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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.12 no.2 Belém maio/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02resenha42 

Resenha

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02resenha42

 

Reconstruções da abordagem centrada na pessoa: novos encontros

 

Resenha do livro: Castelo Branco, P. C. (2019). Fundamentos epistemológicos da abordagem centrada na pessoa. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019

 

 

José Alves de Souza Filho; Aluísio Ferreira de Lima

Universidade Federal do Ceará

 

 

Não seria exagero falar que a Psicologia Humanista ganha uma obra de grande valor que dispõem de robustez crítica para figurar uma referência teórica imprescindível para Abordagem Centrada na Pessoa. Trata-se do livro "Fundamentos epistemológicos da abordagem centrada na Pessoa" do Prof. Paulo Coelho Castelo Branco, Doutor em Psicologia Social (UFMG), resultado de seu mestrado em Psicologia na UFC, em 2010. Um livro com 8 capítulos, que fora publicado pela editora Via Verita, agora em 2019.

Como o próprio título enuncia, Castelo Branco reconstrói o pensamento de Carl Rogers, criador da ACP, onde, além dos seus conceitos pertinentes, evidencia as influências que permitiram o desenvolvimento e fortalecimento de uma metodologia de aconselhamento psicológico que tornou-se uma teoria das relações humanas. Como discutido no primeiro capítulo, trata-se de uma nova inteligibilidade para Abordagem Centrada na Pessoa evidenciando sua arquitetura teórico-conceitual complexa, muito diferente da restrita visão comumente dada as atitudes facilitadoras. Para tanto, descrito no segundo capítulo, o autor empreendeu uma metodologia histórico-crítico, com base no conceito piagetiano de fieri, onde traça o devir teórico das acepções, e suas respectivas influências, da construção da teoria organísmica de Rogers. Um empreendimento que traz três significativas novidades para a Psicologia, diluídas em seus outros seis capítulos: primeiro, evidencia a robustez do devir científico de Carl Rogers; segundo, trabalha seus conceitos e influências epistêmicas de maneira crítica e rigorosa; terceiro, constrói novas imagens de Rogers, diferente do facilitador não-diretividade. Pelas "novidades", resenhamos a obra de Castelo Branco que reconstrói a ACP por sua epistemologia e cientificidade pouco conhecida.

Primeiramente, Castelo Branco apresenta Carl Rogers como um teórico rigoroso e robusto de conceitos que são pouco trabalhados nos círculos de psicologia e psicoterapia. No Brasil, por muito tempo a ACP foi qualificada como uma matriz teórica de epistemologia fraca, baseada em um vitalismo intuitivo fundamentado por "criatividade" e/ou "espiritualidade", onde sua psicoterapia muitas vezes era colocada em dúvida ou desprestigiada por não dispor de cientificidade (Figueiredo, 1991).

Diferente dessa visão rasteira, Castelo Branco, no capítulo três, apresenta Rogers para além do psicoterapeuta empático, congruente e acolhedor. Evidência o quanto Rogers desenvolveu uma grande percurso científico onde suas ideias e teorias foram submetidas a árduas pesquisas. Junto da psicoterapia, Castelo Branco também nos permite conhecer o que seria a psicologia de Rogers, precisamente por suas teorias psicológicas sobre sua visão de homem e de mundo, as quais são passíveis de serem descritas e compreendidas pela articulação de um complexo repertório de conceitos, que constituem os quatros arcabouços teóricos da ACP: Teoria da personalidade e Comportamento; Teoria das condições necessárias e suficientes para a mudança de personalidade; Teoria do conceito de pessoa em funcionamento pleno; e Teoria da relações humanas.

A fundo, Castelo Branco dedica atenção para os conceitos que atravessam as teorias supracitadas. Especificamente, aqui Rogers aparece como um teórico sistemático, crítico de suas próprias ideias, especialmente quando entende a psicoterapia como uma relação humana singular. Por esses conceitos, Rogers confere objetividade as experiências na psicoterapia, as quais ganham consistência sem sufocar a riqueza da subjetividade humana. Castelo Branco nos faz conhecer um Rogers profundo na compreensão psicoterapêutica junto de um robusto cientista nos conhecimentos que construiu e propôs enquanto psicologia e psicoterapia.

Sobre a construção dos conceitos, Castelo Branco permite que o leitor possa conhecer o quanto Rogers foi um intelectual articulado com tendências psicológicas, filosóficas e culturais ao longo de toda vida sua intelectual e pessoal. Sobretudo, entre os capítulo quatro e sete, traz duas valiosas contribuições para os estudos epistemológicos da ACP: primeiro, resgata quais foram as matrizes que implicaram o desenvolvimento intelectual de Rogers na construção de suas teorias e conceitos; segundo, desmitifica a ideia de que Abordagem Centrada na Pessoa seja uma teoria fenomenológica-existencial.

Acerca da segunda, era predominante a ideia de que a ACP seria uma teoria epistemologicamente fundamentada pela fenomenologia e/ou existencialismo, sobretudo por uma certa similitude das atitudes facilitadoras com metodologia das reduções husserlianas ou pelo privilégio das experiências humanas enquanto um questão existencialmente tematizáveis (Moreira, 2010). Insatisfeito com afirmações baseadas em semelhanças, Castelo Branco, além de investigar nas próprias obra de Carl Rogers aqueles que contribuíram para construção de suas ideias, situa as tendências científicas que indiretamente também implicaram no desenvolvimento da ACP. A saber: funcionalismo e pragmatismo estadundense; neofreudismo de Otto Rank, Karen Horney e Harry Sullivan; Psicologia da Gestalt; Teoria de Campo de Kurt Lewin; Teoria da experienciação de Eugene Gendlin; Psicologia Humanista de Maslow; e os movimentos de contracultura e do paradigma holístico e sistêmico dos anos de 1970 e 1980. Todas elas são contextualizadas nas fases que o autor propõe para discutir o devir cientifico de Rogers: aconselhamento não-diretivo; terapia centrada o cliente; transição da terapia centrada no cliente para abordagem centrada na pessoa; e abordagem centrada na pessoa.

Com a leitura da obra de Castelo Branco, fica difícil conservar uma visão restrita de Rogers como psicoterapeuta romântico ou mesmo como um teórico ingênuo. Na psicoterapia, Rogers radicalizou quando inaugurou uma perspectiva de aconselhamento, que desembocou em uma psicoterapia e teoria da relações humanas, onde a confiança na experiência humana é a bússola do processo de "cura" e desenvolvimento pessoal. Perspectiva que fora avaliada, analisada e testada pelos seus árduos estudos pelas gravações dos atendimentos, cuidadosamente transcritas. Pelo rigor conceitual das teorias, Castelo Branco nos permite conhecer Rogers como um grande cientistas quando construiu metodologias objetivas (empíricas e experimentais) de pesquisa clínica que subsidiaram a construção de seus conceitos e teorias, quando necessário refutando suas próprias hipóteses, para a construção de um aconselhamento e psicoterapia fundamenta numa relação de ajuda não-diretiva e segura.

Mas outras imagens também são possíveis de se vislumbrar com os conhecimentos que Castelo Branco nos traz. Não seria Rogers um árduo crítico cultural quando, na fase da abordagem centrada na pessoa, faz fortes questionamento as formas de funcionamento social que produzem modos de adoecimento pelo distanciamento dos indivíduos de suas experiências? Poderíamos também vislumbrar Rogers como um educador quando contribui para repensar a educação como uma experiência significativa do indivíduo com o conhecimento? Seria um "filósofo" do conhecimento ao questionar a necessidade de isenção da subjetividade pelos modelos duros e neutros de fazer ciência?

As possíveis faces que intuímos partem dos espaços dos quais Rogers teve suas experiências. Imagens que por muito tempo não foram exploradas pelos psicólogos brasileiros pois muito de seus livros entraram em nossos espaços de maneira difusa e pontual. Hoje, especialmente, poucos de seus livros são reeditados, os quais não estão obras clássicas como, Liberdade para a Apreender e Psicoterapia e Relações Humanas.

No último capítulo do livro, Castelo Branco tece suas considerações para o avanço e desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa. Aqui podemos falar que o autor lança questionamentos importantes para aqueles, de modo especial os psicólogos, que desejam colaborar na construção da ACP. Especialmente, sobre as possibilidades de novas construções do quanto podemos conhecer "o que" e "quem" influenciou Rogers nas diferentes fases de sua vida, e a maneira que implicaram na construção de seu "jeito de ser".

Aos interessados na Abordagem Centrada na Pessoa, ou mesmo os curiosos pela epistemologia das psicologia, podem ter pelos estudos de Castelo Branco a oportunidade de um novo encontro com Rogers. Após a leitura atenta o livro que resenhamos, fica difícil não vislumbrar os "fundamentos" por trás das ideias que Rogers articula e desenvolve em seus livros. Ou melhor, permite-nos compreender a ACP como uma grande teoria de psicoterapia, psicologia e ecologia, quando indivíduo, as relações humanas e a vida, respectivamente, são rigorosamente refletidos sem perder a humanismo que todos nós temos e somos.

 

 

REFERÊNCIAS

Figueiredo, L. C. (1991). Matrizes do pensamento psicológico. Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]

Moreira, Virginia. (2009). A Gestalt-terapia e a Abordagem Centrada na Pessoa são enfoques fenomenológicos?. Revista da Abordagem Gestáltica, 15(1), 3-12.         [ Links ]

 

 

Nota sobre os autores:

José Alves de Souza Filho. Doutorando, Mestre e Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (Bolsista CAPES). Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Cruzeiro do Sul. Pesquisador do PARALAXE: Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica. E-mail: josefilhoss@gmail.com

Aluísio Ferreira de Lima. Psicólogo com Pós-Doutorado, Doutorado e Mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). São Paulo – SP. Brasil. Especialista em Saúde Mental pela Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo – SP. Brasil. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP11). Fortaleza – CE. Brasil. Professor Associado do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza – CE. Brasil. Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: aluisiolima@hotmail.com

 

Recebido em: 19/02/2020
Aprovado em: 20/05/2020

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