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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém jan./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04resenha36 

Resenha

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04resenha36

 

Psicologia histórico-cultural: contribuições para o encontro entre subjetividade e a educação

 

Historical-cultural psychology: contributions to the encounter of subjectivity and education

 

Psicología histórico-cultural: contribuciones para el encuentro entre subjetividad y la educación

 

 

Kairon Pereira de Araújo Sousa

Universidade Federal do Piauí

 

O livro Psicologia histórico-cultural: contribuições para o encontro entre subjetividade e a educação é formado por uma coletânea de textos produzidos por pesquisadores da área da psicologia e da educação de diferentes universidades brasileiras (UEM, UNESP, USP, UFPR e UNIB). Organizado por Marisa Eugênia Melillo Meira (UNESP) e Marilda Gonçalves Dias Facci (UEM), é composto por oito capítulos, tendo como objetivo discutir as principais contribuições da psicologia histórico-cultural no campo da psicologia da educação.

No primeiro capítulo, Psicologia histórico-cultural: fundamentos, pressupostos e articulações com a psicologia da educação, Marisa Eugênia Melillo Meira salienta as contribuições da psicologia histórico-cultural, enquanto um aporte teórico que subsidia reflexões teórico-críticas, para o campo da psicologia escolar. Com esse intuito, a autora incialmente discute os fundamentos da psicologia histórico-cultural, situando-o no seio do materialismo histórico dialético proposto por Marx. Para demonstra esse imbricamento, Meira aborda os três pontos centrais que estampam essa concepção filosófica: o conceito de história (atrelado à noção de produção e troca de produtos, provocando uma sociedade estruturada em classes), de homem (um ser determinado socialmente) e de ciência (o método - que permite apreender a vida social como uma realidade-; o desvelamento da ideologia - que possibilita alcançar o conhecimento histórico-; finalidade social da ciência – contribuir para transformações sociais), explicando que é a partir destes que a psicologia histórico-cultural se ancora, desdobrando seus pressupostos a respeito de homem, sociedade e educação.

Tendo em vista essa corrente de pensamento na psicologia, Meira discute a relação entre indivíduo/sociedade e desenvolvimento/aprendizagem. Sobre a primeira, a autora ressalta o modo relativamente novo de abordar a relação entre indivíduo e sociedade, enfatizando-se o caráter mediador e sócio-histórico da constituição do psiquismo, indicandoque este é histórico e culturalmente construído. Quanto à segunda, a autora põe em evidência a forma como a psicologia histórico-cultural trata do desenvolvimento, percebido como determinado sócio-culturalmente e não como algo universal. Nesse sentido, a aprendizagem se constitui em um fator relevante para o desenvolvimento das características dos indivíduos, sendo ela mediada. Discute-se, com base em Vigotski, os conceitos de mediação e desenvolvimento atual e proximal. A autora finaliza o capítulo, apresentando as contribuições dos pressupostos da psicologia histórico-cultural para a reflexão crítica na área da psicologia da educação.

A psicologia no contexto do materialismo histórico dialético: elementos para compreender a psicologia histórico-cultural é o título do capítulo dois. Nele, Elenita de Rício Tanamachi discute as contribuições da psicologia para o desenvolvimento da concepção de indivíduo concreto, tendo como base o arcabouço teórico do materialismo histórico dialético.

Considerando a emergência de posicionamentos no campo da psicologia históricocultural que advogam sua desvinculação dos fundamentos teórico-filosóficos e metodológicos do materialismo marxista, Tanamachi defende a utilização dessa macroteoria, uma vez que, segundo ela, representa um "fio condutor seguro para resolver os problemas epistemológicos da psicologia, porque define o sentido e as finalidades para o estudo do homem" (Tanamachi, 2014, p.64). Nesse sentido, ressalta a necessidade de uma relação entre psicologia e filosofia, desmistificando a tese de um rompimento total entre esses campos do saber, uma vez que, conforme a autora, o objeto de estudo da psicologia (o homem) é multideterminado, o que implica no diálogo com outras áreas do conhecimento científico e com a filosofia, especificamente o materialismo histórico - base epistêmica dentro da qual a psicologia do indivíduo pode se desenvolver como uma reflexão crítica. Tanamachi, nas demais linhas do texto, procurar sustentar essa tese, elencando as contribuições do materialismo histórico, como a concepção de homem que permite uma nova direção à psicologia, "colocando-a na condição de se tornar uma ciência da vida concreta dos indivíduos" (Tanamachi, 2014, p.91).

O capítulo três versa sobre o Trabalho, educação e psicologia na sociedade contemporânea: a formação do indivíduo no contexto da atual reestruturação produtiva. No escrito, João Henrique Rossler discute essas três esferas, tendo como base o referido contexto histórico. Sob esse prisma, o autor salienta, preliminarmente, a articulação entre o aspecto laboral e a educação, apontando que esta, nas diferentes sociedades, sempre esteve voltada para a formação e adequação do sujeito como força produtiva ao mundo do trabalho.

Apesar de reconhecer que a educação, enquanto instância de socialização e reprodução da cultura humana, cumpre a função de eleger de forma intencional e consciente os elementos culturais a serem transmitidos, o autor esclarece que tal processonas sociedades capitalistas tem se dado a partir de relações de dominação de uma classe por outra, de modo que, para Rossler, é preciso reconhecer que a educação e o trabalho estão submetidos à lógica do capital, sendo o sistema econômico, político e social vigente quem dita tal relação. Ao reproduzir a lógica capitalista, a educação passa a ser um instrumento de alienação, de adaptação passiva do sujeito, física e psicologicamente, ao mercado de trabalho, reverberando o discurso do pragmatismo.

É nesse contexto, que Rossler situa a psicologia frente à esfera do trabalho, enfatizando a necessidade de uma transformação deste campo, através da construção de uma psicologia para o trabalho, isto é, de uma psicologia voltada ao trabalhador.

Algumas reflexões sobre o desenvolvimento omnilateral dos educandos é o assunto do capítulo quatro. Neste texto, Lígia Márcia Martins discorre acerca da concepção de educação vigente na sociedade capitalista, que alimentada por teorias psicológicas e pedagógicas acríticas, pouco contribuiu para o desenvolvimento do educando, priorizando meramente os aspectos cognitivos. Martins alicerça sua análise em autores soviéticos, argumentando que a educação é mediatizada, sendo o ensino desenvolvido de modo organizado. Desta maneira, critica as ideias racionalistas de educação que intentam destituir o sujeito de seus aspectos sociais e históricos. A autora reforça que é a educação que imprime no sujeito suas características que são marcas da cultura, ou seja, do conhecimento acumulado pela sociedade e transmitido pela educação escolar.

O capítulo cinco, escrito por Marilda Gonçalves Dias Facci, é construído a partir de uma pergunta simples, porém provocativa, formulada por um aluno, que repetia pela segunda vez a primeira série do ensino fundamental, à uma estagiária do curso de psicologia da UEM: "Professora é verdade que ler e escreve é uma coisa fácil?" Essa indagação, aparentemente ingênua, que também intitula o presente texto, "Professora, é verdade que ler e escreve é uma coisa fácil?" – Reflexão em torno do processo ensinoaprendizagem na perspectiva de Vigotskiana, transforma-se em um objeto de reflexão a respeito da prática escolar, a partir do qual Facci discute o processo de ensinoaprendizagem, retomando os pressupostos da psicologia sócio-histórica.

A autora defende a premissa de que a escola e o professor possuem a tarefa de transmitir os conhecimentos acumulados pela sociedade. Nisso, enseja sua argumentação na importância do professor no processo de ensino-aprendizagem, posicionando-o como um ator educativo que protagoniza com o educando na construção do conhecimento. Tendo em vista esse ponto, Facci apresenta algumas perspectivas teóricas da psicologia e pedagogia que nortearam o processo de formação de professores, dentre elas a teoria do professor reflexivo, a pedagogia das competências e a epistemologia genética de Piaget, servindo para fundamentar os princípios da Escola Nova e do Construtivismo. A autora aponta que essas tendências esvaziaram a práxis do professor, ora advogando um pragmatismo emsua tarefa profissional (destituindo-o dos aportes teóricos que possibilitam um olhar crítico sobre sua própria atuação), ora reduzindo sua práxis a de um mero coadjuvante no processo de ensino-aprendizagem.

Para contrapor essas concepções, Facci utiliza a psicologia sócio-histórica, que segundo a autora, valoriza a escola e o professor, uma vez que defende a aprendizagem que ocorre através da mediação, sendo o professor responsável por conduzir práticas pedagógicas que possibilitem que o aluno se aproprie do conhecimento. No tocante à alfabetização, a autora salienta que a aprendizagem da escrita e da gramática possui uma complexidade, o que demanda uma ação conjunta para sua concretização.

O capítulo seis, escrito por Sonia Mari Shima Barroco, traz como título: Psicologia e educação: da inclusão e da exclusão ou da exceção e da regra. Barroco desenvolve uma reflexão a respeito da forma de ser do homem contemporâneo, dos seus conflitos e contradições, da forma de educação que empreende, etc. Parte-se do princípio que para se compreender o processo de inclusão e exclusão e superar esse estado de coisas, é necessário se desvelar o movimento histórico-cultural de constituição desse ser. Assim, a autora retoma alguns acontecimentos históricos, dentre eles a revolução industrial e a conjuntura social capitalista.

Barroco identifica nesse modelo social, estruturado em torno das relações de classes, a emergência do processo de exclusão, sendo este reforçado e mantido pelas classes mais abastadas. A autora menciona que, ao mesmo tempo que o capitalismo exclui o homem das condições que o elevam e põem em risco a ordem vigente previamente estabelecida, ele também o inclui, mas de forma subjugada, como forma de perpetuação do ideário da sociedade burguesa.

Contrapondo a visão de homem presente nas sociedades da exclusão, a autora apresenta as experiências de Makarenko (exceção) com a educação social de jovens marginalizados, utilizada como uma forma de superar a exclusão. Apesar de apresentar um modelo incompatível de educação com os dias atuais, pois Makarenko valia-se de métodos autoritários no trabalho com jovens marginalizados, Barroco salienta a importância da pedagogia desse professor, no sentido de que possuía uma visão de homem a ser formado e de sociedade que buscava. Por fim, a autora assinala que a reflexão acerca do desenvolvimento histórico do psiquismo humano e do declínio de propostas societais pautadas na coletividade contribui para uma prática psicológica e educacional diferenciada.

Buscando compreender as políticas públicas em educação: contribuições da psicologia escolar e da psicologia histórico-cultural é o título do capítulo sete. Produzido por Flávia da Silva Ferreira Asbahr e Marilene Proença Rebello de Souza, tem como objetivo analisar a proposta do projeto político pedagógico (PPP), tomando como base a teoria histórico-cultural, sobremaneira o pensamento de Leontiev. São utilizadas duas categorias de análises desse autor: o significado social e o sentido pessoal que os professores dão a tal projeto. O texto se divide em dois momentos. O primeiro consiste na apresentação das principais contribuições teóricas da psicologia histórico-cultural. O segundo detalha os procedimentos de pesquisa e as reflexões obtidas no estudo com um professor a respeito do papel e organização do PPP.

O livro encerra com o instigante capítulo oito, Discutindo a medicalização brutal em uma sociedade hiperativa, de Nadia Mara Eidt e Silvana Calvo Tuleski. Como pondo de partida da análise, as autoras chamam a atenção para o fato de que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) representa a principal causa de encaminhamentos de crianças para os centros especializados em diagnósticos infantis, movimentando a indústria farmacêutica. Alertam também sobre as dificuldades e falta de clareza em relação aos critérios de diagnósticos, sobretudo de diferenciação do TDAH de outros transtornos, da falta de estudos robustos acerca das consequências do uso da medicalização em crianças e do fato dos estudos de transtornos mentais focalizarem o sujeito, descolando-o do social, corroborando, no âmbito escolar, para responsabilização do aluno pelo fracasso escolar, o que exime a escola e outras esferas sociais de qualquer tipo de análise.

Face a isso, as autoras salientam a importância de se compreender o homem como um ser sociocultural, que se constitui na relação com os demais, evidenciando as contribuições da psicologia sócio-histórica para essa percepção. Elas destacam ainda que o transtorno mental deve ser analisado para além do estrato biológico ou individual, uma vez que é multifacetado, sendo o psiquismo socialmente construído.

Não obstante, Eidt e Tuleski demonstram que as transformações sociais decorrentes do capitalismo provocaram mudanças na forma de existir dos homens, no âmbito social, familiar, escolar, etc. O entendimento dessas modificações, no decurso da humanidade, permite a observância de que estas não são naturais, mas construídas. Nesse sentido, a autoras reposicionam o olhar para a própria psicologia, que enquanto conhecimento científico ainda tem partido de concepções individualizantes na busca pelas causas dos problemas escolares, desconsiderando a sala de aula, os professores, as relações familiares e demais determinantes psicossociais. Por esta forma, enfatizam o valor da psicologia sócio-histórica para a psicologia e a educação, por permitir a analisa dos fenômenos psicológicos, que surgem no espaço escolar, sob um novo ângulo. Contudo, reiteram que a utilização desse referencial teórico-crítico não pode ser tomada como formula mágica de solução dos problemas sociais, mas como um compromisso ético, político e social, que permita ir às raízes das questões, descortinando suas aparências, o que é realizado por meio de uma postura científica crítica e cuidadosa.

A leitura deste manuscrito contribui para uma concepção crítica referente a construção da subjetividade e de sua relação com o processo escolar. Em um cenário científico, onde se observa tendenciosidades e busca de atalhos perigosos que reduzem as análises dos fenômenos investigados, dissociando-os do contexto sociocultural o qual estes fazem parte, a recorrência ao materialismo histórico-dialético contribui para o desenvolvimento de uma psicologia e educação crítica, com reflexões e práticas comprometidas com o social. Torna-se evidente, a partir da obra, que a individualidade (subjetividade) encontra espaço em uma perspectiva histórico-cultural, sendo percebida como atrelada ao cenário social, cultural e econômico vigente. Esta obra é recomendada para estudantes, profissionais da psicologia e da educação interessados em compreender as contribuições dos fundamentos da psicologia histórico-cultural para a psicologia, educação e áreas afins.

 

Referências

Meira, M. E. M., & Facci, M. G. D. (Orgs.). (2014). Psicologia histórico-cultural: contribuições para o encontro entre subjetividade e a educação (2ª ed.). São Paulo, Casa do Psicólogo.         [ Links ]

 

 

Nota sobre o autor

Kairon Pereira de Araújo Sousa. Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: kaironpereira@hotmail.com

 

Recebido: 30/03/2018
Aprovado: 24/04/2018

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