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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.2 Belém maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02artigo28 

Artigo

 

 

Ajustar-se, criativamente, é preciso: experiências e enfrentamentos em leitos da pré-cirurgia ortopédica

 

To adjust, creatively, it is necessary: experiences and confrontations in orthopedic pre-surgery beds

 

Ajustar, creativamente, es necesario: experiencias y enfrentamientos en lechos de la pre-cirugía ortopédica

 

 

Eloísa Amorim de Barros

Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar aspectos psicológicos evidentes em pessoas que sofreram um trauma ortopédico e investigar quais as formas de enfrentamento que utilizaram no período pré-cirúrgico. Foi realizada pesquisa de campo com 10 indivíduos internados na clínica ortopédica de um hospital público do oeste do Pará. Na coleta de dados foram utilizadas a Escala Modo de Enfrentamento de Problemas (EMEP) e entrevista semi-estruturada, sendo utilizada a análise do conteúdo e aspectos teóricos da Gestalt-Terapia para analisar os dados. Os resultados indicaram medo, ansiedade, além de questões estéticas, perda ou diminuição da funcionalidade corporal e prejuízos financeiros que foram fatores desencadeadores de sofrimento psíquico. Como forma de enfrentamento os participantes utilizaram a religiosidade/espiritualidade e o enfrentamento focalizado no problema. Nesse sentido, conclui-se que essas pessoas vivenciam intenso sofrimento psíquico referente às suas lesões, fraturas, dores e ressalta-se a importância da atuação mais ativa do profissional da Psicologia na Ortopedia.

Palavras-chave: Psicologia Hospitalar; Gestalt-Terapia; Enfrentamento.


ABSTRACT

This study aimed to identify psychological aspects evident in people who suffered orthopedic trauma and to investigate the forms of coping that they used in the pre-surgical period. A field survey was conducted with 10 individuals hospitalized at the orthopedic clinic of a public hospital in western Pará. Data collection was performed using the Scale Mode of Confrontation of Problems (EMEP) and semi-structured interviews, using content analysis and theoretical aspects of Gestalt-Therapy to analyze the data. The results indicated fear, anxiety, as well as aesthetic issues, loss or diminution of corporal functionality and financial losses that were triggering factors of psychic suffering. As a way of coping, the participants used the religiosity / spirituality and the confrontation focused on the problem. In this sense, it is concluded that these people experience intense psychic suffering related to their injuries, fractures, pains and stresses the importance of the more active performance of the professional of Psychology in Orthopedics.

Keywords: Hospital Psychology; Gestalt-Therapy; Confrontation.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar aspectos psicológicos evidentes en personas que sufrieron un trauma ortopédico e investigar cuáles eran las formas de enfrentamiento que utilizaron en el período prequirúrgico. Se realizó una encuesta de campo con 10 individuos internados en la clínica ortopédica de un hospital público del oeste de Pará. En la recolección de datos se utilizaron la Escala Modo de Enfrentamiento de Problemas (EMEP) y entrevista semiestructurada, siendo utilizada el análisis del contenido y aspectos teóricos de la Gestalt-Terapia para analizar los datos. Los resultados indicaron miedo, ansiedad, además de cuestiones estéticas, pérdida o disminución de la funcionalidad corporal y pérdidas financieras que fueron factores desencadenadores de sufrimiento psíquico. Como forma de enfrentamiento los participantes utilizaron la religiosidad / espiritualidad y el enfrentamiento enfocado en el problema. En ese sentido, se concluye que esas personas experimentan intenso sufrimiento psíquico referente a sus lesiones, fracturas, dolores y se resalta la importancia de la actuación más activa del profesional de la Psicología en la Ortopedia.

Palabras-clave: Psicología Hospitalaria; Terapia Gestalt; Afrontamiento.


 

 

INTRODUÇÃO

Um indivíduo quando é acometido por algum adoecimento, experimenta sentimentos que irão definir qual rumo sua vida irá tomar a partir de então. Nesse processo, a hospitalização aparece como uma esperança de melhora, mas também como o período em que a pessoa, além de ter a rotina alterada, irá vivenciar a perda da privacidade e autonomia diante da sua própria vida, vulnerabilidade emocional e física. Aspectos da vida particular, fatores como gênero, contexto social, econômico e cultural, condições de acolhimento de tal indivíduo na instituição de saúde e também as características da equipe irão influenciar a maneira com a qual o indivíduo irá lidar com o processo de adoecimento e hospitalização.

A hospitalização afasta a pessoa do seu ambiente familiar e a coloca em um lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas realizando procedimentos invasivos e, também, desconhecidos. Tais fatos podem ser agentes desencadeadores de períodos de ansiedade e depressão, fazendo-se necessário propiciar momentos de reflexão, entendendo o indivíduo no novo meio e com o objetivo de aliviar o estresse decorrente do processo de adoecimento. Nesse contexto é importante ressaltar a responsabilidade da pessoa hospitalizada sobre o seu adoecimento e tratamento, vistoque é importante que compreendam sua patologia, aceitando e buscando formas de enfrentar a situação de sofrimento, objetivando mudança no modo de encarar o mundo, que segundo Ginger & Ginger (1995) é o objetivo da Gestalt, como agente mobilizador de mudanças a partir da experimentação de pista para novas soluções.

Na internação decorrente de um trauma ortopédico ressalta-se a importância que deve ser dada às alterações corporais, ao processo de luto pelas diversas perdas vivenciadas pelos indivíduos adoecidos e outros aspectos psicológicos presentes no processo de adoecimento. Nesse sentido, o profissional da Psicologia deve considerar a história de vida da pessoa hospitalizada e sua forma de ser e existir no mundo, visto que ao internar no hospital o indivíduo traz consigo toda a subjetividade construída ao longo de sua vida.

No processo de hospitalização, faz-se necessário que o indivíduo entre em contato com o seu adoecimento, entendendo-o, para que assim possa ter autonomia e aderir (ou não) ao tratamento. Kiyan (2006) afirma ser fundamental que o indivíduo entre em processo de conscientização para que possa estabelecer contatos de boa qualidade e, assim, se responsabilizar por sua existência, se auto-realizando. Pode-se relacionar a ideia da autora com o processo de adoecimento e hospitalização pelo qual o indivíduo está passando, a partir do momento em que ele precisa estar em contato com tal processo para que possa pensar e refletir sobre seus modos de existência atuais, buscando mudanças na sua relação com o meio, no caso o hospital e o seu "mundo" pós-alta hospitalar.

A pessoa hospitalizada, ao entrar em contato com o seu adoecimento, tem a possibilidade de reconhecer verbalmente sua situação, reagir a ela, sentir em resposta a ela. Isso para Yontef (1998) se configura como entrar em processo de Awareness, ou seja "[…]estar em contato com a própria existência, com aquilo que é" (YONTEF, 1998, p. 30).

Portanto, considerar o trauma ortopédico e todas as consequências que ele poderá trazer para a vida da pessoa lesionada, é fundamental para o trabalho da Psicologia. Porém, para que um bom trabalho de amenização de sofrimento seja realizado com o indivíduo adoecido e seus familiares, é necessário que se conheça quais são os aspectos psicológicos presentes nesse momento da vida e nesse tipo de adoecimento, sempre considerando as características individuais, sociais e culturais trazidas para dentro do ambiente hospitalar.

 

MÉTODO

Este estudo contou com a colaboração de 10 usuários que sofreram traumas ortopédicos diversos e se encontravam internados no setor de ortopedia de um hospital público do oeste do Pará. Os usuários foram escolhidos através de conversas informais com a equipe médica de Ortopedia e com a equipe Enfermagem que informaram os dias e horários que os usuários são admitidos no serviço para realizar cirurgia ortopédica. Os critérios adotados foram: Estar no período pré-cirúrgico; ter, no mínimo, 18 anos; estar com bons níveis de consciência e orientação; aceitar participar da pesquisa. É importante ressaltar que o serviço onde os usuários estavam internados dispõe de 10 leitos de ortopedia, portanto, todos os que estavam hospitalizados no dia disponibilizado para a coleta de dados, aceitaram participar da pesquisa e estavam de acordo com os critérios adotados.

Foi utilizado o levantamento bibliográfico e a pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, a qual, Serapioni (2000) diz que é uma forma de analisar o comportamento humano utilizando a observação não controlada sendo, portanto, um estudo subjetivo, exploratório, indutivo, holístico e não generalizável.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, que continham 10 (dez) questões preestabelecidas. Tal entrevista abordou os aspectos relacionados às atividades realizadas antes da lesão, estilo de vida préinternação, perdas decorrentes do processo de adoecimento, adesão ao tratamento, sentimentos presentes no processo de adoecimento e hospitalização, bem como informações relacionadas a idade, estado civil, escolaridade, município de origem e se tinham filhos e/ou dependentes financeiros.

Outro instrumento utilizado foi a Escala Modo de Enfrentamento de Problemas (EMEP), que se constitui em uma escala de 45 itens, respondidos segundo uma escala Likert de cinco pontos, agrupados nos fatores: enfrentamento focalizado no problema (18 itens: comportamentos para controlar o problema causador do estresse); enfrentamento focalizado na emoção (15 itens: tentativas de adequar a resposta emocional ao problema); busca de suporte social (cinco itens: procura por apoio instrumental, emocional ou de informação) e busca de práticas religiosas/pensamento fantasioso (sete itens: comportamentos religiosos, pensamentos de esperança que servem para auxiliar no enfrentamento do problema). Tal instrumento foi criado por Vitaliano e cols. (1985), adaptado para o português por Gimenes & Queiroz (1997) e validado para a população brasileira por Seidl et al. (2001).

Os dados coletados foram analisados através da análise de conteúdo proposta por Bardin (1979), que diz ser um conjunto de técnicas utilizadas para analisar as comunicações, sendo um método empírico que depende do tipo de fala e do objetivo do trabalho que se pretende interpretar, consistindo na explicitação e sistematização do conteúdo das mensagens e da expressão desse conteúdo, considerando o emissor e o seu contexto, ou, eventualmente, os efeitos dessas mensagens.

A pesquisa foi realizada com base na resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que trata de pesquisas com seres humanos e aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará (UEPA), com o processo nº 751.035/13 de agosto de 2014.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Resultados da EMEP

Os resultados obtidos com a aplicação da EMEP mostraram certa variabilidade das estratégias de enfrentamento utilizadas para enfrentar a situação de adoecimento e hospitalização. Foi possível observar a predominância da busca de práticas religiosas e do enfrentamento focalizado no problema. Dos resultados obtidos com a aplicação da EMEP, observou-se que desses 10 (dez) participantes, 9 (nove) apresentaram o enfrentamento focalizado na busca de práticas religiosas e focalizado no problema.

Observou-se que a religiosidade apareceu como um importante recurso para o enfrentamento da situação de adoecimento e hospitalização, em que a fé se apresenta como a forma mais utilizada para lidar com as dores ocasionadas pelas fraturas, com a espera por um procedimento cirúrgico e com a perda (temporária ou não) da mobilidade e funcionalidade. Duarte & Wanderley (2011) afirmam que a falta de consenso na literatura científica sobre Religião e Espiritualidade, dificulta as pesquisas sobre tal temática. Porém, enfatizam a importância da religiosidade e da espiritualidade no auxílio do enfrentamento de eventos estressores como, por exemplo, um processo de hospitalização que traz para o indivíduo momentos de dor física e psíquica diante de procedimentos invasivos, sentimentos de medo frente ao desconhecido, alteração brusca na rotina e distância dos familiares. Para complementar, é válido citar Castelo-Branco; Brito; Fernandes-Sousa (2014) que veem as necessidades espirituais do indivíduo integrando sentimentos de esperança, conforto e paz interior, influenciando no bem-estar e na qualidade de vida do ser humano.

Partindo do princípio de que a Psicologia Hospitalar trabalha na minimização do sofrimento da pessoa adoecida e hospitalizada, pode-se ressaltar a religião e a espiritualidade como formas de ajustar-se à situação de sofrimento e também como ferramentas que podem contribuir com o trabalho do profissional que atua nessa área. Sobre isso, Duarte & Wanderley (2011) afirmam que as pessoas encontram na fé esperança, otimismo e instiga para se envolver com o tratamento e, enfatizam tais aspectos como sendo de extrema importância para a recuperação da pessoa adoecida. Os autores ressaltam ainda que o trabalho do profissional da Psicologia, com enfoque na religião e na espiritualidade, deve ser voltado para a compreensão de qual significado o indivíduo confere para suas práticas religiosas e espirituais, trabalhando sempre com princípios éticos a partir de uma escuta empática e acolhedora.

Por outro lado, é importante observar a forma como o usuário lida com sua religiosidade e espiritualidade, visto que algumas condutas podem ser prejudiciais para seu tratamento. Segundo Duarte & Wanderley (2011), esconder sintomas ou não aderir a práticas preventivas tendo como base a ideia de que alguma divindade espiritual vai dar a proteção necessária, são condutas que podem trazer malefícios a saúde do indivíduo. Neste estudo, que contou com a colaboração de pessoas hospitalizadas em decorrência de um trauma ortopédico, as condutas prejudiciais podem estar relacionadas com o não seguimento das orientações da equipe médica e de enfermagem para o bom andamento do tratamento e, neste caso mais específico, da preparação para a cirurgia ortopédica. Neste caso, o ajustamento não deixaria de ser criativo, porém, totalmente disfuncional à situação de adoecimento e reabilitação.

Sobre ajustamento criativo Kiyan (2006) define como sendo uma adequação possível entre o indivíduo e o meio que possa favorecer o fechamento de figuras. A autora ressalta que "fechar uma figura" significa interagir com o campo onde, por meio do contato, o indivíduo pode tomar uma decisão que lhe pareça adequada no sentido de satisfazer a demanda que se torna figura naquele momento.

No ambiente hospitalar e no contexto de traumas ortopédicos, os procedimentos invasivos, as dores e a dependência físicas, os procedimentos cirúrgicos e a dificuldade em lidar com todo esse processo de adoecimento e hospitalização, podem ser considerados "figuras" a serem fechadas e cabe à pessoa hospitalizada com o profissional da Psicologia buscarem a melhor forma de amenizar essa situação de sofrimento.

O enfrentamento focalizado no problema foi a estratégia de enfrentamento observada em segundo lugar nos resultados da EMEP. Sobre essa estratégia de enfrentamento, Seidl; Tróccoli; Zannon (2001) afirmam que ao utilizar tal recurso, a pessoa iria se engajar em modificar ou manejar o problema ou a situação causadora do evento estressor, com o objetivo de lidar com a ameaça, o dano ou o desafio. Os autores afirmam que é uma estratégia de aproximação em relação ao estressor, ou seja, o indivíduo entra em contato com o problema, toma consciência e age para transformá-lo. Sendo assim, entrar em contato com seu processo de adoecimento pode fazer com que o indivíduo se torne ativo frente ao seu tratamento, possibilitando com que esse retome parte da autonomia, muitas vezes, perdida no processo de hospitalização e busque agir mais ativamente no seu processo de reabilitação, o que para Yontef (1998) se configura como entrar em processo de awareness.

Um aspecto fundamental quando se fala de Gestalt-Terapia e processo de conscientização, é o diálogo, a relação entre terapeuta e cliente. Segundo Ribeiro (1997), o diálogo existencial é parte essencial da metodologia da Gestalt-Terapia, sendo baseado na experienciação da outra pessoa como ela é, mostrando o seu verdadeiro self. Para o autor, o relacionamento terapêutico na Gestalt-Terapia enfatiza quatro características de diálogo: Inclusão, Presença, Compromisso com o diálogo e Diálogo vivido.

Segundo Ribeiro (1997) inclusão é se colocar na experiência do outro, sem julgamento, análise ou interpretação, tal característica faz parte do processo dialógico, que emerge no encontro autêntico entre terapeuta e cliente. Presença é quando o Gestalt-terapeuta expressa suas observações e sentimentos relacionados ao outro, como parte do processo terapêutico. O Compromisso com o diálogo é permitir que o contato ocorra sem manipulações e controle, acontecendo entre terapeuta e cliente, nascendo da interação entre eles. O Diálogo vivido é algo feito, vivenciado de fato, através de dança, música, palavras ou por qualquer modalidade que expresse a relação entre os participantes.

Nesse sentido, considerando o contexto hospitalar e todas as suas características, incluindo o sofrimento vivenciado pelo indivíduo hospitalizado, o diálogo entre Psicólogo e o indivíduo hospitalizado, é de fundamental importância para a busca da autonomia desse usuário. Colocar-se presente para a pessoa internada, ouvindo-a, acolhendo-a, faz com que o foco do trabalho do profissional da Psicologia seja a busca dessa autonomia e do bem-estar diante da sua atual condição de vida.

Resultados - Entrevistas

Nos resultados das entrevistas foi observado entre os 10 (dez) participantes, que 06 (seis) nunca haviam passado por um processo de hospitalização, portanto, estavam vivenciando tal experiência pela primeira vez, o que gerou sentimentos de medo e alguns momentos de ansiedade frente ao desconhecido e, até mesmo com a falta de informação sobre como e quando seriam realizados os procedimentos cirúrgicos. Sobre hospitalização, faz-se importante citar Angerami- Camon (1995) quando este afirma que o indivíduo hospitalizado precisa enfrentar a perda de autonomia, juntamente com a necessidade de reformular seus conceitos e valores, como forma de lidar com a situação de adoecimento que ocasionou mudança na rotina, nos aspectos corporais, na sua individualidade enquanto pessoa responsável por si, ou seja, ajustar-se criativamente.

Ribeiro (1997) afirma que o Self é considerado o sistema produtor de diversos processos a partir do contato com o mundo, se manifestando através do "eu" e sendo passível de mudanças a partir da forma como o indivíduo experiencia o meio em que vive. Nesse sentido, pode-se afirmar que na hospitalização, muitas situações serão consideradas invasivas e abusivas, a partir do momento em que os limites e imposições da pessoa hospitalizada são desrespeitados. Ainda sobre Self, Ribeiro (1997) afirma que:

 

O Self é um sistema central, interior, como uma coluna vertebral. É o lugar onde ocorrem as emoções, as sensações mais profundas. É o lugar onde sentimos as coisas. É a síntese daquilo em que nos tornamos ao longo da vida. É nossa autoimagem, é aquilo que sentimos quando dizemos: eu sinto, eu penso. O sentido das coisas e de nós mesmos emana dele. É o retrato que fazemos de nós mesmos (RIBEIRO, 1997, p.30-31).

Resultados e discussão da entrevista pré-cirúrgica

Para facilitar a análise dos dados e, utilizando a análise de conteúdo proposta por Bardin (1979), estes foram divididos em duas categorias, a saber: 1)Vida ativa pré-acidente; 3)Aspectos Psicológicos e/ou sentimentos evidenciados durante a hospitalização.

Categoria 1 – Vida Ativa Pré-Acidente

Nesta categoria serão analisadas as formas como os participantes viviam antes do acidente que ocasionou a hospitalização e a espera por um procedimento cirúrgico. Notou-se que dentre as questões mais mencionadas, a intensa rotina de trabalho apareceu como algo relevante no cotidiano dessas pessoas, que estão na faixa etária considerada ativa, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compreende a população com 15 ou mais anos de idade que economicamente ou não economicamente ativa, porém apta para realizar uma atividade econômica. Isso pode ser exemplificado nas seguintes falas:

 

"Eu trabalho de 7:3h às 11:30h e das 2:30 até 6h (da tarde). Acordo, me arrumo, vou para o supermercado aí lá eu trabalho muito, aí eu merendo" (PARTICIPANTE 3 ) "Eu me acordo 7:15h pra me preparar pra ir para o trabalho às 8h, voltar meio dia, retorno para o trabalho 2h (14h), volto às 6h (18h)." (PARTICIPANTE 7) "É porque eu trabalho em garimpo, né? (...)Quando eu tô lá é trabalhando direto. O dia inteiro." (PARTICIPANTE 9)

Nesse sentido, nota-se que o "Trabalho" apareceu como palavra-chave nas considerações dos participantes sobre suas rotinas diárias, sendo a principal atividade realizada. Viver em uma sociedade capitalista faz com que o ser humano precise trabalhar para a sua subsistência, sendo importante também ressaltar o trabalho como fator que dignifica a existência humana, não atuando apenas uma exigência social e de dignificação humana, mas um constitutivo da subjetividade, sendo impossível pensar o sujeito que não se lance a uma atividade laboral. Sobre isso, Tolfo & Piccinini (2007) afirmam ser o trabalho um provedor de subsistência e de vida, sendo rico de sentidos individuais, sociais, existenciais e contribuindo para a estruturação da identidade e da subjetividade do indivíduo. As autoras discorrem ainda sobre a importância das pessoas buscarem suas identidades nas atividades que executam, não sendo apenas produtoras e consumidoras de capital.

Sendo assim, cabe a reflexão de como esse indivíduo está enfrentando e se ajustando ao fato de ser ativo, acordar cedo para trabalhar e não poder fazer isso por conta de um acidente que o impossibilita de realizar suas atividades, mesmo que temporariamente. Sobre isso, cabe destacar a fala do Participante 06 que afirma:

 

"Rapaz...eu acordo 6h...6:30h... e aí eu vou só lá no quintal molhar as minhas plantas que eu tenho que aguar, aí vou e assisto um jornal de manhã e nada mais pra fazer. Fico só andando dentro de casa, dou uma volta ali pelo bairro porque eu não posso me esforçar muito, né? (...)Ah, antes do meu acidente era diferente. Antes do acidente eu acordava às 6h e ía para o meu serviço." (PARTICIPANTE 6)

É interessante notar na fala do participante que quando este vai relatar as suas atividades diárias após o acidente, há a presença da palavra "só", que pode ser entendida como indicadora de pouca coisa a se fazer e/ou pode representar que o indivíduo, quando não está trabalhando e produzindo, todas as atividades realizadas dentro das suas possibilidades físicas, sem remuneração e em casa são consideradas irrelevantes. Tal fato faz lembrar os aspectos históricos retomados por Alvim (2006) quando a autora diz que a vida ociosa passou a ser criticada com o surgimento da burguesia a partir do século XVII. Vale ressaltar que tal reflexão foi suscitada, pois se infere que o Participante 06, ao falar que não tem "nada mais pra fazer", está vivenciando um período que entende ser de ociosidade, mesmo fazendo tarefas domésticas.

Sendo assim, partindo da ideia de que o trabalho faz parte da identidade do indivíduo que se relaciona constantemente com o meio e compreendendo esse indivíduo a partir da Gestalt-Terapia que o percebe como um ser social, é importante acolher e dar suporte para que essa pessoa se torne consciente (aware) do que está fazendo, como está fazendo e como pode transformar-se, aceitando-se e aceitando sua nova condição, como proposto por Yontef (1998).

Outra fala importante de ser destacada é a da Participante 08 que aborda a perda da funcionalidade ocorrida após o acidente:

 

"Quando eu tava boa? Eu faço café, vou logo molhando minhas plantas e venho pra lavar vasilha" (PARTICIPANTE 08).

 

Quando foi pedido que a participante relatasse um dia seu, ela começou a contar tudo o que fazia e o que deixou de fazer quando já estava acidentada. A pergunta foi reformulada e foi solicitado que a participante relatasse como era seu dia antes do acidente e, chamou atenção à pergunta "Quando eu tava boa?". Nesse sentido, nota-se que o acidente passar a ser um evento que divide a vida do indivíduo em "antes" e "depois", em que esse "antes" dá a ideia de saúde, de funcionalidade e de uma vida cheia de possibilidades.

Costa-Júnior & Maia (2010) abordam questões relacionadas à construção psicológica do indivíduo a partir de suas experiências, sendo válida a reflexão sobre a perda ou a diminuição da funcionalidade do corpo adoecido. Além disso, é importante pensar sobre quais sentimentos estão emanando do self de uma pessoa acometida por algum tipo de lesão que a impede de continuar realizando suas atividades cotidianas. Partindo do princípio de que self é o modo como o indivíduo se ajusta pode-se afirmar que os sentimentos que fluem do self da pessoa adoecida estão de acordo com a forma como vivencia tal adoecimento, podendo desencadear um processo depressivo e/ou vivenciar momentos de ansiedade, dependendo de como foi construída sua subjetividade no campo organismo-meio.

Segundo Galhordas & Lima (2004) quando o indivíduo é acometido por algum tipo de lesão corporal, perdendo parte do corpo ou da funcionalidade, ocorre uma alteração da imagem desse corpo a qual pode estar relacionada com sentimentos de tristeza e desvalorização. As mudanças corporais provenientes de alguma lesão traumato-ortopédica, segundo Aragão (2004), podem provocar mudanças no comportamento e no modo de ser do indivíduo a partir do momento em que tais mudanças poderão ser um dispositivo de impedimentos para este.

Categoria 2 – demandas psicológicas relacionadas ao processo de adoecimento e hospitalização e expectativas para a alta hospitalar

Esta categoria visa discutir os aspectos psicológicos evidenciados nas falas dos participantes e que estão relacionados com a vivência da internação. Sabese que todo processo de adoecimento e hospitalização faz com que o indivíduo mude, muitas vezes, bruscamente sua rotina, podendo causar sofrimento e dificultar a reabilitação. Segundo Angerami-Camon (1995) o indivíduo hospitalizado é um ser em processo de total despersonalização, a partir do momento em que passa a ser reconhecido não mais pelo seu próprio nome, mas pelo número do leito que ocupa ou por ser portador de determinada patologia. A pessoa perde sua autonomia e se depara com a necessidade de reformular seus conceitos e valores, como forma de lidar com a situação de adoecimento que ocasionou mudança na rotina, nos aspectos corporais, fazendo com que o indivíduo seja afetado de várias formas na sua fronteira de contato. Os discursos dos participantes mostraram que lidar com um processo de hospitalização é algo que traz consigo uma gama de emoções e sentimentos que não esperavam vivenciar. Isso pode ser exemplificado na seguinte fala:

 

"É, eu fiquei muito triste lá. (...)Só lá no barco quando eu vim, eu chorei. (...)Pela situação. (...)Eu tô mais é com coisa da cirurgia. Tô com medo mesmo (risos)." (PARTICIPANTE 1)

A fala do Participante 01 mostra que a situação de acidente que o fez se deslocar da sua cidade em busca de tratamento foi algo que lhe causou sofrimento, pois ocasionou a perda temporária da capacidade física e marcou negativamente a vida desse indivíduo, que passou a depender de outras pessoas para realizar suas atividades diárias. O Participante 01 trabalha como Bajarista, ou seja, transporta em uma bajara (barco pequeno) pessoas das comunidades ribeirinhas para a cidade e também trabalha na roça. Nesse sentido, pode-se afirmar que a alteração brusca em uma rotina ativa, fez com que esse indivíduo vivenciasse o sentimento de tristeza pela situação de adoecimento, hospitalização e afastamento do trabalho.

Além disso, é importante ressaltar que o Participante 01 afirmou estar com medo da cirurgia, dizendo que a equipe médica não havia lhe informado como seria. Pode-se dizer que o fato de nunca ter ficado hospitalizado e a falta de informação sobre o procedimento cirúrgico, contribuíram para que esse sentimento se fizesse presente no indivíduo. Costa; Silva & Lima (2010) afirmam que uma intervenção cirúrgica pode representar uma ameaça para o usuário, não apenas à sua integridade física, mas também psíquica, por ser acompanhada de ansiedade, que se apresenta como uma reação natural e necessária à autopreservação, não sendo necessariamente algo patológico, ressaltando que cada indivíduo irá enfrentar a situação de uma maneira diferente. No caso do Participante 01, este apresentou medo frente à cirurgia, decorrente também da falta de informação sobre ela. As autoras consideram as fantasias vivenciadas pelo indivíduo diante da espera do ato cirúrgico e descrevem o medo da anestesia, da invalidez e, até, da morte – que não deixam de serem considerados riscos iminentes em uma cirurgia – como fatores geradores de angústias e inseguranças e, a depender do impacto que podem causar no paciente e de como ele enfrenta essa situação de crise, podem interferir no curso do processo cirúrgico e na sua recuperação.

Ao falar sobre meios que poderiam contribuir para amenizar os medos e inseguranças das pessoas que estão em fase pré-cirúrgica, Costa; Silva & Lima (2010) dizem que a equipe de enfermagem, juntamente com a equipe médica e de Psicologia pode ajudar fornecendo ao usuário, informações referentes à sua cirurgia, contribuindo assim no ponto de vista emocional desse usuário. Além disso, Silva & Nakata (2005) afirmam que há a necessidade de buscar humanizar ainda mais a assistência aos usuários, trabalhando a valorização dos aspectos emocionais com relação ao medo, pois eles têm medo da dor, da anestesia, de ficar desfigurado ou incapacitado; tem medo de mostrar o medo, um sem número de fantasias e, principalmente, o medo de morrer.

Quando indagado sobre como estava enfrentando essa alteração brusca na sua rotina, o Participante 01 afirmou:

 

"Hum...mas é difícil demais! Eu vou lhe contar...no primeiro dia que eu cheguei no Municipal, se tivesse dado tempo de eu fazer os procedimentos antes do barco sair, eu tinha ido embora, não tinha ficado não. É, eu fiquei muito triste lá." (PARTICIPANTE 1)

Oliveira (2002) afirma que o sofrimento causado por uma incapacidade física pode se intensificar quando tal incapacidade é adquirida, já que a pessoa, segundo o autor, se depara com uma situação nova, desencadeadora de perdas e limitações físicas e sociais. Quando o participante afirma que se tivesse realizado os procedimentos antes do barco, que o levaria de volta para a sua cidade, sair, ele teria ido embora, nota-se certa impulsividade. Apesar de não ter chegado ao ato de ir embora, mesmo sem alta médica (subentende-se que, como estava com fratura de fêmur, necessitando de cirurgia, o médico não daria alta naquele momento), o participante afirma que teria feito isso se estivesse dentro do horário de saída do barco.

Falando de reações esperadas nesse processo de adoecimento, Pires & Joyce-Moniz (2008) e Pereira & Araújo (2005) mencionam a impulsividade reacional como uma das emoções experimentadas por pessoas acometidas por incapacidade física decorrente de alguma patologia ortopédica seguida de revolta, raiva, isolamento, ansiedade e, até mesmo, desenvolver processos depressivos. Isso pode refletir de forma negativa nos sintomas do adoecimento, na progressão da doença e na própria adesão da pessoa ao tratamento.

Quando Angerami-Camon (1995) apresenta o indivíduo hospitalizado como alguém que perdeu a autonomia diante do seu corpo e que precisa passar por situações consideradas abusivas e invasivas, o autor fala das dificuldades enfrentadas por esse ser humano que teve uma parte do seu corpo fraturada e que está tentando se reabilitar, como apresentou o Participante 05:

 

"Sempre gostei de andar, trabalhar, pagava um taxi ou um moto-taxi. Nunca eu pensava que ia pegar um acidente tão coisa em mim assim. Eu não levanto da cama. Eu não posso sair pra lugar nenhum. (...)Ruim demais. As vezes assim tudo o que não pode fazer, tem que pedir pra alguém. Nunca imaginei que eu ia...a vergonha que a gente tem, a gente já não pode ter mais. Tudo o que eu tenho que fazer, são as mulheres que fazem. É pra limpar, dar banho...Tudo...nunca eu ia adivinhar que eu ia fazer isso...e a vergonha, tem que encarar a vergonha." (PARTICIPANTE 5)

Quando o Participante 05 fala que sempre gostou de andar e trabalhar e, logo em seguida afirma que não levanta da cama, não sai pra lugar nenhum e considera isso algo ruim, pode-se fazer uma reflexão sobre a função desse corpo antes e depois do acidente. Sabe-se que o corpo humano ocupa uma função social e, segundo Freitas; Stroiek; Botin (2010) é através dele que o indivíduo estabelece contato com o outro por meio de gestos, atitudes, sorrisos, etc., sendo um campo expressivo. Além disso, é importante falar desse corpo que trabalha, anda, é ativo. Quando tal corpo perde, mesmo que temporariamente, parte da sua funcionalidade, que poderá limitar o desempenho de algumas funções cotidianas como trabalhar, por exemplo, Aragão (2004) diz que esse indivíduo pode experimentar certo desequilíbrio psíquico, necessitando de mais proteção e segurança.

Notou-se que, além de sofrer por ter parado de andar e trabalhar, o Participante 05 também experimentou um sentimento de vergonha, relacionado ao seu processo de adoecimento e hospitalização, visto que por não conseguir se movimentar como antes, necessita da ajuda de outras pessoas para realizar suas atividades, inclusive sua higiene pessoal. Sobre isso, Pupulim & Sawada (2010) dizem que no âmbito da saúde e, principalmente da hospitalização, a violação da privacidade é algo que pode acontecer de formas variadas e em diferentes níveis. As autoras ressaltam que tocar o corpo do outro é algo inerente ao cuidado em saúde, porém questionam quais são os limites e se existem normas para a atuação profissional. Em pesquisa realizada pelas autoras com pessoas hospitalizadas, foi concluído que a privacidade física está interligada com dignidade e respeito.

Quando o Participante 05 diz "Tudo o que eu tenho que fazer, são as mulheres que fazem. É pra limpar, dar banho...Tudo...", ressalta-se a dificuldade de ter alguém do sexo oposto realizando a sua higiene. Isso condiz com o estudo realizado por Nepomuceno et al (2014) em que o sentimento de vergonha, pelos mesmos motivos, também ficou evidenciado em pessoas que tomavam banho no leito. Sendo assim, cabe uma reflexão sobre quais os limites impostos por esse homem para o seu corpo, corpo esse que para Freitas; Stroiek; Botin (2010) é dotado de uma função da relação da pessoa com o mundo, carregando sentidos subjetivos, relacionados com sua história de vida e com os recursos disponíveis para enfrentar a situação de adoecimento.

Outra questão que surgiu durante as entrevistas, foi o fato de ter a rotina bruscamente alterada e a situação de afastamento do trabalho.

 

"Rapaz, não tá bom porque pra quem era que nem eu, que não parava um minuto. Não tinha o costume de parar." (PARTICIPANTE 04) "sempre gostei de andar, trabalhar, pagava um taxi ou um moto-taxi. Nunca eu pensava que ia pegar um acidente tão coisa em mim assim. Eu não levanto da cama. Eu não posso sair pra lugar nenhum. (...) Ruim demais" (PARTICIPANTE 05). "Rapaz, foi uma experiência não muito boa... que eu não desejo pra ninguém. Entendeu? Por que... logo porque muda a rota, né? Você tem uma rotina ali e depois disso aqui já foi outra rotina totalmente ao contrário do que eu pensava. (...) Aqui é uma experiência que eu não esperava, né?" (PARTICIPANTE 06)

Observou-se nas falas que a mudança na rotina e, consequentemente, o afastamento do trabalho apareceu como algo ruim e que pode acarretar alterações psicoemocionais significativas na vida desse indivíduo. É interessante refletir sobre a perda temporária desse trabalho e do processo de luto vivenciado por esse indivíduo que, além da funcionalidade física, perdeu o trabalho, a convivência com a família por vários dias ou meses. Além disso, a Participante 07 mencionou questões de perdas relacionadas à estética e a autonomia, que lhe causaram abalo psicológico:

 

"Me abalou muito o meu psicológico então, me abalou muito. Até porque eu não posso usar nenhum tipo de salto por causa do joelho e aí me abala muito. Eu gostava muito. Eu não posso sair muito tempo sozinha pra longe" (PARTICIPANTE 07)

Nota-se que usar sapatos de salto era algo significativo na vida dessa usuária e deixar de usar em decorrência de uma lesão ortopédica fez com que experimentasse sentimentos de tristeza e abalo na autoestima. Pires & Joyce-Moniz (2008) que ressaltam que além das perdas da funcionalidade e da autonomia, a pessoa vivencia o sofrimento da perda do bem-estar, diminuição da autoestima.

Uma fala importante de ser considerada é a do Participante 06 quando este menciona questões referentes a prejuízos financeiros decorrentes do seu processo de adoecimento e hospitalização.

 

"Rapaz, não ficou muito bom porque atrasou uma porrada de conta logo que veio de carrão de sena" (PARTICIPANTE 06)

Sendo assim, vale ressaltar que as dificuldades financeiras foi algo significativo na vida desse participante, mas que devem ser consideradas no momento em que se for prestar algum tipo de acompanhamento para essa pessoa que está afastada do trabalho, da família e ainda precisa arcar com seus compromissos.

 

CONCLUSÕES

Este estudo teve como objetivos identificar as formas de enfrentamento e ajustamento criativo à situação de adoecimento e reabilitação no período pré-cirúrgico. Nesse sentido, notou-se que os indivíduos participantes da pesquisa estavam em idade considerada produtiva e a maioria foi hospitalizada em decorrência de acidente de trânsito, mais especificamente de motocicleta.

Foi observado que os participantes da pesquisa apresentaram medo e ansiedade diante da cirurgia, visto que a maior parte dessas pessoas nunca havia ficado hospitalizada e, até o momento da coleta de dados, ainda não tinham recebido informações referentes à como e quando seriam realizados seus procedimentos cirúrgicos. Esse fato mostra que a comunicação é um fator importante no ambiente hospitalar, visto que contribui para que o usuário saiba o que vai ser feito e como vão ser feitos os procedimentos previstos para a sua recuperação, contribuindo para um melhor ajuste diante da situação de hospitalização. Nesse sentido, cabe uma reflexão sobre como estamos falando com essas pessoas e como (e se) estamos repassando as informações de maneira adequada.

A estética, vergonha, perda ou diminuição da funcionalidade corporal, bem como os prejuízos financeiros foram outros fatores que surgiram como desencadeadores de sofrimento psíquico nos participantes que estavam no período pré-cirúrgico, havendo relatos de crises de choro e isolamento por parte de alguns participantes.

Notou-se a religiosidade/espiritualidade como um meio de enfrentamento e ajustamento criativo importante e que deve ser considerado durante o tratamento dos usuários, dando possibilidades para que essas pessoas consigam expressar e ter contato com seus ritos religiosos, algo que já é feito no hospital onde a pesquisa foi realizada, porém com menos frequência no setor de Ortopedia do hospital.

Pensar, escrever e vivenciar um trabalho voltado às pessoas que sofreram algum tipo de trauma ortopédico e estão passando por um processo de reabilitação hospitalar e ambulatorial, é algo difícil, pois há o confronto com a falta de literatura específica que avalie aspectos psicológicos evidenciados nesses indivíduos e, principalmente entendidos sob a ótica da Gestalt-Terapia. Sendo assim, quando se fala em vivenciar um trabalho, se quer dizer "entrar em contato" com essas pessoas, ouvir e pensar no quanto é difícil enfrentar uma situação de adoecimento e hospitalização decorrentes de algum tipo de fratura ortopédica, ou seja, um excelente encorajamento para a prática da empatia.

 

 

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Notas sobre a autora

Eloísa Amorim de Barros, Especialista em Saúde na Atenção Integral em Ortopedia e Traumatologia (UEPA), Mestranda em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida (PPGSAQ – Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA). E-mail: elo_amorim@hotmail.com.

 

 

 

Recebido: 25/04/2018
Aprovado: 04/07/2018

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