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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.11 no.3 Belém set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº03artigo61 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº03artigo61

 

Plantas medicinais e seus usos em um quilombo amazônico: o caso da comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)

 

Plantas medicinales y sus usos en un quilombo amazónico: el caso de la Comunidad Quacombola de Abacatal, Ananindeua (PA)

 

Medicinal plants and their uses in an Amazonian quilombo: the case of the Quacombola Community of Abacatal, Ananindeua (PA)

 

 

Amanda Cardoso da SilvaI; Flavio Henrique Souza LobatoII; Voyner Ravena-CaneteII

Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)

Universidade Federal do Pará (UFPA)

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi identificar e descrever as plantas medicinais utilizadas por moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, em Ananindeua (PA), assim como as formas de uso e a suas indicações para o tratamento de doenças, enquanto práticas culturais. Para viabilizar a construção desta investigação, o caminho metodológico trilhado foi estabelecido por pesquisas bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa de campo contou com os seguintes instrumentos de coleta de dados: aplicação de 70 questionários junto a moradores de 70 residências da comunidade; conversas informais; observação participante; e registros fotográficos. Os dados obtidos foram tabulados e analisados, em tabelas, no Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), em português: pacote estatístico para as ciências sociais e em gráficos no Microsoft Excel 2010. Os resultados demonstraram que a forma de tratamento de doenças mais utilizada pelos moradores é a partir de remédios caseiros. Nesse sentido, evidenciou-se que 122 espécies diferentes de plantas são utilizadas pela comunidade, por meio, sobretudo, de chás das folhas das ervas. A transmissão do conhecimento é realizada na própria comunidade, historicamente, entre as gerações. Dessa sorte, evidencia-se uma rica herança cultural local sobre os saberes, os fazeres e/ou usos de plantas medicinais.

Palavras-chave: Plantas Medicinais. Comunidade Quilombola do Abacatal. Cura, Saúde e Medicina Popular.


ABSTRACT

The objective of the research was to identify and describe how medicinal plants used by people from the Comunidade Quilombola do Abacatal, in Ananindeua (PA), as well as the forms of use and their indications for the treatment of diseases and cultural practices. In order to make possible a research of this research, the methodological path was developed by bibliographical, documentary and field researches. A field survey included the following data collection instruments: applications of 70 questionnaires to residents of 70 community residences; informal conversations; participant observation; and photographic records. The data were tabulated and erased, in tables, without the Statistical Package of Software for the Social Sciences (SPSS), in English: statistical package for the social sciences and in graphs in Microsoft Excel 2010. More removed by residents is from remedies homemade this sense, evidenced by the 122 different species of plants, belong to the community, at least, of all species. The transmission of knowledge is carried out in the community itself, historically, between the generations.

Keywords: Medicinal Plants. Comunidade Quilombola do Abacatal. Cure, Health and Popular Medicine.

RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue identificar y describir las plantas medicinales utilizadas por los residentes de la comunidad de Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA), así como las formas de uso y sus indicaciones para el tratamiento de enfermedades, como prácticas culturales. Para permitir la construcción de esta investigación, se estableció el camino metodológico seguido por la investigación bibliográfica, documental y de campo. La investigación de campo contó con los siguientes instrumentos de recolección de datos: aplicación de 70 cuestionarios a residentes de 70 residencias comunitarias; conversaciones informales; observación participante; y registros fotográficos. Los datos obtenidos se tabularon y analizaron en tablas en el Paquete estadístico de software para las ciencias sociales (SPSS), en portugués: paquete estadístico para las ciencias sociales y en gráficos en Microsoft Excel 2010. Los resultados mostraron que la forma de tratar las enfermedades La mayoría utilizada por los residentes proviene de remedios caseros. En este sentido, se evidenció que la comunidad utiliza 122 especies diferentes de plantas, principalmente a través de tés de hojas de hierbas. La transmisión del conocimiento se lleva a cabo dentro de la propia comunidad, históricamente, entre generaciones. Por lo tanto, existe un rico patrimonio cultural local sobre el conocimiento, las prácticas y / o los usos de las plantas medicinales.

Palabras-clave: Plantas medicinales. Comunidad Quilombola de Abacatal. Curación, Salud y Medicina Popular.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao longo da história o ser humano vem utilizando as plantas para diferentes finalidades, dentre elas destacam-se as com finalidades medicinais. Os usos e a importância desses vegetais estreitam a relação natureza-cultura a partir da disseminação do conhecimento sobre esse recurso, promovendo assim a valorização do etmo conhecimento dos povos e populações tradicionais, indígenas, quilombolas etc. (Alves et al., 2015). Os saberes concebidos sobre esses recursos e seus efeitos curativos são reconhecidos por diversas pesquisas no mundo todo, por meio da realização de estudos e transformações em laboratório, onde os fármacos naturais são a base de reprodução da indústria farmacêutica. Diante disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece as plantas medicinais como: "[...] espécies vegetais a partir das quais produtos de interesse terapêutico podem ser obtidos e usados na espécie humana como medicamento [...]". Portanto, são plantas que produzem substâncias químicas farmacológicas ativas para o organismo humano e que quando administradas corretamente amenizam os efeitos das enfermidades (Coan & Matias, 2013).

No Brasil, o surgimento de uma medicina popular com uso das plantas deve-se aos índios, com contribuições dos negros e dos europeus. Na época em que o Brasil era colônia de Portugal, os médicos restringiam-se às metrópoles, tendo as populações das zonas rurais e/ou suburbanas que recorrer ao uso das ervas medicinais. A construção desta terapia alternativa de cura foi dinamizada a partir das trocas de conhecimentos, sobretudo entre indígenas e africanos. Esse processo de miscigenação gerou uma diversificada bagagem de usos para as plantas e seus aspectos medicinais, que sobreviveram de modo marginal até a atualidade (Rezende & Cocco, 2002).

Na Amazônia, em especial, esse cenário se expressa muito fortemente, tendo em vista que a floresta amazônica conta com uma série de recursos naturais que compreendem a matéria-prima da medicina popular. Nesse sentido, secularmente, vários grupos interétnicos têm utilizado diferentes plantas como fontes de cura, como é o caso da Comunidade Quilombola do Abacatal, localizada a 8 km do Centro da cidade de Ananindeua, na região metropolitana de Belém do Pará. Nessa comunidade, as famílias ainda utilizam frequentemente as plantas medicinais, ao que diversas relações socioculturais são concebidas por meio dos usos e dos conhecimentos sobre as plantas medicinais.

Nessa direção, a problemática do estudo foi a seguinte: Quais as plantas medicinais e como são utilizadas pelos moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)? Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral: identificar, descrever e compreender os conhecimentos e os usos populares de plantas medicinais na/da Comunidade Quilombola do Abacatal. Especificamente, objetivou-se: 1) identificar as plantas medicinais utilizadas pela população; 2) descrever as formas de uso das plantas; 3) identificar quais as suas indicações para o tratamento de doenças e como práticas culturais.

 

MEDICINA POPULAR, SABERES E FAZERES HISTÓRICOS DA UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS

A utilização de plantas medicinais acontece desde épocas remotas. Embora não se saiba precisamente quando essa prática teve sua gênese, a referência mais antiga que se tem conhecimento acerca do uso delas data de mais de sessenta mil anos. As primeiras descobertas foram feitas por estudos arqueológicos em ruínas do Irã. Também na China, em 3.000 a. C., já existiam farmacopeias que reuniam as ervas e as suas indicações terapêuticas (Rezende & Cocco, 2002). Dessa forma, as plantas medicinais correspondem às mais antigas formas de prevenção e promoção do tratamento de doenças, sendo durante séculos a única alternativa ao homem, que dependia fundamentalmente da natureza para a sua sobrevivência e cura (Pasa, 2011).

A utilização desses recursos possivelmente foi repassada oralmente de geração para geração pelos seus antecedentes, mostrando que fazem parte da evolução humana e foram os primeiros recursos terapêuticos utilizados pelos povos (Tomazzoni, Negrelle & Centa, 2006). Desse modo, atualmente, o uso de plantas medicinais é encarado como opção na busca de soluções terapêuticas, principalmente por populações e povos tradicionais e de baixa renda, uma vez que se trata de uma alternativa eficiente, barata e culturalmente difundida (Oliveira & Araújo, 2007).

No caso específico do Brasil, a história da utilização de plantas para o tratamento de doenças apresenta influências da cultura africana, indígena e europeia. A contribuição dos escravos africanos com a tradição do uso de plantas medicinais, no país, se deu por meio das plantas que trouxeram consigo, as quais eram utilizadas em rituais religiosos e também por suas propriedades farmacológicas, empiricamente descobertas (Flor & Barbosa, 2015). Para além desse importante aspecto, o Brasil figura como o país que detém a maior parcela da biodiversidade do mundo, possuindo a maior variedade de plantas do planeta distribuídas em diferentes ecossistemas, nas quais detém aproximadamente 24% da biodiversidade mundial. Entre os elementos que compõem tal biodiversidade, as plantas são a matéria-prima para a fabricação de fitoterápicos e outros medicamentos.

Além de seu uso como substrato para a fabricação de medicamentos, as plantas são também utilizadas em práticas populares e tradicionais como remédios caseiros e comunitários, processo conhecido como medicina tradicional. O Brasil é detentor de rica diversidade cultural e étnica que resultou em um acúmulo considerável de conhecimentos e tecnologias tradicionais, passados de geração a geração, entre os quais se destaca o vasto acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais (Teixeira et al., 2014).

Tal conjunto de conhecimentos sobre o uso de plantas medicinais forma hoje a medicina popular, uma prática alternativa de milhares de brasileiros que não têm acesso às práticas médicas oficiais, devido aos altos custos, principalmente no que diz respeito às consultas médicas e à aquisição de medicamentos (Albuquerque, 1989). Barbosa et al. (2004) definem a medicina popular – também conhecida como medicina do povo ou medicinais tradicional – como todas as práticas relativas ao processo saúde-doença que ocorrem independentemente do domínio da medicina institucionalizada.

A utilização de plantas, além de outros produtos naturais, na cura e na prevenção de doenças, pode ser identificada em diferentes formas de organização social, constituindo-se como uma prática milenar associada aos saberes populares e médicos e a rituais religiosos (Fernandes, 2004). Os grupos humanos que vivem na área rural recebem como herança cultural a utilização de plantas medicinais e suas formas de uso, de preparo e de dosagem (Pinto, 2008). Em se tratando de saber local concernente às plantas medicinais, Amorozo e Gély (1988) ressaltam que, em muitos casos, as plantas representam o único recurso terapêutico disponível que a população rural tem acesso.

Na atualidade, as plantas medicinais são reconhecidas mundialmente por diversas organizações oficiais internacionais. Nesse sentido, em 2006, o governo brasileiro instituiu a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Brasil, 2006a), por meio do Decreto no 5.813, de 22 de junho de 2006, a qual define planta medicinal como sendo uma espécie vegetal, cultivada ou não, da qual produtos de propriedades medicinais curativas podem ser obtidos e usados na espécie humana com propósitos terapêuticos. No mais, ainda em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) (BRASIL, 2006b) no Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo a prática de tratamento médico por meio da utilização de plantas medicinais e fitoterápicas e propiciando, dessa forma, a abertura de novos mercados e o rompimento de barreiras que antes compreendiam desnecessárias limitações (Evangelista et al., 2013).

Na Região Amazônica, as plantas medicinais constituem um dos principais meios para o tratamento de diversas doenças, considerando o contexto cultural, a ausência de proximidade com locais onde há atendimento médico, o baixo custo comparado ao dos medicamentos sintéticos e a confiabilidade. Nessa direção, o uso de plantas medicinais pela população, com a finalidade de tratar enfermidades, foi sempre expressivo, principalmente devido à extensa e diversificada flora amazônica (Flor & Barbosa, 2015). A justificativa do uso de práticas com base no saber popular não se encontra apenas na falta de esclarecimento ou de recursos financeiros por parte da população. Mesmo em grandes centros urbanos e em classes socialmente mais elevadas, crenças e práticas baseadas no saber popular e em experiências empíricas são adotadas como recursos destinados à manutenção da saúde ou cura de doenças (Barbosa et al., 2004).

Nos dias atuais, nas regiões mais pobres do país e até mesmo nas grandes cidades, as plantas medicinais são comercializadas em feiras livres e mercados populares, sendo também encontradas em quintais residenciais. Nesse sentido, no meio ambiente urbano das grandes cidades, se consegue ver a obtenção dessas ervas, a partir das feiras, como é o caso da feira do Ver-o-Peso, em Belém do Pará, onde as erveiras são nacionalmente conhecidas. Há ainda outras feiras de bairros menores, como a feira da Pedreira, onde Soares (2018) demonstra em seu trabalho que há uma utilização de plantas medicinais por pessoas da cidade como uma prática de cura e religiosa. As informações do poder curativo das plantas a partir da experiência popular, hoje, gradualmente comprovadas pela experimentação científica, têm levado profissionais de saúde a recomendar o uso de vegetais como recurso terapêutico, aplicando-se os conhecimentos e cuidados adequados.

Atualmente, cerca de 80% da população utilizam recursos da medicina popular para tratamento de alguma doença, sendo que os conhecimentos das técnicas utilizadas e o emprego são transmitidos por gerações de forma oral (Firmo et al., 2011). Consequentemente, a medicina popular apresenta aspectos peculiares, pois não está limitada apenas a comunidades tradicionais, como os grupos indígenas ou quilombolas, mas é praticada também por moradores da zona rural e outras comunidades que habitam os biomas brasileiros. Esse conhecimento está ligado à reprodução e à disseminação dessa prática também no meio urbano, a partir de descendentes dos povos antepassados que conseguiram repassar seus conhecimentos a respeito das plantas medicinais (Flor & Barbosa, 2015).

 

METODO

Na busca pelo alcance do objetivo proposto para esta investigação, a metodologia – isto é, o estudo dos métodos, dos caminhos para se estabelecer uma investigação científica (Demo, 1985) – foi enviesada por uma construção teórico-metodológica de natureza básica, que tem como objetivo de gerar novos conhecimentos para o avanço da ciência, mas sem aplicação prática prevista. A pesquisa foi estabelecida por uma abordagem quantitativa e qualitativa, pois, para Minayo (1999), o uso das duas abordagens é importante, porque elas se complementam, e a realidade abrangida por elas interagem dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia. Ademais, de caráter descritivo, a investigação é assim perfilada por buscar descrever características de um fenômeno/fato/população, além disso, também apresenta característica de pesquisa exploratória, tendo em vista que busca constatar, explicar algo num organismo ou num fenômeno (Gil, 2002; Marconi; Lakatos, 2003).

Na continuidade do percurso metodológico, foram realizadas pesquisas bibliográfica, documental e de campo. Do ponto de vista procedimental, o acesso às informações se deu mediante a aplicação de questionários, registros fotográficos, conversas informais e observação participante. De acordo com Valladares (2007), a observação participante é desenvolvida pela interação entre o pesquisador e os investigados. A respeito da observação participante, Gilberto Velho (1981), em "Individualismo e cultura", chama a atenção no momento em que se observa o familiar para a necessidade de manter certo distanciamento, um estranhamento do que é familiar ao pesquisador. Dessa forma, buscou-se em campo sempre tornar exótico o que era familiar (Da Matta, 1978), visto que a autora principal deste trabalho é de uma mulher quilombola residente da comunidade lócus de investigação.

Foram aplicados questionários junto a moradores de 70 residências (64 mulheres e 6 homens foram entrevistados), no período entre fevereiro a junho de 2018. O questionário aplicado na comunidade foi composto por dezesseis questões, abordando aspectos socioeconômicos, saúde da comunidade e uso das plantas medicinais. Cumpre ressaltar que, para viabilizar e respaldar a pesquisa, foi feita uma solicitação formal junto à Associação dos Moradores e Produtores Quilombolas do Abacatal/Aurá (AMPQUA), bem como, para a aplicação do questionário, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a fim de resguardar os preceitos éticos da pesquisa e os direitos dos interlocutores e da autora.

Os dados foram tabulados e analisados, em tabelas, no Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), em português: pacote estatístico para as Ciências Sociais e em gráficos no Microsoft Excel 2010. Dessa forma, o questionário possibilitou coletar dados que puderam, após a tabulação e o tratamento no programa SPSS, ser sistematizados e correlacionados em diferentes cruzamentos gerados. Destarte, esta incursão metodológica deu condições para se descrever e explicar como e de que formas a Comunidade Quilombola do Abacatal faz uso das plantas medicinais.

Lócus de estudo: a comunidade quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)

O locus da pesquisa encontra-se na Comunidade Quilombola do Abacatal, localizada em área rural, a 8 km do Centro da cidade de Ananindeua, na região metropolitana de Belém-PA. Quilombo é uma comunidade formada por descendentes de africanos que foram escravizados, e que atualmente vivem da agricultura de subsistência e mantém suas práticas culturais, onde são repassados verbalmente de geração a geração (Nunes & Moura, 2016). O Quilombo de Abacatal1 teve sua origem no ano de 1710, de onde advém da herança do conde Coma Mello para as suas três filhas – Maria do Ó Rosa de Moraes, Maria Filismina Barbosa e Maria Margarida Rodrigues da Costa, as "Três Marias", como são chamadas as filhas do conde Coma Mello com sua escrava Olímpia (Marin & Castro, 1999). Na comunidade existe um caminho de pedras que foi construído pelos escravos na saída do igarapé para que o conde Coma Mello, ao descer das embarcações, não pisasse na "lama". Esse caminho existe até hoje na comunidade.

Historicamente, os moradores de Abacatal enfrentam diversos conflitos para permanecerem em seu território, tendo suas terras invadidas, vendidas e suas casas derrubadas. Nos dias de hoje, há problemas em relação às construções aos seus arredores, como os condomínios do Programa Minha Casa, Minha Vida, subestação de energia, aterro sanitário de Marituba, entre outros. Esse cenário motivou a organização dos moradores, resultando na fundação da antiga Associação de Moradores de Abacatal/Aurá, em 06 de março de 1988 (Marin & Castro, 2004). Hoje registrada como Associação dos Moradores e Produtores Quilombolas do Abacatal/Aurá (AMPQUA), é a figura jurídica que representa a comunidade diante de órgãos públicos e a sociedade em geral.

Após muitos anos de lutas pela permanência na terra, a Comunidade Quilombola do Abacatal obteve seu título de reconhecimento de domicilio no ano de 1999 por meio do Instituto de terras do Pará (ITERPA). Seus moradores receberam o Título Coletivo da Terra, direito que é previsto no artigo no 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, sob o enunciado: "Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". No entanto, o reconhecimento da comunidade enquanto território remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, ocorreu no ano de 2012, a qual afirma que comunidades remanescentes de quilombos, estão são aquelas ligadas à descendência de negros que foram postos sob a condição de escravos, mantendo tradições culturais e religiosas no decorrer do tempo.

Atualmente, Abacatal possui 308 anos de existência, sendo o quilombo formado por negros alforriados, desde então perpassaram mais de sete gerações no local (Gomes, 2005). A comunidade dispõe de uma área de um pouco mais de 600 hectares, com aproximadamente 120 residências e cerca de 500 habitantes, cuja principal atividade econômica é a agricultura e é deste setor que eles retiram o seu sustento e lucram com a comercialização dos produtos. Conta com uma escola municipal que funciona em dois turnos (manhã e tarde) e oferta apenas turmas de ensino infantil e ensino fundamental I, não possui posto de saúde, apenas uma "casinha de atendimento", em que o médico realiza as consultas de mês a mês no local. Neste sentindo, é importante inferir que ela é expressa muito fortemente pelo cotidiano de uso da medicina popular, em que as famílias por terem grandes quintais, possuem um número elevado de plantas, consequentemente o conhecimento é passado de pessoa a pessoa, por meio de conversas entre eles.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil socioeconômico da comunidade quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)

Os 70 questionários aplicados e validados, com o objetivo de traçar os perfis dos moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, iniciaram por questões socioeconômicas. Buscando informações a respeito das 70 residências que compuseram a amostra do estudo, perguntou-se o sexo dos integrantes dessas residências, obtendo-se um total de 54,9% do sexo feminino e 45,1% do masculino, conforme a Tabela 1. Tais dados indicam que na Comunidade Quilombola do Abacatal, as mulheres estão em número maior que os homens, e que a partir de dados oriundos da observação participante, notou-se que as mulheres dominam o conhecimento e as práticas de cultivo das plantas medicinais no quilombo. Isso porque as mesmas, além dos cuidados com a casa, são agricultoras, mães e esposas, sendo responsáveis pelas estratégias de manutenção da saúde da família. Acerca destes dados, Pasa (2011) afirma que nas comunidades onde se faz o uso da medicina popular, nem todos os membros conhecem as plantas medicinais em sua totalidade. No entanto, as mulheres, quase sempre estão envolvidas diretamente no tratamento de seus filhos e de maridos, são, em geral, as principais depositárias do saber popular quanto ao uso das plantas.

 

 

 

 

Com relação à faixa etária, os dados obtidos demonstram um perfil jovem da maioria dos residentes que fizeram parte da pesquisa. No mais, cabe destacar que, a partir da vivência da autora, não há evidência de que os jovens estejam deixando a comunidade em detrimento de outras atividades. Os moradores vão à procura de novas oportunidades, mas continuam residindo na comunidade – dinâmica semelhante à descrita por Roman (2001) para as famílias de pescadores de Algodoal, no município de Maracanã, Pará.

No tocante à origem dos 257 integrantes das 70 residências em que os questionários foram aplicados, os dados indicaram que 83,3% dos investigados têm sua origem na Comunidade Quilombola do Abacatal-PA. Portanto, depreende-se que esses moradores são em maioria nascidos e criados na comunidade. Os motivos pelos quais as pessoas passaram a adotar Abacatal como seu novo endereço é, em boa parte, devido a algum membro da família já residir nessa comunidade ou ter se casado com alguém de dentro do território. Dados esses demonstrados no livro de Marin e Castro (2004), onde as autoras afirmam que Abacatal é uma comunidade quilombola marcada por regras de um sistema de parentesco e de organização social.

Quanto ao nível de escolaridade, pela amostra dos moradores, percebe-se que a comunidade é marcada por uma baixa escolaridade. Uma justificativa para esse dado dá-se pelo fato de a escola da comunidade possuir da educação infantil ao ensino fundamental I (1o ao 5o ano), o que leva os moradores a se deslocarem para fora da comunidade, para continuarem os seus estudos. Desse modo, algumas pessoas acabaram enfrentando muitas dificuldades nessa transição, o que consequentemente implicou na desistência dos estudos. Ademais, conforme afirmaram os entrevistados, quando crianças, eles já acompanhavam os pais no trabalho no campo, não tendo, assim, a oportunidade de estudar, além das dificuldades de acesso à escola. Nessa direção, Tuler (2011) destaca que, quanto menor é o grau de escolaridade, mais intenso é o uso de espécies medicinais, pois a falta de informação pode restringir o uso de outros tipos de tratamentos na cura das doenças. Um ponto positivo na comunidade é que, apesar da baixa escolaridade existente, hoje, somados aos 17 que fizeram parte da amostra, Abacatal conta com 31 estudantes no ensino superior. Todos na Universidade Federal do Pará (UFPA), sendo uma das grandes conquistas no Quilombo de Abacatal, devido ao Processo Seletivo Especial (PSE) destinado à seleção diferenciada de candidatos indígenas e quilombolas, que é ofertado anualmente pela UFPA.

Quanto à ocupação econômica dos moradores, é importante destacar que dos 257 investigados, 148 são economicamente ativos e 109 são dependentes. A Tabela 2 apresenta a frequência de todas as ocupações econômicas exercidas pelos informantes, desde sua principal ocupação econômica, até as outras formas de ocupações exercidas por eles, onde os moradores apresentam uma pluriatividade, possuindo uma segunda ou, às vezes, até uma terceira ocupação. Dos 148 ativos economicamente, 61 disseram que sua principal atividade econômica é a agricultura. Entretanto, "comerciante" é a categoria que teve menos representantes, pois justamente por ser uma comunidade com cerca de 500 pessoas, não há condições para terem diversos comércios na área. Ademais, 26 moradoras disseram que sua principal ocupação é a de dona de casa, mas no ato da aplicação dos questionários também se identificaram como agricultoras ou até mesmo desempregadas. Mesmo quando não é a principal fonte de renda, a agricultura figura entre as principais das famílias, mostrando mais uma vez que a Comunidade Quilombola do Abacatal é uma comunidade tradicional.

 

 

 

 

Dentro do contexto econômico dos moradores de Abacatal, pode-se perceber que as famílias são marcadas por uma baixa renda – o que pode ser explicado, pelo fato de que a principal atividade econômica da comunidade é a agricultura, em que não possuem um salário fixo mensal. Tal realidade as leva a recorrer a programas governamentais de transferência de renda, a exemplo do Bolsa Família.

A "farmácia" do Quilombo: plantas medicinais e seus usos na Comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)

No transcorrer da pesquisa, foi indagado aos 70 entrevistados se alguém da família fazia o uso das plantas medicinais. Assim, 92,9% dos pesquisados responderam que "sim", e 7,1% responderam que "não", conforme a Tabela 3. Pode-se inferir que o alto percentual de utilização desses vegetais, é motivado devido ao escasso acesso a serviços de saúde pública na Comunidade Quilombola do Abacatal, o que leva os moradores, em sua maioria, a utilizarem as plantas medicinais em tratamentos de suas enfermidades. Ademais, segundo os informantes da pesquisa, os principais motivos pelos quais se utilizam de plantas medicinais com a finalidade de curar suas patologias atribuem-se principalmente por estarem ingerindo compostos de origem natural.

 

 

O uso e o conhecimento em plantas medicinais foram adquiridos, em sua maioria, por meio de familiares, de geração em geração. Entretanto, a observação de campo indica que as informações sobre as plantas também fluem por meio de redes informais de conhecimentos, onde saberes e práticas são difundidos entre vizinhos, amigos e familiares de forma muito dinâmica, por meio de conversas, trocas de mudas, sementes e receitas. Acerca disso, Amorozo (2002) alega que essas práticas relacionadas ao uso popular de plantas medicinais são o que muitas comunidades têm como alternativa viável para o tratamento de doenças ou manutenção da saúde. Em vista disso, é importante ressaltar que as plantas medicinais são usadas no tratamento de doenças devido à herança cultural existente em algumas sociedades e pelo acúmulo de saberes adquiridos ao longo dos anos no processo de manipulação dos recursos, mas também pelos custos altíssimos dos medicamentos farmacêuticos (Sales, Albuquerque & Cavalcanti, 2009).

No que tange às plantas medicinais, conseguiu-se identificar, a partir de seus nomes populares, 122 espécies que são utilizadas pela Comunidade Quilombola do Abacatal. Os dados encontrados revelam uma grande diversidade de plantas medicinais usadas pelos moradores da comunidade. Em face de as plantas serem mencionadas por seus nomes populares, houve certa dificuldade em identificar os seus nomes científicos na literatura. A despeito dessa questão, Pinto (2008) postula que uma das maiores dificuldades para o conhecimento dessas plantas e de outras de uso no Brasil, está no nome popular que pode ser diferente de um lugar para o outro. A segurança do uso está, portanto, determinada pela identificação do vegetal mediante o nome científico que, infelizmente, é não difundido no seio da sociedade.

Destas plantas, optou-se por trabalhar apenas com as que apresentaram maior frequência quanto à utilização como remédio pelos moradores. Nesse sentido, trabalhou-se com as plantas que, no momento da pesquisa, eram utilizadas por pelo menos 15% das 70 residências onde se aplicaram os questionários. Assim, 17 foram as plantas utilizadas para fins de análise de dados neste estudo (Gráfico 1). No que se refere às 17 plantas mais utilizadas pelos moradores do Quilombo de Abacatal, é importante ressaltar que uma planta com um índice de concordância relativamente alto, isto é, que tenha vários informantes concordando com um mesmo uso terapêutico, talvez possa sugerir uma real efetividade no tratamento da doença (Friedman et al., 1986).

Assim, em se tratando do uso destas 17 plantas medicinais, na Tabela 4, apresentam-se um levantamento e um cruzamento de informações concernente à relação direta entre as plantas medicinais utilizadas pelos moradores da Comunidade do Abacatal, as formas de uso e as indicações para o tratamento de doenças. De acordo com os entrevistados, as plantas são preparadas preferencialmente na forma de chá, sendo o modo de administração mais comum a via oral. Entre as formas de preparação de chás, destacam-se os chás das folhas. É importante destacar que, na preparação dos remédios, encontraram-se resultados semelhantes aos obtidos nos trabalhos de Amorozo e Gély (1988) e Monteles e Pinheiro (2007), onde predominam o uso das folhas2, embora não sejam únicas e exclusivas. No mais, Amorozo (2002) assinala que há a predominância da utilização dos remédios medicinais por via oral, sendo os chás os mais comuns. Quanto à utilização da casca e da raiz na preparação dos remédios, Silva et al. (2012) alertam que o uso de raízes e cascas é um aspecto que merece atenção, tendo em vista que a extração dessas estruturas vegetativas pode causar a morte da planta.

 

 

 

 

 

 

Tais dados demonstram que uma única planta pode ter diferentes formas de uso e trato de diferentes doenças, assim como uma mesma doença, pode ser tratada por diferentes plantas e diferentes modos de uso. Nessa direção, Monteles e Pinheiro (2007) ratificam que plantas podem ser empregadas de diferentes modos, para a mesma ou diferentes afecções. Além disso, os dados indicam a existência um conhecimento popular muito diverso na Comunidade Quilombola do Abacatal. De acordo com Sales, Albuquerque e Cavalcanti (2009), os quilombolas carregam consigo e ainda praticam os costumes de seus antepassados. Entre esses costumes está a prática do uso das plantas medicinais como alternativa para as curas e tratamentos de suas enfermidades. De acordo com as conversas informais entre a autora principal da pesquisa e os investigados, notou-se que a população estudada possui um amplo conhecimento sobre o uso das plantas medicinais, conhecem perfeitamente as ervas que utilizam, sabendo inclusive as enfermidades para as quais cada planta é utilizada, diminuindo as possibilidades de ingestão de alguma planta tóxica.

No tocante aos efeitos das plantas medicinais, como mostram os dados tabulados na Tabela 5, os resultados revelam que a maior parte dos entrevistados, 91,5% (32,9% "bom" + 58,6% "excelente") acredita nos efeitos positivos das plantas medicinais no combate às doenças na comunidade. Em relação às informações adquiridas, Guedes (2018) ressalta que esses povos e comunidades não conhecem apenas as plantas que utilizam para fins medicinais, mas também as prejudiciais à saúde. Eles desconhecem o nome científico e as substâncias químicas das plantas, porém sabem as que servem para prevenir ou tratar enfermidades e a quantidade necessária para fazer os chás, os banhos, as garrafadas e os xaropes.

 

 

Na continuidade da investigação sobre o uso das plantas medicinais, foi realizada a seguinte pergunta aos participantes da pesquisa: você considera as plantas medicinais mais eficazes que os remédios de farmácia? Do total de 70 respondentes, 45 entrevistados disseram que sim, 6 disseram que não, 15 não souberam responder e 4 não usam plantas medicinais (Tabela 6).

 

 

Diante destes dados, que se somam à experiência pessoal da autora (traduzida no olhar etnográfico), depreende-se que, para os moradores, o mais relevante ainda são as experiências pessoais e o conhecimento popular disseminado entre eles, haja vista que tais vivências e práticas estão ligadas a produtos naturais e, portanto, são concebidos como menos agressivos ao corpo humano. Além de fazerem uso constante das plantas medicinais, também indicam e aconselham outras pessoas a usarem, uma vez que têm efeito comprovado na prática vivenciada ao longo de diversas gerações. É importante ressaltar que os investigados utilizam as duas formas de tratamento, tanto o das plantas medicinais como o dos sintéticos, pois de acordo com as conversas informais entre a autora e os moradores, percebeu-se que eles acreditam que um remédio complementa o outro.

No mais, é importante salientar que, de acordo com as informações obtidas no ato da aplicação dos questionários, os entrevistados disseram que o uso combinado com outras plantas é bastante frequente, assim como a utilização de outros ingredientes na preparação dos remédios, tais como: leite, mel, sebo de holanda (carneiro), álcool, que são muitas vezes indicados no preparo de um remédio. As substâncias de origem animal – como banha de galinha, banha de alguns peixes etc. – são frequentemente utilizadas e combinadas com as plantas medicinais. Há ainda a combinação de algumas ervas com remédios comprados na farmácia.

 

CONCLUSÃO

O estudo realizado acerca do tema ora exposto teve a pretensão de entender e demonstrar o conhecimento concernente à origem dos saberes e das práticas sobre o uso terapêutico das plantas medicinais por moradores de uma comunidade do município de Ananindeua (PA), Brasil. Assim, a pergunta-problema que guiou esta investigação foi a seguinte: Quais as plantas medicinais e como são utilizadas pelos moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA)?

No contexto da utilização de plantas para fins medicinais, pode-se constatar que o uso no Quilombo de Abacatal, na maioria das vezes, originário no contexto familiar, assume grande valor na vida dos moradores, sendo seu conhecimento transmitido de geração em geração. Nesse cenário, constata-se que a influência da figura da mulher ganha destaque na transmissão desse conhecimento, visto que ela é quem normalmente traz o incentivo para o cultivo de plantas medicinais, assim como o sentimento de querer dar continuidade a essa prática complementar de cuidado à sua saúde e de sua família.

A partir dos resultados alcançados mediante a pesquisa e das discussões destes com a bibliografia antecedente, nesta investigação pôde-se alcançar os seguintes resultados: foi possível descrever as principais plantas medicinais e formas de uso por moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA). Ademais, conseguiu-se identificar as plantas medicinais utilizadas pela comunidade (122 plantas citadas), além de mapear as plantas medicinais mais utilizadas pelos moradores (17 plantas foram apontadas), identificar quais as principais formas de utilização que foram na forma de chás da folha (uso oral) e banho da folha (uso local) e verificar quais as principais doenças combatidas pelas plantas medicinais utilizadas, as quais foram: gripe; dores/problemas no estômago; e Inflamação interna (problemas no útero).

Outra observação importante da pesquisa se deu no âmbito da relação doença/plantas medicinais que os usuários fazem, pois ficou evidente que para uma mesma doença podem ser utilizadas plantas diferentes. Do mesmo jeito que as plantas medicinais são usadas em combinações umas com as outras na preparação dos remédios, há a combinação delas com substâncias de origem animal e até mesmo com remédios comercializados pela indústria farmacêutica.

Os resultados expressam que os moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal dão preferência ao uso das plantas medicinais em seu cotidiano, como um meio de cura para as suas doenças, onde se observa uma relação estreita dos investigados com as plantas medicinais, revelando um elo de confiança entre eles. Dessa forma, os moradores aconselham outras pessoas a utilizarem esse recurso natural como prática de cura, destacando a acessibilidade do preço dos produtos, a confiança instituída ao saber popular amazônico e os costumes populares, historicamente forjados a partir de gerações ancestrais, reforçando a cultura de utilização de plantas medicinais nos dias atuais.

Dessa forma, acredita-se que seu poder curativo não deve ser apenas considerado como uma tradição passada de mães para filhas, mas sim, um conhecimento que deve ser estudado e aperfeiçoado, a fim de replicá-lo de forma segura e eficaz por profissionais da saúde, aumentando a disseminação dos conhecimentos acerca das plantas medicinais, para que se possa ampliar o tratamento de doenças na saúde pública.

Destarte, observou-se ainda que a população da Comunidade Quilombola do Abacatal apresenta como sua principal ocupação econômica a agricultura, especificamente a agricultura familiar, fazendo uso frequente dos recursos da natureza para a sua subsistência. À vista disso, deduz-se que o Quilombo de Abacatal é uma comunidade tradicional, possuindo suas próprias formas de organização social, em que ocupa e usa o território e seus recursos naturais como condições para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pelas gerações numa relação intrínseca com a natureza. Na comunidade, natureza e cultura não são conceitos polarizados, são, em verdade, indissociáveis.

 

 

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Nota sobre os autores

Amanda Cardoso da Silva - Mestranda em Diversidade Sociocultural pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). E-mail: amandacardososilva@hotmail.com

Flavio Henrique Souza Lobato - Mestrando em Planejamento do desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA). Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: flaviohslobato@gmail.com

Voyner Ravena-Canete - Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA). Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: ravenacanete@gmail.com

 

Recebido: 22/05/2019
Aprovado: 26/11/2019

 

 

1 Segundo relatos dos moradores mais antigos, o nome da comunidade não era Abacatal, chamava-se Abacabal. Essa mudança ocorreu devido a um erro de cartório na hora de tirar o título. O nome Abacabal é por conta de haver uma extensa mata nativa de abacaba na comunidade (Pesquisa de campo, 2018).
2
Castellucci et al. (2000), ao desenvolverem pesquisa com plantas medicinais em uma abordagem etnobotânica, obtiveram resultado semelhante quanto à principal parte da planta utilizada na preparação dos remédios, a folha. Explicam a provável confirmação ao fato de as folhas serem acessíveis e estarem disponíveis durante a maior parte do ano. E de acordo com Tuler (2011), sob a ótica da conservação dos recursos naturais, a utilização majoritária das folhas nas preparações medicinais é positiva, pois não causa a morte do espécime coletado, contribuindo para a preservação da flora local. Entretanto, é necessário alertar e orientar a comunidade sobre a necessidade de incentivar o plantio de novos indivíduos das espécies e que, por consequência, sofrem maior pressão antrópica.

 

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