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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.12 no.3 Belém set./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº03artigo78 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº03artigo78

 

Significado atribuído pelos profissionais de saúde à violência vivenciada por infanto-juvenis

 

Meaning assigned by healthcare professionals to violence experienced by children

 

Significado asignado por profesionales de salud a la violencia experimentada por los niños

 

 

Rodrigo Jácob Moreira de FreitasI; Natana Abreu de MouraII; Ana Ruth Macêdo MonteiroII

IUniversidade do Estado do Rio Grande do Norte

IIUniversidade Estadual do Ceará

 

 


RESUMO

Objetiva-se compreender o significado que profissionais de saúde de um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil atribuem às violências vivenciadas pelos usuários. Trata-se de um estudo qualitativo, embasado na fenomenologia social de Alfred Schutz. A pesquisa foi desenvolvida em Fortaleza-CE e, nove profissionais de saúde de nível superior participaram. A coleta de dados se deu por meio da entrevista semiestruturada, que foram gravadas, transcritas, interpretadas e analisadas utilizando o referencial teórico. Emergiram três categorias: Violência contra a criança em sofrimento psíquico: múltiplos sentidos, atores e cenários; Falta de conhecimento dos pais, da escola e da comunidade sobre o sofrimento psíquico da criança e do adolescente; Contexto de vida e a relação da violência com o sofrimento psíquico. É preciso que os profissionais de saúde conheçam a situação biográfica dessas famílias; realizem ações interdisciplinares e intersetoriais, junto das escolas; e fortaleçam a rede psicossocial para o enfrentamento da violência.

Palavras-chave: Saúde Mental; Abuso da criança; Violência na família; Fenomenologia


ABSTRACT

The objective is to understand the meaning that health professionals in a Psychosocial Care Center for Children and Adolescents attribute to the violence experienced by users. This is a qualitative study, based on the social phenomenology of Alfred Schutz. The research was carried out in Fortaleza-CE and nine higher-level health professionals participated. Data collection took place through semi-structured interviews, which were recorded, transcribed, interpreted and analyzed using the theoretical framework. Three categories emerged: Violence against children in psychological distress: multiple meanings, actors and scenarios; Lack of knowledge of parents, school and community about the psychological distress of children and adolescents; Life context and the relationship between violence and psychological distress. It is necessary that health professionals know the biographical situation of these families; carry out interdisciplinary and intersectoral actions with schools; and strengthen the psychosocial network to face violence

Keywords: Mental health; Child abuse; Family violence; Phenomenology


RESUMEN

El objetivo es comprender el significado que profesionales de salud de un Centro de Atención Psicosocial para Niños y Adolescentes atribuyen a violencia experimentada por los usuarios. Es un estudio cualitativo, basado en la fenomenología social de Alfred Schutz. Investigación se llevó a cabo en Fortaleza-CE y participaron nueve profesionales de salud de nivel superior. Recolección de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas, que fueron grabadas, transcritas, interpretadas y analizadas utilizando el marco teórico. Surgieron tres categorías: violencia contra niños con trastornos psicológicos: múltiples significados, actores y escenarios; Falta de conocimiento de padres, escuela y comunidad sobre angustia psicológica de niños y adolescentes; Contexto de vida y relación entre violencia y angustia psicológica. Es necesario que los profesionales de salud conozcan la situación biográfica de estas familias; llevar a cabo acciones interdisciplinarias e intersectoriales com escuelas; y fortalecer la red psicosocial para enfrentar la violencia.

Palabras clave: Salud mental; Abuso infantil; Violencia familiar; Fenomenología


 

 

INTRODUÇÃO

A violência é considerada hoje um problema de saúde pública tendo em vista a complexidade de ambientes e atores envolvidos. Ao se discutir a violência é preciso considerar que ela está intimamente relacionada a diversos determinantes e condicionantes como, raça, gênero, idade, condições socioeconômicas, culturais, religiosas, dentre outros, trazendo danos para os sujeitos. Junto com os acidentes, a violência é a terceira causa de mortalidade na população geral e a primeira entre crianças e adolescentes (Hildebrand, Celeri, Morcillo, & Zanolli, 2019).

Quando a violência é dirigida contra as crianças em sofrimento psíquico a gravidade das ações pode atingir toda a infância, e as lesões e traumas físicos, sexuais e emocionais que sofrem, ainda que não sejam fatais, determinam significativos potenciais de desgaste, não só naquele momento, mas ao longo da vida (Hildebrand et al., 2019; Freitas, Moura, Feitosa, Lima, Azevedo & Monteiro, 2020).

As crianças que possuem algum sofrimento psíquico são mais vulneráveis a sofrer violências, como também, crianças que vivenciam a violência são mais vulneráveis a apresentar algum sofrimento psíquico, pois, em ambos os casos, os problemas que apresentam os tornam mais frágeis nas relações sociais. A violência para com os sujeitos em sofrimento mental pode ocorrer na própria família, na comunidade, e, principalmente, nas instituições (Freitas et al., 2020).

Por sofrimento psíquico compreende-se tudo aquilo que afeta a ordem do sujeito, um conjunto de mal-estares e dificuldades de conviver com a multiplicidade contraditória de significados da vida relacionados às dificuldades de operar planos, definir o sentido da vida ou, ainda, relacionado ao sentimento de impotência e de vazio (Oliveira, Monteiro & Saggese, 2019).

O desenvolvimento do cuidado em saúde mental diante dessa problemática deve se dar por meio do trabalho em equipe, de forma interdisciplinar, visto que as questões que envolvem a violência, saúde mental e família são complexas e necessitam dos diversos olhares. Os profissionais de saúde que atuam na rede de atenção em saúde mental assumem um papel de destaque na prevenção, identificação de casos e enfrentamento da violência à que esses sujeitos estão expostos. É necessário que os mesmos ampliem o olhar para além da doença, e que sua atenção seja integral, promovendo uma assistência interdisciplinar e intersetorial às vítimas de violência (Freitas et al., 2020).

Nesse sentido, questiona-se: qual o significado que os profissionais de saúde de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) atribuem às violências vivenciadas por crianças e adolescentes usuários do serviço?

Essa pesquisa contribui com a produção científica em saúde ao contemplar pontos da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (2015) na subagenda de Saúde Mental, Violência, acidentes e trauma e Saúde da Criança e do Adolescente. A pesquisa é relevante por possibilitar ao profissional de saúde do CAPSi (re)pensar o significado da violência na vida das crianças e dos adolescentes, bem como refletir sobre novas estratégias terapêuticas de cuidado no enfrentamento da violência, contribuindo com a discussão da violência infanto-juvenil e interface com o trabalho em saúde mental.

Ancora-se nas definições de violência da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002), Minayo (2006), United Nations Children's Fund - UNICEF (2015) e em conceitos da Fenomenologia Social de Alfred Schutz (2008, 2012) para fundamentação teórica e metodológica deste trabalho. Com isso, objetiva-se compreender o significado que profissionais de saúde de um CAPSi atribuem às violências vivenciadas pelos usuários.

 

REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO

Para Organização Mundial de Saúde (OMS) a violência é definida como o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (WHO, 2002).

Segundo Minayo (2006) a violência não é uma, e sim, múltipla, daí a dificuldade de se conceituá-la. Sendo assim, não devemos encerrar a noção de violência em uma definição fixa e simples, necessitando ser compreendida como um conceito polissêmico.

De origem latina, o vocábulo vem da palavra vis, que quer dizer "força" e se refere as noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. A violência é qualquer ação intencional, perpetrada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações, dirigida a outrem, que cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológicos e (ou) espirituais (Minayo, 2006).

Quanto aos tipos de violência, a OMS (2002) dividiu três categorias de violência conforme a característica de quem comete o ato violento. Assim, ela pode ser: Violência autoinfligida, caracteriza-se pela violência que a pessoa causa a si mesma, são assim chamados os suicídios, as tentativas e as ideações de se matar e de se automutilar (WHO, 2002).

A violência coletiva, relaciona-se a atos violentos que acontecem nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos, caracterizando a dominação de grupos e do Estado. Incluem-se os crimes cometidos por grupos organizados, atos terroristas, crimes de multidões, se expressa nas guerras e nos processos de aniquilamento de determinados povos e nações por outros, ataques econômicos entre grupos e nações, geralmente motivados por intenções e interesses de dominação (WHO, 2002).

A violência interpessoal é classificada em dois âmbitos: a intrafamiliar e a comunitária. A violência intrafamiliar é aquela que ocorre entre os membros da família e parceiros íntimos, mas, não necessariamente, dentro do domicílio. A violência comunitária é definida como a que acontece no ambiente social, entre indivíduos sem laços de parentescos, como exemplo: a violência juvenil, os ataques sexuais por estranhos e até a violência institucional em escolas, locais de trabalho, prisões e asilos (WHO, 2002).

Minayo (2006), além da classificação da OMS, acrescenta a violência estrutural, que se refere aos processos sociais, políticos e econômicos que reproduzem a fome, a miséria e as desigualdades sociais, de gênero e etnia. Em princípio, essa violência ocorre sem a consciência explícita dos sujeitos, perpetua-se nos processos sócio-históricos, naturaliza-se na cultura e gera privilégios e formas de dominação. Para a autora, a maioria dos tipos de violência apresentados anteriormente tem sua base na violência estrutural.

Quando sofridas por crianças e adolescentes, a violência pode ser tipificada em: A violência intrafamiliar é a mais comum entre crianças e jovens, e envolve uma complexa relação entre família e indivíduo. É entendida como toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Não se refere apenas ao espaço físico, pois pode ser acometida tanto dentro como fora de casa por algum membro da família, mas diz respeito também às relações que se constrói e efetua no seio familiar (UNICEF, 2015).

A violência física caracteriza-se como o uso da força física, podendo fazer uso de algum tipo de arma ou instrumento de forma intencional, por parte dos pais, responsáveis ou adolescente mais velho, com o objetivo de manutenção ou demonstração de poder do mais forte sobre o mais fraco a qualquer custo, podendo ferir, provocar danos ou mesmo levar à morte da criança ou do adolescente, deixando ou não marcas evidentes (UNICEF, 2015).

A violência psicológica inclui toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Se refere a agressões verbais ou gestuais com objetivo de aterrorizar, humilhar, amedrontar a vítima, restringir sua liberdade ou isolá-la do convívio social. É muito frequente e também a menos identificada como violência. Embora não deixe traços visíveis no corpo, a violência psicológica destrói a autoimagem e traz sérias consequências para o comportamento da criança e/ou do adolescente. Não é raro que a vítima tenha uma imagem deteriorada de si, com baixa estima e depressão (UNICEF, 2015).

Por violência sexual compreende-se toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra a realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica ou uso de armas ou drogas. Contra crianças e adolescentes é uma violação de direitos, uma transgressão, uma relação de poder perversa e desestruturante. Classifica-se em: abuso sexual e exploração sexual comercial; o abuso sexual intra e extrafamiliar; a exploração sexual em prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de pessoas para fins sexuais (UNICEF, 2015).

A negligência é a omissão de responsabilidade, na rejeição, no descaso, na indiferença, no descompromisso, no desinteresse, na negação da existência de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária. Caracteriza-se por atos ou atitudes de omissão, de forma crônica, praticada à criança ou adolescente pelos pais ou responsáveis no tocante à higiene, nutrição, saúde, educação, proteção e afeto, apresentando-se em vários aspectos e níveis de gravidade, sendo o abandono o grau máximo (UNICEF, 2015).

Além das definições apresentadas, esse estudo utilizou a fenomenologia social de Alfred Schutz como referencial teórico metodológico para compreensão do fenômeno. Desse modo destaca-se o conceito de mundo da vida cotidiana, situação biográfica e estoque de conhecimento à mão, relação face a face, ação ou conduta social, e motivaçõescom-finalidade-de e motivações porque (Schutz, 2008, 2012).

O mundo da vida cotidiana é o cenário de sociabilidade, característico de relações interpessoais, atitudes sociais, planos e ideais direcionados a objetos e pessoas, enfim experiências que são produzidas ou modificadas na vida quotidiana do ser humano através de uma postura de reconhecimento das condições e pessoas a sua volta, tornando sua presença no mundo realista e sob uma atitude natural. A violência é situada enquanto um fenômeno social complexo, é expresso por meio das relações intersubjetivas no mundo cotidiano e, é nas relações face a face, que podem se manifestar concretamente atos violentos com danos físicos e psicológicos (Schutz, 2012; Freitas, Moura & Monteiro, 2016).

Situação biográfica e Estoque de conhecimento: A situação biográfica dos sujeitos é concebida dentro de um mundo que já existia antes mesmo dele, e que lhe é repassado. Muitas vezes, esperando que ele assuma papéis que foram tipificados ao longo do tempo e/ou próprio sujeito acaba tipificando as suas vivências de acordo com os espaços que vai habitando. A situação biográfica está intimamente relacionada com a construção do estoque de conhecimento. Este é constituído primeiramente pela sua relação com a família, em que estes tornam-se mediadores da sua relação com o mundo social. Assim, salienta-se que em um contexto de violência intrafamiliar, essas vivências vêm a fazer parte desse estoque, permeando as situações biograficamente determinadas desses sujeitos. Além do mais, o "vivido" de práticas violentas de crianças e adolescentes podem fazer com que elas manifestem um "tipo" violento para se relacionar com as pessoas e solucionar os problemas do cotidiano, podendo-se pensar que é nesse sentido que se instala um ciclo de violência (Schutz, 2012; Freitas et al., 2016).

O estoque de conhecimento, no entanto, não é "estável" vai se alterando de acordo com o sistema de relevância diante dos projetos e experiências dos sujeitos, sendo "acessado" durante os momentos do dia a dia, por isso vive-se de instantes em instantes situações biograficamente determinadas. O conhecimento da situação biográfica dos sujeitos é útil para que os profissionais entendam os comportamentos que tem ligação com a situação biograficamente determinada, sabendo que, o que foi vivenciado pelo sujeito influencia em sua conduta social (Schutz, 2008, 2012; Freitas et al., 2016).

Relação face a face: O relacionamento entre os sujeitos é intersubjetivo, necessita de uma interação face a face, porque para Schutz é somente numa interação que se pode endereçar uma pergunta a alguém, sendo essencial na relação face a face o fato de o "Tu" e o "Eu" estarem em um mesmo ambiente. Na "Relação do Nós" é que as palavras podem ser tidas como signos em um contexto objetivo de significação, sendo também indicações do sentido subjetivo de todas as experiências dos sujeitos, inclusive as do presente. A relação face a face favorece a simultaneidade real de dois fluxos de consciência distintos e, somente assim, pode-se perceber o outro e conhecê-lo, captando a sua ação subjetivamente significativa no mundo da vida (Schutz, 2012; Freitas et al., 2016).

Com isso, o trabalho dos profissionais de saúde do CAPSi requer o estabelecimento de um relacionamento face a face, tanto com os usuários, sua família e comunidade, quanto com a equipe multiprofissional, apreendendo a intersubjetividade dos sujeitos, respeitando sua situação biográfica e, assim, elucidando práticas transformadoras que se alicercem em objetivos comuns (a erradicação da violência infantojuvenil). É importante para a ação dos profissionais na prevenção/combate à violência que essa relação face a face aconteça, para que haja a compreensão sem juízo de valor, para o qual a fenomenologia lança mão da Epoché ou redução fenomenológica. O cuidado em saúde na forma de Epoché poderia facilitar a interação face a face, assim como, ajudar para que a terapêutica do profissional esteja coerente aos significados que o sujeito atribui as suas experiências de violência em seu mundo da vida (Schutz, 2008, 2012).

Ação ou conduta social: Vale ressaltar, que a ação no mundo da vida acontece consciente e intencionada, no entanto a consciência depende das experiências, ela é composta pelas diversas experiências vividas de modo que para crianças e adolescentes que sofrem violência sua ação ou conduta social serão atravessadas pelas suas experiências de violência. Nesse sentido, as experiências subjetivamente significativas que emanam da vida espontânea devem ser chamadas de conduta, por isso a conduta só é ação quando ela tem um significado ou intenção. O papel do profissional de saúde como ação social é o do cuidar. O cuidado profissional implica um tipo de relação social específica entre os sujeitos que dela participam. Para que a ação social dos profissionais esteja direcionada para o cuidado de crianças e adolescentes que sofreram tipos de violência é importante que ele consiga perceber quais as motivações dos pacientes, se as suas ações atuais remetem a situações de violência vivida e de que forma isso afeta as escolhas no mundo da vida desses sujeitos e trabalhar com eles para que suas motivações para o futuro, ou seja seus planos, projetos, não envolvam ações violentas (Schutz, 2012).

Motivação com-finalidade-de e Motivação porque: Essas ações sociais possuem intencionalidade e são motivadas pelos interesses dos profissionais. Quando o motivo é o objetivo que se pretende alcançar com a ação, repercute-se em um ato projetado, e a situação vivida é previamente imaginada, sendo produzida uma ação futura, que se constitui na motivação com-finalidade-de (Eu vou fazer isso para...). A motivação porque (Eu fiz isso porque...) faz alusão às experiências passadas, que levam a pessoa a agir como agiu, sendo o projeto a própria ação. Essas motivações têm íntima relação com a situação biográfica da pessoa e seu estoque de conhecimento à mão, que se refere às ações já realizadas pelos profissionais, possibilitando que eles reflitam sobre a própria experiência (Schutz, 2012; Freitas et al., 2020).

O conhecimento sobre esses conceitos é importante para compreensão dos atos intencionais dos sujeitos, ajudando a interpretar o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes em sofrimento psíquico.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa fenomenológica desenvolvida no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), no período de setembro a dezembro de 2015. O local da pesquisa foi escolhido por ser pioneiro no serviço público especializado em assistir a criança e ao adolescente em sofrimento psíquico na capital do Ceará, Brasil. Além disso, este local da pesquisa possui relevância pela contribuição no processo de formação em saúde dos discentes de universidades.

Inicialmente, foram convidados 14 profissionais de saúde que atuavam no CAPSi, mas dois se recusaram a participar da pesquisa e três não compareceram ao trabalho nos dias e horários agendados para a pesquisa, totalizando nove participantes. Os critérios de inclusão para a participação na pesquisa foram: ser profissional de saúde de nível superior com seis meses ou mais de tempo de atuação no CAPSi e ter realizado algum atendimento às crianças e/ou adolescentes em situação de violência. Não foram incluídos neste estudo os profissionais que estavam afastados do trabalho devido à férias, licença de saúde ou maternidade.

Para a coleta de dados foi utilizado a entrevista semiestruturada com a seguinte questão norteadora: "Como você percebe a violência vivenciada pelas crianças e pelos adolescentes atendidos no serviço que você trabalha?". As entrevistas foram conduzidas pelo autor principal da pesquisa, que é enfermeiro e, na época, mestrando do Programa de pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS).

Antes das entrevistas, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos participantes, contendo os objetivos, riscos e benefícios da pesquisa. Os termos foram assinados pelos participantes, recolhidos e armazenados pelo pesquisador. Foram realizadas nove entrevistas no próprio local de trabalho dos participantes, em uma sala reservada, estando somente o pesquisador e o entrevistado na sala no ato da entrevista. As entrevistas foram gravadas com ajuda de um aparelho celular e tiveram duração de 40 a 60 minutos.

Durante a coleta de dados, de acordo com o referencial teórico metodológico adotado, ocorreu, simultaneamente, às etapas da análise dos dados (Schutz, 2012). Após a organização do material colhido, as anotações do pesquisador e transcrição das falas, foi lido o texto das transcrições das entrevistas individualmente, de forma minuciosa, a fim de se apropriar do material pesquisado. O material foi relacionado à questão norteadora da entrevista e as falas foram separadas em unidades de codificação, ou seja, os trechos mais representativos, que revelam os resultados mais significativos apontados pelos entrevistados. Em seguida, após a codificação individual das entrevistas, foram organizados e agrupados os significados apreendidos a partir das suas similaridades, consequentemente, definindo as categorias (Flick, 2009).

As categorias evidenciadas foram descritas e discutidas entre os pesquisadores, o que favoreceu um melhor entendimento sobre o fenômeno em estudo. Assim, os discursos foram interpretados para se chegar ao significado da ação das pessoas que foram analisadas, utilizando o referencial da Fenomenologia Social de Alfred Schutz, articulandoos com seus principais conceitos (Schutz, 2012).

A pesquisa foi submetida à avaliação e teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará – UECE, com o parecer 696.813, sob CAAE nº 27056814.0.0000.5534. Foi designada a combinação letra e número, por exemplo, "E1, E2...", para preservar o anonimato dos participantes da pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As participantes da pesquisa foram do sexo feminino, com faixa etária entre 25 e 30 anos, com média de idade de 35 anos. Elas trabalhavam no CAPSi há mais de um ano, desde a última seleção que ocorreu no município. Em relação à formação, nível graduação, das profissionais de saúde são: quatro psicólogas, duas terapeutas ocupacionais, uma enfermeira, uma fonoaudióloga e uma assistente social. Quanto a formação, nível pósgraduação, uma profissional cursava pós-graduação stricto sensu, nível mestrado, e oito profissionais tinham especialização, que não era da área de saúde mental. Nenhuma realizou cursos que abordassem a temática da violência.

Emergiram três categorias intituladas: Violência contra a criança em sofrimento psíquico: múltiplos sentidos, atores e cenários; Falta de conhecimento dos pais, da escola e da comunidade sobre o sofrimento psíquico da criança e do adolescente; Contexto de vida e a relação da violência com o sofrimento psíquico.

 

VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO: MÚLTIPLOS SENTIDOS, ATORES E CENÁRIOS

As falas das entrevistadas desvelam os diferentes tipos, atores e cenários da violência. Além das violências contra a criança e adolescente já conhecidas, como físicas, sexual, psicológicas, elas destacam a violência estrutural que a criança em sofrimento psíquico é vítima relacionada ao seu adoecimento mental. São as "piadas" na escola, na comunidade, achar que as crianças não são capazes, e a retirada da autonomia através do medicamento.

Eu particularmente observo a violência não só em casa como também na escola. Alguns atendimentos que eu já fiz... existe uma queixa de que outros colegas da escola outros meninos, que fazem bullying, ou então agressão mesmo física (E1).

Violência é toda agressão física, sexual, psicológica, moral, todos esses... tudo isso para mim é violência. Às vezes a violência moral, uma palavra, uma cena que a criança ou adolescente vê, ele traz e repete essa cena... ele não foi agredido fisicamente, mas aquela cena está ali... (E9)

Eu já escutei de uma criança dizer que ela queria voltar para a escola, e o pai disse que não adiantava botar ela na escola porque ela nunca ia aprender. Como é que a criança vai conviver com isso? (E3).

[A mãe] chega aqui "aí, eu estou desesperada porque meu filho é hiperativo". Vamos dizer, foi diagnosticado com hiperatividade, tomou a medicação, melhorou, dormiu, conseguiu sentar, aí pronto... eu quero isso, que meu filho sente e fique dopado. E pronto. [...] e aí eu pergunto, e ele não tem direito de subir numa arvore e fazer algumas coisas de criança como a gente fazia antigamente que não se medicava por causa disso? eu vejo que os pais hoje eles buscam a medicalização desnecessária. Então para mim, tudo isso é uma forma de violência contra essa criança (E8).

 

As falas das profissionais vão de encontro aos resultados da pesquisa de Pavani, Kantorski, Brum, Wetzel & Silva (2020) que apontam os profissionais do CAPSi como sujeitos capazes de identificar as violências através dos relatos das mães e da própria criança, e reconhecem diversos tipos de violência, como física, sexual, psicológica e até mesmo violência estrutural, relacionada ao estigma da loucura que existe em torno dos serviços de saúde mental.

A violência física e sexual são os tipos de violência que mais ocorrem mundialmente. Uma em cada quatro meninas entre 15 e 19 anos é vítima de alguma forma de violência física. Em torno de 120 milhões de meninas já passaram por algum tipo de violência sexual (UNICEF, 2015). Os dados da violência intrafamiliar também são preocupantes: uma em quatro crianças sofre violência física e uma em cinco meninas já foi vítima de abuso sexual, sendo o Brasil o quarto país com maior taxa de homicídios de crianças e adolescentes entre 92 países. Além disso, as violências que deixam marcas visíveis, como a física e sexual impactam os profissionais e têm mais significado para eles por estarem ligadas à saúde física da criança atendida (Hildebrand et al., 2019).

Em relação a violência psicológica, o fato do bullying ser destacado pelos profissionais apresenta-se a preocupação com esse fenômeno. O aumento dos casos de bullying ocorridos em instituições escolares de todo o mundo preocupa professores, médicos, psicólogos e a sociedade em geral. O bullying, considerado uma violência psicológica, tem crescido muito entre o meio infantojuvenil. Pode levar a criança a se sentir desvalorizada, ansiosa e a adoecer com facilidade. Em situações mais graves pode até levar ao suicídio. Torna-se importante sensibilizar não somente a rede de atenção à saúde, mas a sociedade como um todo, que a violência psicológica, quando ocorre na infância e adolescência, também é responsável por promover um sentimento de rejeição, capaz de prejudicar de forma relevante os processos de socialização e desenvolvimento psicológico (Mello, Silva, Oliveira, Prado, Malta & Silva, 2017).

As agressões e abusos recorrentes têm consequências graves para a criança ou adolescente e afetam negativamente seu desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social. Vivenciar situações de maus tratos na infância ou juventude pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde mental que, quando não tratados, podem gerar consequências graves na vida adulta (Hildebrand et al., 2019).

De acordo com Schutz (2012), cada experiência no mundo da vida é única, e mesmo uma mesma experiência que se repete não é a mesma, pois possui um contexto diferente. Assim, as experiências de violência impactam de formas diferentes, cada uma das crianças atendidas no CAPSi, exigindo do profissional de saúde um olhar atento aos contextos de vida das crianças e adolescentes, os serviços que atendem, familiares, vizinhos, escola, entre outros atores e instituições, no trabalho com a violência infantil.

As profissionais ainda expressam suas experiências com mães de crianças com Transtorno do déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e o fato dessas mães esperarem do médico, o medicamento para que as crianças fiquem quietas, "dopadas", limitando o comportamento agitado da criança e retirando sua autonomia, sendo esse cenário relatado como uma forma de violência contra essas crianças.

Experiências de cuidado em liberdade reorientaram a assistência no campo da Saúde Mental, indo em direção à implantação de serviços abertos, comunitários e em consonância com o preconizado pelos Direitos Humanos. O uso de substâncias psicotrópicas de modo desnecessário retira a capacidade de a criança produzir sua própria autonomia (Cavalheiro & Azambuja, 2020).

Essa compreensão da violência estrutural associada ao sofrimento psíquico e a retirada da autonomia pode estar associada, principalmente na atualidade, à forma como historicamente foi classificado e diagnosticado os problemas de saúde mental com a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID10 e o atual Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM V, que buscam enquadrar e padronizar comportamentos, definindo o que é normal e o que é patológico (Oliveira et al., 2019).

Essas experiências são tipificadas e incorporam o estoque de conhecimento à mão dos profissionais, que passam a realizar a terapêutica encaixando o sujeito em comportamentos tipificados. A experiência de medicalizar como forma de tratamento na saúde mental, por parte da expectativa dos familiares, faz parte de um processo histórico, onde a família foi retirada do processo de cuidado em saúde mental. Acreditava-se que internando em um manicômio, a família estaria livre do problema do paciente, deixando a cargo da instituição cuidar do seu familiar. Com a Reforma Psiquiátrica, e consequente encerramento das atividades de muitos manicômios, e substituição por outros dispositivos de cuidado na Rede de Atenção Psicossocial, a família espera que esse modelo de atenção seja reproduzido nos CAPSi também (Oliveira et al., 2019).

No olhar da fenomenologia social, trata-se das experiências e conhecimentos adquiridos através dos predecessores que influenciam o agir dos familiares no mundo da vida. Os predecessores seriam assim, pessoas do passado cujas experiências não coincidem temporalmente com as próprias experiências do sujeito, mas que ele conhece se alguém o fala a respeito, ou se lê sobre. É por meio dessa herança dos predecessores, que o conhecimento a mão dos familiares ainda carrega resquícios do passado, no qual o saber médico é imperativo, e o atualizam nas experiências do presente vivido, reforçando esse pensamento. Diante dessa construção, há uma concepção social que perde a compreensão do significado dos sintomas e dos sofrimentos subjetivos, com uma crescente medicalização dos indivíduos na sociedade contemporânea (Schutz, 2012).

Assim, o significado da medicalização do sofrimento psíquico para família vem do que esse sistema já vivenciou no mundo social de relações intersubjetivas, constituindo seu esquema interpretativo de agir no mundo, sem perceber, que ao medicalizar em excesso, está cometendo mais um tipo de violência contra a criança e adolescente, ao impedir que ela expresse seu comportamento de forma livre e autônoma, ou seja, expressando sua subjetividade (Schutz, 2012). Por isso, reforça-se a necessidade de olhares para a diversidade de situações biográficas. Os profissionais de saúde que atuam de maneira interdisciplinar precisam compreender as expectativas da família como uma forma de (re)inseri-la no entendimento do que é saúde mental, quais os dispositivos de cuidado disponíveis e qual o objetivo do trabalho ali oferecido.

 

FALTA DE CONHECIMENTO DOS PAIS, DA ESCOLA E DA COMUNIDADE SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Outro "motivo porque" das violências vivenciadas na situação biográfica das crianças e adolescentes, citado pelos profissionais, está relacionado à falta de conhecimento dos pais, da escola e da comunidade sobre o adoecimento psíquico. Eles não conhecem sobre os sintomas, características da doença, além do forte estigma que é atribuído ao sujeito em sofrimento psíquico, sendo taxado de "louco", "maluco", "doidinho".

Acho que as vezes as mães não entendem o comportamento da criança. Para com isso menino, não sei o quê. E ai falta um pouco de compreensão do porquê de determinados comportamentos da criança, [...] estava lá a criança, se mexendo fazendo movimento repetitivo, e a mãe: menino para com isso, não sei o que, ai batia no menino porque o menino estava nas "estereotipias" dele (E7).

Porque alguns pais eles não têm a noção do que que é a doença mental... eles trazem o paciente aqui para o CAPS, e diz: "mas esse menino já está com psicólogo, esse menino já está tomando medicação e não tem melhora" (E2).

É que a gente vê que tem pais que não conseguem lidar com a limitação daquela criança aí a abordagem deles é de gritar, de dar palmada, então eles não sabem muito lidar com isso. Aí a gente entra para dar orientações, outras possibilidades para lidar com essa criança que é inquieta, que é agitada, que é agressiva né (E4).

E muitas crianças chegam nos atendimentos falando, que na escola chamam eles de doido, os colegas não querem brincar, excluem, então assim elas já têm uma noção de que não são como as outras crianças e que sofrem os efeitos disso, assim, elas começam a ter começam a ter essa noção de que são diferentes. Muitos têm uma recusa, uma negação muito grande do transtorno mental (E1).

Parte da falta de conhecimento sobre o sofrimento psíquico advém do momento histórico onde a família não participava do cuidado. O tratamento da "loucura" ficava à cargo dos psiquiatras ou alienistas não sendo necessário envolver a família, que ao contrário, era excluída por acreditar que esta interferia negativamente. Com isso, esse pensamento ainda permeia no imaginário social, o que dificulta o conhecimento sobre o problema, e contribui para a exclusão e marginalização desses sujeitos, no pensamento dos profissionais (Nunes, Feitosa, Fernandes, Almeida, & Ramos, 2020).

Entender saúde mental enquanto um processo em construção se mostra fundamental para superação da compreensão de saúde enquanto ausência de doença, ou somatório de fatores. Essa compreensão de saúde mental carrega em si uma articulação entre o bem-estar subjetivo, a autoeficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependência intergeracional e a autorrealização do potencial intelectual e emocional da pessoa (Silva & Melo, 2018).

Os familiares, ao vivenciarem uma relação face a face com as crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, nomeiam essas crianças e adolescentes como doidos, loucos, devido a estrutura típica semelhante de experiências e trocas de conhecimentos envolvendo a "loucura", considerando uma generalização não essencial que tipifica o modo de agir dos sujeitos. A família quando visualiza comportamentos não habituais ao "típico normal" de criança e adolescente vivenciada em seu contexto de vida, não sabem lidar com a situação, e passam a agir conforme comportamentos típicos, de uma situação típica (Schutz, 2012).

É nesse mundo da vida cotidiana onde o sujeito experiencia e compartilha com seus semelhantes, em um processo de interação social. O corpo do outro é como um campo de expressão de suas vivências. Ao tipificar a conduta do outro, tipifico minha conduta, e ambas se inter-relacionam. As construções do sentido comum utilizadas para tipificar o outro e o "Eu" tem origem e aprovação social. Esses tipos foram principalmente formados por predecessores para possibilitar harmonia com outros homens e com as coisas, podendo também ser formado por seus contemporâneos e por ele próprio, sendo definido esse último como auto tipificação. Além disso, eu só compreendo uma estimativa do conceito-limite do significado que o outro pretende com aquela ação, sendo somente possível interpretar as experiências do outro a partir das próprias experiências que temos delas (Schutz, 2012).

Dessa forma, o profissional tipifica a família, e tipifica a si mesmo. Daí a importância dessa interação para ampliar as zonas de tipificações. Quanto mais "eu" experiencio "o outro", maior será minha compreensão sobre ele.

Nesse contexto, o profissional de saúde, seja no CAPSi ou em outros pontos da rede, precisa atuar na desconstrução do estigma da loucura. A partir de ações no território, e trabalhos com a família, ele pode estar realizando grupos, atividades educativas que possam esclarecer as dúvidas e aumentar o conhecimento sobre a saúde mental, e em específico, saúde mental da criança e adolescente. Assim, o profissional precisa da construção desse vínculo, da confiança, do compartilhamento de conhecimentos e vivências com as crianças, adolescentes e suas famílias (Almeida, Soares, Dias, Rocha, Andrade & Andrade, 2020). Além de estarem ampliando o estoque de conhecimento a mão dos familiares sobre a saúde mental de seus filhos, também é possível vislumbrar que, os profissionais de saúde atuarão na diminuição de situações de violência decorrentes desse desconhecimento.

A família é copartícipe na estruturação do conhecimento a mão da criança, que ela utiliza na relação face a face tipificando o outro e a si mesmo. Ela apreende todo o presente vívido experienciado num relacionamento do Nós (Schutz, 2008).

Essas famílias possuem demandas das mais variadas ordens, entre elas: a dificuldade de lidar com as situações de crise, com os conflitos familiares emergentes, com a culpa, com o pessimismo por não conseguir vislumbrar saídas para os problemas, pelo isolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da vida cotidiana, pelas complexidades do relacionamento com esse familiar, pela expectativa frustrada de cura e pelo desconhecimento da doença propriamente dita (Brasil, 2013).

Tudo isso dificulta o processo de cuidado, pois ao mesmo tempo que essa família deseja procurar ajudar o indivíduo em sofrimento psíquico, as dificuldades encontradas nesse percurso fazem com que esta, muitas vezes, desista e acabe por prejudicar ainda mais a vida dessa criança (Hildebrand et al., 2019; Nunes et al., 2020).

Desse modo, a situação biográfica se estabelece enquanto a sedimentação das experiências do sujeito ao longo do tempo, como bagagem de conhecimento disponível que funciona como esquema de referência para interpretação e ação no mundo da vida (Schutz, 2012). É importante estabelecer uma relação face a face, em que o profissional conhece o que é para a família o sofrimento psíquico de seu filho atendido no CAPSi, a terapêutica, o que ela entende por violência, e permite adentrar em parte de sua bagagem de conhecimento, desvelar fragilidades e potencialidade, e intervir na ressignificação de conceitos e atitudes. Trabalhar o fenômeno da violência com crianças e adolescentes e sofrimento psíquico mexe com as experiências individuais e o papel social que o profissional de saúde ocupa.

No que tange o papel do professor e a vivência do aluno na escola, segundo Schutz (2012) o grupo social (como na escola) espera que aquele que é incumbido de determinado papel aja conforme o que é típico desse papel. Ao desempenhar seu papel o autor tipifica a si mesmo, ele decide agir segundo o modo típico definido pelo papel social que ele assumiu. Podemos perceber assim, que os professores entendem seu papel social enquanto o de ensinar, e é esse papel que ele tipifica, acreditando que o papel de enfrentar a problemática da violência, é de outro ator social e que não é parte de sua ação como educador.

O significado que o grupo tem para seus membros consiste em seu conhecimento de uma situação comum com o decorrente sistema de tipificações e relevâncias. Aqui, os membros individuais não encontram dificuldades, pois o sistema de tipificação compartilhados, que define os papéis sociais, as posições e o status de cada um, o ajudam a interagir com os semelhantes que pertencem à mesma situação (Schutz, 2012).

Ele ainda afirma que no caso da criança, é possível que essas características do indivíduo, por apresentar algum sofrimento psíquico, tenham seu sistema de tipificação diferente de quaisquer sistemas de relevância que é dado no grupo ao qual ele pertence. Isso pode levar a conflitos, que se originam principalmente na tentativa de viver de acordo com as várias expectativas que se tem em relação à criança e a seus papeis.

 

CONTEXTO DE VIDA E A RELAÇÃO DA VIOLÊNCIA COM O SOFRIMENTO PSÍQUICO

As falas revelam outra "motivação porque" de violência, ao relacionar o sofrimento psíquico e a violência, sejam as crianças que possuem algum sofrimento psíquico e são vítimas de violência, ou familiares que possuem algum sofrimento psíquico e/ou necessidades decorrentes do uso ou abuso de álcool e outras drogas, que acabam praticando violência contra essas crianças e adolescentes. Aqui, as crianças aparecem como vítimas ou autores (reprodutores) da violência experienciada.

Muitas vezes essa história de que eles são burros, de que eles são isso, de que tem problema, eles escutam dentro da própria casa, o irmão... o pai. "Ah menino não adianta falar contigo não porque tu é doido, não aprende nada" (E3).

Tem alguns transtornos que os pacientes podem, tem uma tendência, digamos maior, a apresentar comportamentos agressivos, mas como também tem outros pacientes que tem o mesmo transtorno e não tem. Então assim, a gente não pode dizer que é por conta da doença, mas que muitas vezes a doença é usada como justificativa para aquele comportamento, a gente observa muito isso. [...] tem isso também que acaba influenciando e que se confunde muitas vezes com a doença mental. Então assim, mistura um pouco do que é só um comportamento resultado do meio, ou do que é um transtorno mental realmente (E1).

A mãe era usuária de droga... o que já justifica alguma coisa no comportamento dele, bem... seria muito difícil nascer uma criança saudável com a quantidade de droga que ela usava na gestação. O pai também era usuário de drogas, e eu acho que o contexto familiar dele também não colaborou para que ele se desenvolvesse saudável (E6).

 

Os problemas mentais mais prevalentes entre crianças e adolescentes são depressão, transtornos de ansiedade, Transtorno do déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), uso de substâncias e transtorno de conduta, associados principalmente com fatores biológicos, genéticos e ambientais, tais como ser do sexo masculino, histórico familiar de adoecimento mental, violência familiar e comunitária e configuração familiar (Sardá Jr, Menezes, Corrêa & Rodrigues, 2019).

Para Schutz (2012), a situação biográfica do indivíduo guarda uma relação explícita com a vida e a história pessoal de cada um dos membros do mundo social. No mundo social o qual essas crianças e adolescentes estão inseridos é experienciado por eles através de uma estreita rede de relações sociais, de sistemas de signos e símbolos com sua estrutura particular de significados. O mundo desses sujeitos é um mundo particular de significados, sendo importante compreender as experiências do outro, e o que constitui a sua situação biográfica.

A exposição da criança a experiências diretas, ao presenciar a violência, como também indireta, por meio dos agravos que esse evento traz à saúde física e mental de sua mãe, são consideradas situações de risco para o desenvolvimento de problemas emocionais, escolares e de comportamento dos filhos. No entanto, não há implicação direta entre ser exposto à violência e desenvolver um transtorno mental, isto é, a exposição é um fator que corrobora, mas não define o desenvolvimento do transtorno (Pavani et al., 2020).

Em pesquisa realizada com crianças de 6 a 10 anos numa vizinhança pobre e violenta indicou que a exposição a esse tipo de fenômeno (ser vitimado ou ser testemunha) está associada com sintomas de sofrimento mental, tais como ansiedade, depressão, distúrbios de sono e pensamentos intrusivos. Além disso, crianças e adolescentes cujas mães gritam excessivamente, batem, espancam ou punem severamente, dentre outras reações inadequadas, têm o dobro de chance de apresentar problemas de saúde mental com relação aos não expostos a essas práticas (Zanoti-Jeronymo, Zaleski, Pinsky, Caetano, Figlie & Laranjeira, 2019).

A situação biográfica de violência em que podem estar inseridos adolescentes, também, podem estar associados com o risco de utilização de drogas. Adolescentes que presenciaram cenas de violência em âmbito familiar ou comunitário, estava relacionado a ingestão excessiva de bebida alcoólica. Adolescentes que são vítimas de maus-tratos, ou que presenciam a agressão da mãe pelo pai ou padrasto, parecem mais susceptíveis a agravos à saúde mental que comprometam sua autoconfiança e autoestima. Os eventos traumáticos não somente intensificam as manifestações depressivas e de comportamento agressivo na adolescência, como também predispõem para o abuso de substâncias (ZanotiJeronymo et al., 2019).

Crianças e adolescentes em sofrimento psíquico podem expressar alguns comportamentos, como agitação, impaciência, agressividade, relacionados a seu problema mental, que podem levar a episódios violentos, porém, carece de pesquisas que estabeleçam esse tipo de relação (Sardá Jr. et al., 2019; Pavani et al., 2020).

Além disso, deve-se ter o cuidado de não tipificar crianças com algum sofrimento psíquico como sujeitos perigosos. O discurso em torno do sofrimento psíquico, devido ao contexto histórico de exclusão, segmentação social e violência que a loucura nasceu, acaba por despertar no imaginário social o sentimento de medo e a noção de periculosidade, como se todo sujeito em sofrimento psíquico fosse agressivo, ou violento. É preciso que nas relações face a face os parceiros estejam continuamente renovando e ampliando o conhecimento um do outro, para superar uma visão limitada dos sujeitos em sofrimento e em vivências de violência (Schutz, 2012).

O estigma da expressão doença mental (ou mesmo o eufemismo transtorno mental) é grande e significa um sofrimento adicional para quem o carrega. Portanto, ainda que entre profissionais de saúde seja útil usar no cotidiano expressões que condensem informação, precisamos nos interrogar sobre o sentido que essas expressões carregam na comunidade (Brasil, 2013).

A expressão doença mental e seus eufemismos podem induzir a pessoa, seus familiares e comunidade a, pelo menos, dois erros comuns. Primeiro erro, doença mental faz pensar em causa genética, hereditária, que determina e limita as possibilidades da vida para a pessoa. Isso simplesmente não é verdade para as formas mais frequentes de sofrimento mental. Segundo erro, associar a ideia de doença a um julgamento moral sobre a pessoa. Muitos dizem que o deprimido, ou o alcoólatra, é no fundo um fraco. Ou, no sentido inverso, é comum taxar um criminoso violento de doente mental (esquizofrênico, drogado). Uma minoria, de fato, é violenta. Mas é preciso entender que essa violência está associada a um contexto mais complexo (Brasil, 2013).

Uma situação biográfica familiar de drogadição, por exemplo, pode ser um determinante de risco para situações violentas, seja entre os parceiros íntimos, seja entre o sujeito em uso de substância e as crianças e adolescentes que fazem parte desse convívio. Independentemente da situação, as experiências de violência compartilhadas com a criança e adolescente podem ter consequências negativas no seu desenvolvimento, seja a curto ou a longo prazo. Podemos citar os altos índices de abandono escolar, bem como o rompimento de outros laços sociais que reforçam a percepção pública deste uso como próximo ao crime, faltando a compreensão do fenômeno como reflexo de questões multifatoriais (Lima & Sousa, 2020).

Compreender o que levou a família a vivenciar experiências de violência em sua situação biográfica, se mostra bem mais complexo e exige do profissional uma atitude em epoché, livrando-o de julgamentos e pré-conceitos sobre as crianças/adolescentes e suas famílias em situação de violência, desvelando as motivações do fenômeno (Schutz, 2008, 2012). Desse modo, conhecer a situação biográfica e o conhecimento a mão, ou seja, o conhecimento que esses sujeitos têm disponível para agir no mundo da vida, pode possibilitar ao profissional de saúde o planejamento e execução de estratégias para o cuidado ao sujeito em adoecimento mental vítima dos diferentes tipos de violência de forma integral e respeitando as singularidades de cada contexto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo atingiu os objetivos ao compreender o significado que os profissionais de saúde de um CAPSi atribuem às violências vivenciadas por usuários do serviço. Os profissionais de saúde percebem a violência com múltiplos sentidos, para além da violência física, psicológica, incluindo a violência estrutural relacionada ao sofrimento psíquico que essas crianças e adolescentes possuem. Além disso, a violência ocorre a partir de diferentes autores, como os próprios pais, entre as próprias crianças, e cenários diversos, como escolas, dentro de casa, a comunidade. Eles atribuem a experiência de violência vivida pelas crianças e adolescentes do CAPSi devido à falta de conhecimento que pais, professores e comunidade têm sobre o sofrimento psíquico e adoecimento mental, bem como da relação entre violência e sofrimento psíquico no contexto de vida dessas crianças.

O referencial teórico da fenomenologia social de Alfred Schutz pode ser uma contribuição para o trabalho dos profissionais de saúde ao incorporar os conceitos fundamentais da teoria em suas ações práticas no mundo da vida. Dessa forma, os profissionais poderão intervir de acordo com as reais necessidades das famílias, das crianças e dos adolescentes envolvidos.

Recomenda-se que: 1) os profissionais de saúde realizem ações com a família, no sentido de esclarecer e orientar sobre a saúde mental dos seus filhos; 2) realizar ações intersetoriais, junto das escolas e o Programa Saúde nas Escolas (PSE), como uma estratégias de aproximar temáticas de saúde mental nas escolas, prevenindo formas de violência escolar, como bullying, e promovendo uma cultura de paz, além de fortalecer a rede psicossocial; 3) A realização de pesquisas com sujeitos em sofrimento psíquico e vítimas de violência, visto a escassez de artigos com esse público; 4) Pesquisas que possam servir de base para ações da gestão e trabalhadores de saúde, proporcionando uma leitura interdisciplinar sobre a problemática e, consequente, o enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente, levando em consideração as especificidades de cada tipo de violência.

 

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Notas sobre os autores:

Rodrigo Jácob Moreira de Freitas - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Departamento de Enfermagem, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5528-2995 Email: rojmflegal@hotmail.com

Natana Abreu de Moura - Universidade Estadual do Ceará – UECE, Departamento de Enfermagem, Fortaleza, Ceará – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2517-9946 Email: natanaabreu@hotmail.com

Ana Ruth Macêdo Monteiro - Universidade Estadual do Ceará – UECE, Departamento de Enfermagem, Fortaleza, Ceará – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1130-1293 Email: anaruthmacedo@yahoo.com.br

 

 

Recebido em: 29/04/2020
Aprovado em: 29/08/2020

 

 

 

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