SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 issue2To adjust, creatively, it is necessary: experiences and confrontations in orthopedic pre-surgery bedsRetroflexion And Breast Cancer: Predisponences And Relations With The Five Great Personality Factors author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.2 Belém May/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02artigo29 

Artigo

 

 

Espiritualidade/Religiosidade para Fritz Perls: escarafunchando seus escritos (1942-1973)

 

Spirituality/Religiosity for Fritz Perls: Investigating His Writings (1942-1973)

 

Espiritualidad/Religiosidad para Fritz Perls: Investigando Sus Escritos (1942-1973)

 

 

Lázaro Castro Silva NascimentoI; Adriano Furtado HolandaII

IUniversidade de Brasília (UNB)

IIUniversidade Federal do Paraná (UFPR)

 

 


RESUMO

Os escritos de Fritz Perls, além de discutirem conceitos gestalt-terapêuticos, revelam posturas pessoais e políticas sobre diversos temas. Entre estes, a espiritualidade/religiosidade. O objetivo deste ensaio foi buscar na literatura perlsiana substratos que elucidem a questão da espiritualidade/religiosidade para o autor. O método utilizado foi a análise de conteúdo de Bardin, sendo analisadas as obras escritas por Perls de 1942 a 1973. Nas obras iniciais foi possível perceber fortemente uma postura de intolerância religiosa. Inicialmente, Perls possuía um olhar psicopatologizante sobre concepções como Deus ou religião, considerando a crença em entidades transcendentes como neurose projetiva. Comparava a psicanálise à religião. Criticava religiões judaico-cristãs como produtoras de retroflexões. Ainda assim, Perls reconheceu o fator espiritual enquanto não-religioso, mas como abertura à existência, inclusive pensando Esalen como uma colônia espiritual. Nas últimas obras, já afirmava que sua aproximação com o Zen o havia possibilitado experienciar uma religião sem necessidade de Deus.

Palavras-chave: Espiritualidade/religiosidade; Literatura gestáltica; Fritz Perls.


ABSTRACT

Fritz Perls' writings, besides the discussing of gestalt therapeutic concepts, reveal personal and political positions on various themes. Among these, spirituality/religiosity. The objective of this essay was to search in the Perlsian literature for substrates that elucidate the question of spirituality/religiosity for the author. The method used was the content analysis of Bardin, analyzing the works written by Perls from 1942 to 1973. In the initial writings it was possible to perceive strongly a posture of religious intolerance. Initially, Perls had a psychopathological look at conceptions like God or religion, considering the belief in transcendent entities like projective neurosis. He compared psychoanalysis to religion. He criticized Judeo-Christian religions as retroflections producers. Nevertheless, Perls recognized the spiritual factor as non-religious, but as an openness to existence, including thinking of Esalen as a spiritual colony. In the last works, he already affirmed that his approach with the Zen had made possible to experience a religion without God.

Keywords: Spirituality/Religiosity; Gestalt literature; Fritz Perls.


RESUMEN

Los escritos de Fritz Perls, además de la discusión de los conceptos terapéuticos de gestalt, revelan posiciones personales y políticas sobre varios temas. Entre estos, la espiritualidad/religiosidad. El objetivo de este ensayo fue buscar en la literatura perlsiana los sustratos que elucidan la cuestión de la espiritualidad/religiosidad para el autor. El método utilizado fue el análisis de contenido de Bardin, con análisis de las obras escritas por Perls desde 1942 hasta 1973. En las escrituras iníciales fue posible percibir fuertemente una postura de intolerancia religiosa. Inicialmente, Perls tuvo una mirada psicopatológica a concepciones como Dios o la religión, considerando la creencia en entidades trascendentes como la neurosis proyectiva. Él comparó el psicoanálisis con la religión. Criticó las religiones judeocristianas como productores de retroflexiones. Sin embargo, Perls reconoció el factor espiritual como no religioso, sino como una apertura a la existencia, incluido pensar Esalen como una colonia espiritual. En las últimas obras, ya afirmó que su enfoque con el Zen había hecho posible experimentar una religión sin Dios.

Palabras-clave: espiritualidad/religiosidad; literatura gestalt; Fritz Perls.


 

 

Diversas são as abordagens teórico-clínicas que orientam as práticas e reflexões de profissionais psicoterapeutas. No contexto dessa diversidade encontra-se a Gestaltterapia (GT), tendo sua autoria principal historicamente atribuída a Fritz Perls (1893-1970), Laura Perls (1905-1990) e outros teóricos. A Gestalt-terapia é conhecida por trazer em seu escopo teórico e filosófico menções à Filosofia Oriental, como Zen-budismo e Taoismo; uma orientação holística, seguindo a proposição de Jan Smuts; um olhar existencialista a partir de Kierkegaard e outros; além da proposta dialógica de Martin Buber entre outras tantas teorias que parecem tocar, direta ou indiretamente, a questão da espiritualidade/religiosidade, objeto deste estudo.

Apesar destas bases teóricas e filosóficas existirem no corpus da Gestaltterapia, os estudos dos Gestalt-terapeutas, pouco se voltaram para um retorno aos textos clássicos a fim de compreender os posicionamentos de seus fundadores quanto a questões como a espiritualidade/religiosidade. Isso poderia ser justificado talvez pelo processo de secularização vivido fortemente desde o século XIX na sociedade moderna ocidental, bem como pela influência dos movimentos de contracultura na Gestalt-terapia.

Holanda (2005), ao propor uma "Epistemologia da Gestalt-terapia", aponta inconsistências teóricas e lacunas presentes na compreensão desta abordagem psicoterapêutica, afirmando que uma possível solução para isto seria "reiterar nossa defesade uma "arqueologia" da Gestalt-terapia como forma de suprir, essas lacunas, e ainda, como um modo de resgatar sua singularidade, e o peso de legados por vezes menosprezados" (p.40). Levando em conta a indicação deste autor para uma arqueologia no sentido de "retorno às origens", este trabalho objetiva buscar, na literatura perlsiana, substratos que ajudem a elucidar a questão da espiritualidade/religiosidade, sendo os escritos de Fritz Perls a fonte primária de pesquisa.

Como afirma Frazão (1997), Fritz Perls é conhecido por ser o "pai" da Gestaltterapia, sendo cofundador desta abordagem com diversos outros pensadores, como Laura Perls, Paul Goodman, Isadore From, entre outros. Apesar de sua proposta ser reconhecida como inovadora em vários aspectos, com um olhar que "propõe um reconhecimento da alteridade e, portanto, uma valorização dos aspectos relacionais da condição humana" (Holanda, 2014, p.173), Perls não produziu muitos trabalhos teóricos. Sua obra escrita é breve, possuindo apenas os livros estudados nesse ensaio, algumas publicações curtas em outras obras e vídeos com seus workshops. Como reconhecido como fundador primordial da Gestalt-terapia, e a fim de compreender suas posições sobre a temática delineada aqui, foram escolhidas suas obras para estudo.

Antes destas análises, porém, achamos ser necessário proporcionar um fundo teórico minimamente consistente quanto às noções de espiritualidade/religiosidade que estamos utilizando.

 

DELINEANDO AS FIGURAS NO CAMPO: RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NA PSICOLOGIA

As discussões acerca de sistemas religiosos e da espiritualidade são comumente negligenciadas nos espaços de formação em Psicologia (Dalgalarrondo, 2008; Pinto, 2009; Vergílio & Holanda, 2010; Esperandio & Freitas, 2017; Freitas, Zanetti & Pereira, 2017), tendo sido historicamente conduzidas a partir de um olhar psicopatologizante ou "negativo" por diversos teóricos, a exemplo de Freud (1927/1996). É necessário repensar essa exclusão do tema espiritualidade/religiosidade na Psicologia e na psicoterapia?

Para o campo da psicoterapia e da saúde, pensamos que essa reflexão se mostra importante, uma vez que, com o passar dos anos, mais e mais estudiosos apontaram a espiritualidade/religião como uma forma possível para lidar com o sofrimento (Pargament, 1997; Panzini & Bandeira, 2007; Esperandio, 2014; Freitas, Zanetti & Pereira, 2017) e como forma de atribuir sentido à própria existência (Fry, 2000). Nessa direção, Genaro Junior (2011) afirma que é comum o surgimento do tema espiritualidade em Psicologia Clínica em pelo menos duas situações: quando se está frente a problemas diversos ou mesmo pela própria condição humana:

 

Tais aspectos ganham maior visibilidade quando nos deparamos na clínica como, por exemplo, situações limites, de adoecimento ou até mesmo com o advento do envelhecimento em que um "balanço existencial" acaba se tornando inevitável a despeito de crenças religiosas. Mas também percebemos esse movimento por busca pela transcendência na vida cotidiana das pessoas – como faceta fundamental da própria condição humana. (p.37)

Uma justificativa que é comumente utilizada por profissionais da área para a exclusão do tema espiritualidade/religiosidade em Psicologia é a compreensão de um caráter laico dado a esta ciência. Essa laicidade, porém, não significa de maneira alguma a exclusão dos fenômenos espirituais/religiosos como objetos de estudo psicológico (Holanda, 2017). Verona (2013), ex-presidente do Conselho Federal de Psicologia, esclareceu esta ideia: "Pautar-se na obrigatória laicidade não implica negar uma interface que pode ser estabelecida pela Psicologia e a religião, e pela Psicologia e a espiritualidade". Mesmo assim, é comum haver contradições e incompreensões na apropriação do fenômeno religioso ao contexto das práticas psicológicas, nos mais diversos contextos, seja por uma defesa excessivamente arraigada – e nem sempre criteriosa ou embasada – desta laicidade; seja numa crítica igualmente ampla à aproximação de aspectos religiosos ao campo psi, como temos nos casos de algumas Comunidades Terapêuticas que utilizam doutrinas religiosas como parte do tratamento, por exemplo.

Além disso, é preciso minimamente tocar no ponto da formação do psicólogo neste aspecto. Giovanetti (1999) afirma que devido a "falhas" na formação de Psicólogos, o tema da religião costuma ser ignorado por estes, advertindo que, uma alternativa para resolver este impasse seria o profissional em Psicologia "procurar entender o que é o psicológico na vivência de uma religião, para assim, compreender melhor a existência de seu cliente, e ajudá-lo a integrar melhor os diversos aspectos de sua vida" (p.88-89). Assim, o fenômeno religioso atua na dinâmica emocional do cliente, podendo lhe oferecer recursos para lidar com o sofrimento presente.

As discussões acerca da interface entre Psicologia e Espiritualidade/Religiosidade são escassas na graduação em Psicologia (Pereira & Holanda, 2016). Por vezes, a fim de se evitar que caia em concepções dogmáticas e discriminatórias como as reproduzidas pela chamada "Psicologia Cristã" (Conselho Federal de Psicologia, 2017), a temática da espiritualidade/religiosidade é totalmente excluída da formação, impedindo que reflexões necessárias sejam realizadas; o que, pelo menos na pósgraduação, não parece se repetir. No Brasil, estas discussões vêm sendo feitas desde 1998,pelo Grupo de Trabalho em Psicologia e Religião da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia).

Nesse sentido de aproximação entre Psicologia e espiritualidade/religiosidade, Macedo, Fonseca & Holanda (2007) afirmam que "tanto a Psicologia quanto a espiritualidade podem ser entendidas como dois universos simbólicos que usam conceitos diferentes para descrever um processo bem parecido: a construção, a percepção ou a criação de significados" (p.210). Isso não significa dizer que não haja especificidades e delineamentos em ambas, antes disso, reconhecer estas delimitações nos auxilia no processo de uma compreensão que ora as aproxima, e ora as afasta.

E no que tange à atuação do psicoterapeuta, qual a importância de pensar estes processos no contexto da psicologia clínica? Peres, Simão & Nasello (2007) citam pesquisas que investigaram as dificuldades vivenciadas por psicólogos clínicos ao incluírem a temática da espiritualidade/religiosidade em seu fazer. Entre os resultados, os participantes mencionaram a dificuldade em delimitar os conceitos de espiritualidade e religiosidade para inseri-los na prática psicoterapêutica. Pargament (1997) discorre sobre esses conceitos e amplia a discussão propondo a ideia de coping religioso como uma forma de enfrentamento de situações difíceis a partir da religiosidade. O autor aponta ainda como estas conceituações – religião, religiosidade, espiritualidade e espiritualidade/religiosidade – não possuem consenso dentro da psicologia da religião ou mesmo das ciências da religião, afirmando que:

 

A psicologia tradicional diz que a busca religiosa é ilusória, sendo a espiritualidade, na verdade, uma expressão de motivos psicossociais e desejos fundamentais. A religião tradicional rebate que a psicologia substituiu o transcendente pelo self e, assim, elevou o humano ao nível dos deuses (Pargament, 1997, p.45).

Vale destacar quão diversas e amplas são as definições e compreensões acerca dos termos espiritualidade, religiosidade e religião, ou ainda espiritualidade/religiosidade. A religião, por exemplo, parece ser pensada por James (1902) a partir de um olhar por vezes mais organicista: "A religião é uma reação biológica. (...) Um questionamento sobre a existência de um poder maior" (p.5). Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006) trazem uma conceituação diferente de James, ampliando a concepção de religião como proveniente de diversos fatores: "A religião é um fenômeno multidimensional e nenhum ato isolado pode explicar suas ações e consequências". Enquanto Starbuck (1901) a compreende como "um fato real da experiência humana, e se desenvolve de acordo com leis específicas. Embora essas leis sejam peculiares à sua própria esfera, e não precisem se equiparar com as dafísica, química, e assim por diante, no entanto, os fatos têm uma ordem que, com o conhecimento adequado, pode ser verificada" (p.16).

Entre os diversos trabalhos que se ocuparam destas definições, vale mencionar ainda o de Zinnbauer, Pargament & Scott (1999) que se debruça especificamente sobre as diversas conceituações entre espiritualidade e religiosidade, considerando a complexidade do tema. Uma das compreensões apresentadas pelos autores sobre espiritualidade afirma que esta "tem a ver com os caminhos que as pessoas utilizam no sentido de encontrar, preservar e transformar o sagrado em suas vidas" (p. 909), destacando a noção de sagrado. Neste sentido, Worthington e Aten (2009) corroboram a ideia dos autores acima e afirmam que a espiritualidade "é um sentimento de proximidade e conexão com o sagrado, estimulando uma sensação de intimidade e gerando sentimentos que incluem respeito e admiração" (p.124). Worthington e Aten (2009) subdividem ainda a espiritualidade em quatro dimensões: religiosa, humanista, natural e cósmica (p.124). Depreendem assim que a busca pelo sagrado pode estar ligada à crença em Deus ou poderes superiores (espiritualidade religiosa) ou não, como nos casos em que se contempla um relacionamento com alguém (espiritualidade humanista) ou a beleza da natureza (espiritualidade natural), por exemplo.

Apesar de reconhecermos a proximidade dos conceitos e momentos em que ambos se aproximam, daremos preferência para utilização da expressão espiritualidade/religiosidade, como uma compreensão mais ampla, ou apenas espiritualidade, uma vez que como apontado por Worthington e Aten (2009), é possível circunscrever dentro desta noção tanto algo vinculado com a religião/religiosidade como com a busca pelo sagrado em outras vias.

Finalizando esta proposta de reflexão conceitual inicial, antes de nos desdobrarmos sob as análises das obras perlsianas, é importante ressaltar que uma postura que envolva espiritualidade/religiosidade de forma rígida pode trazer malefícios. Koenig, McCullough e Larson (2001, p.227), ao pensar questões ligadas à religião e à saúde mental, afirmam que a religião pode trazer uma rigidez de pensamento, culpa excessiva ou mesmo ser utilizada como ferramenta para julgar pessoas e atitudes. Peres, Simão e Nasello (2007) também comentam sobre este possível aspecto negativo, afirmando que "os efeitos negativos da religião estão no exercício para manter a conformidade e a promoção de um controle externo" (p.143). Isto não justifica, porém, um afastamento da Psicologia sobre o tema. Antes disso, sinaliza a importância de uma postura aberta e compreensiva frente ao fenômeno espiritual/religioso sem pré-julgamentos frente aqueles que os experienciam.

Delineadas algumas figuras conceituais acerca do tema espiritualidade/religiosidade, seguiremos com o método do estudo e as análises do material estudado.

 

MÉTODO

Para a construção deste trabalho utilizamos a metodologia da análise de conteúdo de Laurence Bardin (1977). A autora afirma que "a análise de conteúdo procura compreender aquilo que está por trás das palavras às quais se debruça" (p.44). Segundo Bardin (1977, p.30), a análise de conteúdo possui duas funções: uma função heurística, com foco na exploração e na descoberta; e uma função de "administração de prova", construindo e verificando hipóteses. Bardin (1977, p.98) afirma ainda que nem sempre é necessário que haja hipóteses para a construção de uma análise. Propondo-nos a adotar uma postura a mais próxima possível de um olhar compreensivo, optamos pela tarefa de não formular hipóteses nessa investigação adotando a função heurística da análise de conteúdo, a qual busca explorar os dados encontrados. Enquanto caminhos metodológicos, a análise de conteúdo é desenvolvida em três etapas: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) inferência e interpretação dos resultados (p.95).

Nesta pesquisa debruçamo-nos sobre as obras de Fritz Perls, escritas entre 1942 e 1973, investigando o tema da espiritualidade/religiosidade em seus escritos. A préanálise foi composta pela escolha dos documentos e pela leitura flutuante. As obras escolhidas foram: Ego, Fome e Agressão (1942/2002), Gestalt-terapia (1951/1997), Gestaltterapia explicada (1969/1977), Escarafunchando Fritz: Dentro e Fora da Lata de Lixo (1969/1979) e A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia (1973/1988) seguindo as regras propostas pela autora: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Destacamos que o material de análise foi apenas a composição teórica das obras de Perls, assim, as transcrições de atendimentos psicoterapêuticos realizados por ele, presentes nas obras "Gestalt-terapia Explicada" e "A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia" não foram analisadas neste trabalho. Helou (2013) comenta ainda sobre outros dois livros em que há artigos escritos por Perls: "Gestalt is" (1975) no Brasil publicado como "Isto é Gestalt" e "From Planned Psychotherapy to Gestalt Therapy" (2012), sem tradução para o português. Esses dois trabalhos não compuseram o ensaio aqui apresentado.

Durante as leituras destacamos excertos que apresentassem – direta ou indiretamente – uma discussão de questões ligadas à espiritualidade/religiosidade. A partir da leitura, foram sendo considerados trechos que continham palavras como Deus, religião, espiritualidade, alma, fé, menções à filosofia oriental – como satori, zen e ku – e a concepções judaico-cristãs, como as noções de pecado, céu e inferno e afins.

A fase de exploração do material foi composta pela categorização do material levantado. Para categorizar os dados, Bardin propõe duas possibilidades: "caixas" - estabelecidas com base num corpo de hipóteses preconcebido – e categorias "milhas", construídas ao longo do contato com o material. Optamos pela segunda forma. Nesta fase, os excertos previamente destacados foram relidos e reagrupados em sete (7) categorias: 1) pensamento e filosofias orientais; 2) Psicanálise como religião; 3) o tema alma; 4) religião como repressora da agressão; 5) religião e Deus como geradores de retroflexão e problemas à humanidade; 6) culpa e cristianismo; e 7) abertura à espiritualidade.

Como terceira, e última, etapa do método foram realizadas as inferências e interpretações, aqui apresentadas na sessão seguinte com resultados e discussão.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao longo da leitura das obras foi possível perceber, de maneira global, uma mudança da postura de Perls em relação ao tema da espiritualidade/religiosidade. Inicialmente sua postura era marcada por críticas permanentes a qualquer crença na noção de Deus ou em dogmas religiosos, sendo posteriormente substituída e passando a considerar experiências religiosas. Há também um amadurecimento da sua proposta gestáltica, trazendo alguns conceitos de forma mais clara em sua última obra. Nos escritos Ego, Fome e Agressão (EFA) e Escarafunchando Fritz: Dentro e Fora da Lata de Lixo (EsF), os excertos sobre a temática da espiritualidade/religiosidade mostraram-se mais evidentes, ainda que sutilmente. Enquanto que em Gestalt-terapia (GTh1), Gestalt-terapia Explicada (GTE) e em A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia (AGTOT), esses temas quase não existem.

Apesar das obras possuírem muitas críticas à espiritualidade/religiosidade, parece haver uma abertura em algumas delas. Em EFA, ainda há um discurso fortemente marcado por uma postura psicopatologizante quanto a questões vinculadas ao campo espiritual: "Deus, por exemplo, é uma projeção dos desejos de onipotência do homem" (1942/2002, p.231). Essa postura, próxima à compreensão psicanalítica freudiana, talvez se justifique pela própria proposta de Perls em fazer uma revisão da teoria e do método de Freud neste livro. Há que se destacar que a obra EFA não é considerada por algumas/ns Gestalt-terapeutas como trabalho de fato gestáltico, apesar de apresentar sementes do que viria a se constituir como Gestalt-terapia posteriormente.

Em EsF, 27 anos após a asserção mencionada anteriormente, já há uma postura de questionamento: "Será que existe umcategorias Deus, uma alma permeando o corpo e se encarregando de todas as exigências e metas, com sabedoria infinita?" (1969/1979, p.69).

Esse caminho de abertura aos temas vinculados à espiritualidade/religiosidade também é explicitado em trechos de AGTOT nos quais Perls discute sobre a possibilidade de todo ser humano ter uma tendência inata para o ritual (1973/1988, p.42). Afirma que estes rituais dão "ordem, forma e objetivo" (p.43) a uma série de experiências que não teriam sentido sem eles, como a morte. Ainda nesta última obra, publicada postumamente, Perls chega a falar da possibilidade do sentimento religioso trazer uma sensação de "integração" e de "exaltação" (p.43), possibilitando uma confluência e um sentimento de pertencimento nas pessoas que o vivenciam (p.51). Quando se refere à confluência neste trecho, Perls sinaliza que há um distúrbio neurótico apenas quando esta é crônica e o indivíduo perde a noção de si e do mundo, reconhecendo também a funcionalidade dos processos confluentes.

Destacamos como primeira categoria o pensamento e filosofias orientais. Apesar de ser comum uma vinculação "natural" da Gestalt-terapia com o pensamento e as filosofias orientais, Perls parece ter se apropriado de maneira superficial destes conceitos, buscando correlatos com aqueles já existentes em sua base teórica. A exemplo disso, citamos a aproximação do pensamento diferencial de Friedlander e o Zen-budismo. No pensamento diferencial havia a ideia de um "ponto zero", chamado de indiferença criativa, que se diferenciaria em dois extremos opostos (matematicamente -1 e 1), porém apresentando semelhanças entre si (como os polos raiva-alegria). Perls (1942/2002) acreditava que a compreensão desses opostos possibilitaria uma compreensão melhor do organismo. Sendo este ponto zero uma conceituação semelhante ao "caminho do meio" e às polaridades presentes na filosofia do zen-budismo. Neste particular, Veras (2005) discute como Perls aproximou o pensamento de Friedlander à filosofia oriental, afirmando, por exemplo, que: "o conceito de vazio fértil, um vazio fecundo de possibilidades e criatividade constantemente utilizado por Perls, surge desta ligação entre as concepções do Zen e de Friedlander" (p.14).

Destacamos ainda que em EFA há apenas um pequeno trecho com menções ao Wu Gi chinês e ao "tahu wawohu" (p.50), quando Perls faz um comentário sobre a compreensão oriental de criação do mundo a partir da noção de Yin e Yang. Perls teve um contato mais intenso com a cultura oriental apenas após sua saída da África do Sul (Tellegen, 1984; Helou, 2013). Em GTh, sua segunda obra, já é possível localizar com mais facilidade trechos explícitos que identificam influências do Tao (taoismo) a partir dos seguintes comentários: "deixe o caminho livre" (1951/1997, p.60) e a ideia de "vazio fértil" (p.165), também chamada de "ku" no Zen-budismo.

De toda forma, após a aparição em GTh, todas as obras seguintes passaram a apresentar a temática de pensamentos orientais mais explicitamente. Em GTE, há menção a Buda (1969/1977, p.62), ao satori como resposta a um impasse que foi superado (p.64); aos koans, como o "Nada existe a não ser o aqui e o agora" (p.65), além da utilização do termo "maya" (p.72), comum em religiões orientais e círculos esotéricos. O contato com as ideias orientais fica claro em EsF quando Perls comenta que foi seu amigo Paul Weisz quem o aproximou ao Zen (1969/1979, p.104) e fala da sua experiência com o pensamento oriental no Japão (p.99-100). Segundo Masquelier (2006), foi Paul Weisz, que também compunha o Grupo dos Sete, responsáveis pela configuração inicial da Gestalt-terapia nos Estados Unidos, quem "trouxe seu conhecimento da filosofia oriental para o grupo, sugerindo que se concentram no aqui e agora, enfatizando a importância de não separar cabeça e corpo no trabalho psicoterapêutico" (p.29).

Na mesma obra (EsF), por outro lado, faz críticas a estas concepções. Afirma que "O Zen havia me atraído como uma possibilidade de uma religião sem Deus" (p.103), porém questiona a necessidade que ele tinha de se curvar diante de Buda, fato que provavelmente o afastou da prática zen-budista. Critica ainda a ioga e a meditação escrevendo que: "A meditação não trepa nem sai de cima, me parece uma educação na direção da catatonia" (p.96), trecho em que expressa sua marca áspera enquanto pensador. Vale destacar que Perls ficou conhecido por ser um terapeuta extremamente ativo e confrontador, talvez sua inquietude permanente e sua crítica a uma postura "passiva" justifiquem a asserção acima sobre a meditação.

A segunda categoria que emergiu durante as leituras foi a compreensão perlsiana da Psicanálise como religião. Em EFA é dito que: "\...] a maioria das pessoas que entraram em contato com a psicanálise ficou tão fascinada pela nova abordagem, que era muito superior à prescrição de brometos, à hipnose e à terapia de persuasão, que se tornou uma religião para elas" (1942/2002, p.141). Essa crítica foi tão introjetada pelos Gestaltterapeutas que o sucederam que é possível encontrá-la explícita logo no prefácio de GTh, quando Isadore From e Michael Vincent Miller escrevem afirmando que acreditar na psicanálise seria algo que exigiria fé.

Ainda em EFA, Perls critica o que compreendia como limites no desenvolvimento do conceito de pulsão de morte explicitando que "discípulos de Freud, fascinados por sua grandeza" (p.162) haviam "engolido" suas reflexões como uma religião. Afirma também que "a entrevista psicanalítica mudou de uma consulta para um ritual (qual obsessivo) no qual uma série de condições antinaturais – quase religiosas – devem ser observadas" (p.133). Em uma nota de rodapé, Perls critica ainda o ritual em torno do tempo da sessão (55 minutos) e a postura do analista como um "sacerdote, com todos os ritos daposição analítica fixa e da regulamentação obsessiva do tempo" (p.323), chegando a utilizar o termo "religião psicanalítica".

Contudo, superando a sua própria projeção de anos anteriores, em EsF, Perls revela: "É lindo ver como escrever ajuda! Eu havia tentado fazer da psicanálise o meu lar espiritual, a minha religião" (1969/1979, p.62, grifos nossos). Assume assim para si e para os leitores que ele mesmo havia feito da Psicanálise uma possibilidade religiosa em sua vida. Talvez isso facilite compreendermos porque, a partir desta obra, sua postura frente à espiritualidade/religiosidade já parece menos agressiva que nas obras anteriores. Cabe destacar que as críticas de Perls à Psicanálise e a Freud são bastante conhecidas por Gestalt-terapeutas. Laura Perls (1994) chega a afirmar que Fritz estaria muito mais orientado psicanaliticamente durante todo o seu trabalho do que teria sido capaz de se dar conta em vida. Talvez por estas questões pessoais de Perls seja comum encontrarmos tantas críticas às teorias psicanalíticas em praticamente toda a sua produção bibliográfica.

Como terceira categoria, destacamos o tema alma. Em suas obras, Perls parecia em alguns momentos acreditar e desacreditar na existência de uma alma, além de não apresentar uma definição específica quanto a este termo. Em EFA, Perls faz críticas à concepção de alma e afirma que a sua criação foi uma forma de superar o conflito humano em lidar com a morte enquanto finitude (1942/2002, p.67). Contudo em EsF, parece utilizar o termo alma como correlato de emoções e sensações (1969/1979, p.127), chegando inclusive a aproximá-lo ao conceito de "self" na mesma obra quando critica a escrita "endeusada" de "Self" com S maiúsculo (p.15), trecho que da mesma maneira está presente em GTE (p.110) e também em GTh quando afirma que "dentre as categorias principais das funções de contato, os sentimentos são mais freqüentes considerados como o self subjacente ou a "alma". (1951/1997, p.182). O que gera esta confusão conceitual? Em EsF parece dar aos leitores uma explicação. Perls discute a transposição da dicotomia "alma versus corpo" para "mente versus corpo" na modernidade (1969/1979, p.45-46); afirmando, na mesma obra, que qualquer uma destas dicotomias tornar-se-iam complicadores para os estudiosos do comportamento humano, incluindo ele mesmo (1969/1979, p.211).

Assim, ora parece que Perls se utiliza do termo "alma" para se aproximar dos conceitos de emoções/sensações/sentimentos (noção circunscrita no construto "mente"), ora se utiliza com a definição de uma substância autônoma como em algumas religiões. Em GTE, Perls pontua que "existe uma maneira de favorecer este estado saudável de espontaneidade, de salvar a genuinidade do ser humano, ou para falar em termos religiosos banais, existe uma única maneira de recuperarmos nossa alma". (p.77). Ainda na obra GTE faz menções ao termo alma pensando questões psicopatológicas ao mencionar brevemente um estudo de Wilson van Dusen com esquizofrênicos e a noção de "buracos napersonalidade", Perls afirma que "muitas pessoas não têm alma. Outras não têm órgãos genitais" (p.60). Não fica claro, porém, no trecho se se referia a uma falta de emoções e sensações ou à ausência de uma substância autônoma.

Elegemos como quarta categoria, a crítica de Perls à tentativa por parte de religiões judaico-cristãs em utilizar a religião como repressora da agressão. Em EFA, há dois trechos que mencionam isto: "Na religião cristã (...) todos os instintos devem ser reprimidos, e uma cisão entre corpo e alma é estabelecida; o corpo, como o portador dos instintos, é desprezado e condenado como pecaminoso" (1942/2002, p.182) e: "Este erro, esta crença de que se pode neutralizar a agressão por meio do amor e da religião, adquire importância crescente em nosso tempo" (p.182). Assim, Perls critica a cisão entre o corpo e mente, bem como as formas de menosprezar o instinto da agressão.

Apesar da crítica, Perls parece reconhecer o suporte presente na espiritualidade/religiosidade ao afirmar que se os judeus direcionassem corretamente sua agressão (para fora) perderiam sua religião e tornar-se-iam melancólicos (p.182). Ressaltamos que o tema da "agressão", importante para compreender a proposta perlsiana de "metabolismo mental" e desenvolvimento oral, também costuma ser ignorado na abordagem gestáltica, como afirma Holanda (2005), tendo somente muito recentemente sido objeto de novos estudos (Staemmler, 2009; Staemmler & Staemmler, 2015; Araújo & Holanda, 2017a, 2017b, 2018). Ainda sobre o tema agressão, destacamos que em GTh, quando é discutido o processo de autorregulação organísmica e fica explicitado que "agressão, aprendizado e cultura" seriam "funções do espírito" (p.60); parece haver novamente uma falta de conceituação acerca dos termos "alma", "espírito" e afins.

A quinta categoria constituída nessa análise versa sobre a compreensão de religião e Deus como geradores de retroflexão e problemas à humanidade. Nas palavras de Perls (1973/1988) retroflexão significa "literalmente, voltar-se rispidamente contra" (p.53), o indivíduo "para de dirigir suas energias para fora (...) e redirige sua atividade para dentro e se coloca no lugar do meio como alvo do comportamento" (p.54). Em EFA, ao falar sobre os processos de industrialização no mundo moderno, afirma que: "ela (a máquina) dá as mãos à religião e ao industrialismo, participando da destruição da humanidade" (1942/2002, p.183). Apontando uma leitura que parece bastante negativa acerca da religião. Quanto à retroflexão, afirma na mesma obra, que "uma grande parte do sofrimento auto-imposto deve ser explicada desta forma: 'Veja, Deus, estou me punindo (com jejum e sacrifícios); assim, você não pode ser tão cruel e me punir mais ainda'" (p.311).

A aspereza de Perls ao falar sobre este assunto é tamanha que chega a afirmar em EFA que "a religião tende a impedir o crescimento da humanidade, a manter os crentes num estado infantil" (1942/2002, p.114), sem considerar qualquer possibilidade positiva na relação estabelecida entre pessoas e o sagrado. Há que se destacar que, no prefácio da edição brasileira de EFA, Georges Boris ao falar sobre a obra, afirma que "Perls discute o papel fundamental da retroflexão na fundamentação de nossa sociedade judaicocristã" (p.25). Esta leitura da retroflexão como fundamental para a sociedade parece estar transposta na noção gestáltica de que a dor é uma possibilidade de crescimento presente em GTE (1969/1977, p.79) e de que o paciente só chegará ao fechamento da gestalt se permitir-se passar pela sua dor em EsF (1969/1979 p.128). Assim, Perls parece radicalizar, e polarizar, a compreensão de retroflexão, ora como fundamento de uma sociedade, parecendo atribuir-lhe um caráter positivo, ora como mecanismo de defesa, atribuindo-lhe uma leitura psicopatológica. Vale ressaltar ainda que Fritz Perls compreendia que estas formas de ajustamento também poderiam ser funcionais.

Sobre a concepção de dor como único caminho para fechamento de gestalten há uma ressignificação teórica em AGTOT quando Perls afirma que: "Quando o objeto catexial, seja sua catexis positiva ou negativa, foi apropriado ou destruído, contatado ou dele se fugiu, ou relacionado de algum modo satisfatório com o indivíduo, tanto ele quanto a necessidade a que está associado desaparecem do meio: a Gestalt está fechada" (1973/1988, p.36, grifos do autor). Ou seja, não unicamente a dor seria uma forma de resolver uma situação, mas a fuga também possibilitaria este processo.

Há em suas obras, críticas específicas ao cristianismo enquanto doutrina religiosa. Nesse sentido, Perls parece pensar uma relação entre culpa e cristianismo, sexta categoria construída a partir dos dados. Perls critica a forma de libertação de culpa cristã questionando se é possível libertar-se desta apenas afirmando: "Pai, eu pequei" em EsF (1969/1979, p.160). Além de criticar a noção católica de que já "nascemos em pecado" (p.219).

Suas críticas ao cristianismo aparecem de várias formas e com bastante frequência. Em outro trecho em EsF afirma que "Geralmente posso determinar os praticantes da ciência cristã e seus filhos por meio do seu tipo de confusão" (p.132) e em EFA afirma que "Com o auxílio da projeção, o crente experiência a alucinação de que uma hóstia é o corpo de Cristo. [...] Em algumas igrejas tem de engolir a hóstia sem tocá-la com os dentes. Se mordesse e degustasse, a hóstia se tornaria um biscoito comum" (p.184).

Menções ao cristianismo aparecem inclusive nas ilustrações de EsF, feitas por Russ Youngreen, para a obra original:

 

 

Apresentamos como sétima e última categoria a abertura à espiritualidade/religiosidade em Fritz Perls. Acreditamos nesta abertura primeiramente porque a temática está presente, seja de forma sutil ou bem demarcada, em suas cinco obras principais, o que parece apontar que esta não era uma gestalt fechada para o autor. Em segundo lugar, há trechos em que reconhece que o manejo deste tema era uma dificuldade pessoal, chegando a afirmar que "venero e admiro o judeu inteiro, uno com a sua religião, história e modo de vida" em EsF (1969/1979, p.113).

Além disso, ao criticar a falta de sentido na religião, acusando seus rituais de serem estranhos em EsF (p.213), Perls remete-se apenas à sua experiência, sem investigar com outras pessoas quais sentidos e significados atribuíam a suas ações nestes espaços. Em AGTOT, ao afirmar que os imperativos religiosos (como os dez mandamentos) são geradores de neurose, uma vez que os indivíduos não são capazes de atendê-los (1973/1988, p.124), desconsidera o seu próprio conceito de ajustamento criativo frente às exigências do meio, e deixa de lado a possibilidade de pensar pessoas religiosas que encontraram seus pontos médios neste conflito. A título de esclarecimento, segundo Robine (2006), ajustamento criativo refere-se a uma conceituação gestáltica pensada por Perls e Goodman em que o "individuo é transformado pelo ambiente, ou se transforma a partir dele" (p.53).

Quando Perls discorre sobre o fechamento de gestalten em EsF, remete-se à experiência de nirvana (1969/1979, p.151) como uma experimentação de "bom fechamento, satisfação" e "paz temporária", sendo este fluxo entre abrir e fechar gestalten, o que considerará como um estado de saúde no indivíduo. Assim, parece acreditar que o estado de nirvana é importante para o funcionamento de um organismo saudável. Em GTh há um trecho que diz "fé é saber, para além da awareness, que se dermos um passo haverá chão sob nossos pés; entregamo-nos sem hesitação à ação" (p.150-151). Reconhecendo a fé como um processo que estaria para além de uma consciência sensorial, motora ou mesmo reflexiva, concepções contidas no conceito gestáltico de awareness.

Em EsF, ao falar sobre a sua experiência na guerra, Perls afirma que: "Na marcha de retorno, um maravilhoso nascer do sol. Senti a presença de Deus. Ou será que era gratidão, ou o contraste entre o fogo da artilharia e a serenidade do silêncio? Quem é capaz de dizer?" (p.113). Aqui expõe como havia um conflito pessoal interno sobre o tema espiritualidade/religiosidade e, não sendo temática central em nenhuma de suas obras, parece nos deixar com a responsabilidade de (re)pensá-la.

 

FECHANDO/ABRINDO "GESTALTEN": ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Retornar a uma ou várias obras após décadas que foram escritas é arriscado, caso seja ignorado o contexto em que surgiram. Entre os diversos trechos que justificam essa assertiva, citemos a sugestão de tratamento de choque como forma de restabelecer a função holística, em EFA (1942/2002, p.274); a proposta de que mulheres precisariam apanhar de seus maridos para respeitá-los, em EsF (1969/1979, p.93); ou ainda a compreensão da homossexualidade como algo a ser curado em GTE (1969/1977, p.40), entre outros pontos da obra de Perls que poderiam ser considerados polêmicos se desalojados de um contexto cultural e histórico específico não somente para a Psicologia, mas para a sociedade como um todo.

Perls ficou conhecido por alguns por ser questionador de práticas e teorias, parecendo ter sido fortemente influenciado pelo Zeitgeist de sua época – que envolvia o movimento de Contracultura (que conheceu nos cafés de Berlim), o movimento Bauhaus e suas atividades no Teatro Expressionista de Max Reinhardt – bem como sua posterior vinculação ao movimento hippie, já em solo estadunidense. Não somente isto, também era visto como arrogante e impulsivo por muitos, incluindo-se por seus próprios "aprendizes". Afirmava utilizar drogas, como LSD e outros psicoativos, fato explicitado em sua obra autobiográfica (EsF).

Reconhecendo que Perls pertencia a este contexto histórico específico e que parecia apoiar uma visão anarquista de mundo em que hierarquias (como, por vezes, as expressas por religiões) deveriam ser criticadas, é possível entender melhor a sua postura ao dissertar sobre assuntos como Deus, alma, fé, espiritualidade, religião e afins. Isso não significa, porém, que a sua proposta psicoterapêutica, a Gestalt-terapia, não possua espaço para estes temas.

Laura Perls (1994), por exemplo, ocupou-se em discutir algumas dessas questões de forma mais dedicada. Na obra compilada com seus escritos, esboça como acredita que os mitos bíblicos, por exemplo, serviram de orientação para a humanidade e que o abandono destes, sem algo para ocupar tal lugar, dificultaria o nosso desenvolvimento. Para sustentar seu argumento, faz uma releitura de Adão e Eva, mostrando como é possível pensar questões humanas a partir desta história, sem necessariamente interpretá-las por uma ótica cristã ou deísta.

Contudo, alguns dos contemporâneos de Perls parecem tê-lo seguido quanto a estes pensamentos ásperos, como Polster & Polster (1973/2001) que criticam a ideia de Deus (p.114) e a pensam como uma forma projetiva de desresponsabilização (p.98). Isto é consenso na Gestalt-terapia? Decerto que não. Expoente brasileiro no assunto, Ribeiro (1985) aproxima GT e espiritualidade afirmando que: "a postura gestáltica da vida tem muito a ver com um sentido religioso existencial, facilitando uma concepção de Deus, enquanto um ser totalmente presente na existência e, não obstante isto, totalmente respeitador da individualidade de cada um" (p.125). Para Silva (2010), a Gestalt-terapia permite o trabalho no sentido de considerar a experiência espiritual como um campo de possibilidades. Afirma ainda que não há porque o profissional se distanciar da autenticidade da vivência espiritual, ou mesmo da espontaneidade desta e aponta a criatividade terapêutica como a chave para manejar essas situações em psicoterapia.

A alienação da existência de um dado espiritual/religioso pode gerar dificuldades na execução do papel de Gestalt-terapeutas. Por exemplo, Tavares & Andrade (2009) narram a experiência de uma Gestalt-terapeuta em contato com três clientes religiosos, explicitando momentos em que o atendimento foi prejudicado por conta do conflito religioso entre psicoterapeuta e cliente. Trabalhos como o das autoras, apontam a necessidade de se discutir temas voltados à religiosidade e à espiritualidade nos espaços de formação profissional.

Alguns trabalhos importantes nessa interface são: a pesquisa de mestrado desenvolvida por Veras (2005), já citada neste artigo, em que o autor busca compreender as relações entre Zen-budismo e a Gestalt-terapia, fazendo um percurso histórico e mostrando a aproximação de Perls com este tema; bem como as pesquisas realizadas por Ênio Pinto, em especial Pinto (2008) na qual o autor se utiliza de conceitos gestálticos como situação inacabada, contato, figura-fundo, campo entre outros, para consolidar o seu argumento de que a Gestalt-terapia tem potencial para contribuir com os estudos da Psicologia da religião. Além destes, é possível citar outros pesquisadores da área em âmbito internacional, como Williams (2006) que propõe pensarmos a GT como uma abordagem transpessoal; Delacroix (2009) que dedica dois capítulos de sua obra ao tema, um sobre GT e Xamanismo e outro sobre GT e Espiritualidade; há ainda Ingersoll (2005) que também aborda a temática Espiritualidade e GT; e O'Neill (2012) em uma obra inteira sobre o assunto entre outros. Obras como estas enfatizam a importância de mais estudos nessa direção e ampliação teórica da Gestalt-terapia neste campo.

Relacionar o tema espiritualidade/religiosidade a Fritz Perls não significa falar de toda a Abordagem Gestáltica como corpo teórico-prático, mas sim investigar um de seus expoentes, acerca dessa importante temática. Estudos nessa direção são importantes exatamente para mostrar que independente das posturas individuais de seus expoentes, tais discussões são possíveis e coerentes. Como disse Laura Perls (1994), a "Gestalt-terapia é um processo anárquico no sentido de que não segue regras ou normas pré-estabelecidas. Não pretende adaptar as pessoas a nenhum sistema, mas sim tentar adaptá-las ao seu próprio potencial criativo" (p.31). Compete assim a cada Gestalt-terapeuta refletir criticamente acerca do seu fazer a fim de balizá-lo pela ética, pelo cuidado e por um trabalho que seja, acima de tudo, respeitoso às possibilidades de ajustamento que seus clientes, religiosos ou não, apresentam. E, certamente, o tema da religiosidade/espiritualidade compõe esse todo e merece, e precisa, ser considerado.

 

 

Referências

 

Araújo, T.S. & Holanda, A.F. (2017a). Reflexões acerca da Teoria da Agressão em Gestalt- Terapia: Uma Revisão de Literatura. Perspectivas em Psicologia (UFU). 21 (1), 3-24.         [ Links ]

Araújo, T.S. & Holanda, A.F. (2017b). Uma Leitura da Noção de Agressão nas Obras de Fritz Perls. Revista do Nufen (UFPA). 9 (2), 16-37.         [ Links ]

Araújo, T.S. & Holanda, A.F. (2018). Origens do Conceito de Agressão na Gestalt Terapia: Freud, Reich e Outras Fontes. Phenomenological StudiesRevista da Abordagem Gestáltica, 24 (2), 234-245. DOI: 10.18065/RAG.2018v24n2.12

Conselho Federal de Psicologia (2017). Formação em "Psicologia Cristã". Brasília, DF:

Conselho Federal de Psicologia. Recuperado de: http://site.cfp.org.br/formacao-empsicologia- crista-comunicado-do-cfp/.

Dalgalarrondo, P. (2008). Religião, psicopatologia & saúde mental. Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Delacroix, J. M. (2009). Encuentro con la psicoterapia: una visión antropológica de la relación y el sentido de la enfermedad en la parodoja de la vida. Santiago de Chile, CL: Editorial Cuatro Vientos.         [ Links ]

Esperandio, M. R. G. & Freitas, M. H. (2017) (Orgs). Psicologia da Religião no Brasil. Curitiba: Juruá Editora.         [ Links ]Esperandio, M. R. G. (2014). Prayer and health: a Portuguese literature review. Revista Pistis & Praxis, 6(1), 51-66. doi: 10.7213/revistapistispraxis.06.001.DS03         [ Links ]

Frazão, L. M. (1997). Apresentação à edição brasileira. In F. Perls, R. Hefferline, & P. Goodman. Gestalt-terapia (pp. 7-10). São Paulo, SP: Summus.         [ Links ]

Freitas, M. H.; Zanetti, N. B. & Pereira, S. H. N. (2017) (Orgs). Psicologia, Religião e Espiritualidade. Curitiba: Juruá Editora.         [ Links ]

Freud, S. (1996). O Futuro de uma Ilusão. Rio de Janeiro, RJ: Imago (Original publicado em 1927).         [ Links ]

Fry, P. (2000). Religious involvement, spirituality and personal meaning for life: existential predictors of psychological wellbeing in community-residing and institutional care elders. Aging & Mental Health, 4(4), 375-387.         [ Links ]

Genaro Junior, F. (2011). Psicologia clínica e espiritualidade/religiosidade. Psicologia Revista. São Paulo, 20 (1), 29-41.         [ Links ]

Giovanetti, J. P. (1999). O sagrado e a experiência religiosa na psicoterapia. In M. Massimi & M. Mahfoud (Orgs.). Diante do mistério: psicologia e senso religioso (pp. 87-96). São Paulo, SP: Loyola.         [ Links ]

Helou, F. (2013). Frederick Perls, inquietações e travessias: da Psicanálise à Gestaltterapia. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, Brasília.         [ Links ]

Holanda, A. F. (2005). Elementos de epistemologia da Gestalt-terapia. In A. F. Holanda & N. J. de Faria (Orgs). Gestalt-terapia e contemporaneidade: contribuições para uma construção epistemológica da teoria e da prática gestáltica (pp. 21-53). Campinas, SP: Livro Pleno.         [ Links ]

Holanda, A. F. (2014). Fenomenologia e Humanismo: Reflexões necessárias. Curitiba, PR: Juruá Editora.         [ Links ]

Holanda, A. F. (2017). Fenomenologia e Psicologia da Religião no Brasil: Fundamentos, Desafios e Perspectivas. In Mary Rute G. Esperandio & Marta Helena de Freitas (2017) (Orgs). Psicologia da Religião no Brasil [pp. 127-146]. Curitiba: Juruá Editora.         [ Links ]

Ingersoll, R. E. (2005). Gestalt therapy and spirituality. In A. Woldt & S. Toman (Orgs). Handbook of gestalt therapy (pp. 133-150). New York, NY: Sage.         [ Links ]

James, W. (1902). The varieties of religious experiences: A study in human nature.         [ Links ]

Koenig, H. G., McCullough, M. E., & Larson, D. B. (2001). Handbook of Religion and Health. New York, NY: Oxford University Press.         [ Links ]

Macedo, D. S., Fonseca, C. M. M., & Holanda, A. F. (2007). Um Estudo Comparativo de Aconselhamento Religioso em três vertentes Religiosas Brasileiras. Revista da Abordagem Gestáltica (Impresso), 13 (2), 206-216.         [ Links ]

Masquelier, G. (2006). Gestalt Therapy: Living Creatively Today. Santa Cruz, CA: Gestalt Press.         [ Links ]

Moreira-Almeida, A., Lotufo-Neto, F., & Koenig, H. G. (2006). Religiousness and mental health: A review. Revista Brasileira de Psiquiatria, 28 (1), 242-250.         [ Links ]

O'Neill, B. (2012). Our Search for Meaning: Essays on Spirituality and Gestalt Therapy. Austrália, AU: Ravenwood Press.         [ Links ]

Panzini, R. G. & Bandeira, D. R. (2007). Coping (enfrentamento) religioso/espiritual. Rev. Psiquiatria Clín. 34 (supl 1), 126-135.         [ Links ]

Pargament, K. I. (1997). The Psychology of religion and coping. Theory, research, practice. New York, NY: The Guilford Press.         [ Links ]

Pereira, K.C.L & Holanda, A.F. (2016). Espiritualidade e Religiosidade para Estudantes de Psicologia: Ambivalências e expressões de sentido. Revista Pistis & Praxis (Teologia e Pastoral), 8 (2), 385-413.         [ Links ]

Peres, J. F. P., Simão, M. J., & Nasello, A. G. (2007). Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clínica, 34 (1), 136-145.         [ Links ]

Perls, F. (1977). Gestalt-terapia explicada. São Paulo, SP: Summus. (Original publicado em 1969)         [ Links ]

Perls, F. (1979). Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo (4a ed). São Paulo, SP: Summus. (Original publicado em 1969).         [ Links ]

Perls, F. (1988). A abordagem Gestáltica e testemunha ocular da terapia (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: LTC (Original publicado em 1973).         [ Links ]

Perls, F. (2002). Ego, fome e agressão. São Paulo, SP: Summus. (Original publicado em 1942).         [ Links ]

Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestalt-terapia (2a ed.). São Paulo, SP: Summus (Original publicado em 1951).         [ Links ]

Perls, L. (1994). Viviendo en los Límites. Valencia: Promolibro.         [ Links ]

Pinto, E. B. (2008). As Ciências da Religião, a Psicologia da Religião e a Gestalt-terapia: em busca de diálogos. Revista da Abordagem Gestáltica (Impresso), 14 (1), 70-79.         [ Links ]

Pinto, E. B. (2009). Espiritualidade e religiosidade: Articulações. Rever (PUCSP), 9 (1), 68- 83.         [ Links ]

Polster, E., & Polster, M. (2001). Gestalt-terapia integrada. São Paulo, SP: Summus (Obra original publicada em 1973).         [ Links ]

Ribeiro, J. P. (1985). Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo, SP: Summus.         [ Links ]

Robine, J. M. (2006). O self desdobrado – Perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo, SP: Summus.

Silva, L. M. B. (2010). Espiritualidade e Gestalt-terapia – a legitimação da experiência espiritual no processo terapêutico. In Resumos do III Congresso de Gestalt-Terapia do Estado do Rio de Janeiro (sem página), Rio de Janeiro, RJ.

Staemmler, B. & Staemmler, F-M. (2015). Aggression or Self-Assertion? Response to Skovgaard and Winther-Jensen. Gestalt Review, 19(3), 212-219.         [ Links ]

Staemmler, F-M. (2009). Aggression, Time, and Understanding: contributions to the evolution of Gestalt Therapy. New York: Routledge.         [ Links ]

Starbuck, E. D. (1901). The psychology of religion: An empirical study of the growth of religious consciousness. (pp. 163-179). London, EN: Charles Scribner´s Sons.         [ Links ]

Tavares, J. P., & Andrade, C. C. (2009) A Escuta Fenomenológica Comprometida pela Ótica Religiosa de uma Gestalt-Terapeuta. Revista da Abordagem Gestáltica, 15 (1), 21-29.         [ Links ]

Tellegen, T. (1984). Gestalt e grupos: uma pesquisa sistêmica. São Paulo, SP: Summus.         [ Links ]

Veras, R. P. (2005). Ilumina-ação: diálogos entre a Gestalt-terapia e o Zen-Budismo. (Dissertação de Mestrado). Mestrado em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Vergílio, S. R., & Holanda, A. F. (2010). Analogias e diferenças entre reuniões mediúnicas espíritas e o atendimento em psicologia clínica. Revista da Abordagem Gestáltica, 18 (2), 173-182.         [ Links ]

Verona, H. C. (2013, 2 de setembro). Psicologia, religião, espiritualidade e laicidade. Site do Conselho Federal de Psicologia. Recuperado de http://site.cfp.org.br/artigo-2/.         [ Links ]Williams, L. (2006). Spirituality and Gestalt: A Gestalt-Transpersonal Perspective. Gestalt Review, 10 (1), 6-21.         [ Links ]

Worthington, E. L., & Aten, J. D. (2009). Psychotherapy with religious and spiritual clients: An introduction. Journal of Clinical Psychology, 65 (1), 123-130.         [ Links ]

Zinnbauer, B. J., Pargament, K. I., & Scott, A. B. (1999). The emerging meanings of religiousness and spirituality: Problems and prospects. Journal of Personality, 67 (1), 887-919         [ Links ]

 

 

Notas sobre os autores

Lázaro Castro Silva Nascimento. Gestalt-terapeuta. Doutorando em Psicologia Clínica e Cultura na Universidade de Brasília. Mestre em Psicologia (UFPR). Membro do Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas (NUFEN/UFPA) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Musicoterapia (NEPIM/Unespar). E-mail: lazarocsn@live.com

Adriano Furtado Holanda. Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia. Docente do Programa de Pós-Graduação e Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná. Coordenador do Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade (LabFeno/UFPR). Pesquisador CNPq PQ2. E-mail: aholanda@yahoo.com

 

 

Recebido: 19/04/2018
Aprovado: 04/07/2018

 

1 Foi utilizada a abreviação "GTh" em menção ao título original - "Gestalt Therapy" - da obra Gestalt-terapia (1951/1997) de Perls, Hefferline e Goodman, para evitar uma possível confusão do leitor com a sigla "GT" utilizada para se referir à Gestalt-terapia durante deste artigo.

Creative Commons License