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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.9 no.3 Belém  2017

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol09.n03artigo20 

Ensaio

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol09.n03artigo20

 

A relação clínica: uma forma de "Hospitalidade linguageira"

 

The clinical relationship: a form of "language hospitality"

 

La relación clínica: una forma de "hospitalidad lingüística"

 

 

Annie Barthélémy

Universidade de Savoie Mont Blanc

 

 


RESUMO

Este artigo aborda a relação clínica a partir da concepção ricoeuriana de tradução. A filosofia define a tradução em termos de hospitalidade linguageira, o que volta a considerá-la sob uma perspectiva ética e não somente como um trabalho intelectual. Seguindo a hipótese de Ricoeur, a qual a tradução pode servir de modelo para outras formas de compreensão, nós aplicamos este paradigma para as relações entre o paciente e o psicólogo para esclarecer as dimensões linguísticas e éticas.

Palavras-chave: Ricoeur; Tradução; Ética; Psicologia Clínica.


ABSTRACT

This article approaches the clinical relationship from the Ricoeurian conception of translation. Philosophy defines the translation in terms of linguistic hospitality, which again considers it from an ethical perspective and not only as an intellectual work. Following the hypothesis of Ricoeur, which translation can serve as a model for other forms of understanding, we apply this paradigm to the relations between the patient and the psychologist to clarify the linguistic and ethical dimensions.

Keywords: Ricoeur; Translation; Ethics; Clinical Psychology.


RESUMEN

Este artículo aborda la relación clínica a partir de la concepción ricoeuriana de traducción. La filosofía define la traducción en términos de hospitalidad linguística, lo que vuelve a considerarla desde una perspectiva ética y no sólo como un trabajo intelectual. Siguiendo la hipótesis de Ricoeur, la cual la traducción puede servir de modelo para otras formas de comprensión, aplicamos este paradigma para las relaciones entre el paciente y el psicólogo para esclarecer las dimensiones linguísticas y éticas.

Palabras-clave: Ricoeur; Traducción; Ética; Psicología Clínica.


 

 

INTRODUÇÃO

A noção de hospitalidade é proposta pelo filósofo Paul Ricoeur, em uma conferência de abril de 1997, "Desafio e felicidade da tradução", para destacar a dimensão é tica da tarefa do tradutor e expressar a felicidade de traduzir, apesar das dificuldades e dos riscos da tarefa: "Hospitalidade linguageira, deste modo, onde o prazer de viver a língua do outro é compensado pelo prazer de receber em sua casa, em seu próprio lar, a fala do estrangeiro" (Ricoeur, 2004, p. 20). Ricoeur desenvolveu sua filosofia entre as línguas: entre a língua alemã e a língua francesa, quando prisioneiro em um campo de trabalho na Pomerânia, ele traduz as Ideen de Husserl; entre a língua inglesa e a língua francesa ao ensinar na Universidade de Chicago de 1970-1985 e apresentar a filosofia analítica americana para os leitores francófonos. O filósofo tem a experiência prática da tradução, mas ele não aborda o assunto em um plano técnico, ele também não é um teórico da tradução como Antoine Berman, a quem ele cita na conferência de 1997, ele reflete em filosofia sobre a pluralidade das línguas e sobre a tradução. Para o filósofo, a tradução que opera uma mediação entre duas línguas pode articular pacificamente uma língua estrangeira com a língua materna, se ela assumir positivamente as diferenças entre duas línguas, sem anular as tensões inevitáveis durante a transferência de sentido de uma língua para outra, sem cair nas armadilhas do exotismo ou da assimilação.

É nos anos noventa (Marinescu, 2015) que o tema da tradução integra-se à hermenêutica ricoeuriana, a obra do filósofo é então plenamente desenvolvida com o cruzamento de uma fenomenologia da vontade e de uma hermenêutica dos símbolos e dos textos. Domenico Jervolino resume o percurso que culmina na grande obra O si-mesmo como outro: "Parte de uma filosofia da vontade, Ricoeur, por um longo caminho através do universo dos signos e da linguagem, retorna [...] ao tema da ação, da liberdade, da ética" (Jervolino, 2007, p. 14).

Esta filosofia sustenta a meditação ricoeuriana sobre a tradução. Em outubro de 1998, Ricoeur dá em Paris outra conferência intitulada O paradigma da tradução, na qual ele considera não somente o sentido técnico do termo de traduzir, a saber, buscar transferir um sentido de uma língua para uma outra, mas também seu sentido mais amplo, a saber buscar um sentido, interpretando ou reformulando. Elaborada a partir da prática da tradução interlínguas, a noção de hospitalidade linguageira vem, assim, aplicar-se às formas de comunicação no seio de mesma língua; propomo-nos examinar em que medida ela pode esclarecer as características da relação clínica e revelar as implicações antropológicas e é ticas.

A relação clínica se tece, em suas voltas e desvios, com o léxico, a sintaxe e a textualidade de uma ou várias línguas, ela visa uma compreensão compartilhada e isso revela as dimensões singulares e universais de toda expressão humana. São sobre estas três dimensões que examinaremos a pertinência do paradigma da tradução para além da simples analogia entre compreender e traduzir, fazendo a hipótese de que este paradigma permite pensar na dinâmica de uma relação clínica ancorada na fala e visando restaurar as capacidades de agir da pessoa.

 

COMPREENDER OU A PROVA DO ESTRANGEIRO

Considerar a relação clínica sob o paradigma da tradução volta a colocar em primeiro plano a questão do sentido, a compreensão mais do que a explicação. É, com a leitura de Freud (RICOEUR, 1965), que Ricoeur distingue estas duas abordagens, a segunda tem a ver com a arqueologia ou da pesquisa da origem inconsciente dos sintomas, a primeira tem a ver com a teleologia ou com a interpretação do doente à procura de um sentido suscetível de romper o mecanismo repetitivo dos sintomas: de um lado, uma causalidade regressiva que mergulha no inconsciente e a energética das pulsões; de outro lado, uma perspectiva teleológica que subjaz o trabalho hermenêutico do paciente durante a cura. Quando um acompanhamento terapêutico psicanalítico ou que mobiliza outras referências teóricas coerentes com uma abordagem centrada na pessoa e que respeita o sentido que esta aqui dá a sua conduta e a sua história, as trocas entre paciente e psicólogo se situam no plano da compreensão, em que o sentido não é captado ou dado pelo profissional, a partir de uma posição de especialista. A relação clínica visa restaurar na pessoa que sofre uma presença, para si e para o mundo, obstruída pelos sintomas; nesta perspectiva teleológica, o paciente está em uma posição central, já que, como enfatizado pelo filósofo Henri Maldiney: "o doente só pode ser restaurado em sua presença no mundo se ele for reestabelecido em sua própria compreensão" (Maldiney, 2013, p. 67).

Esta autocompreensão – que não é o simples conhecimento intelectual, mas apreensão afetiva dinâmica – não pode ser fornecida do exterior, mesmo se ela se produz em virtude de um aconselhamento psicológico; como destaca Maldiney: "Apresentar ao outro seus conflitos em nossas próprias palavras, não é fornecer um sentido já constituído em outra situação... designando-o ele próprio como sendo isso... O que nós lhes apresentamos, em realidade, é literalmente uma expressão... uma articulação de seus conflitos; com a qual ele pode entrar em ressonância e ser induzido a lhes articular ele mesmo a um outro modo que ele fez até agora" (Ibid. p. 67). Porém, é precisamente esta relação entre a expressão e sentido que pode esclarecer o paradigma da tradução, está aqui o interesse de aplicar esse paradigma, mesmo se esta operação deixa de lado o outro, vertente da "cura pela fala", a saber, os rearranjos pulsionais que se efetuam inconscientemente a favor das trocas clínicas.

Traduzir é se confrontar com uma língua estrangeira, Ricoeur fala sobre isso em A prova do estrangeiro, tomando o título de uma obra do teórico sobre tradução, Antoine Berman; o filósofo precisa que é necessário entender prova "com duplo sentido de 'pena sofrida' e 'provação'. Posto à prova, como se costuma dizer, um projeto, um desejo, uma pulsão: a pulsão de traduzir" (Op. cit. p. 8). De imediato, a tradução é apreendida por uma tensão entre a resistência da língua estrangeira e a influência da língua materna, tensão que o desejo de traduzir procura superar. Esta tensão e esta dinâmica se encontram quando o psicólogo está escutando seu paciente, o que ele diz e a maneira como ele diz, mesmo se ele fala a mesma língua que ele, o uso que o paciente faz da língua é singular e determinado por suas pertenças sociais e culturais, uso mais ou menos familiar ao psicólogo. Contudo, a escuta clínica – qualquer que seja o grau de proximidade entre o universo do paciente e aquele do psicólogo – deve preservar a singularidade das palavras do paciente, abrir-se para a alteridade do outro.

Se "compreender é compreender a expressão do sentido" (Ibid. p. 95), como afirma Henri Maldiney, compreender é operar com um vai e vem entre a expressão e o sentido, estar à escuta das expressões do paciente para apreender o sentido singular e articular um sentido em uma expressão que seja audível e significativa para o paciente. Trata-se de fazer advir um sentido por meio do diálogo, não de revelar um sentido escondido nas expressões do paciente, nem de revelar um sentido em uma interpretação oriunda de uma teoria, cuja generalidade não pode apreender as nuances singulares de uma expressão pessoal. Isso demanda um ajuste contínuo, próximo das tentativas de todo bom tradutor. Lembrando que Freud ensinava ao psicanalista que suas palavras são mais sábias do que ele, Maldiney salienta que o psicólogo não é um mágico que fornece um sentido escondido, porque neste duplo movimento da expressão para o sentido e do sentido para a expressão entoa o diálogo analítico, nem o paciente, nem o analista têm o domínio da fala, esta aqui "pertence a um diálogo em que todos os momentos se articulam nela, mesmo que eles comportem vários planos de significação que mascaram uns aos outros" (Ibid. p. 68).

Pela busca conjunta do sentido, em um diálogo guiado pelo desejo de compreender, apesar do caráter enigmático ou ambíguo das expressões, a compreensão – que deve permitir ao paciente recuperar e dar a sua história pessoal uma nova direção – transcende as intenções significantes dos parceiros da relação.

 

Pesquisar uma equivalência sem adequação

O desenrolar da relação clínica não está muito longe da prática da tradução. Com efeito, o tradutor não procura uma ilusória adequação das intenções do autor da obra a ser traduzida, ele parte da obra para operar uma transferência de sentido de uma língua para outra. Durante esta transferência, o sentido da obra vai se modificar, não por causa do adágio de que traduzir é sempre trair, mas porque a distância entre o texto original e o texto traduzido conduz a uma perda e um ganho de sentidos, perda porque há sempre uma parte intraduzível, ganho porque toda boa tradução, em suas descobertas, nascidas pela confrontação entre as línguas, traz um novo relevo ao sentido da obra.

Transferido para uma outra língua, o sentido de uma obra não é capturado, ele escapa para se revelar sob um novo ponto de vista, sem compensar o desperdício de significados difíceis de passar de uma língua para outra. Paul Ricoeur insiste muito neste duplo aspecto, que ele compara ao trabalho da cura psicanalítica: trabalho de lembrança e de luto: "em tradução também", afirma ele, "procede a um certo resgate e um certo consentimento da perda" (Ibid. p. 8). O tradutor, em sua tarefa, deve superar as resistências tanto da língua materna, como da língua estrangeira: o resgate se opera graças à abertura da língua materna para uma outra cultura, e à recusa de santificar a versão original da obra. Em definitivo, trata-se de abandonar o sonho de uma tradução perfeita para visar "uma equivalência sem adequação" (Ibid. p. 14); esta aposta dá coragem para começar a traduzir para alcançar a felicidade de traduzir.

Ricoeur examina a objeção da impossibilidade de traduzir em nome de um ideal de tradução perfeita, não existe um padrão de uma boa tradução fora da abordagem que consiste em propor uma retradução diferente e melhor. Nesta perspectiva, transposta para a relação clínica, enfatiza um sentido entrevisto em um ajuste mútuo dinâmico e nunca totalmente adequado, em que o sentido caminha entre intuições e ambiguidades, entre clarividências e mal-entendidos, em direção a um horizonte de compreensão sempre aberto. Notamos que na relação clínica, os dois interlocutores são alternadamente tradutores, diferentemente de um tradutor que serve de mediador entre a obra de um autor estrangeiro e os leitores.

Se a relação clínica tem como objetivo restaurar no paciente, uma presença no mundo e para si obstruída pelos sintomas, a mediação do psicólogo tem como objetivo dar novamente sentido à própria palavra do paciente, traduzindo suas palavras que dizem o sofrimento de se sentir estrangeiro em si mesmo, mas também o desejo de sair deste estado doloroso; esta tradução é em língua estrangeira, não porque ela é o resultado da escuta do psicólogo que, tendo acolhido em sua língua de especialista as expressões do paciente, oferece uma interpretação teórica, mas porque se apoiando nas expressões do paciente, ele oferece uma versão em que o paciente se encontra e pode se reconstruir. Ao contrário de um tradutor que transpõe a obra de um autor estrangeiro para um leitor que compartilha sua língua materna, o psicólogo se encontra como um mediador entre dois momentos no desenvolvimento de uma pessoa, sua escuta e sua fala são atentas à tensão entre a memória regressiva sob a influência dos sintomas e o ímpeto vital orientado para um futuro que escapa da repetição ou, para retomar a terminologia ricoeuriana, entre uma abordagem arqueológica voltada para o infantil e uma abordagem teleológica orientada para um sentido que restaura a presença de si e do mundo. Depois de ter em um primeiro momento aplicado o paradigma da tradução na relação clínica, retomando o tema da prova do estrangeiro, nós vamos explorar, por meio deste modelo, a textura linguística das trocas entre psicólogo e paciente.

 

Dizer a mesma coisa de outra forma: o peso das palavras

Em O paradigma da tradução, Paul Ricoeur considera, primeiramente, a operação de transferência linguística da tradução em língua estrangeira, após, amplia a perspectiva para as trocas no seio de uma mesma comunidade linguística, como sugere as palavras de George Steiner (Steiner, 1998), para quem: "compreender é traduzir". Os dois momentos de sua análise mostram como compreender repousa na possibilidade de dizer de outra maneira a mesma coisa e consideram este processo em um contínuo que vai mais além: o estrangeiro, o mais próximo: aquele que compartilha minha língua materna e o uso que eu faço dela, passando por todos aqueles cuja maneira de expressar se distancia etnologicamente e sociologicamente da minha.

Para Ricoeur, a prática da tradução interlinguística afasta a objeção, segundo a qual a diversidade linguística e a especificidade de cada língua tornariam a tradução impossível, os tradutores apostam na possibilidade de dizer a mesma coisa de outra maneira, apesar das diferenças de corte lexical e sintático e articulação discursiva de uma língua para a outra: "Sim, é necessário fazer uma confissão: de uma língua para outra, a situação é bem aquela da dispersão e da confusão. E, no entanto, a tradução se inscreve na longa litania do 'apesar de tudo'.

A despeito dos fratricidas, nós militamos pela fraternidade universal. Apesar da heterogeneidade dos idiomas, há bilíngues, poliglotas, intérpretes e tradutores" (Op. cit. p. 33). Antes de comentar uma terceira parte da dimensão ética deste desafio de traduzir, examinemos o que o paradigma da tradução enfatiza sobre a dimensão linguística das trocas no seio de uma relação clínica: porque dizer a mesma coisa de outra maneira, é tomar a palavra se apoiando na palavra do outro, é navegar entre as línguas.

Seguimos o inventário, que faz Paul Ricoeur, sobre os diferentes níveis em que as línguas revelam suas diferenças. O tradutor é confrontado, primeiramente, "pelo corte lexical que opõe as línguas, não palavra a palavra, mas o sistema lexical ao sistema lexical, os significados verbais ao interior de um léxico que consiste em uma rede de diferenças e de sinônimos" (Ibid. p. 54). Impossível traduzir palavra por palavra, porque uma palavra só faz sentido em contraste com outras palavras da língua, como mostra Saussure tanto plano fonológico quanto lexical. Ricoeur toma o exemplo da tradução de textos filosóficos, que contrariam, às vezes, o tradutor a guardar a palavra original, para não reduzir o sentido usando um equivalente na outra língua.

Na relação clínica, este fato incita a dar toda a densidade às palavras utilizadas pelo paciente, como Freud o fez quando ele considera seriamente os lapsus. Para além destas derrapagens, oh quão significativas! dar todo peso às palavras, é escutar indo não muito rapidamente ao sentido como se a correspondência entre o significante e o significado fosse óbvia, é ao contrário estar alerta para as redes de sentido e o contexto que especifica a sua significação. As palavras abrem para o mundo do paciente, assim como a relação clínica conduz a descobrir o mundo profissional, onde o paciente trabalha e, por exemplo, aprender com um padeiro as expressões relacionadas ao exercício da profissão. Esta escuta atentiva do peso das palavras é muito importante quando uma distância cultural separa o mundo do paciente daquela do psicólogo.

Assim, um paciente de origem magrebina pode fazer alusão, meio a sério, meio divertida, aos djinns – criaturas invisíveis, que na cultura muçulmana, são capazes de influenciar para o bem ou o mal o espírito dos humanos –, o psicólogo sabe que os djinns estão integrados à relação terapêutica, cabe a ele não vê o surgimento como inoportuno, mas como uma ocasião para melhor entrar em comunicação com o paciente. Apreender as palavras do paciente, não é uma questão de vocabulário, mas uma compreensão de seu aporte simbólico, que marca a maneira como uma pessoa apreende o curso de sua história.

 

Levar a sério as diferenças sintáticas e discursivas

Em um segundo nível, atuam as diferenças entre os sistemas sintáticos, variáveis de acordo com o grau de afinidade das línguas entre elas. Paul Ricoeur enfatiza que os sistemas verbais e advérbios influenciam a maneira de posicionar um evento no tempo. Assim, ao contrário do francês, o inglês dispõe, como o português, do presente progressivo ou contínuo, isto pesa sobre a forma de descrever as modalidades da ação. Onde o francês usa indiferentemente um simples presente, o inglês usa o presente progressivo não somente para indicar que a ação está em andamento, mas para falar de projetos – I'm meeting é, assim, uma forma de falar sobre um encontro – observa-se que o inglês coloca mais ênfase do que o francês na ação em seu desenrolar efetivo e em seu engajamento para além do presente atual. Essas restrições e possibilidades linguísticas orientam a forma de nos referirmos a nossos atos. Sobre o impacto das formulações sintáticas, darei um exemplo extraído de um curso ministrado a um grupo de análise de práticas profissionais constituído por professores-estagiários, uma prática que demanda do formador adotar uma postura clínica para incitar os professores iniciantes a adquirir uma abordagem reflexiva sobre as situações profissionais encontradas (Baietto; Barthelemy & Gadeau, 2003).

Em uma sessão em que o silêncio pontuado pelas observações irônicas testemunhava a resistência de vários membros do grupo a se envolver no trabalho de análise das práticas, uma estagiária interpela em um tom acentuado seus colegas: "no outro dia, eu vou buscar meus alunos, eu constato que eu tenho um a mais. O que vocês fazem?", alguém do grupo pergunta: "o que você fez?", a estagiária insiste: "não, o que vocês fazem?". Vemos a insistência na formulação inicial da questão em traduzir o sentido, interpelar os membros do grupo para elevar sua passividade e implicá-los no trabalho de análise das práticas. O formador, que apreender este sentido, pode ressaltá-lo, articulando a metodologia da análise das práticas a este relance personalizado e incisivo. Da mesma forma, o psicólogo que se apoia na expressão sintática de certas proposições dos pacientes pode igualmente relançar a troca clínica.

Paul Ricoeur insiste finalmente sobre a terceira dimensão, a dimensão discursiva, que para ele é capital. Esta aqui coloca em jogo os "os encadeamentos de frases que, como a palavra indica, são texturas que tecem o discurso em sequências mais ou menos longas. A narrativa é uma das mais notáveis destas sequências" (Ricoeur, 1999, p. 49). Se na exposição, a dimensão textual vem por último, na realidade, é ela que conduz o sentido dos dois primeiros. Uma mesma palavra pode ter conotações muito diferentes conforme o contexto em que ela se insere. Toda boa tradução não parte da palavra, mas do texto a ser traduzido: "a tarefa do tradutor não vai da palavra para a frase, para o texto, para o conjunto cultural, mas na direção inversa: impregnando-se de amplas leituras sobre o espírito de uma cultura, o tradutor desce do texto para a frase e para a palavra" (Ricoeur , 2004, p. 56).

A tradução de uma obra como Alice no País das Maravilhas, por exemplo, exige recolocar a obra na época vitoriana e supõe o conhecimento das tradições orais, tais como canções de ninar, com as quais opera a escrita de Lewis Carroll. Na relação clínica, é a evolução das trocas no decorrer das sessões que serve de texto, o psicólogo se apoia nela para tornar mais penetrante sua escuta das proposições dos pacientes. Está aqui uma diferença que limita a pertinência do paradigma da tradução, não há obra a ser traduzida, mas uma tarefa a ser cumprida: reanimar as capacidades pessoais entravadas pelos sintomas; a aplicação do paradigma da tradução para a troca clínica supõe reconhecer o poder da narrativa, que liga a identidade pessoal à identidade narrativa. Mantendo ligação com as análises de suas principais obras Tempo e narrativa (1983-1985) e O si-mesmo como outro (1990), Paul Ricoeur dá um lugar de escolha à narrativa que, articulando no tempo eventos dispersos, dá um sentido ao percurso de vida e permite a uma pessoa construir para si uma identidade pessoal.

O psicólogo, testemunha da forma como o paciente se conta de modo diferente no decorrer das sessões, pode, se ele está atento às variantes da narrativa, fazer eco para melhor sustentar o trabalho de reconstrução pessoal. Em conclusão, aos planos lexical, sintático e discursivo, o psicólogo na relação clínica acolhe uma expressão singular, cujo sentido jamais é apreendido adequadamente, ele se alegra em apreender de viés por meio das formulações linguageiras, tal como o tradutor, para quem os distanciamentos irredutíveis entre o texto original e sua tradução não bloqueiam seu desejo de traduzir. Assumindo estes distanciamentos, Ricoeur substitui a alternativa embaraçosa traduzível versus intraduzível (traduzir buscando um sentido comum para além da diversidade das línguas à custa de reduzir o sentido ou renunciar a traduzir para preservar a variedade de línguas), uma outra alternativa mais proveitosa: "a alternativa fidelidade versus traição", que permite a partir da prática efetiva da tradução superar "o impasse especulativo em que o intraduzível e o traduzível se chocam" (Ricoeur, 2004, p. 27).

Ricoeur coloca assim a tarefa do tradutor em um horizonte ético que submete este trabalho de passador entre as línguas à exigência de fidelidade, trata-se de dizer as coisas de outra forma, sem trair a mensagem original e aceitar como garantia a fidelidade do olhar crítico dos outros tradutores ou leitores bilíngues para revisar uma tradução insatisfatória. Esta exigência de fidelidade do paciente está no centro da relação clínica, ela repousa no que os defensores de uma atitude não diretiva chamam de uma compreensão empática, mas esta não se limita a adoptar um silêncio benevolente ou retomar simplesmente em forma de eco as proposições do paciente; a compreensão empática se atesta pelas e nas expressões do psicólogo para dizer de outra forma o que se é dito e a maneira como se é dito, acolhendo as precisões e correções do próprio paciente. Sob o â ngulo da fidelidade, a tradução não é somente objeto da competência linguística, ele incide de uma atitude de abertura que Ricoeur chama de "hospitalidade linguística"; é esta dimensão ética que vamos examinar, no último momento de nosso desenvolvimento, para ver como ela pode inspirar a relação clínica.

 

A capacidade de falar: uma ponte entre línguas

Ricoeur coloca o trabalho de tradutor sob tensão entre fidelidade e traição, para afastar o espectro do intraduzível que fecha cada língua em si mesma. Uma tradução fiel, praticando uma passagem entre duas línguas, resolve a tensão entre universalidade da linguagem e pluralidade das línguas. O desejo de traduzir conecta línguas particulares que, suas diferenças, têm como ponto comum testemunhar a universalidade da linguagem, isto é, o fato de que todos os homens falam: "é aqui", afirma Ricoeur, "um critério da humanidade ao lado da ferramenta, da instituição, da sepultura; pela linguagem, entendemos o uso de sinais que não são coisas, mas valem para as coisas – a troca de sinais na interlocução –" (Ibid. p. 23).

Esta competência universal da fala é o pano de fundo da pluralidade das línguas, a tentação é grande em querer superar a diversidade de línguas em uma língua original, supostamente comum, ou uma língua artificial, supostamente pura, na medida em que ela teria eliminado logicamente as bizarrices das línguas particulares; dissipando essas ilusões, toda tradução fiel constrói um sentido entre as línguas, que desvia cada língua em direção a uma outra língua para um enriquecimento mútuo. Porque o desejo de traduzir permite o encontro entre as línguas, ele abre a língua materna para obras estrangeiras que vão enriquecer a cultura de origem; ele revela também as reservas de sentido da língua estrangeira, Ricoeur dá o exemplo das traduções sucessivas de grandes textos como as epopeias de Homero, as peças de Shakespeare ou a Bíblia; se nos detivermos neste último exemplo, a passagem do texto hebraico para o grego e para latim, depois no século XVI para o alemão e para o francês, multiplica os leitores potenciais e revive a leitura da Bíblia.

Este percurso do sentido de uma língua para outra, possível em virtude do desejo de traduzir e do abandono do ideal de tradução perfeita, encontra-se na relação clínica, sob a condição de que ela seja inspirada por um desejo recíproco de manter o í mpeto da vida contra a influência mortífera dos sintomas. A relação clínica opera um ajuste mútuo da troca; isso faz advir um sentido no cruzamento das palavras do paciente e das palavras de psicólogo, um sentido que se constitui no meio termo de suas palavras, um sentido que se ancora nas expressões linguageiras, um sentido que caminha por um percurso arriscado e inacabado. Tal como um tradutor, o psicólogo renuncia a decifrar as proposições de seu paciente a partir de uma língua erudita, que pairaria sobre o diálogo; como o tradutor lê pacientemente o texto-fonte e procura preservar na medida do possível o sabor, o psicólogo oferece um ouvido atento para apreender a expressão, tal com ela se formula e prefere a clareza vacilante da compreensão à suposta transparência de uma interpretação conceitual. É assim que a ética da tradução, uma ética do encontro e da simplicidade, pode inspirar a prática da relação clínica.

A troca entre línguas se tornou possível pela linguagem, uma competência universal que incarnam de forma diferente as inúmeras línguas. É graças a esta universalidade da linguagem que os homens não estão fechados em sua língua materna, porque esta última é um das manifestações particulares desta capacidade de falar inerente ao ser humano. Os homens podem assim aprender e praticar uma outra língua além da sua, não somente para as trocas funcionais e utilitárias como as trocas comerciais, mas para ir ao encontro do outro e de sua cultura. Levando em conta este fato de que a linguagem tão incontestável quanto aquele da diversidade das línguas, Ricoeur se põe ao lado dos comentadores que dão ao mito de Babel uma interpretação positiva; contra "a ideia de catástrofe linguística infligida aos humanos por um deus ciumento por seu sucesso", diz Ricoeur, "pode-se também ler este mito... como a constatação sem condenação de uma separação originária" (Ibid. p. 34).

Em seu artigo "Por uma filosofia da tradução", Domenico Jervolino fala da unidade plural do discurso humano em que encontra lugar a língua materna, aquela que de um ponto de vista fenomenológico nos oferece uma perspectiva particular sobre o mundo, mas também nos mostra um horizonte comum a todos os seres humanos dotados de fala: " no dom de língua materna convergem os dois aspectos (ter um mundo e poder nomeá-lo), mas está implícito também, graças ao pertencimento de cada língua ao universo da linguagem, e ao fato de que todas as línguas são, em princípio, traduzíveis, o fato de que nós somos introduzidos em um mundo comum a todos os falantes: a língua materna, com esta condição, não nos fecha em um pertencimento étnico exclusivo, mas nos abre potencialmente para a humanidade em seu conjunto" (Jervolino, 2006).

Deste ponto de vista, a pluralidade das línguas chama uma ética da hospitalidade linguageira. Babel não é uma maldição, mas uma bênção sobre a qual repousa esta exigência ética: uma abertura de cada língua particular que abre a via para um universalismo concreto oriundo do encontro das culturas. As pessoas bilíngues, os poliglotas testemunham no cotidiano, elas – que como o escritor de expressão alemã Elias Canetti, nascido na Bulgária, em uma família judia sefardita de origem espanhola e um cidadão britânico – tiveram a chance de poder se construir entre as línguas. A hospitalidade linguageira vivenciada na relação clínica transforma o psicólogo em um tipo de poliglota capaz, com a experiência da clínica, de navegar entre as línguas faladas por seus pacientes e lhes testemunhar uma compreensão empática que coloca de lado a interpretação intelectual como a efusão afetiva.

 

A tradução: um reconhecimento mútuo

A tradução como a relação clínica se situa na intersecção entre finidade de cada língua particular e universalidade da linguagem; para Ricoeur, esta capacidade de falar uma outra língua além da sua língua materna "aparece solidária a outros traços mais dissimulados no que concerne à prática da linguagem... a saber... a capacidade reflexiva da linguagem, essa possibilidade sempre disponível de falar sobre a linguagem, de colocá-la à distância e assim tratar nossa própria língua como uma língua entre as outras" (Ibid. p. 24- 25). Paul Ricoeur insiste nesta reflexividade de cada um sobre a sua própria língua, a qual introduz o trabalho de tradução.

Esta possibilidade de ver sua língua como outra, uma língua estrangeira entre outras, uma língua cujas particularidades se revelam quando ela acolhe uma língua estrangeira em seu meio na tarefa da tradução, se junta ao movimento pelo qual, na antropologia ricoeuriana, o si só se conquista se descobrindo a "si-mesmo como um outro", uma formulação que faz a identidade pessoal (si-mesmo), uma conquista, após um lento e ainda inacabado processo de cumprimento de si, ao qual o outro está intimamente associado (como um outro). Ricoeur precisa que é necessário pensar este "como" em um sentido diferente do uso comparativo habitual; o sentido usual conduz a comparação a opor o semelhante ao estrangeiro e a fixar a identidade na diferença com o outro, ele se opõe a um outro sentido, ao qual se refere Ricoeur e que dá ao "como" "a significação forte, não somente de uma comparação – si-mesmo semelhante a um outro – mas uma implicação: Si-mesmo enquanto... outro" (Ricoeur, 1990, p. 14).

Então a identidade articula dialeticamente o si e o outro além de si; para marcar a distinção com uma identidade fechada nela mesma, Ricoeur fala de identidade-ipse, que remete a "uma alteridade tal como ela possa ser constitutiva da identidade dela mesma" (ibid. p. 14). Esta união entre alteridade e ipseidade dá à relação clínica toda sua força na medida em que a compreensão do outro procede de uma implicação de si que se reconhece como outro.

Finalmente, a hospitalidade linguageira aplicada à relação clínica a coloca sob o signo da reciprocidade. Desde sua narrativa inicial – em que prevalece a expressão de sofrimento e a busca por explicações – a suas narrativas posteriores, o paciente encontra pouco a pouco a capacidade de conduzir o fio de sua história, graças à hospitalidade linguageira, uma atitude que concerne tanto ao paciente quanto ao psicólogo, cada um, por sua vez, sendo hóspede das palavras de outro.

Salientamos a maravilhosa ambiguidade deste vocábulo: o hóspede, designando em francês tanto a pessoa que oferece hospitalidade quanto a seu convidado; ela convém bem a uma troca, em que as palavras do psicólogo e do paciente se acolhem mutualmente. Domenico Jervolino afirma que a hipótese ricoeuriana de uma relação entre "o dom das línguas enquanto elemento constitutivo da comunidade dos falantes e a dívida da hospitalidade linguageira, implicando uma responsabilidade para com os outros, ao mesmo tempo específica e exemplar" dá a possibilidade de pensar um fundamento não violento do laço social que substitui a luta pelo reconhecimento, economia do dom1.

A hospitalidade linguageira oferece um reconhecimento gratuito a todo homem que fala, que pode me falar e com quem eu posso falar. Esta responsabilidade do acolhimento, importante lembrar em um mundo onde se levantam muros, está no cerne da relação clínica: nenhuma terapia sem um acolhimento de uma palavra outra que pode tornar a paciente para ele mesmo, nenhuma terapia sem uma escuta generosa pelo psicólogo da palavra do paciente. Esta relação se inscreve no que Ricoeur chama de economia do dom, ou seja, uma troca que não se repousa na equivalência do que nós damos e do que nos tornamos, mas uma troca "em que se oferece algo de si, dando uma coisa simples" (Ricoeur, 2007, p. 373), em que não espera por um presente em retorno, porque o dom se situa em outro plano além daquela da troca de mercadorias, "aquele precisamente do sem preço" (Ibid. p. 364).

O doador encontra sua felicidade na aceitação do presente por aquele que o recebe com gratidão, generosidade da gratidão, respondendo à generosidade da oferta; porém Ricoeur precisa: "sob o regime da gratidão, os valores dos presentes trocados são incomensuráveis em termos de custos de mercadorias. Está aqui a marca do sem preço sobre a troca de dons" (Ibid. p. 375). Referindo-se às análises de Marcel Mauss em seu Ensaio sobre o dom, Ricoeur destaca o caráter festivo do dom que transcende a beneficência exercida por obrigação moral. O que está em jogo na troca de dons é um reconhecimento mútuo que reforça para cada um dos parceiros o reconhecimento de si. Estas reflexões sobre o dom recortam os temas principais das proposições sobre a tradução: correspondência sem equivalência, felicidade de traduzir nascida do desejo de traduzir e do risco de traduzir; elas explicitam o segundo plano ético: uma generosidade mútua pacientemente testemunhada nas trocas linguageiras, que guia a relação clínica no caminho arriscado e sinuoso em toda compreensão do outro.

 

Às margens da tradução: o silêncio

Em resumo, a aplicação do paradigma da tradução na relação clínica, que tem como pano de fundo a antropologia filosófica de Paul Ricoeur, tem uma pertinência limitada, mas real, pois ela traz à luz o peso das expressões linguageiras nas trocas entre paciente e psicólogo e lhe oferece um horizonte ético, aquele de uma humanidade compartilhada na linguagem. A compreensão, nós vimos, é sustentada pela prova da alteridade, ela se conquista na busca paciente de um sentido na expressão e ela exige a generosidade na escuta da palavra do outro. Para concluir, nós voltaremos ao caráter inacabado de toda tradução que sempre exige uma nova retradução.

Se a análise enfatizou o efeito paralisante da ideia de intraduzível, não é menos importante que toda tradução deixa uma margem de intraduzível, que se pode aproximar dos silêncios que pontuam a troca clínica: silêncio amuado, silêncio doloroso, silêncio perplexo, silêncio sonhador, silêncio divertido, silêncio encantado... sinais de ressentimentos í ntimos da troca. Nesta perspectiva, o paradigma da tradução convida a respeitá-los como uma forma de expressão, o que limita a ambição de compreender sem fazer um álibi para renunciar a compreender. Ricoeur evoca assim o silêncio sobre o qual esbarra o trabalho sobre a língua do tradutor: "se nós não tivéssemos esbarrado nos inquietantes territórios do indizível, teríamos nós o sentido do segredo, do segredo intraduzível?

E nossas melhores trocas, no amor e na amizade, elas guardariam esta qualidade da discrição... que preserva a distância na proximidade?" (Ricoeur, 2004, p. 52). A compreensão clínica deve também preservar a distância na proximidade, é uma maneira de reconhecer a alteridade do paciente; esta alteridade não é estrangeira, que ela se aproxima na troca que modestamente faz transitar o sentido entre o paciente e psicólogo.

 

Referências

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Notas sobre a autora

Annie Barthélémy. Mestre de Conferências honorária em Ciências da Educação. Universidade de Savoie Mont Blanc (França).

 

 

1 La lutte pour le reconnaissance et l'économie du don est le titre d'un texte de Ricoeur publié en 2004 par l'Unesco dans lequel le philosophe présente l'objet de ce qui sera son dernier livre : Parcours de la reconnaissance.

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