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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.2 Belém maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02ensaio39 

Ensaio

 

 

Limites na educação de crianças: desafios e possibilidades sob uma perspectiva gestáltica

 

Limits on the education of children: challenges and possibilities from a gestalt perspective

 

Límites en la educación de los niños: desafíos y posibilidades desde una perspectiva gestáltica

 

 

Fabíola Mansur Polito GasparI; Elise Haas de AbreuII

IUniversidade Federal de Santa Catarina

IICliníca e Escola de Psicoterapia

 

 

 


RESUMO

A partir de uma roda de conversa informal entre pais de uma turma de crianças do quinto ano do Ensino Fundamental, percebeu-se que lidar com os limites e frustrações na relação com seus filhos é um tema desafiador e angustiante. O objetivo deste ensaio é ampliar as possibilidades de reflexão e manejo na relação entre pais e filhos, com vistas a um desenvolvimento emocional e relacional saudável. A metodologia utilizada é a revisão narrativa - pesquisa bibliográfica - fundamentada teoricamente nos principais conceitos da Gestalt Terapia sobre o desenvolvimento humano. Apresentamos alguns exemplos de experiências para articular a compreensão teórica com orientações de apoio aos pais e responsáveis pela educação de crianças. Como resultado, destacamos a importância de respeitar as crianças em suas necessidades genuínas de acolhimento e também de apoiar o seu aprendizado em lidar com os limites e frustrações como aspectos imprescindíveis ao seu desenvolvimento saudável.

Palavras-chave: Limites; Educação; Crianças; Gestalt Terapia.


ABSTRACT

An informal chatting circle of fifth grade elementary school children's parents has shown that coping with limits and frustations in the relationship with their children can be a challenging and distressing matter. This review aims at expanding the prospects of how to think about and deal with the parentschildren relationship, looking towards a healthy emotional and relational growth. The methodology used is the narrative review – a bibliographic research – based on Gestalt Therapy's main concepts about human development. We present some experiences to better concatenate the theoretical framework with supportive guidance to the parents, or those responsible for the children's upbringing. As a result, the importance of respecting children in their genuine reception needs and helping them learn to cope with limits and frustrations are highlighted as essential aspects in their development.

Keywords: Limits; Education; Children; Gestalt Therapy.


RESUMEN

A partir de una rueda de charla entre padres de una clase de niños del quinto año de la Enseñanza Fundamental, se percibió que tratar con los límites y frustraciones en la relación con sus hijos es un tema desafiante y angustiante. El objetivo de este ensayo es ampliar las posibilidades de reflexión y conducción en la relación entre padres e hijos, mirando a un desarrollo emocional y relacional saludable. La metodología utilizada es la revisión narrativa - investigación bibliográfica - fundamentada en los principales conceptos de la Terapia Gestalt sobre el desarrollo humano. Presentamos algunos ejemplos de experiencias para articular la comprensión teórica con orientaciones de apoyo a los padres y responsables por la educación de niños. Como resultado, destacamos la importancia de respetar a los niños en sus necesidades genuinas de acogida y también de apoyar su aprendizaje en tratar con los límites y frustraciones como aspectos imprescindibles para su desarrollo saludable.

Palabras-clave: Límites; Educación; Niños; Terapia Gestalt.


 

 

CONTEXTUALIZANDO: DE QUE LIMITES FALAMOS?

Há inúmeros livros, textos e vídeos sobre a questão de "como dar limites às crianças". Basta realizar uma pesquisa rápida no Google com os termos "limites" e "crianças" e serão apresentados mais de sete milhões de resultados no Brasil. Os principais resultados que encontramos nessa busca são textos coloquiais, educativos ou artigos de opinião, havendo certa escassez no âmbito da produção acadêmica e científica. Chamam a atenção títulos de alguns desses textos: "Nove passos para impor limites aos filhos" (Lira, 2011), "Educação dos filhos: a importância de impor limites" (Buriasco, 2013), e, finalmente "Eduque crianças sem limites e elas lhe arrancarão os olhos". (Eduque crianças sem limites e elas lhe arrancarão os olhos, 2017).

Passando pelo humor e pelo temor, profissionais da educação, da psicologia, entidades religiosas, pais e outras pessoas leigas se dispõem a escrever sobre o assunto, falam de seus receios quanto ao tema e prescrevem orientações. Há modelos dos mais impositivos aos mais flexíveis, dos mais conservadores aos mais inovadores e a relevância do tema se mantém atual, assim como as dificuldades nessas relações continuam presentes e desafiadoras, atravessando gerações. Compreendemos que em vez de "dar limites", seria mais coerente pensarmos que os adultos e as crianças – juntos – irão lidar com os limites como aspectos inerentes e inevitáveis ao desenvolvimento humano. E entendemos que as tentativas de estabelecer algum passo-a-passo para os pais, ou de enfatizar a consequência da falta de limites de modo um tanto amedrontador denotam ainda mais a importância de tratarmos do assunto de maneira responsável e cuidadosa.

A ideia de refletirmos sobre esse tema à luz da Abordagem Gestáltica surgiu a partir de uma roda de conversa entre pais com idades que variam dos 30 aos 65 anos, cujos filhos estudam na mesma escola e frequentam a mesma série (atualmente, a 5ª série do Ensino Fundamental). Numa confraternização da turma em que participava uma das autoras deste ensaio, a dificuldade em lidar com limites na educação das crianças foi tema levantado espontaneamente pelos pais e responsáveis pelas crianças daquela escola. Havia preocupação evidente quanto às consequências e desdobramentos dos limites ou da falta deles na vida das crianças. Embora naquela roda de conversa não houvesse expectativa de discussão teórica sobre o tema, muitas informações ali partilhadas eram contraditórias e geravam mais insegurança nos adultos do que esclarecimento ou compreensão – aspectos importantes para a tomada de decisões e atitudes alinhadas com os valores culturais e educacionais desses pais e familiares.

Em vista dessa necessidade de uma compreensão mais especializada sobre o tema, as autoras deste ensaio, ambas psicólogas e gestalt-terapeutas, sendo uma delas também mãe de duas crianças, buscaram discuti-lo sob os referenciais teóricos e práticos da Gestalt Terapia, não perdendo de vista, principalmente, seus fundamentos fenomenológicos, cujo princípio é a reflexão acerca das experiências vividas (Forghieri, 1993).

Utilizou-se como metodologia uma revisão narrativa, que se constitui de "análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor" (Rother, 2007, p. v). Esse método possibilita discussão de forma mais ampla sobre o tema delimitado e oferece ao leitor reflexão a partir do conhecimento teórico acerca do assunto estudado, atualizando-o em um curto espaço de tempo, numa perspectiva educativa continuada e qualitativa (Rother, 2007). Promove também abertura de discussão para o encaminhamento de futuras pesquisas e aprofundamentos teóricos sistemáticos sobre o tema estudado.

Delimitado o tema "limites na educação de crianças" e o enfoque teórico sob a perspectiva da Gestalt Terapia, realizamos pesquisa nas bases acadêmicas eletrônicas de psicologia, utilizando os descritores "Limites"; "Educação"; "Crianças"; "Gestalt Terapia", de forma isolada e combinada, sem especificar intervalo temporal para as publicações. As bases consultadas na área da Psicologia foram: Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia Brasil (BVS-Psi) e também a base Google Acadêmico, restringindo-se a recuperação dos resultados às áreas temáticas de Psicologia e subáreas que contivessem Psicologia em sua delimitação (exemplo: "Psicologia, educacional"). Dos resultados recuperados (41 artigos), nenhum contemplava todos os descritores do tema, e nenhum trazia o foco neste tema a partir da perspectiva teórica da Gestalt Terapia. Em Antony (2006), encontramos temas correlatos no artigo "A criança em desenvolvimento no mundo: um olhar gestáltico", embora o enfoque fosse o desenvolvimento da criança de modo mais abrangente. Em vista disso, realizamos revisão da literatura gestáltica levantando as contribuições ao tema nas principais obras e autores da abordagem - Perls, Hefferline e Goodman (1997), Perls (1977), Yontef (1998), Zinker (2007), Oaklander (1980), Antony (2010) e Aguiar (2014).

O ensaio aqui apresentado busca tecer esse diálogo entre a demanda dos pais e adultos responsáveis pela educação e desenvolvimento das crianças e a compreensão da Gestalt Terapia quanto ao desenvolvimento humano como um processo criativo, em que frustrações e limites são necessários e fundamentais para o crescimento. A proposta é que tal discussão, embora fundamentada numa abordagem psicológica específica, consista numa contribuição também ao público leigo – ou seja, àqueles pais e familiares de crianças em desenvolvimento, assim como a outros profissionais das áreas de Educação, Saúde e Psicologia que trabalhem com crianças de maneira direta ou indireta.

Sob a compreensão da Gestalt Terapia, a vivência dos limites é crucial para o processo de diferenciação da criança em relação ao seu meio, pois oferece condições para que perceba uma fronteira entre ela e o outro (Aguiar, 2014). Muitas vezes, os pais confundem limite – no sentido de fronteira, de diferença – com a imposição de poder sobre a criança.

Neste ensaio, queremos incluir uma visão que integre as questões dos pais na relação com as crianças e apresentar limites como um aspecto necessário ao desenvolvimento de qualquer ser humano – e não como abuso, tirania, autoritarismo ou imposição de poder de um adulto sobre uma criança. Em outro sentido, pretendemos nos diferenciar de uma visão muito comum que olha para a criança de forma estereotipada e idealizada, e culpabiliza os pais por "falta ou excesso de limites" sem realmente olhar para suas questões e dificuldades de forma mais cuidadosa. Acompanhar a criança nessa vivência dos limites é, sim, responsabilidade dos adultos, mas, de maneira geral, precisamos lembrar que algumas inabilidades e dificuldades dos pais nessas situações estão ligadas às suas próprias vivências relativas a esse tema.

Acreditamos ainda serem poucos os olhares que acolhem as dificuldades dos próprios pais e/ou cuidadores nessa relação entre as crianças e os limites e partem desse reconhecimento para a busca de formas saudáveis de lidar com esse tema. É preciso lembrar que, na grande maioria das vezes, os adultos consideram difícil lidar com essa questão por não saberem identificar a diferença entre os tipos de "não" que estão a serviço de uma educação saudável, de qualidade, em relação a outros que podem contribuir para o desenvolvimento de prejuízos emocionais e sociais para os filhos.

 

LIMITES E FRUSTRAÇÕES: UM OLHAR GESTÁLTICO

Diferentemente de outras abordagens psicológicas, pedagógicas ou terapêuticas, a Gestalt Terapia compreende o desenvolvimento humano de forma integral, não separando fases ou etapas por idade como as tradicionais visões de desenvolvimento infantil. O ser humano, nesse sentido, está sempre em relação com o novo, crescendo e assimilando as experiências vividas – o que pode ocorrer de forma fluida, ou pode haver interrupções nesse processo. Perls (1977) coloca que um dos aspectos fundamentais ao crescimento humano é a maturação, ligada, consequentemente à aprendizagem. O autor – um dos fundadores da abordagem – considera que aprendizagem é descoberta e uma das premissas gestálticas é que se aprende algo a partir da experiência. As primeiras experiências que fornecem a base para as aprendizagens infantis ocorrem na relação com seus pais – ou com quem assume as funções parentais. Logo, também é nesse relacionamento, primordialmente, que a criança aprenderá como lidar com os limites e as frustrações.

Yontef (1998, p. 46) afirma que a criança precisa "de um relacionamento parental com um equilíbrio organísmico/ecológico nutritivo" para que possa amadurecer e crescer de maneira saudável, o foco nesse equilíbrio relacional é uma das premissas da Abordagem Gestáltica, que considera o organismo e o meio como interdependentes e indissociáveis e essa relação como um processo dinâmico de envolvimento, assimilação e crescimento (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

Os pais devem cuidar para que suas necessidades "sejam atendidas e para que o desenvolvimento de suas potencialidades seja facilitado" (Yontef, 1998, p. 46). Esse aspecto é uma condição essencial para que os limites e dificuldades possam ser incorporados ao espectro de experiências e descobertas da criança, promovendo, gradativamente, assimilação e aprendizagem, portanto maturação. As descobertas envolvem, necessariamente, frustração das expectativas, ou seja, o novo nos surpreende – frustrando-nos naquilo que já é conhecido, e isso não é algo ruim, é o que nos permite crescer.

Se, por um lado, é fundamental que os pais constituam um "modelo carinhoso e nutritivo para se espelhar", por outro, a criança também precisa "de espaço para lutar, ficar frustrada e falhar. (...) de limites para experienciar as consequências de seu comportamento" (Yontef, 1998, p. 46). O desenvolvimento saudável necessita dessas duas polaridades que, quando não equilibradas, implicam em danos no desenvolvimento da personalidade das crianças.

Quando esses limites são imposições e exigências que desconsideram as necessidades genuínas das crianças, elas podem ser moldadas para atender as necessidades dos pais e se tornarem dependentes de sua aprovação. Já quando não há espaço para as frustrações, falhas e limites naturais do processo de maturação serem vivenciados, algumas crianças podem acreditar que os outros devem atender a todas as suas necessidades, ignorando, portanto, as necessidades e a autonomia dos outros, o que resulta em impulsividade e não espontaneidade (Yontef, 1998).

A partir dessa compreensão, a vivência dos limites irá se fundamentar num relacionamento de nutrição, carinho e acolhimento que possibilite à criança um ambiente seguro onde as diferenças e frustrações também poderão ser vivenciadas de modo saudável.

Ainda sobre limites sob a visão gestáltica, Perls, em uma das suas expressões mais célebres, refere-se à importância de o terapeuta ser um "habilidoso frustrador" (1977). Fazendo uma transposição dessa forma de se relacionar com um "cliente" em funcionamento neurótico para a postura dos adultos frente às crianças que estão aprendendo a se relacionar consigo e com o mundo, frustrar de forma habilidosa é estar junto com a criança, acolhendo sua singularidade e espontaneidade, sem perder de vista a firmeza e a responsabilidade de alguém que vê de maneira mais ampla os cuidados necessários ao desenvolvimento seguro e sustentável dela.

Perls (1977) acrescenta que frustrar de maneira habilidosa é estar na presença do outro de forma não agressiva, nem desrespeitosa, assumindo uma postura cuidadosa e firme, que vai se consolidando a partir do vínculo de confiança mútua, numa relação onde se buscam ajustamentos criativos entre as partes e as necessidades de ambas.

Num contexto de terapia, usando o exemplo do que chamamos de clínica da neurose, as intervenções visam frustrar as tentativas de manipulação do cliente, de repetição e de controle do meio. O terapeuta frustra a pessoa em suas tentativas de evitar o novo. Dessa forma, ela poderá vivenciar as experiências de forma única e criativa, descobrindo e aprendendo a partir dessas vivências. Já numa relação na qual adultos estão responsáveis por educar as crianças, temos uma configuração um pouco diferente, em que as demandas ou dificuldades de uma criança não são necessariamente ajustamentos neuróticos. Pelo contrário, é muito mais comum que os adultos sintam dificuldade para discernir o que de espontâneo emerge da criança daquilo que precisa de condução, orientação, apoio e limites pois eles mesmos já não identificam as suas próprias necessidades genuínas. Por não disporem de recursos para distinguir suas próprias interrupções e dificuldades, espelham, muitas vezes, essas dificuldades para as crianças na forma de inabilidade em lidar com os limites e frustrações, repetindo modelos da sua própria educação ou reproduzindo aquilo que está se "dizendo que deve ser feito" no meio social.

Nesse sentido, os pais também precisam de apoio para que desenvolvam seus meios de lidar com as crianças e com as questões dinâmicas e complexas dessa relação com seus filhos, consigo mesmos no papel de pais, e com o entorno – familiar, social,cultural pois, conforme afirma Philippi (2010), a família é uma parte de um campo maior que também impõe uma série de exigências quanto à responsabilidade pela educação das crianças.

Buscando, por outro lado, semelhanças entre a frustração habilidosa numa relação terapêutica e aquela que pode auxiliar a relação entre pais – ou responsáveis – e seus filhos, podemos ressaltar que, em ambas as situações, frustrar não significa humilhar, constrangendo ou envergonhando o outro, muito menos diminuir, invalidar ou mostrar indiferença àquilo que há de valioso e espontâneo da pessoa em terapia ou da criança em desenvolvimento. Estabelecer limites que façam sentido e possam ser sustentados de forma coerente é uma forma de confirmar para a criança que alguém está cuidando da sua integridade. Confirmar, aqui, situa-se numa perspectiva dialógica, num "contexto relacional total em que a singularidade de cada pessoa é valorizada; relações diretas, mútuas e abertas entre as pessoas são enfatizadas, e a plenitude e presença do espírito humano são honradas e abraçadas" (Hycner e Jacobs, 1997, pp. 29-30). Os pais precisam confirmar a presença da criança, sem que isso implique numa concordância passiva ou indiscriminada com tudo o que a criança demanda, e sem que a frustração signifique violência ou opressão.

Outra compreensão gestáltica fundamental do desenvolvimento do ser humano, e que nos esclarece a importância dos limites nesse processo, é a concepção de heterossuporte e autossuporte. Conforme Aguiar (2014), "o ser humano desloca-se gradativamente da utilização de um heterossuporte ou suporte ambiental para satisfação de suas necessidades e escolhas no mundo, para um parâmetro pessoal e singular, denominado autossuporte" (p. 74). A clareza dos pais em relação a esse processo facilita também o caminho da criança da sua condição de dependência "a uma maior e progressiva diferenciação e autonomia em relação ao outro" (Aguiar, 2014, p. 74).

Lidar com os limites permite à criança encontrar formas próprias de se apoiar em seus recursos. Frente a uma frustração, discordância ou impossibilidade real de realizar o que deseja, ela pode desenvolver maneiras criativas de portar-se diante das situações da vida, fazendo e assumindo escolhas frente ao novo. Esse processo vai promover autonomia crescente da criança e se alicerça nos limites que a ensinam a presença do outro na relação – a colocam em contato com a existência de outras pessoas e outras situações que também precisarão respeitar.

É importante destacar "que autonomia não é sinônimo de autossuficiência e, por isso, uma condição autônoma não é aquela que prescinde do outro, mas a que possui condições de avaliar e escolher quando e de que forma esse outro é importante" (Aguiar, 2014, p. 74-75).

Considerando esse processo sob a perspectiva dos pais que manifestam dificuldades e dúvidas quanto às condições da criança de lidarem com os desafios da vida, o desenvolvimento do autossuporte fala também do acolhimento do não saber, da confusão, da sensação de estar perdido. Esperar que algo se elucide é ter fé na relação de confiança estabelecida entre pais e filhos.

Rosanes-Berret (1989), citada por Antony (2006), afirma que

 

Quando nossos pais não conseguem tolerar nosso desenvolvimento normal, quando eles não podem, por exemplo, tolerar nossa dependência ou crescente independência, na medida em que aprendemos a nos separar e individualizar, ou nossas emoções normais – incluindo raiva e entusiasmo – nós captamos a mensagem, quer seja por violência explícita, retraimento sutil, etc., de que nós não somos aceitos por ser como somos (p.33).

Essa compreensão nos encaminha para uma possível orientação inicial aos pais quanto a limites: uma de suas funções é ajudar seus filhos nessa passagem de um maior heterossuporte (ou apoio ambiental) para um maior autossuporte (auto apoio). Nesse sentido, limites são também possibilidades de esse processo ocorrer de forma que a criança tenha condições de "andar com suas pernas", desenvolvendo gradativamente independência e autonomia nas suas ações e escolhas, permitindo-se ousar e explorar o novo, porém com segurança e suporte dos pais naquilo que ela ainda não dá conta de forma independente.

 

LIMITES COMO POSSIBILIDADES: QUANDO AS DIFICULDADES NORTEIAM CAMINHOS

A partir dessas considerações, algumas das dificuldades dos pais no que diz respeito a esse assunto podem ser revisitadas sob um enfoque mais acolhedor dessas angústias, permitindo novas possibilidades de estar com as crianças e lidar com os limites. Vejamos alguns exemplos que os pais relatam.

Alguns pais dizem "não" frequentemente aos filhos, sem discernir de fato a pertinência daquela negativa. É o famoso "não porque não". Nessas situações, é muito comum que os próprios pais não tenham clareza quanto aos seus limites e quanto às necessidades que precisam ser ajustadas entre eles e as crianças. Esse "não" expresso reiteradamente, sem verificar o que está envolvido na situação específica vivenciada, pode ser uma forma de evitar "perder tempo" em avaliar novas situações e demandas. Torna-se "mais fácil" dizer "não" de antemão, sem dar atenção ao que está ocorrendo.

Ora, se o "não porque não" está a serviço de impedir uma nova demanda para o adulto num momento em que ele não tem condições de dirigir sua atenção ao pedido da criança, uma forma possível de estabelecer esse limite claro pode ser contextualizar à criança o "não". Um exemplo seria expressar a ela que naquele momento não é possível atender ao seu pedido, deixando clara a necessidade do adulto de priorizar outra coisa na situação em curso – e não simplesmente generalizando ou usando um "não" do tipo "cala a boca".

Quando esse tipo de "não" é a única forma que os pais conhecem e utilizam, eles também se sentem desconfortáveis pois há alguma dificuldade em estabelecer diferenciações entre suas necessidades e as demandas das crianças. Se dizer não para a demanda da criança para não ser interrompido ou "atrapalhado" for um hábito ou tornar-se rotineiro, os pais também irão se sentir perdidos, inseguros, confusos e distantes na sua relação com os filhos. E, para a criança, esse "não" indiferenciado também não deixa claro o sentido daquele "aparente" limite. Quando essa situação é reiterada ou automatizada na convivência com a criança, uma das consequências pode ser uma sensação de desamor, de descuido e, muitas vezes, até de abandono relatada pelos filhos. Eles acabam se sentindo um peso, um estorvo para os pais. Outra forma é a criança ficar sem referência do que poderá pedir e demandar dos pais, tornando-se "obediente" ou a "criança que não incomoda". Nessas condições, sua confirmação como um ser humano autêntico – com demandas genuínas – pode ficar inviabilizada.

Um conceito gestáltico fundamental pode nos ajudar a refletir caminhos para os pais nessas situações – que é o fluxo de awareness – expressão sem uma tradução literal em português, cujo significado aproximado em nosso idioma seria "dar-se conta ou tomar consciência de algo, no aqui-e-agora". Para Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 33) "awareness caracteriza-se pelo contato, pelo sentir (sensação/percepção), pelo excitamento e pela formação de gestalten". A noção central desse conceito é que para assimilarmos do ambiente aquilo que precisamos para nosso desenvolvimento ou crescimento e rejeitarmos aquilo que não nos serve ou nos é prejudicial, precisamos dispor de nossa capacidade sensorial, motora e perceptiva de estar presentes no aqui-e-agora, na experiência como ela se apresenta em nossa existência. Dessa maneira, poderemos, tanto agir espontaneamente em busca das nossas necessidades genuínas – fisiológicas, emocionais, psicológicas, sociais etc. – quanto discernir, organizar e priorizar nossas necessidades em relação às possibilidades que encontramos no meio. Dito isso, compreendemos que, mesmo nas circunstâncias nas quais o adulto deseja mais tempo livre para si e seus afazeres, ou está ocupado em demasia, esse "não porque não", aparentemente "mais fácil", pode se tornar um "não" melhor acordado e ajustado.

Na relação dos pais com as crianças, as necessidades de ambos podem ser integradas quando há contato genuíno e capacidade de estar presente. No entanto, para essa conciliação se tornar possível e viável é preciso que os pais também ampliem sua habilidade de identificar o que é prioritário, manejar as suas necessidades e as das crianças, e que possam dar-se conta do que se torna mais vívido e crucial em cada momento. Isso vai compor uma trajetória de relação com qualidade, ou, gestalticamente falando, com contato – conceito que abordaremos mais adiante neste artigo.

Sob outra perspectiva, acontecem situações em que os pais agem numa polaridade oposta da situação anterior: dizem "sim" para tudo, também sem discriminação das demandas e necessidades de cada um na relação. São frequentes as concordâncias que buscam compensar ausências ou amenizar "culpas" dos adultos. Muitas vezes, isso também ocorre quando os pais são muito ocupados, dispondo de pouco tempo para estar com as crianças.

Esse tipo de situação, quando se cristaliza na relação entre pais e filhos, é o que frequentemente os pais ou adultos no senso-comum identificam como "falta de limites". Esse "sim para tudo", quando reiterado, também não possibilita a construção de um referencial de limites claro, já que os pais, acreditando estarem suprindo uma "falta", estão, na verdade, reforçando sua falta de presença, de implicação, de envolvimento na relação. Tais vivências podem ainda favorecer com que as crianças aprendam a significar os afetos como pertencentes a um mercado, funcionando como um escambo, uma moeda de troca. Esse tipo de relação mantém a criança num estado de objeto e não de ser humano, o que certamente terá repercussão no modo como ela irá se ver e aos outros – como objetos, meios para um fim. A importância de os pais verificarem o que "ganham" ou o que estão "negociando" de modo implícito com as crianças é crucial. Estão trocando o "sim" por um aparente "amor" dos filhos em relação a eles? Estão se sentindo em falta nessa relação, mas priorizam amenizar sua culpa com concessões sem critério? Precisam da aceitação dos filhos, acima de qualquer outra coisa? Essas são algumas perguntas pertinentes que podem facilitar a descoberta de formas genuínas de buscar o que necessitam nas suas relações – evitando impor às crianças barganhas afetivas ou permissividades disfarçadas de amor.

Ambas as situações anteriormente apresentadas são exemplos de excessos que deixam a criança sem referências. Vale lembrar que quaisquer limites requerem um equilíbrio. O "você pode tudo" ou o "você não pode nada" tornam-se lados de uma mesma moeda, facilitando a instauração da insegurança de ser quem se é.

Outro exemplo que angustia bastante os pais é quando dizem "não" para seu filho mediante um contexto social em que um sim foi dado pela maioria dos demais pais. A grande dúvida que se instala é justamente: será que estou fazendo a coisa certa? Será que estou sendo duro demais, rígido demais? E o mais difícil: sustentar seu não; manter sua convicção, mesmo que seja o único diante de uma maioria.

Alguns comportamentos são mais valorizados pelo meio social, enquanto outros são "mal vistos" ou considerados na "contramão" do que está vigente – na escola, famílias, moda. Estes podem ser mais bem compreendidos à luz do conceito de introjeção em Gestalt Terapia.

De acordo com os pressupostos gestálticos, "a introjeção é definida como o processo primário de internalização de crenças, valores, pensamentos transmitidos pelos pais, pela cultura e outros ambientes significativos, que interferem e também contribuem na construção da subjetividade da criança" (Antony, 2009, p. 360). Essa assimilação – tão relacionada aos aprendizados e à educação em seu sentido amplo – pode ocorrer de forma criativa (saudável) ou disfuncional. No primeiro caso, as demandas do meio podem ser mastigadas, digeridas, de modo a constituir uma nutrição cultural, social e moral com base em valores que se integram à identidade da pessoa. Já na introjeção disfuncional, as demandas do meio são "engolidas" à força, portanto os pais que não conseguem sustentar a desaprovação do meio, provavelmente estão espelhando para a criança que ela deve "nadar com a corrente", custe o que custar.

Uma direção que pode auxiliar nesse contexto é que a família tenha condições de identificar e discernir quais são os valores importantes que sustentam as decisões em relação à educação das crianças. Ver o sentido disso, apoiar-se em seus valores genuínos e incluir a criança – quando ela tiver condições – nas decisões em que isso for possível, é fundamental. Além disso, manter certa flexibilidade para revisar e olhar sob novos ângulos os valores introjetados, questionando e abrindo possibilidades de rever os nãos, quando essa for uma necessidade da família e da criança diante de um novo contexto, também é de uma importância ímpar.

É importante que muitos introjetos possam ser ressignificados como, por exemplo, a máxima de que é preciso "Respeitar os pais". Respeitar os pais não é ter medo deles. Respeitar os pais implica poder discordar, construir uma visão de mundo diferente da deles; em última instância, respeitar os pais é também percebê-los como falhos e, mesmo assim, pessoas a quem amamos profundamente. Significa ter o direito de expressar que sentimos raiva deles; que eles podem cometer injustiças, reconhecer isso e pedir desculpas. Respeitar, inclusive, implica ser respeitado – ou seja, é uma relação de reciprocidade e se constrói com a participação de todas as partes que estão nesse relacionamento. Assim, ser respeitado pelos pais também envolve receber suas broncas, reconhecendo que firmeza e gentileza podem caminhar juntas. Ser respeitado é se permitir argumentar sem culpa, medo ou vergonha.

A respeito da vergonha, uma situação comum, em que os pais costumam sentirse constrangidos, é quando a criança tem um comportamento de "manha" ou "birra", num local público, repleto de pessoas. Alguns pais ficam extremamente desconcertados, preocupados com a reação e o julgamento alheio. Pedem para a criança parar de chorar, chegam a fazer ameaças, mandam ficar quieta, sem, contudo, exercer uma autoridade cuidadosa e efetiva. Nesse tipo de situação, quando o constrangimento dos adultos perpassa muito mais uma preocupação com o meio, com o que as pessoas vão pensar de sua atitude enquanto pais, novamente não há contato com a criança. Mergulhados nessas preocupações, os pais perdem de vista a conexão com o filho, com o que é essencial, com suas necessidades naquela situação. Embora não haja como prescrever uma atitude única para essas circunstâncias, como tirar a criança do local, distrai-la, ignorar a "birra", conter a criança, ou qualquer outra forma, é essencial sentir-se presente e, novamente, identificar as prioridades, para que as possibilidades de agir emerjam naquele contexto. De fato, o que estamos descobrindo a respeito da lida com limites e seus desafios práticos é justamente a importância de estarmos em condições de assumir as responsabilidades em cada situação nova com que nos defrontamos. Responsabilidade, aqui, refere-se à habilidade de responder frente a algo, noção gestáltica que se distingue da mera capacidade de cumprir deveres ou obrigações (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

Nas situações em que sentimos vergonha, normalmente é difícil reagir, ou dispor de habilidades para responder frente ao meio. Robine (2004) traz uma contribuição valiosa acerca da vergonha que cabe muito bem nesta reflexão: "cada vez que estou em uma situação que me faz sentir que seria melhor eu ser outro que não eu, estou em uma situação de vergonha" (p. 36). Esse sentimento é vivenciado tanto pelos pais como pelas crianças, em situações das mais variadas, mas quando as situações constrangedoras são a tônica, acabam gerando uma sensação de que é vergonhoso ser quem eu sou.

Segundo Yontef (1998), há uma relação intrínseca entre a introjeção e o processo de vergonha. Para o autor, a mensagem introjetada é geralmente: 'Nunca é suficiente'! 'Seus impulsos, emoções e desejos são inaceitáveis' (p. 372). Enfatiza ainda que "a vergonha inclui um sentimento de defeito ou inferioridade e um sentido de não estar apto para ser amado e merecedor de respeito" (Yontef, 1998, p. 370).

Sabemos que a criança ainda está desenvolvendo sua consciência crítica para questionar as mensagens educativas de modo geral. Dessa forma, quando ela não é confirmada, tanto em suas capacidades quanto em suas limitações, de maneira clara e genuína, o que costuma se cristalizar é uma percepção inautêntica de si mesma e do mundo. A habilidade para discriminar aquilo que lhe é imposto do que faz ou não sentido para si mesmo está em construção.

O entendimento do porquê de uma regra de conduta em algum ambiente, como no exemplo em que se vai a um local onde é necessário silêncio e a criança começa a falar alto, chorar, gritar, permitirá que ela se aproprie da sua responsabilidade naquele contexto. A presença do adulto, confirmando e acompanhando a criança naquela atitude, é fundamental – no caso exemplificado, o adulto pode conversar falando baixo com ela, sem repreender, espelhando a conduta cabível naquele lugar. Regras que valem apenas para as crianças, mas os adultos não respeitam tendem a passar uma mensagem contraditória de desrespeito aos limites.

Nesse sentido, a importância da discriminação entre a criança e o meio é construída a partir da clareza com que os adultos possam lidar com os limites de modo seguro. Vivenciar os "nãos", as diferenças entre o que ela de fato quer fazer e o que o meio permite fornece às crianças possibilidades gradativas de questionamento das introjeções, fundamental para "a construção e sedimentação do que é nutritivo do que é tóxico, de aceitar, recusar ou transformar e de se perceber forte e segura para tal." (Aguiar, 2014, p 80)

Dessa forma, alguns limites poderão ser sentidos como frustrações, sim. Mas frustrações que são parte da vida, do amadurecimento, e promovem um desenvolvimento saudável diante da aceitação de um obstáculo, de uma adversidade. Além disso, cabe aos adultos responsáveis pelas crianças compreender, e de alguma forma ensiná-las, que a realidade da vida não é o prazer sem limites, pois a aparente satisfação de todas as vontades e desejos delas também pode trazer consequências danosas. Nas palavras de um dos pais que participava da roda de conversa, quando há falta de limites na educação infantil, em algum momento "a própria vida vai te cobrar". Isto significa que, se os pais não exercerem a sua função de autoridade respeitosa, colocando limites adequadamente, o mundo vai se encarregar de realizar essa tarefa.

Num outro extremo, quando qualquer tipo de imposição verticalizada prevalece, a espontaneidade – uma das características mais marcantes nas crianças – vai perdendo espaço de expressão, culminando em sentimentos de inadequação, menos valia e insegurança. Desta feita, é fundamental que a sustentação de um não ou de um sim passe por uma coerência de sentido para ambas as partes.

Corroborando com essa ideia, o conceito de dialogicidade na relação pais e filhos mostra que a sustentação do "não" pode deixar de ser tão árdua e recheada de culpa, na medida em que essa relação tenha uma base pautada no respeito às diferenças, na valorização da autoridade das figuras parentais (ao contrário de um autoritarismo), na abertura à expressão genuína das emoções e necessidades, independente de estarmos falando de adultos ou crianças.

A culpa, de uma forma geral, quando pauta a relação entre pais e filhos, normalmente denota um ambiente em que sentimentos como a raiva e expressões de agressividade não são bem assimilados. Se os pais colocam limites sem clareza, ou mesmo agem com violência e autoritarismo, por dificuldades pessoais, e, posteriormente, tentam se redimir anulando qualquer possibilidade de a criança expressar raiva, agressividade ou mesmo seus próprios "nãos" frente àquela situação, é muito possível que a criança também passe a rejeitar sua agressividade em forma de culpa. Oaklander (1980) aborda a culpa infantil a partir de sua experiência clínica em terapia, relatando que há muitos adultos cuja culpa recorrente tem origem na infância, são "sentimentos que se arraigaram há muito tempo, permeiam todas as áreas de suas vidas, gerando muita aflição." (1980, p. 308) Uma das consequências dessa culpa introjetada, segundo a autora, já nas crianças, é sua baixaautoestima que, dentre outras formas, também se expressa pela "dificuldade de dizer não".

Finalmente, um aspecto muito importante e pouco abordado é a noção de que limites e cuidado caminham juntos. Boff (2008), citado por Cardoso (2013) fala do cuidado

 

como uma ocorrência vinculada à importância que a existência da outra pessoa tem para aquele que cuida. Assim, cuidar é uma atitude que traz implicitamente o desprendimento de si e um voltar-se para o outro, numa relação de afetividade, de interesse genuíno e de atenção para com a pessoa de quem se cuida (p. 67).

O sentido de cuidado é amplo e complexo e, ao menos nesta reflexão, não deve ser confundido com superproteger os filhos ou aprisioná-los nas expectativas dos pais – o que, diferente de cuidar, estaria evidenciando necessidades de controle e dominação dos adultos sobre as crianças.

A atitude de cuidar também não significa tentar adaptar a criança ao ambiente tendo em vista as demandas exclusivamente dos pais ou desse ambiente propriamente dito. Ao contrário, o cuidado deve estar voltado a uma integração da criança no meio em que está inserida.

O limite "às avessas" pode também contribuir para o desenvolvimento de um modo inautêntico de ser e estar no mundo em que as atitudes se voltam para o atendimento daquilo que os adultos acham que elas "deveriam" – fazer, falar, sentir ou agir – distanciando-as de suas necessidades básicas ou daquilo que verdadeiramente faz sentido para cada um. Há inclusive, um conflito entre o que a criança "deveria" e o que "não deveria" ser para agradar aos adultos, gerando expectativas trágicas como punição, abandono, perda de amor, vazio, e uma perda da capacidade de se autorregular conforme suas necessidades genuínas (Antony, 2010).

Heidegger (1981), citado por Cardoso (2013)

 

distingue dois modos de cuidar: um é aquele no qual o cuidador assume as escolhas pelo outro e guia, orienta, controla e se ocupa. O foco está no resultado que se espera que o outro alcance por meio do cuidado. O outro é uma postura de voltar-se para o outro e ajudá-lo a se reconhecer e a fazer escolhas próprias. Nesse caso, a ênfase do cuidado recai sobre a relação e a sua forma de estar no mundo (p. 71).

Acreditamos que, enquanto pais, incorremos nessas duas formas de cuidar – a que controla e a que realmente cuida. Seríamos hipócritas ao negar nossas próprias necessidades de controle e nossas expectativas e desejos que projetamos em nossos filhos. Ainda assim, precisamos ponderar que algumas situações no processo de desenvolvimento das crianças, demandam percebermos quanto suporte elas já dispõem para lidar com alguns riscos ou adversidades presentes na vida.

Em muitos casos, o heterossuporte (suporte do adulto, do meio) será necessário de forma mais ativa, e até diretiva – em orientações, presença, atitudes e posicionamentos muito claros. Um exemplo clássico disso é quando a criança pequena – ainda sem maturidade de avaliação e elaboração frente a alguns perigos – dirige-se às tomadas, ao fogo e a outras condições com risco à sua integridade e vida. É preciso manejar e conduzir a criança com segurança e não negligenciar os cuidados necessários nessas situações. Aí, a importância desse cuidado ser mais diretivo.

Em contrapartida, se os pais estiverem conscientes de que o processo de cuidar é "fazer com" e não "fazer por" e, ainda, que cuidar "envolve o reconhecimento do outro na sua singularidade" (Cardoso, 2013, p. 72), as possibilidades de os filhos desenvolverem gradativamente o autossuporte são imensas.

De um modo geral, compreendemos que cabe aos pais a função de ajudar seus filhos a fazerem a transição do heterossuporte para o autossuporte e que, para isso, muitas das soluções apregoadas e repetidas no meio familiar, social, educacional e na mídia não irão "funcionar". Aqui, fica evidente a singularidade de cada família, cada criança, e cada contexto, para que os pais encontrem formas adequadas e também criativas de lidar com seus filhos.

Quando mencionamos essa forma "criativa" no trato com os filhos, visamos outro conceito fundamental em Gestalt Terapia que é o de ajustamento. "Ajustar-se criativamente implica imprimir sua marca nos acontecimentos da vida, 'pessoalizando-a', tornando-a própria, atualizando as potencialidades singulares, presentificando-as na interação com o mundo" (Cardella, 2014, p. 113). O ajustamento criativo não significa um rompimento com o conhecido ou mesmo tradicional, mas sim, um recriar, um ressignificar da experiência, a partir do contato organismo-meio. Para Perls et al. (1977, p. 45), "todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente". Contato é "condição de crescimento e mudança, possibilidade de atualização e transformação" (Cardella, 2014, p. 113).

No tema dos limites, o contato é essencial para criar formas únicas e sustentáveis de vivenciar, assimilar e, até mesmo, aprender a lidar com as frustrações. Crescer envolve aprender a superar essas frustrações. Perls (1977) afirma que "sem frustração não existe necessidade, não existe razão para mobilizar os próprios recursos, para descobrir a própria capacidade..." (p. 54). Quando os pais, por diversos motivos (alguns deles já ilustrados nesse artigo), optam por não frustrar e sim, mimar os filhos, podem estar favorecendo à criança o aprendizado da manipulação. Desta forma, "em vez de usar seu potencial para crescer, ela agora usará seu potencial para controlar o mundo..." (Perls, 1977, p. 55).

Zinker (2007) também ressalta que uma das formas de bloqueio da criatividade é evitar as frustrações. Sua afirmação fala dos possíveis bloqueadores do trabalho criativo dos terapeutas, mas compreendemos que também se aplica às relações dos pais com as crianças na lida com os limites. O adulto "desiste cedo demais ao se deparar com obstáculos; evita a dor e o desconforto, normalmente associados a mudanças ou novas soluções para problemas." (Zinker, 2007, p. 77)

A roda de conversa entre os pais, circunstância que motivou o desenvolvimento das reflexões acerca desse assunto, é uma forma de trocar, de lidar com essas questões – onde é possível um diálogo aberto e franco a respeito das dificuldades de cada família com relação às crianças. É uma das possibilidades de ajustar-se criativamente, buscar recursos e apoio para arriscar-se a novas atitudes e posturas frente aos limites necessários. Essas oportunidades de diálogos são experiências em que o contato - que implica o reconhecimento do novo, do outro, do diferente – acontece. E é justamente o encontro com transformar nosso modo de pensar e agir.

Para tanto, é preciso estar disponível, aberto a tais experiências, pois o ambiente pode se mostrar propício, fértil em possibilidades, mas de nada vale sem que o organismo também esteja disposto.

Se relacionarmos essa abertura e escuta às figuras parentais, é possível proporcionar à criança oportunidades para que ela descubra, por si só, o que necessita. Que ela, metaforicamente falando, não acredite que não tem olhos, pernas, por exemplo. Não acredite que eles estão projetados no mundo, especialmente nas pessoas do pai ou da mãe. Mas sim, que descubra que cada uma dessas partes lhe pertence. E a criança "não pode aprender isto através do ensinamento, condicionamento, informação ou elaboração de programas ou planos" (Perls, 1977, p. 61) Ela "tem que descobrir isto vendo por si mesma, ouvindo por si mesma, descobrindo o que existe, compreendendo por si mesma." (Perls, 1977, p. 61). Enfim, a partir de sua própria e singular experiência!

Que os pais, em especial, estejam abertos à experiência de escutar e acolher as singularidades de seus filhos, sem, no entanto, confundirem essa escuta com a suspensão dos limites e da frustração – fundamentais ao desenvolvimento saudável!

A abertura à experiência depende da disponibilidade tanto dos pais quanto da disponibilidade tanto dos pais quanto da criança. Porém, quando os pais se propõem a, verdadeiramente, estarem presentes, eles se tornam genuínos facilitadores de uma comunicação positiva, saudável, pautada na transparência e na honestidade da expressão das emoções.

De modo geral, com os breves exemplos que apresentamos, todos ilustrativos de dificuldades reais de pais, mães e outros adultos responsáveis por crianças, gostaríamos de esclarecer que as situações relatadas não são, de forma isolada, algo nocivo ao desenvolvimento das crianças. O que precisamos compreender é que, caso o funcionamento dessas relações entre pais e filhos se cristalizem – tanto em formas de opressão, quanto em formas de excessiva permissividade, há necessidade de apoio, ou orientação aos pais.

Como a criança ainda está em desenvolvimento – físico, moral, emocional, cognitivo e relacional – a noção de limites precisa ser referendada por quem é responsável por ela. E, mesmo quando a criança expressa "inteligência", maturidade ou desenvoltura de uma maneira precoce ou surpreendente aos adultos, ainda assim, é preciso lembrar que ela é uma criança e não um adulto em miniatura.

 

LIMITES PARA CRESCER: RAÍZES E ASAS

"Raízes e asas. Mas que as asas enraízem e que as raízes voem" nos diz o poeta Jiménez (citado por Cardella, 2014, p. 111). Aos pais está lançado o desafio, de forma permanente e dinâmica, caótica e poética, de possibilitar que as raízes dos filhos se tornem asas e que as asas encontrem um solo firme e fértil onde possam se sustentar. Muitas vezes, os voos dos filhos são fonte de celebração! Outras tantas, de preocupação. A rota é curva, por vezes entortada, e os ventos são catalisadores de algumas belas manobras, mas também são riscos que a natureza impõe, demandando resistência, e pés no chão.

Os voos dos pais também merecem atenção: são sonhos, desejos, asas que pretendem emprestar aos seus filhos. E, se, por um lado, as crianças não vêm ao mundo para atender as expectativas dos adultos – familiares, educadores, e outros responsáveis por seus cuidados – também não podemos ignorar as inúmeras projeções que lançamos sobre elas. Escolhemos, sem sua participação, o nome que carregará, na maioria das culturas, "para todo o sempre". Decidimos que "time de futebol" – especialmente aqui no Brasil – a levará às lágrimas ou ao êxtase da celebração vitoriosa. Imaginamos – e dirigimos seu caminho – para que seja da profissão que nos deixaria orgulhosos. Pretendemos, inclusive, determinar suas escolhas mais íntimas: de quem será amigo, de quem se afastará, quem vai amar e como vai reproduzir nossos valores e nossa imagem de família e relação afetiva.

De certo modo, as pretensões adultas, em geral, são de que a trajetória da criança avance em relação aos caminhos que já foram trilhados pelos pais, ou responsáveis, mas que evite tropeços, pedras e percalços. É difícil crescer, como é difícil voar. E todo adulto, de uma forma nem sempre tão clara, é verdade, sabe que há desafios pela estrada. Não há mal em projetar – ou seja, planejar, antecipar, identificar perspectivas, visando lidar da melhor forma possível com as situações abertas no meio; aliás, é inevitável. O que precisamos, possivelmente, é assumir nossa autoria dessas criações e sonhos, em vez de buscar a realização de um ideal através das crianças. Aqui, é preciso então criar raízes, cuidar das nossas próprias asas, antes de mais nada. É preciso crescer. E crescer implica, inevitavelmente, aprender a lidar com as pedras, desviar de alguns caminhos floridos e ensolarados, para adentrar atalhos às vezes perigosos, dolorosos.

No entanto, assim como nos contos de fadas, ou histórias de heróis, o mais importante não é evitar os erros e frustrações, mas sim, dispor de recursos – desde espadas e cavalos, até amigos, ouvidos sábios, uma boa dose de humildade – para lidar com essas trilhas árduas que tantas vezes tomamos. É vital crescer. Não há como impedir esse processo. E os nossos recursos mais preciosos são aqueles que provêm de nosso enraizamento – das experiências que nos sustentam e nutrem nossa confiança de que podemos voar.

Os limites são raízes, recursos para os pais que os ajudam mesmo quando um ímpeto irrefreável os tira da "linha", quando querem embarcar nos voos dos filhos, em vez de manter-se em terra firme. Limites enraízam quando o desejo dos pais de que "tudo dê certo" e de que os filhos sejam muito mais "felizes" do que foram confunde-se com as próprias dificuldades em lidar com as frustrações que vivenciaram. Os limites são amigos dos pais quando permitem que se aproximem com carinho e certa coragem de suas próprias frustrações, e de sua angústia com o que não é possível controlar, prever, saber de antemão.

Aprender com os limites é outra grande oportunidade de, paradoxalmente, estória de Fernão Capelo Gaivota, que devemos ultrapassar nossas limitações progressiva e pacientemente. Fala que elas nos ensinam, justamente, a colocar de lado tudo o que nos limita, a compreender nosso potencial perfeito e ilimitado quando as olhamos com entendimento, para que possamos, enfim, descobrir o que já sabemos: Sim, podemos voar!

As raízes são nossa casa, nosso solo de pertencimento, do reconhecimento de que ter asas não nos isola de nossa condição familiar, social. Podemos descobrir – quando as raízes e as asas são plenas, que existimos de forma autêntica, "que somos separados e, ainda assim, que somos confirmados como um outro ser humano" (Hycner e Jacobs, 1997, p. 46). O significado de confirmar uma criança ou um adulto não quer dizer concordar com eles. Ao contrário, a confirmação, no sentido dialógico, fala de uma validação da alteridade do outro, de sua singularidade.

Daí a importância dos limites para o estabelecimento de relações pautadas na espontaneidade, na transparência de comunicação e expressão das emoções. Assim, haverá um terreno propício à construção de um vínculo de segurança e confiança, em que tanto pais quanto filhos poderão abrir suas asas, sem romper suas raízes. Poderão manter uma conexão verdadeira e criativa, dispensando "falsos eus", controles automatizados e manipulativos. Outrossim, tenderão a sedimentar suas existências em relações cujos sentimentos de fé e coragem para ser quem se é lhes acompanhem por todo o caminho!

Concluímos essa discussão e ensaio com a expectativa de que as reflexões aqui apresentadas possam fomentar novas possibilidades, dentre as quais, futuras "rodas de conversa" que ampliem e aprofundem um diálogo acolhedor e construtivo quanto à importância dos limites para o desenvolvimento das crianças, sob o olhar diferenciado e criativo da Gestalt Terapia.

Propomos ainda um convite a todos os pais e pessoas responsáveis pelo cuidado e educação de crianças, para que se arrisquem em voos autênticos e também busquem um reencontro com suas raízes – com sua humanidade. Que esse resgate seja integrador da trajetória única e singular de cada um, da sabedoria e unidade entre o passado, o presente e o futuro. Que, na vivência dos limites, o passado possa ser acolhido, o presente seja vivido, e o futuro não seja temido.

Se estivermos abertos para encarar nossas frustrações com naturalidade e, concomitantemente, se estivermos disponíveis para compartilhar essas vivências, de maneira transparente com nossos filhos, os limites poderão ser compreendidos como a chave mestra para o crescimento e o amadurecimento das relações.

Ao superarmos os desafios das frustrações nos caminhos do desenvolvimento, pais e filhos, de mãos dadas, poderão se fortalecer e estreitar seus vínculos, aprendendo um com o outro a se olharem com mais amorosidade e respeito às singularidades!

 

 

Referências

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Notas sobre as autoras:

Fabíola Mansur Polito Gaspar. Mestre em Engenharia de Produção, na Área de Ergonomia, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Psicologia Clínica pelo Comunidade Gestáltica - Clínica e Escola de Psicoterapia. Especialista em Psicologia Clínica pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Professora Permanente e Orientadora de Prática Clínica do Curso de Formação Plena em Gestalt Terapia do Comunidade Gestáltica - Clínica e Escola de Psicoterapia - Florianópolis-SC. E-mail: fabiola.polito.gaspar@gmail.com.

Elise Haas de Abreu. Especialista em Psicologia Clínica pelo Comunidade Gestáltica - Clínica e Escola de Psicoterapia. Assistente e Orientadora de Prática Clínica no Comunidade Gestáltica - Clínica e Escola de Psicoterapia - Florianópolis-SC. Email: elisehaas@gmail.com.

 

Recebido: 19/04/2018.
Aprovado: 04/07/2018.

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