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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém jan./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04artigo 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04artigo25

 

Condições de trabalho de equipes de saúde da família do Pará

 

Working conditions of Family Health Teams from Pará

 

Condiciones de trabajo de los Equipos de Salud Familiar de Pará

 

 

Eric Campos Alvarenga; Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira; Helder Henrique Costa Pinheiro; Vânia Cristina Campelo Barroso Carneiro

Universidade Federal do Pará

 

 

 


RESUMO

Esta pesquisa investiga as condições de trabalho das equipes de saúde da família do estado do Pará com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Foram selecionados registros referentes às condições de trabalho de 776 equipes, tais como: agentes contratantes, tipo de vínculo, materiais e estrutura das unidades. Realizou-se uma Estatística Descritiva. Como resultado, percebeu-se que a maioria dos contratos de trabalho são temporários (65,4%) e a maior forma de seleção dos trabalhadores é por meio de indicação (36,7%). As unidades de saúde têm, em sua quase totalidade, sala de recepção e espera (94,5%) e sala de vacina (89,2). A melhoria das condições de trabalho das equipes é fundamental para sustentar a saúde destes trabalhadores e trabalhadoras. Ela pode reduzir adoecimentos e acidentes no trabalho, além de aumentar a resolutividade do cuidado.

Palavras-chave: Condições-de-trabalho; Atenção-Básica; Saúde-dotrabalhador.


ABSTRACT

This study investigates the working conditions of the family health teams from state of Pará based on the data of the National Program for Access and Quality Improvement in Primary Care. Records were selected that refer to the working conditions of 776 teams from the State of Pará, such as: forms of employment, type of employment contract, materials and the structural part of the health units. Descriptive Statistics were performed. As a result, it was noticed that most of the employment contracts are temporary (65.4%) and the largest form of employee selection is by indication (36.7%). Almost all of the health units have reception and waiting room (94.5%) and vaccine room (89.2). The improvement of the working conditions of the teams is fundamental to sustain the health of these workers. It can reduce illness and accidents at work. As well as increasing the resolution of the care.

Keywords: Working conditions; Primary Health Care; Worker's health.


RESUMEN

Este estudio investiga las condiciones de trabajo de los equipos de salud familiar del estado de Pará con base en los datos del Programa Nacional de Acceso y Mejoramiento de la Calidad en Atención Primaria. Se seleccionaron registros que se refieren a las condiciones de trabajo de 776 equipos, tales como: formas de empleo, tipo de contrato de trabajo, materiales y la parte estructural de las unidades de salud. Se realizaron Estadísticas Descriptivas. Como resultado, la mayoría de los contratos de trabajo son temporales (65,4%) y la mayor forma de selección de empleados es por indicación (36,7%). Casi todas las unidades de salud disponen de recepción y sala de espera (94,5%) y sala de vacunas (89,2). La mejora de las condiciones de trabajo de los equipos es fundamental para sostener la salud de estos trabajadores. Puede reducir la enfermedad y los accidentes en el trabajo y aumentar la resolución del cuidado.

Palabras-clave: Las condiciones de trabajo; Atención primaria; Salud de los trabajadores.


 

 

INTRODUÇÃO

O trabalho na Estratégia Saúde da Família está organizado de acordo com uma equipe de profissionais composta por médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, além de dentista e auxiliar ou técnico em saúde bucal - no caso de equipes que também possuem atendimento à saúde bucal. Esta equipe se responsabiliza pela atenção básica em saúde de certa área cuja população deve ser de, no mínimo, 2.400 e, no máximo, 4.500 pessoas. Todas estas pessoas devem ser cadastradas e acompanhadas, sendo responsabilidade da equipe atender às suas necessidades de saúde (Brasil, 2011a).

De maneira geral, a equipe de saúde da família está localizada próxima de onde as pessoas vivem. Isso traz facilidade para o contato da equipe com as famílias, um acesso aproximado ao ponto de pessoas conseguirem chegar facilmente à pé às unidades. As equipes possuem uma lista de todas as famílias que estão dentro de sua área geográfica de atuação. Isso possibilita oferecer um cuidado que se estende por mais tempo, longitudinal, sendo as equipes responsáveis por cada família dentro daquele espaço determinado. Da mesma forma, suas ações envolvem o cuidado em saúde nas escolas, nas associações, nos centros comunitários e outros locais. Além disso, o trabalho possui uma integração com programas sociais (como o Bolsa Família) e serviços de saneamento básico (Macinko & Harris, 2015).

Boa parte dos profissionais que atuam em Equipes de Saúde da Família são recém-formados (Lopes, 2009; Silva, 2011; Trindade, 2011; Almeida, 2012). Isso aponta para uma área da saúde em que predomina a presença de trabalhadores com pouca experiência na Atenção Básica. Em muitos casos, trabalhar na Atenção Básica serve comouma espécie de "trabalho temporário" para fazer seu "pé de meia" e depois partir para uma residência em outra área de interesse. Tal como em Fernandes, Miranzi, Iwamoto, Tavares, e Dos Santos (2012) no Sul do Triângulo Mineiro com trabalhadores da enfermagem. A Estratégia de Saúde da Família surge como uma oportunidade efetiva de trabalho para profissionais que acabaram de se formar em enfermagem. Os autores justificam que esse movimento talvez se dê pela recente atualização do currículo do curso de graduação de enfermagem, onde se incluíram as bases e princípios da Estratégia de Saúde da Família.

Podemos também pensar que algumas políticas do próprio Ministério da Saúde, que na tentativa de atrair profissionais para trabalhar na Atenção Básica, área na qual poucos querem trabalhar, acabam incentivando a presença de trabalhadores recémformados e com pouca experiência (Fontenelle, 2012). Esta é uma das críticas feitas ao Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica, o PROVAB, (Brasil, 2011b), programa que tenta trazer profissionais para trabalhar na Atenção Básica de municípios com escassez desses profissionais e grande dificuldade de fixação. Médicos, dentistas e enfermeiros que participam do programa recebem um curso de especialização em Saúde da Família e pontos a mais em provas de residência.

No entanto, não há como negar a necessidade de aproximar profissionais da saúde para trabalhar em regiões mais remotas do país. Inclusive, por conta desta necessidade, o governo federal criou, em 2013, o programa Mais Médicos. A carência desse profissional é um intenso problema no Sistema Único de Saúde. A desigualdade da sua distribuição, onde a maioria deles estão nas grandes cidades, deixando as zonas rurais abandonadas (Oliveira et al, 2015), faz com que este tipo de iniciativa seja mais emergencial.

Outro ponto observável por Costa, Junior, do Céu Clara e Assunção Pinheiro (2012) é que a grande presença de contratos precários de trabalho contribui para o aumento da rotatividade. Neste estudo, 96,7% dos profissionais dentistas que trabalham na Estratégia de Saúde da Família e participaram da pesquisa possuem outros vínculos empregatícios, apesar de terem um contrato de 40 horas semanais de trabalho. Como a forma de contratação em muitos municípios é feita sem oferecer estabilidade, sem um processo seletivo transparente (ou mesmo concurso público), há uma busca por outros empregos como forma de complementar o salário.

Outra maneira muito comum de se contratar profissionais nas Estratégias de Saúde da Família é por meio de indicações político-partidárias, como se verifica em Trovó de Marqui et al (2010). Uma característica bem acentuada em municípios com poucos habitantes que pode contribuir para a inserção de profissionais despreparados para o trabalho na Atenção Básica e na proposta de cuidado da Estratégia de Saúde da Família. Além disso, a constante troca de gestão durante os mandatos contribui em grande parte para a insegurança dos contratos de trabalho, resultando em perda de emprego para os profissionais contratados por indicações políticas.

A falta de infraestrutura adequada tem se mostrado um problema recorrente em Marchon e Cunha (2008). Neste, os trabalhadores de Araruama (no estado do Rio de Janeiro) se queixam da localização das unidades, da estrutura física, da falta de recursos para a manutenção da mesma e da falta de insumos e instrumentais para o desenvolvimento das atividades. Eles consideram que o maior entrave para alcançar uma infraestrutura adequada para o trabalho é a falta de recursos financeiros para a saúde.

A grande demanda por atendimento nas unidades também é um fator comum. Em Costa et al (2012), 40,5% dos profissionais participantes do município de Ceará-Mirim, interior do Rio Grande do Norte, relataram o excessivo número de famílias acompanhadas pelas equipes. Pinto, Menezes e Vila (2010) apresentam o mesmo número (40,5%) de participantes que descreveram como dificultoso o exacerbado número de famílias.

Em Trovó de Marqui et al (2010), os profissionais das equipes mencionam, além de questões como a falta de medicamentos, materiais curativos e de limpeza, também a ausência de transporte para levar os profissionais para visitas domiciliares. A situação se dificulta mais ainda quando estes domicílios ficam em zonas rurais.

Neste artigo, é feita uma análise das condições de trabalho das equipes de saúde da Família do estado do Pará com base nos dados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Desta forma, apresenta-se uma caracterização do perfil profissional das trabalhadoras e dos trabalhadores das equipes, a quantidade de profissionais em cada equipe e de aspectos pontuais da estrutura das unidades de saúde em que atuam.

 

METODOLOGIA

Esta é uma pesquisa quantitativa descritiva que fez uso de informações do banco de dados do 2º ciclo (2013/2014) do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ). Este programa foi criado em 2011 por meio da Portaria nº 1.654 GM/MS e faz parte de um plano do Ministério da Saúde para acompanhar e avaliar os profissionais que participam da equipe de saúde da Atenção Básica. Ele avalia tanto os profissionais quanto a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde. Sendo assim, é fonte de grande relevância para esta pesquisa, na medida em que as informações que foram construídas dizem respeito às condições do trabalho das equipes de todo o Brasil. Foram avaliadas 776 equipes do estado do Pará contidas neste banco. Este número, segundo informações da Sala de Apoio a Gestão Estratégica do Ministério da Saúde, no ano 2016, equivale a 59% do número de equipes existentes no estado.

O banco de dados encontra-se em um formato de planilha eletrônica do software Microsoft Office Excel. A partir dele, foram selecionadas as informações de dois módulos: 1) Observação da Unidade; e 2) Entrevista com profissional. Foram escolhidos os registros que se referem às condições de trabalho destas equipes, tais como: os agentes contratantes dos profissionais da equipe (administração direta, empresa, cooperativas, organização, nãogovernamental etc.), tipo de vínculo (servidor público estatutário, cargo comissionado, CLT, entre outros), como foi a forma de ingressar na equipe (concurso público, seleção pública, indicação, outra forma), se há plano de carreira, se a equipe planeja suas ações periodicamente, se recebe apoio de outros profissionais, a quantidade de cada profissional na unidade de saúde e a presença de determinados ambientes na unidade (banheiro para funcionários e usuários, sala de espera e sala de recepção, sala de acolhimento, sala de vacina etc.).

Depois de selecionadas as informações, cada um destes registros foi transferido para o software IBM SPSS Statistics 20.0. Nele, realizou-se uma Estatística Descritiva baseada em Field (2009) com o cálculo das frequências absolutas e relativas destes valores.

A caracterização dos profissionais que trabalham nas equipes paraenses terá como base o questionário de "Entrevista com o profissional", do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ).

 

RESULTADOS

Pode-se perceber pela Tabela 1 que a maioria (96,9%) dos trabalhadores que responderam ao questionário foi composta por enfermeiros. Os profissionais entrevistados estão atuando na Atenção Básica em média há pelo menos 2,2 anos. 60% deles tem até 1 ano de trabalho nestas equipes. Analisando agora os principais agentes contratantes destes profissionais, a Administração Direta é responsável por 93,4% dos contratos dos trabalhadores, aparecendo também, em pequena proporção, contratos feitos por consórcio intermunicipal de direito público (1,8%), fundação de direito público (1,7%), empresa (0,1%) e outros tipos de agentes contratantes (3%).

 

 

Diferente dos agentes contratantes, os tipos de vínculo contratual estão mais distribuídos no Pará. Vê-se que o contrato temporário por prestação de serviço é o que mais se destaca, com 41,9% dos profissionais vinculados neste tipo de regime. Logo em seguida, o mais comum é a contratação como servidor público estatutário (26,4%) e por contrato temporário por meio da administração pública (23,5%). Se unirmos os dados de quem está trabalhando por contratos temporários, seja realizado pela administração pública ou de outra forma como prestação de serviço, chegamos a um número de 65,4% de profissionais com vínculos temporários de trabalho nas equipes de saúde da família. Isto ultrapassa a média do país 1, que é de 41% de contratos de servidor público estatutário, 17% de CLT, 13% de contratos temporários por prestação de serviço e 15,6% de contrato temporário pela administração pública regido por legislação especial (municipal/estadual/municipal).

Seguindo a mesma lógica dos vínculos trabalhistas, a maneira com que os profissionais destas equipes ingressaram no trabalho é por outras formas que não concurso público (27,7%). Há uma predominância de ingresso por "Indicação" (36,7%), seguido de "Outra Forma" (22,8%) e "Seleção Pública" (12,8%). Talvez isso indique o porquê de apenas 8% deles dizerem ter algum plano de carreira. Se os contratos são temporários, pouco se pensa em maneiras de fixar estes profissionais, como por exemplo proporcionando esse tipo de benefício.

A respeito de aspectos relacionados às unidades de saúde que abrigam as equipes, apresentaremos inicialmente a quantidade média de profissionais de diferentes categorias profissionais presentes nas unidades. Nas equipes pesquisadas, temos a presença de pelo menos a média de um profissional de medicina (1,27), um de enfermagem (1,21), dois técnicos de enfermagem (2,25) e oito agentes comunitários de saúde (8,88) em cada unidade básica. Além deles, há profissionais que não estão em quantidade suficiente para haver a média de menos um para cada equipe, como: dentistas (0,82), auxiliares de enfermagem (0,21), técnicos em saúde bucal (0,35) e auxiliares em saúde bucal (0,45). Outras duas categorias investigadas, técnico em laboratório (0,06) e microscopista (0,06), apresentam os menores números entre todos os diferentes profissionais da pesquisa. Isto pode ser observado na Tabela 2.

 

 

Já em relação aos profissionais que fazem parte da equipe ampliada, ou seja, aqueles de outras áreas que trabalham junto às equipes, percebe-se que nenhum dos que compõem a Tabela 2 estão presentes em quantidade suficiente para ter a presença de ao menos um para cada equipe. Entre os profissionais que estão em maior média de quantidade, há médico especialista (0,71), nutricionista (0,61), psicólogo (0,4) e fisioterapeuta (0,33).

A Tabela 3 demonstra que, quando perguntados sobre o apoio que recebem de outros profissionais e pontos da rede de atenção à saúde, 86,1% dizem recebê-lo como uma forma de auxiliá-los ou apoiar na resolução de casos considerados complexos. Entre os que mais dão apoio às equipes de saúde da família temos a Vigilância Sanitária (75,1%), os especialistas da rede (66,5%), Centros de Atenção Psicossocial (55,4%). Entre os que menos dão apoio pode-se citar os Núcleos de Apoio à Saúde na Família (47,4%), outras modalidades de apoio matricial (40,5%), Centro Especializado em Reabilitação (32,7%) e Academia da Saúde (17,5%).

 

 

Os profissionais das equipes destas unidades avaliadas atuam sob de certas condições de trabalho. Segundo a Tabela 4, 99% destas unidades funcionam de segunda à sexta, e 3% aos sábados e domingos. As medidas das unidades estão de acordo com as normas em 47,1% delas. Quase todas as unidades (94,5%) têm sala de recepção e espera, assim como sala especial para aplicação de vacinas (89,2%). Porém, poucas possuem sala de acolhimento para atendimento multiprofissional (30,9%). Menos da metade (45,9%) das unidades possuem pelo menos um computador em condições de uso e menor ainda é a quantidade delas que possuem acesso à internet (16,1%). Há ao menos um sanitário para adultos em 95,3% e apenas 26% possuem sanitário próprio para pessoas com deficiência. Há um banheiro reservado para funcionários em 78,9% das unidades e apenas 5,5% possuem vestiário para os trabalhadores. Caso precisem de veículo para realizar atividades fora das unidades, irão encontrá-los em apenas 32,8% delas.

 

 

Discussão

Tal como observado na literatura (Lopes, 2009; Silva, 2011; Trindade, 2011; Almeida, 2012), boa parte dos profissionais das equipes de saúde da família estão há pouco tempo atuando neste modelo de cuidado, sendo, portanto, trabalhadores com pouca experiência.

Com 93% dos profissionais contratados diretamente pelo Estado, temos uma diferença em relação ao que se observa em média no Brasil, que é de 74%2. Koster e Machado (2012) analisaram políticas de Gestão do Trabalho no SUS nas três esferas de governo - municipal, estadual e federal -, com base na verificação de documentos produzidos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. Os autores expõem que o Ministério da Saúde apresenta em suas políticas o posicionamento de que a única maneira legal de não reforçar a precarização do trabalho no SUS é o concurso público e o processo seletivo público. Tanto o Ministério da Saúde quanto os conselhos citados concordam que a precariedade do trabalho envolve a instabilidade dos contratos, principalmente o temporário, que é apontado como o problema central. Vê-se pelos resultados desta pesquisa que os tipos de vínculo e forma de ingresso destas Equipes de Saúde da Família do Pará seguem o mesmo caminho. A maioria dos contratos de trabalho são temporários e a maior forma de seleção dos trabalhadores é por meio de indicação. Isso tem uma implicação no trabalho destas equipes. Contratos que não oferecem algum tipo de estabilidade e podem ser encerrados a qualquer momento por conta de mudanças políticas, econômicas etc. não favorecem o cuidado proposto pela Estratégia Saúde na Família e o estabelecimento de vínculo com a população atendida, além de oferecer sérios problemas ao cuidado longitudinal. Isso fortalece a rotatividade nas equipes. Fazendo que seus integrantes sejam substituídos constantemente e interrompam o processo de estabelecimento de vínculo ou mesmo perde-se um profissional com um conhecimento já construído no contato com a população atendida.

Se olharmos para a Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2012), há algumas normas sobre o funcionamento das Equipes de Saúde da Família que dizem respeito à composição de seus integrantes. A política exige a existência de equipe multiprofissional composta com, no mínimo, médico generalista ou especialista em Saúde da Família ou médico de Família e Comunidade, enfermeiro generalista ou com especialização em Saúde na Família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (em número suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, sendo no máximo 12 por equipe), podendo adicionar a esta equipe os profissionais de saúde bucal tais como: cirurgião-dentista generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar e/ou técnico em saúde bucal. Sendo assim, há uma quantidade suficiente de profissionais médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem exigida pela política nas equipes avaliadas por este estudo. Há também um número de quase 9 agentes comunitários de saúde para cada equipe, algo próximo do máximo estabelecido pela política.

Esta discussão sobre a suficiência de profissionais na ativa deve passar também pela quantidade de pessoas atendidas pelas equipes e também por uma avaliação epidemiológica, verificando as necessidades de saúde em cada localidade para analisar a composição ideal das equipes que atenderá a população.

Ao olhar a composição de diferentes profissionais na equipe ampliada deste recorte feito no estado do Pará, vemos que o médico especialista e o nutricionista são os que estão em maior número. Apesar disso, não em número suficiente para termos pelo menos um por equipe. Distintas profissões como psicólogos, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, educadores físicos, assistentes sociais, fisioterapeutas e outros, aparecem em menor número. Isso aponta uma possível necessidade de aumentar a oferta destes diferentes profissionais nas equipes ampliadas, a fim de que possam contribuir com seus saberes na complexa tarefa que é o cuidado em saúde na Atenção Básica. No entanto, não se pode apenas disponibilizar mais profissionais se o processo de trabalho das equipes ainda é centrado na figura do médico e nos saberes da medicina e biologia. A noção de Clínica Ampliada envolve mecanismos para articular e abraçar diferentes saberes (BRASIL, 2009). Ela reconhece a singularidade que é o encontro do profissional de saúde com as pessoas que receberão seus cuidados, ressaltando a possibilidade do surgimento de diferentes enfoques em cada contexto – sem agir, porém, de maneira excludente com outros saberes de atuação. Os problemas de saúde das pessoas não se limitam a diagnósticos: eles são complexos e estão muito além de um olhar apenas sobre a doença.

Temos aqui quase a totalidade das equipes pesquisadas dizendo que recebem apoio de outros profissionais para auxiliar em casos complexos, incluindo alguns pontos da rede como Vigilância em Saúde, Especialistas, Centro de Atenção Psicossocial e os Núcleos de Apoio a Saúde da Família. Este último, em menor número, tem apoiado menos da metade das equipes pesquisadas. Dele fazem parte psicólogo, médico psiquiatra, farmacêutico, educador físico, assistente social, terapeuta ocupacional, entre outros profissionais que tem o trabalho de ampliar as possibilidades de cuidado oferecidos na atenção básica, assim como o potencial de lidar com os problemas de saúde das pessoas (Brasil, 2012). É por meio do matriciamento destas equipes que os núcleos buscam assegurá-las uma retaguarda, estando disponíveis como apoio diante de casos mais complexos. Mesmo que mais da metade das equipes não estejam recebendo este apoio, percebe-se que são amparados por outros profissionais da rede.

Está estabelecido na Política Nacional de Atenção Básica (2012) que cada Unidade Básica de Saúde deve oferecer uma estrutura mínima para o trabalho. Isto significa que as unidades de saúde aqui pesquisadas têm em sua quase totalidade sala de recepção e espera, sala de vacina, sanitário para a população atendida e para os trabalhadores. No entanto, diversas unidades carecem de veículos para atividades fora, sala para acolhimento multiprofissional, banheiro mais acessível para pessoas com deficiência e ao menos um computador em situação de uso e com internet, entre outras coisas. Para que o trabalho possa ocorrer com mais qualidade, os equipamentos e materiais usados pelos profissionais devem estar disponíveis de acordo com a ação que está sendo realizada na equipe, assim, firmando que os trabalhadores da saúde tenham ferramentas suficientes para solucionar os problemas de saúde da população atendida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do presente estudo, foi possível identificar as condições que as equipes de saúde da família do estado do Pará têm para trabalhar. Com a maioria dos profissionais sendo contratados sob vínculos temporários de trabalho e com a predominância de ingresso por "Indicação", fica evidente a precarização do trabalho destas equipes. Mesmo que nas Unidades Básicas de Saúde pesquisadas se observe a média de um profissional de medicina, de um profissional de enfermagem, de dois técnicos de enfermagem e de oito agentes comunitários de saúde, não se pode afirmar que seja o suficiente para suprir a demanda de atendimentos. Em uma mesma unidade, pode atuar mais de uma equipe de saúde. Desta forma, estes profissionais possivelmente estão trabalhando com demandas de mais de uma equipe. Por conseguinte, apesar de quase todas as unidades apresentarem sala de recepção e espera, assim como sala especial para aplicação de vacinas, há poucas com sala de acolhimento para atendimento multiprofissional, ao menos um computador em condições de uso com acesso à internet e veículo para atividades externas.

Programas como o Mais Médicos e o PROVAB tem ajudado a levar mais profissionais de medicina ao estado do Pará. O primeiro, especial, tem gerado grande reflexão no fazer médico brasileiro e possibilitou um aumento da cobertura da atenção básica. Apesar das recentes mudanças presidenciais, permanece o acordo com a Organização Panamericana de Saúde. No entanto, há variáveis que só podem ser observadas in loco, pois o salário do médico na prática não está condicionado a esse contrato. Há evidências que, em muitos municípios, esta remuneração é complementada pelos gestores municipais de várias formas, por isso não podemos aferir no momento o grau de satisfação dos trabalhadores médicos estrangeiros com o salário percebido. Esta pode ser uma pistas para novos estudos sobre as perspectivas da atenção básica no Brasil.

O mais alarmante, em nossa reflexão, são as alterações propostas na nova Política Nacional de Atenção Básica vigente a partir de 2017. Ela não deixa clara a quantidade de agentes comunitários que cada equipe de saúde da família deve ter, o que pode ter grande impacto no trabalho destas. Estas mudanças tem sido alvo de questionamentos do Conselho Nacional de Saúde e das organizações de Saúde Coletiva, como o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).

Esta pesquisa pode contribuir para a melhoria da gestão do trabalho na atenção básica, na medida em que levanta pontos que podem ser aprimorados pelos gestores. O avanço nas condições de trabalho das equipes é fundamental para sustentar a saúde destes trabalhadores. Ela pode reduzir adoecimentos e acidentes no trabalho. Assim como aumentar a resolutividade do cuidado oferecido pela equipe.

O Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ) produziu um material bastante abrangente sobre o trabalho das equipes de saúde da família de todo o país. Atualmente, o programa está em seu terceiro ciclo e vem aumentando a quantidade de equipes avaliadas. Estes dados podem e devem ser mais utilizados para auxiliar gestores no planejamento e gerenciamento da atenção básica em suas localidades.

Futuras pesquisas podem aprofundar-se em metodologias qualitativas para investigar o que estes trabalhadores têm a dizer sobre seu trabalho. Não apenas em relação às condições, mas também a sua organização, abordando aspectos subjetivos do trabalho na Atenção Básica.

 

Referências

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Notas sobre os autores

Eric Campos Alvarenga: psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Pará. E-mail: ericsemk@gmail.com.

Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira: psicólogo, doutor em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, professor da Universidade Federal do Pará. E-mail: pttarso@gmail.com.

Helder Henrique Costa Pinheiro: cirurgião dentista, doutor em Doenças Tropicais pela Universidade Federal do Pará, professor da Universidade Federal do Pará. E-mail: helpinheiro@gmail.com.

Vânia Cristina Campelo Barroso Carneiro: médica, mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal do Pará, médica da Universidade Federal do Pará. E-mail: vania_barroso@yahoo.com.br.

 

Recebido:05/10/2017
Aprovado: 24/04/2018

 

 

1 Fonte: Diretório de Atenção Básica do Ministério da Saúde (http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/dezembro/01/gestao-trabalho-atencao-basica-PMAQ-DAB-19-11-14.pdf)
2
Fonte: Diretório de Atenção Básica do Ministério da Saúde (http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/dezembro/01/gestao-trabalho-atencao-basica-PMAQ-DAB-19-11-14.pdf)

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