusive os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Na época do Círio é comum na instituição presenciarmos a decoração típica da época, oficinas com temáticas voltadas para a festa além da presença da imagem da Santa, cenário que despertou no autor o interesse de compreender como ocorre a relação singular entre religiosidade e saúde mental no atendimento psicossocial de um CAPS em Belém do Pará.

O capítulo 1, intitulado "CULTURA AMAZONICA: PROSCÊNIO DE UMA COSMOLOGIA RELIGIOSA PARAENSE" nos oferece um pouco sobre a cultura amazônica, mais especificamente a paraense. Citando o escritor e poeta João Paes Loureiro (1995), o autor nos leva a uma compreensão mais ampla de como essa cultura foi construída a partir da influência de uma cosmologia religiosa que segundo ele ainda hoje influência os mitos, crendices, símbolos e sistemas religiosos que compõe a diversidade cultural do povo paraense.

Neste capítulo nos é apresentado de forma introdutória um pouco da história da cidade de Belém, onde segundo o autor, desde a sua fundação a cultura, as artes, a arquitetura e o regionalismo belenense tiveram suas raízes fortemente associadas a cosmologia religiosa cristã européia, indígena e africana, miscelânia sincrética que opera afetando a todos indistintamente, senão pela vinculação religiosa ou inclinação espiritual, pela linguagem, costumes, culinária etc.

No capítulo 2 "O CÍRIO DE NAZARÉ: MEMÓRIAS AFETIVAS E SENSORIAIS" adentramos na experiência vivencial do autor nas festividades que envolvem uma das maiores manifestação religiosas do país: o Círio de Nazaré. Este evento religioso é um marco na cultura do povo paraense e no período em que é realizado mobiliza grande parte da população do Estado. Neste capítulo, o autor explica os motivos que o levaram a participar ativamente das festividades, narrando também sua saga durante a peregrinação da imagem da Santa pela cidade. No decorrer do texto, o leitor pode conhecer melhor os elementos, personagens, histórias de fé e sentimentos partilhados por quem vivencia o Círio na cidade de Belém do Pará.

No capítulo 3 "CAPS RENASCER: TERRITÓRIO DE UM SERVIÇO DE ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL" observamos a importância de se conhecer o cotidiano institucional e a estruturação de um serviço que atende a população que demanda cuidados em saúde mental. Nesta seção o autor aborda resumidamente o papel do CAPS na rede de atendimento, assim como a forma de funcionamento singular do serviço na cidade de Belém. Questões como acolhimento, Grupos de Referencia Técnica (GRT), relação entre usuários e profissionais e os atendimentos grupais são explicitados neste capítulo. Ao abordar esses elementos o autor prepara o leitor para a compreensão de sua trajetória no campo de pesquisa e situa de forma pormenorizada o modo como o serviço é constituído, as terminologias de uso comum e o fluxo de usuários no hodierno institucional.

No capítulo 4 intitulado "PERCURSO METODOLÓGICO" conhecemos os caminhos trilhados pelo autor para realizar a pesquisa, assim como os procedimentos por ele adotados. Este foi dividido em três tópicos: reflexão sobre a trajetória; trajetória metodológica e procedimentos.

O primeiro tópico aborda o tipo de pesquisa escolhida pelo autor que se trata de uma pesquisa qualitativa de orientação fenomenológica voltada para os significados que as pessoas atribuem as suas experiências. O segundo trata em explicar o funcionamento do tipo de pesquisa escolhida e o terceiro em como essa pesquisa se realizou, dividindo-se em quatro passos: a inserção no campo de pesquisa; estratégias para obtenção dos dados e a escolha dos informantes, as entrevistas e a análise das entrevistas.

No capítulo 5 ou "DISCUSSÃO" somos apresentados aos resultados da pesquisa, sendo estes descritos e discutidos pelo autor que dialoga com outros autores que tratam da fenomenologia, fenomenologia da religião e saúde mental assim como a sua própria experiência no contexto institucional e no Círio de Nazaré. Para a discussão, foram criadas quatro categorias de análises que são religiosidades, vivências e ecos clínicos; as demandas religiosas dos usuários e as atitudes dos técnicos; estratégias religiosas relacionadas à prática profissional e o lugar da religiosidade no serviço clínico.

Na primeira categoria o autor oferece ao leitor a oportunidade de reflexão sobre as vivências cotidianas no CAPS, os encontros, as trocas e as experiências partilhadas pelos sujeitos que transitam na instituição. Através desse entendimento, o autor questiona como os termos "religião", "religiosidade" e "espiritualidade" são compreendidos e empregados pelos profissionais do serviço. Este destaca a importância de saber diferenciar esses termos e mencionando Ribeiro (2004) diz que no cotidiano das práticas clínicas em saúde mental é importante a compreensão desses conceitos, visto que estes interferem nas abordagens que contemplam o cliente. Neste tópico percebemos também o uso de questões religiosas associadas ao tratamento oferecido e um sincretismo religioso que influencia a postura dos profissionais colaboradores da pesquisa, ou seja, profissionais que mesclam a sua história pessoal religiosa com a sua atuação clínica cotidiana.

Na segunda categoria conhecemos a forma como as demandas religiosas são reconhecidas por usuários e profissionais. O autor a partir dos relatos obtidos afirma que há duas formas de manifestação: as explicitas e as implícitas. As explicitas se dão por parte dos usuários, que no cotidiano das atividades oferecidas no serviço manifestam demandas religiosas, porém, a partir dos discursos dos profissionais essas são impedidas de emergir, pois são acobertadas por discursos sobre ética profissional e laicidade. Já as implícitas, partem dos profissionais que apesar de não manifestarem publicamente suas ações religiosas, relataram em seus discursos fazer uso de mantras, orações, rezas, passes dentro outros, ao entrarem em contato com os usuários do serviço. O autor nos permite observar nesta categoria que apesar da negação da grande maioria dos profissionais do CAPS em fazer uso de questões religiosas nas ações praticadas no cotidiano institucional, estas estão imersas e são demandas constantes presentes no serviço.

Nesta terceira categoria, observamos o uso de recursos religiosos nos atendimentos oferecidos aos usuários do CAPS. Inicialmente o autor apresenta duas nuances: o manejo por parte dos técnicos de questões religiosas apresentadas pelos clientes e o emprego desses recursos independente da demanda dos usuários. Os discursos relatam as experiências que alguns profissionais tiveram com o uso desses recursos a exemplo de momentos de relaxamento com o uso de músicas católicas a mantras durante o atendimento de uma demanda considerada difícil por parte de uma profissional. Neste tópico somos confrontados e levados a pensar em questões éticas relacionadas à postura profissional, à laicidade dos serviços oferecidos e à forma de manejo "adequado" dessas demandas por parte dos profissionais.

Por fim, a última categoria nos mostra como a religiosidade é vista e compreendida no serviço clínico. O autor explicita que, apesar de haver profissionais interessados em lidar com questões religiosas dos clientes, a maioria destes não proporciona esses espaços para os usuários. Percebemos que nos discursos dos participantes da pesquisa ficam evidentes diversos tópicos que confrontam a aceitação de questões religiosas abertamente no espaço do CAPS. Dentre eles estão, segundo o autor, a falta de comunicação entre as iniciativas existentes, a dificuldade no compartilhamento das experiências, o desinteresse e a depreciação da dimensão religiosa, o temor do embate religioso dentre outros. Entretanto, apesar deste posicionamento ser predominante, pode-se observar uma abertura a uma nova postura na clínica, preconizadas em recentes documentos do ministério da saúde em que tópicos como questões religiosas sejam abertamente discutidas e trabalhadas nas ações dos serviços prestados.

Partindo desses pressupostos, o livro traz um panorama geral sobre como a cultura e principalmente, como as questões religiosas são vistas e compreendidas no atual cenário da saúde mental a partir de uma clínica particularmente instituída em Belém do Pará. Usando de argumentos críticos e reflexivos, a obra apresenta ao leitor um cenário que exige reflexão, questionamento e novos olhares, especialmente sob o enfoque do modo como as demandas religiosas dos usuários dos serviços de saúde mental são abordadas e manejadas atualmente pelos profissionais que atual nessa importante área da saúde.

 

 

Nota sobre a autora:

Juliana Ferreira Bassalo. Terapeuta Ocupacional (UEPA). E-mail: julianabassalo1@hotmail.com.

 

 

Recebido em: 02/05/2016
Aprovado em: 17/08/2016

 

 

 

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