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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.11 no.2 Belém maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº02rex29 

Reflexão

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº02rex29

 

Sofrimento psíquico e risco de suicídio: diálogo sobre saúde mental na universidade

 

Psychic suffering and suicide risk: Dialogue on mental health at university

 

Sofrimiento psíquico y riesgo de suicidio: Diálogo sobre la salud mental en la Universidad

 

Cristina Vianna Moreira dos Santos

Universidade Federal do Tocantins (UFT)

 

 


RESUMO

O ciclo de debates sobre "Sofrimento Psíquico" proposto pelo Curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocantins foi uma ação de extensão desenvolvida em dezembro de 2017 que pretendeu fomentar um diálogo com estudantes e comunidade sobre saúde mental. "Sobreviver ao Suicídio" foi o tema do ciclo de debates que promoveu a construção de um diálogo sobre o suicídio como uma questão de saúde coletiva e saúde mental. Voltado para a comunidade acadêmica e a comunidade em geral, o encontro, no formato de roda de conversa, teve por objetivo acolher e esclarecer dúvidas acerca do tema. Foram destacadas estratégias de prevenção do risco, encaminhamento aos serviços especializados, manejo e acompanhamento do tratamento dos sobreviventes às tentativas. Os depoimentos e trocas partilhadas permitiram constatar a necessidade de pensar ações articuladas em uma rede de proteção, fortalecendo estratégias voltadas para a prevenção do risco e a promoção da saúde mental

Palavras-chave: Suicídio; Tentativa de suicídio; Saúde mental na universidade.


ABSTRACT

The cycle of debates on "Psychological Suffering" proposed by the Psychology Course of the Federal University of Tocantins was an extension action developed in December 2017 that aimed to foster a dialogue with students and the community about mental health. "Surviving Suicide" was the theme of the cycle of debates that promoted the construction of a dialogue on suicide as a matter of collective health and mental health. Aimed at the academic community and the community in general, the purpose of the meeting, in the conversation circles format, was to receive and clarify doubts about the topic. Strategies for risk prevention, referral to specialized services, management and follow-up of the treatment of survivors to the attempts were highlighted. The testimonies and shared exchanges revealed the need to think of actions articulated in a protection network, strengthening strategies aimed at risk prevention and the promotion of mental health.

Keywords: Suicide; Suicide attempt; Mental health at university.


RESUMEN

El ciclo de debates sobre "Sufrimiento Psíquico" propuesto por el Curso de Psicología de la Universidad Federal de Tocantins fue una acción de extensión desarrollada en diciembre de 2017 que pretendió fomentar un diálogo con estudiantes y comunidad sobre salud mental. "Sobrevivir al suicidio" fue el tema del ciclo de debates que promovió la construcción de un diálogo sobre el suicidio como una cuestión de salud colectiva y salud mental. Volvió a la comunidad académica ya la comunidad en general, el encuentro, en el formato de rueda de conversación, tuvo por objetivo acoger y aclarar dudas sobre el tema. Se destacaron estrategias de prevención del riesgo, encaminamiento a los servicios especializados, manejo y seguimiento del tratamiento de los sobrevivientes a los intentos. Los testimonios e intercambios compartidos permitieron constatar la necesidad de pensar acciones articuladas en una red de protección, fortaleciendo estrategias dirigidas a la prevención del riesgo y la promoción de la salud mental. Palabras clave: El suicidio; Intento de suicidio; Salud mental en la universidad.

Palabras-clave: El suicidio; Intento de suicidio; Salud mental en la universidad


 

 

INTRODUÇÃO

Pensar em saúde mental não é apenas considerar a ausência de transtorno, mas sim, um estado de bem-estar, em que cada pessoa percebe o seu próprio potencial, podendo lidar com situações de estresse da vida cotidiana, trabalhar de forma produtiva e frutífera e ser capaz de contribuir com sua comunidade (World Health Organization, 2000, 2002). A saúde mental é consequência do aumento da resiliência individual, da presença de condições de vida e ambientais favoráveis, do bem-estar psicológico e serve como fator de proteção eficaz contra a doença mental (WHO, 2004). Essa mudança de paradigma que desloca o foco da doença para o bem-estar, volta a atenção dos profissionais de saúde para as dimensões que contribuem para construir e manter a saúde física e mental.

Em saúde mental, fatores de risco são aqueles que se relacionam com eventos estressores e características negativas da vida, e sua presença aumenta as chances de manifestação de problemas físicos, emocionais e sociais (Pereira, Willhelm, Koller & Almeida, 2018). Pode-se afirmar que é o efeito da presença e do acúmulo de múltiplos fatores de risco e da falta de fatores de proteção, e da ação combinada de situações de maior risco e menor proteção que predispõe uma pessoa a sair de uma boa condição de saúde mental, aumentando sua vulnerabilidade para desenvolver um transtorno.

Fatores de proteção são características pessoais ou do meio em que se está inserido que fortalecem as pessoas e lhes dão suporte para lidar com situações problema (Pereira et al., 2018). Esses fatores não atuam isoladamente, mas interagem como mediadores no processo de enfrentamento dos riscos, protegem as pessoas de transtornos e visam um desenvolvimento saudável, reduzindo a vulnerabilidade e fomentando a resiliência. Diminuir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência – esta é a chave para o restabelecimeno do equilíbrio, apesar das adversidades (Pesce et al., 2004; Tavares, 2005; Tavares et al., 2004; WHO, 2004, 2011).

A nova promoção da saúde, que é uma macrotendência em saúde, parte da crítica ao modelo biomédico, apontando a relação negativa existente entre iniquidade social e saúde, evidenciando que a forma como a sociedade se organiza tem relação direta com as suas condições de saúde. Nesta perspectiva, a saúde é um direito e um bem comum, e prioriza-se a constituição de políticas públicas, a criação de ambientes sustentáveis, a reorientação dos serviços de saúde, o fortalecimento de ações coletivas e o desenvolvimento da capacidade individual e comunitária. As ações que promovem saúde surgem como o resultado de um processo complexo que engloba o fortalecimento das capacidades das pessoas e das comunidades. O foco desta tendência está em promover saúde, e não em evitar doenças, valorizando-se o campo multiprofissional e interdisciplinar, e a educação em saúde (Silva- Arioli, Schneider, Barbosa, & Da Ros, 2013). É a partir do enfoque de promoção da saúde que discutimos a ação de extensão proposta sobre risco de suicídio e saúde mental na universidade.

 

RISCO DE SUICÍDIO E SAÚDE MENTAL

 

"Adeus Vou pra não voltar E onde quer que eu vá Sei que vou sozinho Tão sozinho amor Nem é bom pensar Que eu não volto mais Desse meu caminho" (Edu Lobo)

 

O suicídio é um problema complexo e difícil de predizer, resultado da interação de múltiplos fatores biológicos, psicológicos e sociais. Consenso sobre esse tópico define o suicídio como o modo intencional de colocar fim a própria vida. O comportamento suicida é uma das principais causas de lesões e morte no mundo (Nock et al., 2008), e deve ser compreendido como a ação, na qual a pessoa inflige-se dano em um continuum, que tem início com a ideação suicida, e pode culminar com o próprio suicídio. Ideação suicida corresponde aos pensamentos de se engajar em comportamentos destinados a acabar com a própria vida. Um plano de suicídio, por sua vez, se refere à formulação de um método específico através do qual se pretende morrer. Por tentativa de suicídio entende-se o engajamento em comportamentos potencialmente autodestrutivos em que há intenção de morrer (Abreu et al., 2010; Bahls & Botega, 2007; Gangwisch, 2010; Nock et al., 2008).

Tentativas de suicídio são mais comuns do que suicídios consumados. É possível dizer que entre 30 a 50% das pessoas, com comportamento suicida, têm história de tentativa prévia de suicídio. De acordo com Bahls e Botega (2007), o risco de suicídio é cem vezes mais provável em quem já tentou o suicídio ou fez autoagressão, do que na população geral. Epidemiologicamente, na maioria dos países, o suicídio está entre as dez causas mais comuns de morte, na população em geral. A Organização Mundial de Saúde estima dados globais para o suicídio, em torno de 1 milhão de mortes por ano (Gangwisch, 2010). O suicídio está entre as três maiores causas de morte entre pessoas com idade entre 15 e 35 anos. Também é muito frequente entre pessoas com mais de 75 anos de idade. Para cada suicídio há, em média, cinco ou seis pessoas próximas ao falecido que sofrem consequências emocionais, sociais e econômicas (Brasil, 2006a; OMS, 2000; Tavares et al., 2004).

A Portaria No 1.876, de 14 de agosto de 2006, do Ministério da Saúde, institui Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, a ser implantadas em todas as unidades federadas, organizado-as de forma articulada, entre Ministério da Saúde, Secretarias de Estado de Saúde, Secretarias Municipais de Saúde, instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, organismos governamentais e não-governamentais (Brasil, 2006b). As Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio propõem: desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido; organizar linha de cuidados integrais na promoção, prevenção, tratamento e recuperação em todos os níveis de atenção; identificar a prevalência dos determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas, assim como os fatores protetores e o desenvolvimento de ações intersetoriais de responsabilidade pública; organizar a rede de atenção e intervenções nos casos de tentativas de suicídio; promover intercâmbio entre o Sistema de Informações do SUS e outros sistemas de informações garantindo a democratização das informações; e fomentar a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização (Brasil, 2006b).

Os principais fatores de risco para o suicídio são história de tentativa de suicídio e transtorno mental. A maioria das pessoas que cometeu suicídio tinha um transtorno mental diagnosticável, e o comportamento suicida é mais frequente em pacientes psiquiátricos. De acordo com uma ordem crescente de risco dentre grupos diagnósticos, em primeiro lugar estão todas as formas de depressão, seguido por transtornos de personalidade, alcoolismo, esquizofrenia e transtorno mental orgânico (Abreu et al., 2010; Barls & Botega, 2007; Gangwisch, 2010; Brasil, 2006a; OMS, 2000; Stefanello et al., 2008).

Muitos fatores de risco psicossocial estão associados ao suicídio. Condição de vida precária, presença de eventos de vida estressantes, problemas interpessoais no trabalho, conflitos familiares, abuso físico e sexual na infância, escasso suporte social e solidão na velhice constituem fatores de risco. Entre fatores protetores que podem prevenir o suicídio estão percepção de apoio social e familiar, espiritualidade, o aceitar ajuda e ver sentido para a vida (Gangwisch, 2010). Entre jovens, a ação dos fatores de proteção, e como se refletem na ação e reação diante de problemas, pode amenizar riscos, intensificar recursos para lidar melhor com os eventos estressores e conseguir desfechos positivos frente às adversidades. Entretanto, a presença de fatores de risco e a ausência de fatores de proteção aumentam as chances de desfechos negativos e acarretam vulnerabilidade para o desenvolvimento de problemas sociais e emocionais que podem levar os jovens a soluções trágicas como o suicídio (Pereira et al., 2018).

É preciso destacar que essa morte é evitável, considerando que esses estados tendem a ser transitórios e podem ser transformados com escuta e tratamento adequados. A pessoa que encontra espaço para falar sobre a vontade de morrer, muitas vezes, consegue ter suas angústias, tristezas e frustrações abrandadas o que se torna uma via de proteção (Vianna, 2012). É sobre esta possibilidade de escuta que trata este trabalho e sua proposta.

 

SITUAÇÕES DE CRISE E APOIO PSICOLÓGICO

Na abordagem de uma pessoa com comportamento suicida, três aspectos principais devem ser avaliados: estado mental e pensamentos sobre morte e suicídio, plano suicida e rede de apoio social. É necessário investigar se a pessoa tem um plano definido para cometer suicídio, se tem os meios para se matar e, se fixou uma data para morrer. Além do plano suicida, é preciso levar em consideração o desejo de morrer contra o de viver, e a possibilidade de mais alguém saber desse plano (Abreu et al., 2010; Brasil, 2006a; OMS, 2000). O comportamento suicida pode ser tratado através do trabalho das equipes de saúde, e de pessoas próximas diretamente que podem, por exemplo, suprimir o acesso aos métodos para o suicídio e fornecer o acolhimento necessário no momento (Vianna, 2012).

As tentativas de suicídio podem ser prevenidas, principalmente se for levado em conta que, de modo geral, pessoas com comportamento suicida comunicam seus pensamentos e intenções suicidas. Nesse contexto, tais comunicados precisam ser lidos como pedidos de ajuda que não podem ser ignorados. Elas, frequentemente, dão sinais e fazem comentários sobre "querer morrer", "sentimento de não valer pra nada". É preciso achar um lugar adequado para estabelecer uma conversa tranquila com privacidade, reservar um tempo necessário para lhe dar atenção e ouvir, efetivamente, para reduzir o nível de desespero suicida. Dentre as orientações para o atendimento de pessoas com risco de suicídio, estão: ouvir, dar apoio, mostrar empatia, levar a situação a sério, verificar o grau de risco e fazer um contrato (Brasil, 2006a; OMS, 2000).

Medidas preventivas devem envolver estratégias nos serviços de atenção básica à saúde. É preciso orientação e treinamento para que profissionais possam detectar o risco de suicídio e tomar as providências adequadas. Em média, entre 25% a 58% das pessoas que se suicidam buscaram ajuda profissional de um médico clínico geral até um mês antes do ato (Gangwisch, 2010; Bahls & Botega, 2007). Isto mostra que o profissional de saúde na atenção básica pode trabalhar na prevenção, mas na maioria dos casos não há triagem para o risco de suicídio. Fato que ocorre devido a escassez de tempo, a falta de treinamento em saúde mental e o medo de que se o profissional perguntar sobre suicídio, isto aumentaria seu risco. A OMS (2000) aponta, entretanto, que o melhor modo de descobrir se uma pessoa tem pensamentos de suicídio é perguntando para ela. Falar a respeito de suicídio não coloca a ideia na cabeça das pessoas – isto é um mito. Muitas ficam agradecidas e aliviadas de poder falar, abertamente, a respeito deste dilema sobre o qual estão se debatendo no momento ou sobre o qual já se ocuparam, no passado (Brasil, 2006a).

"O processo de pensar em tirar a própria vida ou tentar cometer suicídio, se compreende como período de crise, tratando-se, geralmente, de questões psicológicas a respeito da dificuldade de administrar situações difíceis na própria vida" (Pereira et al., 2018, p. 3769). A este respeito, precisamos apontar o que entendemos como crise psicológica. Trata-se de um processo subjetivo, histórico e contextualmente determinado por situações de vida nas quais condições da realidade interna e externa mobilizam uma pessoa e demandam novas respostas. Neste caso, ela não desenvolveu, ou não domina a capacidade, o repertório ou os recursos para emitir respostas para as novas demandas mobilizadoras. Um processo de crise se enlaça com crises passadas e pode fazer seus efeitos presentes em crises que ainda estão por vir. A crise é um processo e tem uma dinâmica, com antecedentes e precursores. Ela tem início, se desenvolve, se transforma, e tem um desfecho que anuncia e interage com situações futuras, deixando vulnerabilidades ou promovendo a capacidade de enfrentamento (Tavares & Werlang, 2012).

De modo geral, nos atentamos para a crise somente quando nos deparamos com sua fase crítica, muitas vezes, exigindo a intervenção de terceiros. Na fase aguda, uma pessoa pode se encontrar em uma situação de risco suficiente para mobilizar outras a intercederem para sua proteção, pois essa crise pode colocar pessoas em condição de risco, como por exemplo, em situações de violência. A conduta da pessoa pode também criar dificuldades para si e para terceiros, mobilizando afetos negativos (Tavares & Werlang, 2012).

A crise psicológica refere-se a uma nova experiência na vida do sujeito, acompanhada de uma necessidade ou exigência do contexto, como um fato interno – como a emergência de uma consciência – ou externo – como uma perda irreparável ou um evento traumático. Essa fase exige recursos de enfrentamento que incluem tanto as habilidades, capacidades e competências de uma pessoa, quanto o seu acesso a bens e meios pessoais, familiares e sociais de alcançar seus fins (Tavares & Werlang, 2012).

Em saúde mental podemos destacar que o apoio psicológico aparece de diferentes formas na prevenção do risco de suicídio. Por exemplo, como identificação de caso, atendimento emergencial ou intervenção em crise. A identificação de caso permite levantar informações sobre um/a paciente a partir de sinais e sintomas que podem predispor ao comportamento suicida, por isso a pessoa deve ser encaminhada para serviços especializados em saúde mental com a intenção de se intervir rapidamente a fim de tirá-la da condição de crise (Vianna, 2012). O atendimento emergencial, na modalidade de Plantão Psicológico, mantém o compromisso com o momento de crise, situação na qual o sofrente, tocado pelo seu sofrimento, ainda se encontra mobilizado para cuidar daquilo que emergiu e é urgente. Essa modalidade de intervenção apresenta-se como situacional, ou seja, configurase como um modo clínico de estar junto ao sofrente (Morato, 2006).

A intervenção em crise é uma estratégia terapêutica breve que almeja retirar a pessoa da fase crítica o mais rápido possível para evitar o início ou o agravamento do processo de acomodação e cronificação para criar condições para uma terapia subsequente. O objetivo é o retorno ao nível de funcionamento anterior à crise. De acordo com Vianna (2012), a estratégia de usar procedimentos de avaliação psicológica no contexto da saúde se mostrou valiosa. Além de permitir uma comparação da condição de vida das participantes pré e pós intervenção psicológica, favoreceu a identificação de um caso de risco de suicídio que necessitava de atenção. Uma vez identificada, a partir da avaliação psicológica, necessidade de atendimento, a participante da pesquisa intervenção foi acompanhada, em atendimento individual, configurado como intervenção em crise. A utilização da intervenção em crise tem se mostrado muito útil, na clínica em geral, e em especial, na clínica do suicídio.

 

SOFRIMENTO PSÍQUICO E VIDA ACADÊMICA: COMPARTILHANDO VIVÊNCIAS

"Sobrevivendo ao Suicídio" foi uma ação de extensão desenvolvida no formato de roda de conversa, que compôs o Ciclo de Debates sobre Sofrimento Psíquico na Universidade Federal do Tocantins em 2017. A ideia do ciclo de debates partiu do curso de Psicologia gerada a partir da demanda vivenciada por alunas/os em um campus no interior do Estado. A identificação de risco de suicídio entre estudantes foi um alerta para a mobilização de professoras/es em torno do debate sobre o sofrimento psíquico. A constatação de relatos e queixas de alunas/os foi importante para propor um trabalho com espaço para problematização sobre questões de saúde mental e vida universitária, levando em conta que:

A adultez emergente é caracterizada por um período de exploração da identidade, uma vez que neste período da vida, os jovens buscam maior identidade social e profissional. Trata-se de uma etapa perpassada por inseguranças, visto que os jovens são inseridos em novos contextos sociais que exigirão habilidades especificas, as quais os jovens podem não possuir, deixando-os vulneráveis. (Pereira et al., 2018, p. 3768).

No segundo semestre de 2017, um acontecimento teve grande impacto na universidade: o suicídio de uma aluna, jovem, negra, ativista e usuária da assistência estudantil. O fato pesou sobre as/os estudantes dos vários campis da UFT que passaram a mobilizar os colegiados, as diretorias, os núcleos de assistência ao estudante em busca de apoio e orientação. O colegiado do curso de Psicologia se organizou para dar encaminhamento a estas demandas considerando estudantes de todos os campis e outros grupos e instituições que estivessem interessados em conversar sobre saúde mental.

O tema do ciclo de debates promoveu a construção de um diálogo sobre o suicídio como uma questão de saúde coletiva e saúde mental, discutindo os aspectos psicológicos e psicossociais presentes no comportamento suicida. O público contou com aproximadamente 100 participantes e foi composto de pessoas dos diversos campis da UFT, estudantes, técnicas dos núcleos de assistência estudantil, professoras/es, representantes da reitoria, comunidade externa, profissionais da saúde e da educação. Com um público variado, a estratégia metodológica de conversação levou em conta as demandas dos diversos segmentos. Deste modo, a roda de conversa foi organizada com um tempo de apresentação sobre o tema e um tempo para o debate a partir de questões e comentários gerados entre mediadora e participantes.

É possível prevenir o suicídio considerando seu risco e gravidade, intervindo de modo responsável na identificação de casos, no encaminhamento aos serviços especializados, no manejo e no acompanhamento do tratamento dos sobreviventes às tentativas e, dos familiares e amigos que passam por um luto inesperado. Deste modo, foi valorizado o debate sobre a prevenção do risco de suicídio. A partir do lugar de fala como psicóloga, professora, psicoterapeuta e profissional da saúde mental, lugar transpassado pelos estudos de gênero e feministas, foram discutidas intervenções psicológicas possíveis como a identificação de caso, o atendimento emergencial, e a intervenção em crise. A importância da avalição clinica que inclui o estado mental, o plano suicida atual, o sistema de apoio social da pessoa e a presença ou não de fatores de proteção, também foi destacado.

As provocações aos participantes passaram pela reflexão sobre a inquietação acerca do tema. Iniciado o debate, as/os estudantes trouxeram depoimentos e saídas para a busca de ajuda. Fatores de risco que expõem ao adoecimento como comportamento suicida, condições de desamparo, conflitos familiares, escassos recursos materiais e emocionais, processos de migração e exclusão, e dificuldades de permanência na universidade, estão presentes nas vidas dessas/es acadêmicas/os e vêm somando-se às questões políticas e sociais da conjuntura brasileira atual, exercendo grave pressão sobre a saúde mental de universitárias/os. Outros fatores de risco entre jovens incluem, além de conflitos familiares e instabilidade econômica, experiências de violência física/sexual, vivência em comunidades violentas, condições de trabalho insalubres, e comportamentos de risco como o uso de drogas e sexo desprotegido (Pereira et al., 2018).

Estudantes compartilharam na roda de conversa que se consideravam sobreviventes do suicídio. Mencionaram desde experiências de abuso na infância até o luto de pais que cometeram suicídio, como agravantes de seu sofrimento psíquico e como fatores de risco. Perguntaram o que fazer, e se apoiaram mutuamente relatando a luta contra pensamentos de morte. Relataram ainda preocupação com as cobranças da vida universitária, a necessidade de assistência estudantil e políticas públicas, bem como a preocupação em discutir a importância de ações promovidas por alunas/os voltados para este tema.

Uma professora da universidade demonstrou preocupação com alunas/os, em como ajudar diretamente quem sofre e aparenta comportamento suicida. Uma representante da reitoria enfatizou os aspectos psicossociais que levam a condições de risco para o adoecimento e a ideação suicida. Uma profissional da saúde do município destacou a necessidade do serviço de saúde mental e da universidade se manterem unidas e afirmou que aquele encontro era um marco no fortalecimento da rede da cidade. Técnicas da assistência estudantil afirmaram que a saúde mental era uma preocupação antiga do serviço, que era preciso fortalecer grupos de apoio, e consideravam, um desafio lidar com a burocracia e a urgência como demandas. Outra professora da universidade apontou o adoecimento entre alunas/os e a necessidade de garantir disciplinas na graduação que incluam o debate sobre saúde mental. Uma professora da rede municipal relatou a escuta dos alunos como estratégia possível de acolhimento nesses casos.

A conversa desdobrou-se em partilhar o conhecimento sobre grupos de apoio e atendimento em clínica-escola de Psicologia. Durante a apresentação e o debate foram apontados os seguintes fatores de proteção a saúde mental na prevenção do risco de suicídio: autoestima elevada, bom suporte familiar, relacionamentos interpessoais significativos com família e amigos, ausência de transtorno mental, capacidade de adaptação positiva, capacidade de resolução de problemas, religiosidade, razão para viver e acesso a serviços e cuidados de saúde mental.

Intervenções com adultos emergentes podem se focar no desenvolvimento dos fatores protetivos, como forma de melhorar sua qualidade de vida, promovendo autoestima e autoeficácia, habilidades sociais, ao mesmo tempo que se busca fortalecer os laços afetivos com a rede de apoio (Pereira et al, 2018). Esta iniciativa de extensão pretendeu aprofundar uma dimensão de gravidade no adoecimento mental – o risco de suicídio – que ainda precisa ser discutida com todos os segmentos do contexto universitário. Desta maneira, sua promoção e prevenção devem tornar-se políticas institucionais que gerem um sentido de continência, e garantam um sentido de permanência nas relações de cuidado e nas práticas afetuosas em saúde mental.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

"Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver" (Milton Nascimento)

 

O suicídio pode ser debatido sob diversos aspectos e a escolha inicial para este encontro foi abordá-lo do ponto de vista da sua dor emocional. A dor emocional de um suicídio tem um impacto muito significativo para quem faz uma tentativa e para quem fica, sobrevivente de um suicídio (Tavares, 2013). Ser sobrevivente refere-se ao processo de perda de alguém por suicídio, o que requer atenção especial. A necessidade de atenção ao luto dos sobreviventes, se deve ao fato que esse fator aumenta suas chances de risco futuro de suicídio. Apoiar pessoas com ideação suicida, que fizeram tentativas, e sobreviventes do suicídio exige uma reflexão sobre práticas afetuosas no cuidado em saúde mental.

É preciso apontar que ainda lidamos ainda com o suicídio por meio do julgamento moral. Interpretar o suicídio como um ato de coragem ou de covardia simplifica sua complexidade. Lamentar a perda e julgar o que irá acontecer com o suicida após sua morte também não ajuda a refletir seriamente sobre o caso. O suicídio é um problema de saúde coletiva e um problema social, complexo e resultado de múltiplos fatores psicossociais e intrapsíquicos. É preciso considerar a clínica do suicídio como consequência final de um processo de crises.

Neste encontro foram destacadas estratégias de prevenção do risco, considerando a presença de fatores de proteção, identificação de casos, encaminhamento aos serviços especializados, manejo e acompanhamento do tratamento dos sobreviventes às tentativas e dos familiares e amigos que passam por um luto inesperado. Os depoimentos e trocas partilhadas permitiram constatar as diversas demandas considerando o tema do suicídio, bem como a necessidade de pensar ações articuladas em uma rede de proteção, fortalecendo estratégias voltadas para a prevenção do risco e a promoção da saúde mental. Como atividade do ciclo de debates em Psicologia sobre sofrimento psíquico na universidade, consideramos que a tarefa de aproximação dos diferentes setores para problematizar o assunto alcançou resultado positivo, levando em conta a boa adesão e participação, e o debate com vez e voz a todas/os que estiveram presentes e contribuíram para a conversação.

 

 

Referências

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NOTA SOBRE A AUTORA

Cristina Vianna Moreira dos Santos - Professora Adjunto do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Coordenadora do Centro de Estudos e Práticas em Psicologia (CEPSI/ UFT). Pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos (UFT). E-mail: cristina.vianna@uft.edu.br

 

Recebido: 20/11/2018
Aprovado: 25/05//2018

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