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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.9 no.1 Belém jan. 2017

 

Artigo

 

Ações micropolíticas no campo da saúde mental: tecendo saberes em nome de uma artesania do cuidado

 

Micropolitic actions in the mental health field: weaving knowingness on behalf of one handmade care

 

Acciones micropolíticas en el campo de la salud mental: tejiendo conocimiento en nombre de una artesania del cuidado

 

 

Ingrid Bergma da Silva OliveiraI; Denise Bernuzzi de Sant'AnnaII

Universidade Federal do Pará (UFPA)I

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)II

 

 


RESUMO

Este artigo trata de parte dos achados de uma pesquisa cartográfica de doutorado que se debruçou sobre práticas que conectaram experiência estética, corpo e cuidado em saúde mental. Os dados foram coletados a partir da imersão em atendimentos grupais de uma terapeuta ocupacional em um CAPS de Belém/PA. Neste artigo destacamos questões que se colocam na atualidade da atenção psicossocial, tangenciando as dificuldades dos profissionais e dos dispositivos da rede de atenção psicossocial (RAPS), mas enfocando, sobretudo, o que de exitoso pode ser experimentado nesses territórios ao acessarmos extratos de abertura que escapam de modelizações opressoras. Os resultados da pesquisa apontam que quem vive um sofrimento psíquico não deseja respostas formatadas, como um diagnóstico, para aquilo que lhe aflige, e sim um cuidado mais efetivo no qual se sinta inspirado e acolhido. Nesse sentido, ações micropolíticas potencializam movimentos transformadores que encorajam o sujeito a participar da construção de novas realidades

Palavras-chave: Cartografia; Cuidado; Saúde Mental; Terapia Ocupacional.


ABSTRACT

This article is part of the findings of a doctorate cartography research that focused on practices that connected aesthetic experience, body and mental health care. The data were collected from the immersion in group conducted by an occupational therapist in a CAPS of Belem / PA. In this article, we highlight issues that are currently present in psychosocial care, touching on the difficulties of professionals and the devices of the psychosocial care network (RAPS), but focusing, above all, on what success can be experienced in these territories by accessing open extracts that escape from oppressive modeling. The results of the research point out that those who experience psychic suffering do not want formatted answers, such as a diagnosis, for what they are afflicting, but a more effective care in which they feel inspired and accepted. In this sense, micropolitical actions potentiate transformative movements that encourage the subject to participate in the construction of new realities

Keywords: Cartography; Care; Mental health; Occupational Therapy.


RESUMEN

Este artículo es parte de los resultados de una investigación de doctorado cartográfica que se centraron en las prácticas que conectaban la experiencia estética, cuidado del cuerpo y la salud mental. Se recogieron datos de la inmersión en el cuidado de grupo de una terapeuta ocupacional en un CAPS Belém / PA. En este artículo se destacan los problemas que surgen en la atención psicosocial de hoy, tangencial a las dificultades de los profesionales y los dispositivos de la red de atención psicosocial (RAPS), pero se centran sobre todo lo que el éxito puede ser experimentado en estos territorios cuando inicio la sesión en la apertura de las declaraciones que escapar de modelado opresivo. Los resultados del estudio muestran que los que viven un sufrimiento psíquico no quiere respuestas con formato, como un diagnóstico para lo que te pasa, sino una atención más eficaz en el que se siente inspirado y acogido. En este sentido, las acciones micropolíticas potencian movimientos transformadores que fomentan el sujeto de participar en la construcción de nuevas realidades.

Palabras-clave: Cartografía; Cuidado; Salud mental; Terapia Ocupacional.


 

 

INTRODUÇÃO

O campo da Saúde Mental tem se renovado significativamente ao longo da última década, tanto em relação ao reconhecimento social dos espaços de cuidado da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), quanto à efetivação de práticas e políticas. Na atualidade tem se problematizado este campo de atuação enquanto um território de diferença em amplos sentidos.

Se por um lado a pessoa que vivencia um sofrimento mental tangencia um território de diferença que gera muitas interrogações, desconforto, intimidação e receio, inclusive para quem já trabalha no campo da atenção em saúde mental há algum tempo; por outro lado, vem se compondo nesses mesmos territórios psicossociais, desde sempre, vacúolos de diferença no sentido de fuga da repetição e de desvio de certa doutrina homogeneizante de se pensar a saúde/cuidado.

Embora território seja uma palavra polissêmica, nesta discussão representa, sobretudo, um espaço vivido, sendo constituído, fundamentalmente, pelas pessoas em suas relações, com seus conflitos, interesses, amigos, vizinhos, família, instituições e seus cenários, composta de laços sociais (Brasil, 2004). É um sistema no qual o sujeito se sente "em casa" (Guattari & Rolnik, 2013).

Desta maneira, podemos dizer que neste campo de cuidado se forjam territórios existenciais que criam a possibilidade de se fazer resistência por meio de ações micropolíticas diante dos recursos e rotinas cada dia mais engessados.

O conceito de micropolítica tal qual foi desenvolvido por Deleuze e Guattari se refere às práticas que tem como efeito um modo de posicionamento de natureza insubordinada, disparado por repercussões de subjetivação, como uma ética do devir (Guattari & Rolnik, 2005).

Neto (2015) esclarece que "a micropolítica opera no detalhe, por meio de fluxos de intensidades que podem ser extensivos ao conjunto do corpo social, mas possuem um caráter de imprevisibilidade" (p.403). Ações micropolíticas são como um composto heterogêneo de "crenças e desejos" operando no detalhe das percepções, afecções, diálogos e etc. (Deleuze & Guattari, 1996, p. 98).

O território existencial, nesse sentido, é pensado enquanto um ambiente vivo que é essencialmente processo de expressão e criação e está sempre sujeito a modificações, desvios e recriações de si mesmo, uma vez que se constitui na relação com outros territórios em movimento. Guattari (1992) afirma que as possibilidades de transformação desses territórios se dão por modos de relação, logo, entrar em um território existencial já é modificálo, fazendo parte dele, pois ele é uma expressividade sempre provisória que a tudo capta, sensível e determinante na constituição de seus personagens.

A partir da prática psicossocial no Sistema Único de Saúde (SUS) é possível detectar questões desse lugar de cuidado a partir dos territórios existenciais que ali co-corpam1. Uma dessas questões já detectada aponta para certa superficialidade das "ações terapêuticas", em alguns casos, demarcada pela falta de disponibilidade e, por conseguinte, de acolhimento com o sofrimento do outro, observando-se de um lado, desejo de cuidado, de olhar, acolhida, e de outro, intervenções clínicas2 frágeis.

Nesse sentido, nos propomos a fazer uma reflexão sobre questões que se colocam na atualidade da atenção psicossocial, incluindo o estabelecimento de uma atitude crítica frente à política nacional de saúde mental vigente, tangenciando as dificuldades dos profissionais e dos dispositivos da RAPS, enfocando, sobretudo, o que de exitoso pode ser experimentado nesses territórios ao acessarmos extratos de abertura que escapam de modelizações opressoras.

A partir de demandas e reflexões oriundas do acompanhamento realizado com usuários que frequentaram um "grupo de trabalho corporal" coordenado por uma terapeuta ocupacional no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Renascer em Belém-PA, entre os anos de 2010 e 2012, foi possível localizar práticas que conectaram experiência estética, corpo e cuidado em saúde mental, e dessa experiência partem as discussões apresentadas neste artigo.

Para Rolnik (2012) a experiência estética diz de como as forças do mundo afetam um corpo, é a experiência da produção encarnada, dos processos de construção e autoafirmação. Neste sentido, seu rigor expressa a criação que imprime marcas, potências estéticas de sentir, como máquinas autopoiéticas.

Essa ideia de experiência estética com a qual nos afinamos se apresenta conforme convocamos o olhar por meio de uma força investigativa que se situa na relação, no modo como observamos e denominamos o mundo, o que nos atravessa e a maneira como as forças do mundo afetam nosso corpo. Ela não diz respeito a sinais ou símbolos, nem à possibilidade interpretativa dos mesmos, mas à instauração de uma nova potência de escuta, de acolhimento, de produção de sentido.

As terapeutas ocupacionais Mecca e Castro (2008) discorrem sobre a experiência estética relacionando-a a uma dimensão existencial da vida das pessoas, podendo ser fomentada por meio do contato com qualquer objeto ou fenômeno. As autoras afirmam que tal experiência evoca forças vivas que constituem a subjetividade, conectando sensorialmente o sujeito ao entorno, o que o localizaria em um cenário estético intersubjetivo e, paralelamente, o lançaria a outro espaço-tempo que desmancha formas costumeiras de lidar com as situações cotidianas, inventando novos modos de ser, fertilizados por um processo de singularização.

Nesse sentido surgem inúmeras questões: como qualificar os encontros cotidianos de abertura às experiências estéticas? Qualificando a intensidade de vida que neles interage? Acolhendo ao mesmo tempo as contingências do caótico e as vias de expansão existencial? Que potência sustentaria essa experiência? Suely Rolnik (1997) chama essa potencialidade de vibrátil, "que faz com que o olho seja tocado pela força do que vê" (p. 26).

A cartografia, método adotado nessa trajetória, enfocou as cenas extraídas dos registros do grupo, destacadas neste artigo em itálico, que dispararam discussões culminando na organização de uma forma de pensar o cuidado que denominamos artesanal. Rolnik (2011) esclarece que a cartografia é um desenho que se move, uma composição que acompanha mudanças, sejam elas de fluxo ou de vida. Por isso, cabe ao pesquisador, enquanto cartógrafo, captar forças e dar-lhes visibilidade.

A cartografia apresenta o desafio de realizar uma reversão do sentido tradicional do método, sem objetivar metas prefixadas, sem o intuito de ser aplicada, mas para ser experimentada e assumida como atitude. Todavia, o fato de não ser fixa, não quer dizer que não tenha rigor, mas este é ressignificado. O rigor do caminho, sua precisão, está mais próximo dos movimentos da vida, e nada é tomado como exatidão, mas como compromisso e interesse, como implicação junto à realidade (Passos; Kastrup & Escóssia, 2012).

Os excertos contidos neste artigo abrangem diálogos disparados na vivência entre 14 participantes do "grupo de trabalho corporal". A obtenção dos dados se deu por registros fotográficos e de áudio, além dos registros nos cadernos de grupo, que para lembrar uma poesia de Manoel de Barros, chamamos de "cadernos de andarilha".

 

A VIDA ÀS VEZES TRANSBORDA PELOS POROS

Os loucos são como beija-flores:

nunca pousam, ficam a dois metros do chão

(Arthur Bispo do Rosário).

Em uma sala apertada do CAPS, em mais uma tarde quente, como era de se esperar em Belém, tentamos não nos incomodar tanto com o suor e a sede constante. A maioria das pessoas chega quase simultaneamente, e mais calor se instala no ambiente. Começamos o trabalho caminhando pela sala em passos lentos, mas firmes, alongando a musculatura e nos cumprimentando espontaneamente para, em seguida, iniciar a proposta para aquele dia. Quatorze pessoas, entre usuários do CAPS, estagiários e técnicos se "ajustam" ao espaço inadequado. Se não fosse pelas conversas movidas a risadas, o ambiente nos faria correr dali. Lemos o "Poema Preso", escrito pela filósofa Viviane Mosé por sugestão minha. Um dos usuários faz a leitura:

A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos. Abscessos, tumores, nódulos, pedras… São palavras calcificadas, poemas sem vazão. Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre… Poderiam um dia ter sido poema, mas não… Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa. Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima. Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor. Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor. Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor. Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor. Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema. E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo Com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas.Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha. Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação. Mas não use bisturi quase nunca, Em caso de poemas difíceis use a dança. A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo. Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas. São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos, Os poemas-sexo, os poemas-cílio… Atualmente, ando gostando dos pensamentos-chão. Pensamento-chão é grama e nasce do pé, É poema de pé no chão, É poema de gente normal, de gente simples, Gente de Espírito Santo. Eu venho de Espírito Santo. Eu sou do Espírito Santo, eu trago a Vitória do Espírito Santo. Santo é um espírito capaz de operar o milagre sobre si mesmo. (Grifo Nosso)

Após a leitura do poema, alguns usuários espontaneamente pediram a palavra. As falas traziam um desdobramento do poema, que se deu por acharem que adoeceram da razão, das palavras presas, não ditas, por tudo que "engoliram" durante anos e que agora "vomitavam" em forma de sofrimento psíquico. Um dos usuários disse: "Se pensasse nisso antes, se soltasse meus poemas, quem sabe nem estaria aqui hoje".

Poema preso, loucura, doença mental, devaneio, sofrimento mental, maluquice, doidice, sofrimento psíquico, transtorno mental... Várias nomenclaturas, algumas delas termos convencionais de uma ciência nosológica; outras, termos usuais do senso comum, mas todas voltadas para uma mesma questão que suscita olhares plurais e que se encontra alojada em um lugar historicamente ocupado por outras manifestações em séculos anteriores.

Cabe lembrar Guattari que ao ser questionado sobre o que era "doença mental", nomenclatura comumente utilizada à época, no ano de 1982, respondeu que esta não poderia ser definida sob um único aspecto, já que envolve dimensões pessoais, econômicas, sexuais, conjugais, familiares, de trabalho, personalidade, modo de vida, de ordem moral, estética e religiosa. Ela é alguma coisa que se agencia no conjunto desses níveis, mesmo que só o que apareça seja um sintoma no corpo (Guattari & Rolnik, 1996).

As dimensões envolvidas no acontecimento da loucura são mais abrangentes do que podemos supor, além disso, requerem ações que vão ao alcance do sujeito no seu limite e que não dependem de nomenclaturas para que se façam compreender, já que, por vezes, estas apenas atrapalham.

Caberia melhor compreender que saúde e doença são formas pelas quais a vida se manifesta, como Canguilhem (1990) nos fez enxergar. E que é o sofrimento que nos fala de estados de saúde/doença, a maneira como este se apresenta, a forma de enfrentá-lo ou como se sucumbe a ele, e não medições ou desvios de certo "padrão".

Pelbart (1993), reconhecido filósofo contemporâneo, pauta outro viés ao compreender a loucura como "[...] uma dimensão essencial de nossa cultura: a estranheza, a ameaça, a alteridade radical, tudo aquilo que uma civilização enxerga como o seu limite, o seu contrário, o seu outro, o seu além" (p. 105).

Esse olhar sobre a loucura como o limite de uma civilização, o seu contrário, talvez ajude a compreender o porquê da relação do homem com este fenômeno ser tão complexa ao longo da história.

Bachelard, com outro olhar filosófico, compreendia o que chamava de devaneio como função de um sonhar ativo, vivificador, sem nenhum sentido divagativo. A imaginação poética, em sua concepção, seria uma modalidade de devaneio que representaria a expressão poética sobre o que se sonha e vive (Prado et al., 2012), talvez cabendo a quem reage ao excessivo do mundo expressando um sofrimento psíquico e junto com ele a ampliação de sua expressão e imaginação poética.

Percebemos que os olhares sobre a loucura ao longo da história da humanidade já foram tomados por sentimentos diversos. Em alguns momentos entendida como fuga, como excesso, causando respeito ou compaixão. Outrora, temida, rejeitada, excluída, resultando em temor ou desqualificação.

Mário Pedrosa (1951), conhecido crítico de arte, ao se deparar com internos de um hospital psiquiátrico os chamou de "homens que não conseguem contemplar o mundo sem estremecer, comovidos" (p. 196), especialmente aqueles que produziam o que chamava de arte bruta, em que se cria sem a intenção da produção artística, como nos ateliês propostos por Nise da Silveira, psiquiatra que se recusou a usar eletrochoque, trabalhando com ateliês artísticos no espaço hospitalar na década de 40.

A arte, universo por onde transita a poesia, tem uma vinculação, uma nascente com o que se pode chamar de "não-razão" ou de errância do nexo, do muitas vezes indizível, das afecções3 despertando em nós afectos4 que, se expandidos, fazem-nos ter respostas refinadas diante da dor e do sofrimento, possibilitando que se apreenda o mundo ao nosso redor em sua profundidade pela lógica do saber-do-corpo.

O saber-do-corpo circunscreve uma maneira de perceber o mundo como forma, e de apreender o mundo como campo de forças. A apreensão das forças do mundo e de seus efeitos sobre os nossos corpos corresponde a um saber da percepção de nossas diferenças, um saber de avaliação dos afectos. Rolnik fala do saber-do-corpo como uma vibração híbrida que considera os sentidos, a atenção e as intensidades e situa-se entre um saber pulsional, que abrange as turbulências, o corpo pulsante, o desejo, e um campo representacional que diz da realidade, da repetição, do pensamento (Rolnik, 2012, 2013).

Borges (2015) contextualiza que o termo utilizado por Rolnik e aponta certa capacidade afetável do corpo em sua relação com o mundo, algo que precipita novos devires5.

O saber-do-corpo, diferente do eu identitário envolve-se na dimensão dos ritmos singulares do existir; como um portal pelo qual podemos acessar as memórias dos afectos que toda palavra contém; assim como, a força das formas e a experiência da duração que só podem ser apreendidas pelo movimento dos corpos (Borges, 2015).

O corpo-que-sabe é aquele que compreende os efeitos do outro na textura e consistência de si. Além disso, descreve outra capacidade, outra potência do corpo, que consiste em ser vulnerável ao outro como uma presença viva, como um campo de forças que produz efeitos, e que cria uma espécie de espaço de alteridade, a partir dos quais o sujeito vai se reinventar, se ver exigido a uma reinvenção (Rolnik, 2013).

Rolnik (2014) acrescenta que nossa cultura "antropofalocêntrica" apagou a capacidade receptiva do corpo, reduzindo a chance deste se afetar com as forças do mundo. Este saber-do-corpo seria a via pela qual poderíamos acessar extratos de abertura e escapar de modelizações opressoras. O corpo-que-sabe é como a nossa principal bússola, é o principal instrumento que temos como vivos, então batalhar pela ativação dessa capacidade é o foco principal de uma luta micropolítica.

Entrar em contato com ações de cuidado que privilegiem o saber-do-corpo, em síntese, produz algo para além do tratar, deflagra escapes e ações que ampliam as chances de nos afetarmos com as forças do mundo.

Proporcionar que a vida seja marcada pela experiência estética, nessa relação com o saber-do-corpo, permite emergir afetações onde para muitos parecia não existir nada, por vezes, ajuda cada um, ou um, a inventar a seu modo, seu percurso poético de estar no mundo, de viver e dar sentido à vida

Após a leitura do poema e de uma breve conversa em que se falou sobre as percepções acerca do texto, cada um fez um desenho "cru" de seu próprio corpo em tamanho real. Chamo-os de "crus" por serem feitos sem grandes recursos plásticos como tinta ou colagem, sem detalhes de preenchimento. Nesse desenho, deveriam sinalizar da forma que achassem melhor e dentro do contorno de seus corpos, onde estariam seus poemas presos, se nos pulsos, se no tórax, se na cabeça e etc. Depois de terem finalizado os desenhos, passamos a trabalhar em cima de cada produção, uma a uma. O desenho era colado na parede e intervíamos sobre o mesmo. Nossas intervenções eram no sentido de "liberar poemas", um trabalho de "soltura" que realizamos coletivamente. Se o desenho tinha marcas na cabeça ou escritos como "dor no peito", por exemplo, o grupo, ao intervir, poderia escolher desenhar, escrever, pintar ou fazer algo que soltasse aquela "dor endurecida". Assim, para dores de cabeça foram desenhados, pintados e/ou escrito: carinho, cafuné, compressa de chá de camomila, massagem, banho demorado, flores, sorriso. Para insônia, foram indicados cafuné, banho quente, leite morno, coceira nas costas, massagem nos pés. Para tristeza, foram indicados passeios, oração, alongamento, ser leve, usar roupas coloridas e assim por diante.

Após intervirmos em cada desenho, pausamos a conversar sobre toda a ação. Alguns usuários relataram que sentiram como se a intervenção tivesse acontecido sobre os seus próprios corpos encarnados, mas sem que fosse algo invasivo. Uma senhora que tinha feito seu desenho corporal muito triste, olhos baixos, boca sem sorriso, pouca cor, disse que se assustou ao ver que após a intervenção do grupo havia batom em seus lábios, que estes foram refeitos em forma de sorriso, que colocaram uma flor em seu cabelo etc. A partir dos relatos iniciais, focamos nossos diálogos sobre as ações que poderíamos realizar na "soltura" de nossos poemas presos.

Naquele momento do grupo, intervir no distanciamento do próprio corpo foi a forma encontrada para que o trabalho acontecesse com certa suavidade. Começamos com as palavras escritas, antes mesmo das ditas. Veio o poema, vieram os desenhos, as escritas nos corpos desenhados, e depois os diálogos.

Sennett (2009) traz uma reflexão interessante ao destacar que "[...] o que somos capazes de dizer em palavras pode ser mais limitado que aquilo que fazemos com as coisas. O trabalho artesanal [manual] cria um mundo de habilidade e conhecimento que talvez não esteja ao alcance da capacidade verbal humana explicar [...]" (p. 111).

Durante o encontro, o grupo mostrou-se mais receptivo a intervir sobre o corpodesenho do que a falar sobre a experiência ou sobre o poema. Foi necessário certo manejo para que pudessem compartilhar o que o trabalho artesanal/manual/expressivo do grupo sobre o corpo-desenho havia suscitado em cada um.

Quando finalmente conseguiram expressar em palavras, a maioria situou essa "soltura de poemas presos" no campo relacional, social e cultural. Ninguém falou em remédios alopáticos, mas em remédios de alma, assim por eles intitulados. Esses abrangeriam desde acordar cedo e fazer uma caminhada, a ouvir música, ir à Igreja, ligar para os amigos, usar palavras doces, dormir bem ou até mesmo seguir seu tratamento no CAPS.

A experimentação funcionou como uma espécie de poesia do cotidiano, conduzida em bordas macias, cuja maciez se presentificou na interface entre os sujeitos e seus poemas presos, ou entre eles e os poemas presos dos outros. Vimos superfícies macias que acolheram e produziram um modo de cuidado delicado que transbordou pelos poros. Os olhares sobre os outros se fizeram marcantes e essa provocação significou um despertar para muitos. Observar cada corpo-desenho, suas dores, suas prisões, seus medos e intervir com respeito, cuidado, afeto, mostrou-se enquanto um ato de cuidado manejado pela suavidade, que operou para garantir que não excedêssemos os limites que os sujeitos suportariam naquele momento, fato que implicou na permanência de uma intervenção focada no corpodesenho.

Percebe-se que os sujeitos em sofrimento psíquico não desejam um diagnóstico, uma resposta formatada para aquilo que lhes aflige, mas um cuidado mais efetivo no sentido de que possam sentir-se inspirados, acolhidos, respeitados em seus direitos e desejos. Entretanto, algumas práticas "arcaicas", desvinculadas desse enfoque acolhedor antes que responsivo, se mantêm ativas no Brasil, ainda que haja uma ruptura com o paradigma asilar, contemplada, mesmo que não plenamente, pela atual Política Nacional de Saúde Mental.

A ampliação do número de CAPS, a disponibilidade de medicamentos com menos efeitos colaterais e de maior qualidade, um acolhimento mais adequado nos momentos de crise – o que inclui espaços apropriados com a expansão dos CAPS do tipo III (que contemplam leitos de observação e acolhimento 24 horas) – , bem como a capacitação de equipes, o suporte para visitas e cuidados domiciliares, a educação e a sensibilização da população para diminuir preconceitos e a procura tardia por tratamento são algumas questões que podem ser apontadas em uma observação crítica sucinta com relação às necessidades de melhoria da Política Nacional de Saúde Mental, mostrando-nos que ainda há muito trabalho a ser construído em prol de uma ampliação do cuidado e dos direitos dos usuários, para além da não-fixação diagnóstica.

Na prática psicossocial, muitas forças reativas6 se impõem em um trabalho de "prender poemas" e patologizar, como a dificuldade real de alguns profissionais de saúde em abandonar o olhar psiquiatrizante, em pensar a saúde mental de forma desruptiva, sem criar novos modelos de submissão do outro ou deixar de olhar o sujeito pela lente incapacitante do reducionista paradigma manicomial, mesmo que em novos cenários.

É importante destacar, que durante o período de acompanhamento do grupo do qual saíram os registros das cenas tratadas neste artigo, frequentemente usuários eram inscritos por seus técnicos de referência7 e outros saíam do grupo por alta, mudança de plano terapêutico, não identificação com o grupo etc. Dessa forma, o contexto do grupo variava sistematicamente e o fluxo de entrada e saída era contínuo, característica dos grupos abertos (Ballarin, 2003). Independente do fluxo e característica aberta do grupo, não fazia parte da rotina ler o diagnóstico dos participantes em seus prontuários.

Souza e Santos (2008, p. 92) pensam que:

quando um profissional tem conhecimento do diagnóstico de um sujeito, com frequência tende a reduzi-lo ou a reduzir sua experiência, justificando atitudes e aspectos de sua personalidade, sem que tenha algo a mais a descobrir ou a fazer por ele.

Esta foi uma opção de trabalho, na qual se buscou concentrar atenção e investimento nas necessidades que se apresentavam, nas demandas manifestas explicitamente ou não, e na relação, que na ideia de cuidado aqui apresentada, está acima de qualquer fixação diagnóstica ou rotulagem.

Souza e Santos (2008) reforçam que a produção de cuidado na atualidade resulta de histórias, saberes e práticas, inseridas em um processo social dinâmico que gera sentidos múltiplos. Entretanto, a Saúde Mental atual ainda está visivelmente atrelada ao contexto Moderno, cujas premissas enfatizam o conhecimento sistemático e objetivo das patologias psiquiátricas, situação que favorece o uso imperativo da Classificação Internacional de Doenças (CID), do Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM) ou qualquer outro instrumento descritivo generalista.

Pearce (1996) alerta que "[...] dizer como algo se chama não é simplesmente nomeálo ou falar sobre isso: é num sentido real, convocá-lo a ser como foi nomeado" (p.176). Deste modo, identificar ou convocar esse diagnóstico assume relação de semelhança.

Nessa perspectiva, Guattari defende a ideia de que os sintomas são como pássaros que vêm bater seus bicos no vidro da janela, e que não cabe interpretá-los, mas situar suas trajetórias para saber se eles servem de indicadores de referência, adquirindo consistência suficiente para modificar situações (Guattari & Rolnik, 2005).

Os estagiários que auxiliavam o grupo, muitos oriundos de práticas que valorizavam o caráter patologizante, questionavam os diagnósticos e recebiam como resposta que ali outras informações eram prioritárias, e aos poucos iam substituindo a curiosidade propedêutica por um olhar em que figuravam subjetividades. Sobre este modo de proceder, Lima (2004) salienta que "[...] se o terapeuta não é capaz de olhar, mas apenas de ver, estará apto somente a fornecer diagnósticos para determinadas situações e, a partir deles, propor [...] não será capaz de entrar num espaço de troca com seu usuário [...] (p. 45)".

Grandesso (citado por Souza & Santos, 2008) esclarece que a postura de não saber o diagnóstico não significa não saber nada, mas reconhecer-se como tendo um saber sem acesso privilegiado a pretensas verdades, visto que este é "[...] de caráter provisório, que deve ser desafiado por outros saberes, inclusive, o do cliente, o único especialista em sua própria experiência" (p. 92).

Este caráter provisório fica evidente ao analisarmos alguns prontuários, uma vez que encontramos inúmeros diagnósticos para um mesmo usuário ao longo de um período de acompanhamento. Isso se deve, em parte, ao fato de o sofrimento mental não ser fixo, ademais, a estabilidade de um quadro é tarefa árdua, bem como o diagnóstico depende da avaliação do médico assistente naquele momento, o que acontece acolhendo as variáveis que envolvem o conhecimento humano e a complexidade dos casos. Cabe lembrar Nise da Silveira (1992) quando ressalta que:

[...] a Psiquiatria, na sua atitude face ao doente, invalida sumariamente os que não se adaptam às normas sociais vigentes, sem investigar os motivos que os levaram àquela atitude – problemas afetivos, familiares, econômicos. Apressam-se [...] a rotulá-los e [...] será quase impossível escapar [...] (p. 15 - Grifo nosso).

Nise sustentava que o tratamento não deveria objetivar levar o sujeito a viver dentro de padrões convencionais de ajustamento, usados pelos chamados "normais". Essa discussão se aplica também aos diagnósticos, uma vez que nem sempre cabem à realidade apresentada pelo caso. Na prática psicossocial é comum dizer que quando nada cabe, o CID F29 (psicose não-orgânica, não especificada) é utilizado, apenas com a justificativa de que o usuário deve apresentar um diagnóstico.

O entendimento que nos escapa acerca dos fatores relacionados a causas e prognósticos do sofrimento mental amplifica sua complexidade, ao mesmo tempo em que nos obriga a problematizar e repensar as práticas assistenciais, desde que reconheçamos que limitar ao campo da saúde a tarefa de cuidar e dar suporte reduz as possibilidades de responder às demandas dessa clientela:

[...] o campo da saúde mental como intrinsecamente multidimensional, interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, e como componente fundamental da integralidade do cuidado social e da saúde em geral, trata-se de um campo que se insere no campo da saúde e ao mesmo tempo o transcende, com interfaces importantes e necessárias reciprocamente entre ele e os campos dos direitos humanos, assistência social, educação, justiça, trabalho e economia solidária, habitação, cultura, lazer e esportes etc (Brasil, 2011, p.15).

Essa ideia aglutinadora com relação à saúde mental foi apontada no relatório final da última Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasil, 2011), ocorrida em 2010 e vem sendo impulsionada pelos dados estatísticos crescentes quanto ao número de atendimento de adoecimentos mentais, pelo reconhecimento de alguns autores da incapacidade de um único campo de saber dar conta desse tipo de sofrimento, assim como, pela falta de políticas que acolham as demandas que se impõem, mas também, e principalmente, pelas ações interdisciplinares e intersetoriais que foram realizadas nas últimas duas décadas, as quais apontam para a necessidade de uma leitura amplificada acerca do que comporia uma assistência qualificada nesse campo de intervenção.

Sob a ótica da reforma psiquiátrica, que culminou na criação dos CAPS, a Saúde Mental implica em um paradigma diferenciado, englobando o conjunto de ações para promovê-la e mantê-la, considerando as dimensões psicológicas, ocupacionais e sociais e os fatores psicossociais que determinam saúde e doença sob esta ótica (Saraceno, 2001).

Para o entendimento do sofrimento mental sob esta nova cosmologia, foi necessário o auxílio cooperativo entre diferentes áreas de conhecimento para além da Psiquiatria, como a Psicologia, a Filosofia, a Antropologia, a Terapia Ocupacional, a Enfermagem Psiquiátrica, o Serviço Social, a Educação Física retirando-se a exclusividade do saber médico, o que direcionou a lente da saúde para o diálogo com outros atores (Amarante, 2000).

Rotelli (1990) enfatiza que a desinstitucionalização da loucura passa pela formação e capacitação continuada dos trabalhadores, bem como pela implantação de novos modelos organizacionais participativos e/ou autogestivos.

Deste modo, nessa realidade de atenção ao sujeito em sofrimento mental, destacase o importante papel de ações transversalistas que podem instrumentalizar as equipes com uma amplidão de recursos disponíveis, sendo eles situados no campo das artes plásticas, da música, da literatura, da dança, das artes do corpo, da filosofia, dos saberes populares e outros.

Segundo Souza (2000), a transversalidade aponta para a interpenetração e para o entrelaçamento imanente à rede social. Nesse caminho, as relações de transversalidade dizem respeito à possibilidade do atravessamento de saberes que não convergem para a disciplina que representam, mas tendem à interdisciplinaridade e /ou transdisciplinaridade entre esses saberes, algo que, de certa forma, representa o movimento das ações que se busca constituir no cotidiano dos CAPS.

Quando essa interpenetração e esse entrelaçamento se instauram, outro tempo de atenção se apresenta, um tempo em que as respostas lançam-se para longe de um imediatismo, culminando em um cuidado diferenciado, inserido em uma leitura e experimentação do real que transborda a tecitura de um porvir marcado pela experiência estética.

 

TECITURA DE SABERES

A ideia de cuidado apresentada como pano de fundo neste artigo é atravessada por histórias de vida, verdades e memórias de sujeitos, cujo sofrimento psíquico tem imprimido marcas em suas existências tanto concretas quanto simbólicas, pela teia de significados que lhe é atribuído.

Os loucos na sua fragilidade e inconsistência, com sua origem turva e nebulosa, num processo constante de reconstrução a partir dos destroços anteriores, também precisam, para sustentar-se, de muita engenhosidade, acaso e amiúde uma boa torcida desejante [...] aquela que nós podemos oferecer a partir dos dispositivos os mais diversos que conseguimos colocar à sua disposição para favorecer-lhes essa consistência e sobrevivência, ainda que incertas (Pelbart, 1993, p. 31-32).

Os dispositivos aos quais Pelbart se refere encontram-se desde o plano institucional, jurídico, de acolhimento, de escuta, de vínculo, que entram em ação partindo de um encontro e que se concretizam em tempos diferentes para quem oferece e para quem recebe a oferta de cuidado. Não se trata do tempo do relógio, mas de um sem medida que se situa na disponibilidade e desejo de ambos, doador e receptor. Um tempo que é devir e não khronos (Pelbart, 1993).

Deleuze indica que, de início, dispositivo é um novelo, certo conjunto multilinear, composto por linhas de natureza diversa, como as linhas de força e de subjetivação (Deleuze, 1990).

Kastrup e Barros (2012) destacam duas consequências do pensamento Deleuziano de dispositivo: a primeira é o repúdio a um universalismo, e a segunda é uma orientação que se desloca do eterno para a apreensão do novo. O repúdio ao universalismo e ao eterno, diríamos melhor, ao saber eterno e imultável/inflexível, funcionam como alavancas do que pensamos ser o cuidado artesanal, uma vez que esse cuidado acolhe as individualidades e é da ordem do processual e do acolhimento do novo.

A terapeuta ocupacional Maria Cecília Galletti (2001) discutiu a diferença entre técnica e dispositivo em sua dissertação de mestrado, pontuando que técnica é um instrumento material aplicado em dada situação e dispositivo nasce da situação como dobra estratégica, uma tática advinda da própria experiência do terapeuta intercambiada com a do cliente.

Merhy (1998) afirma que a produção de táticas de cuidado requer valorização do acolher, do responsabilizar, do resolver e do autonomizar, ou seja, um agir cumpliciado do profissional com a vida individual e coletiva do cliente. Afirma também que cuidar significa um encontro entre um trabalhador de saúde e um usuário, no qual há um jogo de necessidades e direitos em que o usuário se coloca como alguém que busca uma intervenção que lhe permita recuperar ou produzir graus de autonomia.

Todavia, sair da horizontalidade involuntária, geralmente imposta ao sujeito em uma internação psiquiátrica, marcada pelo predomínio da restrição ao leito, pela medicação, pela contenção, e passar para uma relação horizontalizada, onde não se legitimam líderes ou atitudes doutorais, mas parcerias, compartilhamentos, "proposições" aos modos do pensamento de Lygia Clark, não é tarefa fácil, mas significa escalar degraus de autonomia, ou seja, é onde se vivencia uma espacialidade móvel e ao mesmo tempo indefinível, fazendo da "intervenção/obra", algo situado entre o catalisar e o restaurar (Clark, 1964 citado por Rolnik, 1996).

Tratar de maneira enfática ações micropolíticas no campo da saúde mental se faz importante por potencializar movimentos transformadores que encorajam o sujeito a participar da construção de novas realidades sem que dependa exclusivamente de outro, seja ele mestre, líder ou terapeuta, fazendo surgir uma intervenção enquanto tática (Souza & Santos, 2008).

As estratégias constituídas no interior dos serviços de saúde mental poderiam privilegiar uma oferta de espaço para essa experimentação de si, tão pertinente aos usuários que vivenciam um sofrimento mental. Essa realidade, geralmente, encontra-se aprisionada em rotinas intensas e burocráticas, relações hierárquicas, em que novas formas de relação com a experiência da loucura não se presentificam, restando, por vezes, armadilhas no cotidiano para que se reproduza a prática asilar. E tal prática asilar independe do espaço físico, podendo se estender por qualquer modalidade assistencial, basta que haja formas radicalizadas nas relações que abranjam gestos, olhares ou atitudes que imponham limites excessivos, intolerâncias e diferenças.

Na privacidade entre trabalhadores e usuários é possível observar se o que acontece é a lógica da burocracia, a lógica manicomial e não a das relações. Nem sempre as ideias operantes são públicas. Muitas vezes, apenas o discurso privado deixa escapar o pensamento retrógrado. Se o profissional é chamado a proferir uma palestra, o discurso é muito atualizado, supostamente terapêutico, pretensamente inclusivo, mas no dia a dia, na relação "íntima" com os usuários dos serviços, na condução das ações "domésticas", o que fala alto é uma postura verticalizada, pouco investida de afeto e de interesse por produção de diferença.

Embora os serviços de atenção ao sujeito em sofrimento mental façam parte do SUS, localizando-os no campo da saúde, pensados como espaços de prevenção, promoção e reabilitação, mais do que tratar doenças, nestes lugares, o importante seria pensar as ações como forma de produzir autonomia, viver em sociedade, produzir vida em sujeitos autônomos, favorecendo uma leitura/releitura de seus modos de estar no mundo.

Em meio a um processo de adoecimento, por mais grave que este se apresente, é possível ver o sujeito se reinventar, redescobrir-se ou pelo menos perceber de forma mais atenta aspectos da sua realidade e de sua história, quase nunca antes observados.

Entretanto, ocorre, em muitos casos, a reificação dos usuários, com serviços centrados em procedimentos (preencher uma ficha, ser fazer representar por um número de prontuário, inserir-se no fluxograma), onde o questionamento se aniquila e opta-se por não se tomar conhecimento se as ações estão facilitando a vida dos usuários e fazendo sentido para eles, independente de, muitas vezes, o serviço representar a única rede de pertencimento da qual os usuários fazem parte.

Sant'Anna (2001) afirma que é frequente profissionais de saúde atuarem sob rígida divisão de tarefas, em uma clara imagem de fragmentação do cuidado, o que pode gerar ou piorar a sensação de angústia nos usuários.

A rigidez e, também, o excesso de tarefas burocráticas engessam a vida das pessoas – equipe e usuários –, havendo sempre tempo e lugar previamente estabelecidos e inflexíveis para que tudo aconteça, docilizando8, deste modo, os corpos, mas considerados por muitos apenas como atributos de uma "organização essencial" dos serviços, para quem, ser flexível, torna-se atitude resultante ou passível de manipulação.

Como interferir nesta realidade? Como ampliar as fronteiras por vezes rígidas?

Pensar em espaços de negociação para que se produza sentido de vida e se fuja do imperativo do "poder branco" que afasta terapeuta e usuário? Sim, mas talvez não seja o suficiente.

Sobre este aspecto, Amarante (1995) afirma que é:

[...] preciso desmontar as relações de racionalidade/irracionalidade que restringem o louco a um lugar de desvalorização e desautorização para falar sobre si, da mesma forma que é preciso desmontar o discurso/prática competente que fundamenta a diferenciação entre aquele que trata e o que é tratado (p.48).

O que mais interessa, nesse caso, é observar o que contamina a composição de um dispositivo, perceber como os poderes operam a fim de desmobilizar, destituir de valor, desagregar. A lógica asilar que é esse tipo de força reativa que triunfou durante certo tempo na História, pode retornar não necessariamente trazendo de volta seu dispositivo manicômio, mas neutralizando forças ativas, seja decompondo-as, seja separando-as, esvaziando de valor e mobilização, como já somos capazes de perceber.

Nesse sentido, Pelbart (2010) chama a atenção para a imanência com que os poderes operam, "não mais de fora, nem de cima, mas como que por dentro, incorporando, integralizando, monitorando, investindo de maneira antecipatória até mesmo os possíveis que se vão engendrando, colonizando o futuro" (p. 25).

Como manter a força ativa dos dispositivos de cuidado sem sucumbir à desmontagem?

Essa é uma questão que deve nos acompanhar, porque, enquanto nos atentarmos a ela, corremos menos risco de sermos capturados. De qualquer forma, resistir a sucumbir depende de sermos ativos, criarmos um modo de respirar, desalinhar as significações estabelecidas, negando a imposição da normalização, da dominação, mantendo a condição de transformação do pensamento e das ações.

Buscar a nós mesmos e por isso viver em eterno desterro, talvez nos ajude na tarefa hercúlea de nos despirmos de nossas certezas, aceitarmos a perene e imanente condição de impermanência de tudo.

A artesania do cuidar / cuidado artesanal, nesse sentido, revela uma realidade flutuante, impermanente, que se faz e refaz, representando uma escolha que resulta de uma dilatação, nutrida pelo tempo, expressando nosso ato criativo, nossa capacidade singular de inventar futuros, nossos e do mundo, um saber de uma confiança na vida e na possibilidade de criarmos saídas, outros possíveis aos modos hegemônicos de existir e cuidar. Nosso ato criativo é "este impulso que responde à necessidade de inventar uma forma de expressão para aquilo que o corpo escuta da realidade enquanto campo de forças" (Rolnik, 2005, p.5).

 

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Recebido em: 03/10/2016
Aprovado em: 22/12/2016

 

 

Notas sobre os autores:

Ingrid Bergma da Silva Oliveira: Terapeuta Ocupacional, Docente do curso de Terapia Ocupacional da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Doutora em Psicologia Clínica pelo Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Email: luabergma@yahoo.com.br.

Denise Bernuzzi de Sant'Anna: Livre-docente, Professora dos cursos de pós-graduação em História e Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); E-mail: dbsat@uol.com

 

 

 

1 Co-corpar diz de corpos que fazem junto, a si e a seus ambientes. Corpar, por sua vez, é gerar corpo. É a ação que os corpos fazem continuamente (Favre, 2014).
2 Ao referir-me à clínica, nesse artigo, a situo no pensamento de Favoreto (2006), que a concebe como algo que se explica no cuidado ou na resposta ao sofrimento e às incertezas advindos de processos que impõem limites à capacidade de andar pela vida. Ou ainda como o que funciona libertando a vida do que a sufoca (Rolnik, 2003).
3 Afecção é o estado de um corpo sofrendo a ação de outro corpo, uma modificação corporal, efeito de um corpo sobre outro, mistura de corpos, encontro de corpos, consiste na faculdade receptiva que revela seu modo próprio de receber e transformar impressões. A afecção é representativa, pois representa um corpo (Filho, 2006; Rolnik, 2012).
4O afecto não é representativo. Essa transição de um estado (do corpo afetado) a outro é denominada afecto, em outras palavras é "[...] a variação contínua da força de existir de alguém, na medida em que essa variação é determinada pelas ideias que ele tem" (Deleuze, 1978, n.p.), "[...] variações contínuas de potência que vão de um
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Para melhor compreensão da construção do eu das crianças na Umbanda sugerimos a leitura do texto "O estágio do espelho como formação da função do Eu", de Jacques Lacan (1998) que, mesmo não trabalhando esta religião, elucida diversos aspectos sobre a socialização conflituosa das crianças em meio a dualidade de "trabalhar" ou não "trabalhar", na medida em que o "eu" delas é formado a partir do discurso do meio em que estão inseridas de um estado a outro [...]" (Deleuze, 2011, p. 178). O afecto representa a variação entre os estados do corpo e delimita a interpretação psíquica de uma afecção (Filho, 2006), ou ainda o efeito das afecções sobre a vontade de potência (Rolnik, 2012)
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Forças reativas submetem o corpo a uma organização moral, deixando-o passivo para operar metamorfoses sobre si, triste e distante do aspecto ativo da existência (Ferreira, 2010). Aquilo que exclui ou apequena nosso esforço e empreendimento (Filho, 2006).
7 Técnico de referência é o técnico do CAPS que ao realizar o acolhimento de um usuário no serviço, fica responsável por construir junto ao sujeito e seu acompanhante o projeto terapêutico singular (PTS) e por acompanhá-lo semanal ou quinzenalmente no Grupo de Referência Técnica (GRT) que coordena.
8 A docilização dos corpos refere-se à ação de determinados dispositivos que moldam condutas, disciplinam comportamentos, formatam pensamentos e torna os corpos produtivos, não os destruindo, mas os adestrando (Castro, 2009).

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