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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.1 Belém jan./abr. 2021

 

BIBLIOGRAPHIC RESEARCH: REVIEWS

 

Entre a morte e a experiência da finitude: histórias e diálogos com o contemporâneo

 

Between the death and the experience of finitude: History and dialogues with the contemporary

 

Entre la muerte y la experiencia de la finitud: historia y diálogos con lo contemporâneo

 

 

Jurema Barros Dantas1; Jean Elyson Rodrigues Borge2; Adryssa Bringel Dutra3

Universidade Federal do Ceará (UFC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Há na contemporaneidade certa dificuldade de tematizar a morte. Em geral, pensamos a questão da morte como evento físico e/ou biológico, negligenciando nossa própria condição ontológica de entes finitos. Neste estudo dialogamos com a perspectiva da Fenomenologia com a proposta de ampliar a compreensão da morte enquanto fenômeno atravessado por múltiplos fatores históricos e sociais e, sobretudo, pela condição inalienável da existência. O presente ensaio se norteou a partir de uma revisão bibliográfica do tipo integrativa, na qual compilamos produções e estudos referentes a esta temática. Consideramos que o fenômeno da morte em cada período sócio-histórico apresentou determinadas especificidades e, atualmente, tal fenômeno se caracteriza por modos muito próprios de significação e ressignificação da condição do homem diante de sua própria finitude. Acreditamos que esses modos no cenário contemporâneo ganham a exacerbação do medo, da negação e, muitas vezes, da própria evitação recorrente da condição de finitude inerente da vida.

Palavras-chave: Morte; Finitude; Cultura; Contemporaneidade.


ABSTRACT

There is a certain difficulty in contemporary times in dealing with death. In general, we think of the issue of death as a physical and / or biological event, neglecting our own ontological condition of finite beings. In this study we dialogue with the perspective of Phenomenology with the proposal to expand the understanding of death as a phenomenon traversed by multiple historical and social factors and, above all, by the inalienable condition of existence. The present essay was guided by an integrative literature review, in which we compiled productions and studies related to this thematic. We consider that the phenomenon of death in each socio-historical period presented certain specificities and, currently, this phenomenon is characterized by very specific ways of signifying and re-signifying the condition of man before his own finitude. We believe that these modes in the contemporary scenario gain the exacerbation of fear, denial and, often, of the recurrent avoidance of the belonging finitude condition of life.

Keywords: Death; Finitude; Culture; Contemporaneity.


RESUMEN

De hecho, parece haber una enorme distancia y dificultad para lidiar con la muerte en los tiempos contemporáneos. La mayoría de las veces, pensamos en el tema de la muerte como un evento físico y / o biológico, descuidando nuestra propia condición ontológica de seres finitos. En este estudio, dialogamos con la perspectiva de la Fenomenología con la propuesta de ampliar la comprensión de la muerte como un fenómeno atravesado por múltiples factores históricos y sociales y, sobre todo, por la condición inalienable de la existencia. Podemos considerar que el fenómeno de la muerte en cada período sociohistórico presenta ciertas especificidades y, actualmente, este fenómeno se caracteriza por formas muy específicas de significar y re-significar la condición del hombre ante su propia finitud. Creemos que estos modos en el escenario contemporáneo obtienen la exacerbación del miedo, la negación y, a menudo, la evitación recurrente de la condición inherente de finitud de la vida.

Palabras clave: Muerte; Finitud; Cultura; Contemporaneidad.


 

 

INTRODUÇÃO

Questões relativas ao homem sempre foram motivo de interesse e de curiosidade. A Filosofia e, posteriormente, a recém-nascida Psicologia tentaram buscar respostas para as dúvidas e fatos que comprovassem e explicassem a origem, as causas e as transformações do mundo e, consequentemente, do homem. A ciência psicológica voltou-se para o estudo do ser humano, buscando explicar como ele se relaciona, como se comporta mediante aos acontecimentos da vida e as particularidades de cada sujeito. Todas essas questões resumidas no entendimento do que hoje nós chamamos de subjetividade.

A psicologia ao longo da história também foi convocada a dar conta de questões intimamente ligadas a um discurso a respeito do pathos humano, buscando oferecer respostas sobre o padecer psíquico e os diversos atravessamentos da vida. Desse modo, esse ensaio visa adentrar em um caminho de compreensão e ressignificação de um tema, por vezes, tão desconfortante: a morte - e as experiências de finitudes próprias do existir humano. Busca-se problematizar e compreender o fenômeno da morte e, sobretudo, como o homem ocidental vem empreendendo atitudes e comportamentos, ao longo dos tempos, diante da constatação de sermos finitos.

Podemos apontar que, inicialmente, havia dois movimentos aparentemente distintos. O primeiro de aproximação e familiaridade com questões que envolviam aspectos relativos à morte. E o segundo, um movimento de negação e interdito, sentimento pouco compartilhado socialmente, onde as manifestações de tristeza eram ou são contidas para não constranger ou envergonhar os outros (Ariès, 2017).

Enquanto recorte espaço-histórico-temporal, consideramos principalmente o contexto ocidental a partir do período entendido por Antiguidade, passando pela Idade Média, em seguida pela Modernidade e, por fim, um convite a adentrar no contexto contemporâneo, propondo, a partir deste cenário, uma reflexão sobre o sofrimento psíquico que a possibilidade do findar da existência nos provoca. Entendendo morte e vida como fazendo parte de uma mesma tessitura de sentidos e significados socialmente construídos e compartilhados, a proposta foi fazer um convite à saída dessa visada da morte de modo impessoal, para nos aproximarmos de uma experiência singular e própria da nossa condição de finitude. A partir disso, objetivamos transbordar qualquer perspectiva reducionista ou biologizante, para pensar a morte como esse fenômeno sócio-histórico-cultural (Heidegger, 2008).

Ainda, tomando por referência a investigação desse fenômeno, o presente ensaio, se norteou à partir da proposta metodológica de revisão bibliográfica do tipo integrativa, onde compilamos produções e estudos referentes a esta temática construídos, sobretudo nos últimos anos. O mapeamento inicial desse material se deu fundamentalmente à sob as bases de dados Scielo (Scientific Electronic Library Online) e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) com a utilização dos seguintes descritores: Morte; finitude; cultura e contemporaneidade. À partir dessa investigação, leitura e releitura atenta do material compilado, subdividimos este trabalho por períodos sócio-históricos como referido nos tópicos subsequentes.

Primeiramente, descreveremos como os comportamentos humanos, diante da morte e do morrer, se caracterizavam na antiguidade ocidental, sobretudo, a relação que os antigos mantinham de proximidade e familiaridade com a morte das outras pessoas, bem como, a possibilidade do findar das suas próprias existências. Nesta conjuntura, morrer era algo glorioso, honroso. Tal período, datou-se aproximadamente 4.000 anos a.C. até 476 d.C. O homem criou diversos mecanismos fúnebres representados por mitos ou ritos para tentar desvendar os mistérios que permeiam a vida e a morte, bem como ressignificar ou criar respostas para suas perdas (Coulanges, 2006).

Em seguida, destaca-se o período histórico que se dá aproximadamente a partir de 476 até o século XV, na década de 1453. Trata-se da construção de um imaginário social mediante a fé como principal coluna de sustentação e gerência da vida. O medo de morrer trazia em si a ideia de céu e purgatório, dando importância à concepção religiosa na mentalidade medieval. O homem mantinha uma relação de domesticação com a morte (Ariès, 2017). Prosseguindo com a compreensão histórica nos deparamos com uma grande ruptura paradigmática, quando ocorre uma mudança de uma concepção eminentemente religiosa para despertar da cientificidade como a concebemos hoje. Trazendo como recorte temporal a década de 1453 (século XV) até o ano de 1789 (século XVIII). Neste período, passou a ser pensada a morte e o morrer como algo a ser domado, de modo a controlá-la e impedi-la. O local onde se morria deixou de ser o quarto do moribundo, para ser o leito do hospital. A vida e a morte deixaram de ser tuteladas pelos sacerdotes religiosos e passaram, em certa medida, a ser tuteladas pelos médicos em comum acordo com a família. Neste recorte histórico e temporal, volta-se a tematizar a morte, porém, com o intuito de afastá-la, controlá-la (Ariès, 2017).

Assim, chegamos à problematização da compreensão do fenômeno da morte, no que tange a como este se enuncia na contemporaneidade. Nossa indagação concerne em tematizar o fenômeno da morte e sua enunciação hoje com tamanho interdito. Referimo-nos, ao nos valer de tal expressão, à experiência atual da morte feita em leitos de hospitais, com diversos aparelhos ligados ao corpo, por vezes, impedindo-o de morrer. Tal período é datado cronologicamente a partir da década de 1789 (século XVIII) até os dias atuais (Ariès, 2017).

Ademais, é importante conceber a morte para além de uma experiência que deva ser neutralizada ou evitada, mas que possa proporcionar reflexões diversas sobre o nosso viver, entendendo-a como possibilidade mais própria, incondicionada e insuperável da existência. Diante da impossibilidade de evitá-la, torna-se fundamental encontrar um modo de lidar com ela, partindo da importância que ela dá à nossa vida, como um fenômeno subjetivo, intrínseco à condição humana, inerente a vida (Heidegger, 2008).

 

A RELAÇÃO DO HOMEM COM A MORTE NA ANTIGUIDADE

Não se sabe com exatidão factual quando se passou a refletir sobre a morte com importância constitutiva semelhante à vida humana, apesar de muitos estudiosos acreditarem que este mistério permeia a existência da humanidade desde sua gênese, ou seja, pode ser tão antiga quanto à origem da vida. Segundo Canastra (2007) "desde os primórdios da civilização que o nascimento e a morte despertam no ser humano uma grande curiosidade e inquietação". (p. 22). Na Antiguidade quando as pessoas morriam e eram feitos os rituais funerários, acreditava-se, na imperiosa necessidade de se manter a alma encerrada junto ao corpo dentro da sepultura. Foi exatamente a partir dessa crença que se passou a ser realizadas práticas de sepultamento (Coulanges, 2006). Aqueles que não passavam por esses rituais fúnebres tinham suas almas perdidas, sempre vagando e atormentando os vivos.

Logo, a não realização destes rituais fúnebres era considerado, possivelmente, abandono e infelicidade infligidos aos corpos e almas, resultando na transformação desses espíritos em maus e/ou perversos. Como almas penadas causavam aos vivos doenças, devastação de colheitas, medos de toda ordem. Provavelmente daí originou-se a crença em fantasmas que poderiam voltar para atormentar os vivos (Coulanges, 2006).

A crença na sepultura como porta de entrada para o descanso eterno era tão importante que nestas cidades antigas havia ações para enfeitar seus túmulos com grinaldas, flores, frutas e ainda derramavam bebidas sobre a terra como leite e vinho, pois acreditavam que o defunto poderia ter sede. Dentre as práticas religiosas ritualísticas também era cultuado no interior das residências dos antigos gregos um altar com cinzas e carvões acesos o dia inteiro em reverência ao deus fogo. A chama acesa diante do altar significava a vida da família, sendo assim, a extinção do fogo representaria a extinção da família (Coulanges, 2006). Os cuidados em obedecer devidamente aos ritos sagrados mostram que o fogo não era apenas para aquecer as residências, mas também era tido como algo sagrado, um deus protetor das residências e das famílias. Aqueles povos atribuíam outros sentidos e significados a esse fogo, viam nele algo mais, digno de ser cultuado e adorado. Como deus protetor, sua presença afastava qualquer perigo, em sua luz repousavam as almas e nelas procuravam refúgio para se afastar da escuridão.

Posteriormente, os cultos se dirigiram a entidades com imagens representadas por figuras humanas, esta foi a primeira vez em que o fogo sagrado se submeteu a outra divindade na hierarquia do poder celestial, mesmo assim permaneceu presente e acessível ao homem servindo nas celebrações religiosas como interlocução entre o homem e esses deuses, já que a ele era dada importância e a obrigação de levar preces e sacrifícios aos deuses. Ao longo do tempo, esse mesmo fogo sagrado continuou servindo aos rituais crematórios, atos que foram assumindo diferentes significados a depender da cultura (Coulanges, 2006). "Tanto esses cultos quanto os anteriores não se submetiam a instituições específicas, líderes religiosos nem a livros sagrados, suas crenças derivam de costumes transferidos por seus antepassados" (Vernant, 2009, p. 13-14).

A religiosidade do povo antigo tinha tamanho poder entre seus pares enraizando-se tão profundamente nessa raça, que a brilhante religião do Olimpo grego não foi bastante para arrancá-la, sendo para isso necessário o advento do Cristianismo. "Esse fator contribuiu significativamente para uma mudança de postura do pensamento desse povo, significando uma nova e importante ruptura no paradigma cultural vigente" (Coulanges, 2006, p. 28).

 

REFLEXÕES SOBRE A MORTE E O MORRER NA IDADE MÉDIA

No período medieval, também denominado por alguns autores como Idade das Trevas, talvez nunca tenha se falado tanto em Deus e cometido tantas crueldades em nome dele. A princípio, Ariès (2017) fraciona o período sobredito em Alta e Baixa Idade Médias. A Alta Idade Média foi um longo período histórico que se estendeu do século V até o século X. Neste período, havia um movimento de olhar e compreensão da morte como algo genuinamente natural, cotidiano, próximo, familiar, pessoal, semelhante ao que ocorria na Grécia e Roma antigas. O homem medieval do ocidente esperava a morte no leito, normalmente no quarto de sua casa. Tamanha foi a representatividade e importância desse ritual, que permaneceu, quase inalterado, até meados do século XIX (Ariès, 2017). Outro elemento proeminente entendido como um dos sustentáculos da crença sobre a morte nesse período é o perdão. Era preciso que os homens se redimissem dos atos cometidos em vida buscando o perdão para que, de fato, pudessem ter a esperança de conseguir alcançar uma morte plena de sentido e descanso eterno (Ariès, 2017).

Neste período a morte era considerada passível de ser domada, ou seja, o homem acreditava ter controle sobre ela, pois acreditava sentir sua aproximação. Sabendo de seu fim próximo, homens e mulheres podiam tomar suas providências e despedir-se dos seus. Havia todo um ritual de elaboração para esse momento, tudo organizado pelo próprio moribundo e, às vezes, com auxílio de familiares e amigos, no leito com intuito de perdoar todos os seus pecados e débitos cometidos em vida. Era, certamente, uma desventura morrer subitamente, porque quem morria de repente não tinha sequer a oportunidade de se despedir de seus semelhantes, amigos e principalmente de ser perdoado. O perdão era claramente uma necessidade de se purificar e de se redimir, para ter a garantia de boa morte. O imaginário popular era legitimado pelo discurso imposto pela Igreja exaltando obediência e sacrifício. Após a morte, o corpo era enterrado em torno desta Instituição, local nomeado por cemitério (Ariès, 2017).

A Baixa Idade Média, período aludido como do século X ao Século XV, vai testemunhar a um fenômeno considerado como o mais relevante do período, a saber, o momento de maior ascendência da Igreja Católica Apostólica Romana, já iniciada anteriormente. O homem Medieval era construído subjetivamente para ser uma pessoa de fé, virtuosa, e vocacionada para aquilo que já estava pré-estabelecido, como processo de aceite de sua condição. A esse homem temente a Deus carecia honrar o compromisso assumido com a Igreja e seus representantes na vida terrena para que, em sua morte, pudesse ser bem recebido no descanso pleno e eterno dos céus, já que era a certeza que tinha (Ariès, 2017).

Assim, na Idade Média, a morte tornou-se uma experiência de débito com Deus, cobrado, por vezes, com a própria vida por seus representantes aqui na terra. A Igreja inseria a ideia de inferno e purgatório e tudo controlava desde o nascimento até a hora da morte. Desse modo, a população foi se constituindo sob a lógica do medo e respeito a ordens divinas, justificados e legitimados pelo uso de força e repressão (Ariès, 2017).

Destarte, Guandalini (2010) afirma que se criou um mecanismo que funcionasse como uma espécie de garantia do lugar para o corpo, por meio de um documento chamado testamento, "o qual desempenhava um papel importante desde a partilha de bens na Antiguidade para um contrato de salvação" (p. 16). Tal documento passa a ser cada vez mais utilizado com o passar do tempo.

Por fim, compreendendo a morte como parte de um ciclo natural dos seres humanos e como fenômeno que sempre acompanhou o homem desde seu nascimento, é possível perceber que cada cultura desenvolveu e desenvolve meios para tentar dar conta dos mistérios em relação à sua própria finitude. "A morte tornou-se o lugar em que o homem melhor tomou consciência de si mesmo". (Ariès, 2017, p. 59). Além disso, morremos a cada instante, o que muda em cada período é como nos damos conta desta condição eminentemente humana.

 

AS QUESTÕES QUE PERPASSAM O MORRER NA SOCIEDADE MODERNA

Por volta de um século antes do ínterim nomeado por Idade Moderna, ensaiava-se um movimento de diálogo com a cientificidade, um período nomeado por Renascimento, datado a partir do século XIV até o século XVI, que resultou em um distanciamento em relação às crenças religiosas. Segundo Heidegger (2008) a ciência moderna, oriunda da tradição metafísica do Ocidente, se constituiu como o modo de desvelamento histórico que predomina no mundo em que vivemos. Esse modo de desvelamento da existência torna todos os entes, inclusive o homem, objetáveis. Sendo, dessa forma, passíveis de serem estudados, medidos, calculados e controlados.

O período moderno é, portanto, marcado pela exigência do homem em prever e controlar tudo e todos, inclusive a vida e a morte com o auxílio instrumental e poderoso de técnicas cientificamente experimentadas. A partir disso, "o mundo torna-se uma espécie de cova de pedra, caracterizado por circunstâncias mecânico-causais, com base nas quais, o sujeito autônomo e livre cria o próprio mundo". (Teixeira, 2006, pp. 4-5). Num movimento de constante afastamento da concepção mística cristã como detentora de todo saber possível e inquestionável, novos altares foram sendo construídos e novos deuses idolatrados.

A ruptura paradigmática em relação ao período histórico anterior fez com que florescessem ideias insurgentes, inclusive, de que existiam muitas outras coisas para além do que a religiosidade cristã poderia explicar e, ainda, que o caminho entre a terra e o céu era muito mais complexo do que a fé poderia explicar, considerando significativos avanços e possibilidades de progresso.

Outra informação que o autor supracitado nos traz em relação a esse período é a mudança de sentido em relação à morte no leito, não apenas referente ao local, mas principalmente no que diz respeito à demonstração de dor e pesar dos outros diante do moribundo. Os novos cemitérios eram pensados e projetados de modo a torná-lo o mais aconchegante possível para os que visitam suas dependências e para os notórios cortejos. Eram estruturados em torno e em meio a parques, de preferência bastante arborizados e floridos, museus para homenagear personagens ilustres e catedrais para celebrações de missas de corpo presente (Ariès, 2017).

Do mesmo modo se testemunhou, com mais intensidade na segunda metade da modernidade, as tentativas de postergar a morte, por meio de inúmeras estratégias vendáveis e ilusórias adotadas pelo mercado capitalista. Nesse período, já se pensavam e fabricavam fórmulas mágicas da juventude encapsuladas em pílulas e diluídas em chás ou cremes. Começa-se a se evidenciar um movimento de mercantilização da morte. Capitalizou-se e ainda se capitaliza a dor, o luto, sofrimento e a perda de diferentes modos e de maneiras desiguais. Para cada pesar ou sofrimento humano produzem-se alternativas, soluções e até mesmo medicamentos de analgesia. A modernidade radicalizou o morrer como algo particular. Tornou a finitude uma experiência de contenção ou omissão, onde preciso ignorar e fingir que não existe e que é alheia. Uma experiência de indiferença que se tornou algo cada vez mais distante em meio urbano e as novas demandas de convívio social. Trata-se de uma atitude diferente de outras épocas em que se passavam, por vezes, dias de celebrações fúnebres e festejos ritualísticos. A modernidade marca o início de uma relação automatizada com a morte enquanto um fenômeno que precisa ser breve e asséptico. Torna-se assim, obrigatoriamente, algo distante e impessoal (Heidegger, 2008; Ariès, 2017).

 

O FENÔMENO DA MORTE NA CONTEMPORANEIDADE

Possivelmente na contemporaneidade tenhamos muito mais indagações sobre a morte do que familiaridade ou compreensões claras. Ainda que estejamos diante de significativos avanços tecnológicos de toda ordem, vivemos uma extrema sensação de vulnerabilidade. Os sentimentos de insegurança e incerteza marcam nosso viver contemporâneo e, tais sentimentos, também atravessam nossa relação com a morte. Ainda que precisemos entender a nossa morte como constitutiva da vida, tendemos a nos afastar de qualquer movimento de aproximação da mesma.

Pensar sobre morte, discutir ou refletir sobre tal condição que nos é constitutiva é temeroso e sombrio. É-nos mais reconfortante estar diante de terrenos mais seguros que nos apaziguam as angústias e nos dão respostas. A morte traz o valor à vida e, ao mesmo tempo, a exigência de nos questionarmos, diariamente, sobre o que fazemos com esta dádiva que ela representa. Tudo aquilo que não conhecemos bem, que tememos ou que não entendemos, facilmente isolamos. Isolamos em caixas que nunca devem ser abertas de forma voluntária e desejosa. Essas mesmas caixas que nos fazem lembrar o nosso próprio findar são abertas pelos outros, por perdas ou situações vividas na relação com os outros. A reflexão pessoal sobre a nossa possível morte, mais especificamente, sobre a nossa condição de ser existencialmente finito, não vem à luz e, na maior parte das vezes, não se coloca. A morte se torna algo higienizado, vivido à revelia de qualquer indagação, apegada nas malhas das ciências com suas promessas de prolongamento da juventude. Podemos ainda afirmar que a morte ou a perda que ela representa não deve ser vivida intensamente. Tudo precisa ser moderado, dinâmico e instantâneo. Não temos tempo para muita dor ou despedidas. O mundo contemporâneo goza apenas da vida e sua capacidade de produção constante.

Indo na contramão desta discursividade imediatista e consumista do contemporâneo, Sá (2010) traz a urgência da importância de se tematizar a temporalidade em relação à nossa finitude. A tematização de uma experiência da possibilidade de morte pode ser um contato súbito consigo mesmo, onde podemos nos aproximar de nossa condição constitutiva enquanto seres livres e mortais. "A morte é para todos nós não apenas uma possibilidade, mas uma realidade. Uma coisa é evidente: todos nós morreremos, mas em nossa cultura ocidental temos a tendência de ignorar o fato de nossa mortalidade" (Souza, 2008, p.184).

Souza (2008) pondera que a aceitação do homem em relação à morte não significa, de forma alguma, abandonar a esperança de continuar vivendo. Considera, inclusive, que é uma atitude saudável tentar evitar a morte enquanto se é ligado à vida, sem desconsiderarmos a importância de falar ou até estudar as perdas de modo geral. Por essa razão, a proposta de estudar a morte e as perdas que dela fazem parte não é por morbidez ou por negativismo que nos propomos, mas por saber que a compreensão do fenômeno da morte é tão importante quanto à compreensão da vida, pois ambas estão imbricadas num mesmo processo de desenvolvimento humano, afinal a vida só tem um sentido porque sabemos que somos finitos. Sabedora disso, Elizabeth K. Ross (2008), em seu livro Sobre a morte e o morrer relata que a morte não deve ser considerada uma inimiga, a qual precisa a ser a todo custo vencida. A morte deve ser encarada e acolhida como um mistério a ser compreendido.

A relação de intimidade de outrora se perde e se liquefaz nos nossos tempos. Não se aguarda mais a morte no leito como antes. As doenças não são mais compreendidas como castigos divinos, mas diagnosticadas com antecedência e controladas com fármacos poderosos. Falhas no sistema biológico do corpo humano são compensadas e resolvidas por aparelhos cada vez mais sofisticados. O corpo do moribundo não lhe pertence mais nem à sua família. Estes também o entregam aos cuidados dos médicos e por estes é decidido se vale a pena ou não a luta pela vida. (Ariès, 2017; Dias, 2010). Não falamos sobre morte, sobretudo a nossa, não nos aproximamos dela e, quando ousamos falar sobre ela, sempre apontamos a morte do outro, ainda assim, como algo ruim. Nós aprendemos na nossa cultura a evitar a dor e a perda, fugindo da morte, criando lacunas onde pensamos estar fugindo dela, deixando de crer na nossa própria finitude (Ariès, 2017).

Na contemporaneidade os rituais fúnebres de passagem foram substituídos e passaram a ser realizados pelas organizações funerárias, com a ideia de que se deve morrer de forma mais asséptica e higiênica possível. Nos hospitais ou nas residências, os pacientes, mesmo no momento de quase morte, entorpecidos pelas drogas e exaustos devido aos procedimentos invasivos, devem permanecer obedientes e colaborativos para não perturbar a ordem no ambiente. Assim, Beauvoir (1984) relata que "apesar da gravidade de seu estado, permanecia fiel à discrição de que sempre dera provas ao longo da vida" (pp. 59-60).

Desde a modernidade somos marcados por um distanciamento de questões que envolvam o tematizar sobre a morte como algo social, marcando também a questão do morrer como algo "impessoal", ou seja, não se fala da própria morte, mas das outras mortes e nunca em primeira pessoa. A fala do homem moderno era a seguinte: "a única coisa que sei é que se morre". A morte sempre era remetida para fora de si mesmo, nunca vinculada ou atravessada por questões próprias e pessoais (Heidegger, 2008; Ariès, 2017). Sob o nosso atual horizonte histórico de sentido, a tristeza e o pesar que carregam a marca da morte passam a serem negados aos familiares, amigos e à sociedade de modo geral, passam também a não mais ser ditos ao próprio enfermo(a) que padece, ou mesmo que se encontra em situações que gerem risco a vida. Não se tolera em nossa cotidianidade mediana nenhuma manifestação pública de tristeza, independentemente de ser dentro ou fora dos mecanismos de saúde (Heidegger, 2008).

Além disso, nosso tempo exige que demonstremos felicidade mesmo nos momentos de dor e pesar. Uma fala transcrita do livro Uma morte muito suave, de 1984, da autora Simoni de Beauvoir sobre os últimos dias de sua mãe num leito de uma clínica hospitalar, enquanto padecia de um câncer incurável, denota claramente a importância social dada em relação à sempre ter que dar mostras de felicidade não importando a situação. Sua mãe lhe diz a seguinte frase: "Gostam de mim porque sou alegre" (Beauvoir, 1984, p. 25).

Não nos permitimos demonstrar dor, mas também, não queremos ver o sofrimento do outro, nem mesmo que esse outro ocupe nossa moradia enquanto padece, além disso, não queremos nem temos tempo para cuidar dele. Se não é mais permitido morrer em casa, a proposta é morrer em outro local, afastado de casa e da vizinhança, se possível, tornando-se assim, o mais asséptico possível.

Em relação ao cuidado com os moribundos, com o passar do tempo, esta iniciativa passou da família para o médico ou para a equipe multiprofissional dos hospitais. Estes passam a serem os donos, não apenas dos cuidados, mas da vida e da morte do paciente. Uma espécie de juiz sobre a morte e o morrer. Beauvoir (1984) e Ariès (2017) explicam que, o que ocorre é, de fato, nessa lógica curativa e hospitalocêntrica atual na qual estamos absorvidos, somos cada vez mais impotentes diante do diagnóstico dos donos do saber especializado, de suas previsões e principalmente diante de suas decisões, não ousamos questioná-las nem sequer pensamos nessa possibilidade.

Submergidos na lógica da não comoção, não desespero e não dor pela perda de algo ou de alguém, esses sentimentos devem ser vividos e expressos de modo privado, particular, escondido. As manifestações fúnebres que se praticam atualmente se manifestam de formas cada vez mais contidas. A negação do luto ocorre por meio de várias práticas, para além da desaprovação social, dentre elas a imposição da volta ao trabalho em sete dias ou menos (Freitas, 2013). Na sociedade ocidental são inúmeras as formas de impedimentos de qualquer forma de tematização em relação ao findar da existência de si mesmo. Todo esse conjunto de impedimentos anteriormente citados é considerado parte de um fenômeno eminentemente humano que Ariès (2017) chamou de interdito.

Na contramão do sobredito, devemos entender a existência como para-a-morte, pois a mesma já se personifica desde nosso primeiro suspiro de vida. (Heidegger, 2008) Apesar de, na maioria das vezes, nos perdermos nos ruídos ambíguos do falatório, ou seja, na fala não teorizada ou tematizada do senso comum, a partir desta imersão, na qual estamos a maior parte do tempo, "a morte é vista como fenômeno do qual preciso desviar para fugir da angústia diante do nada previamente estabelecido, optando por se afastar do ser mais próprio e pessoal que somos" (Sá, 2010, p. 189).

Em consonância com a ideia acima, de início e na maioria das vezes, o ser-aí encobre para si mesmo o seu poder-ser, no impessoal, encontra-se a ideia imbricada de que a morte é um dos fenômenos do qual temos que nos desviar, nos esquecer, nos afastar. Confirma a ideia de que no falatório o discurso é: "não somos nós que morremos, mas morre-se." (Feijoo, 2010, p. 160). Falar da própria morte é angustiar-se. E a tendência cotidiana busca, precisamente, o oposto. Ancorados nas propostas científicas, buscamos as fórmulas mágicas da juventude e da imortalidade. Inserimo-nos nesta lógica cada dia mais, impulsionados pela mídia com seu falatório convincente. Acontecimentos corriqueiros como a morte e a possibilidade desta surgir de forma imprevisível, serão considerados visitantes indesejáveis.

A repulsa, fuga e estranhamento faz com que o fenômeno da morte na atualidade tenha status de tabu como fora o sexo no século passado enquanto interdito. Este acontecimento marca uma ruptura paradigmática referente à mentalidade social, até então consolidada, apontando uma nova forma de visada. Demonstrar uma falsa felicidade poderia ser a melhor maneira de disfarçar as mazelas inerentes à miséria existencial (Ariès, 2017).

No contemporâneo, temos medo de tematizar a simples possibilidade de aproximação da morte, muitas pessoas acreditam que pensar ou falar sobre morte as aproxima deste fato, entendendo isto como algo ruim e controlável. Sobre essa questão, diz Becker (2011): "O medo é condicionado pela cultura, porque a consciência da morte não traz necessariamente o medo. Por isso, não causa automaticamente controle". (p. 144). O medo insurge em várias situações quando tematizamos a possibilidade de aproximação da morte, "[...] quando se trata da própria morte, o medo do julgamento do castigo divino e da rejeição. [...] e o medo básico da própria extinção evocam a vulnerabilidade pela sensação de abandono" (Kovàcs, 1992, p. 16).

Tematizar sobre a vida ou sobre nossa morte gera uma infinidade de dúvidas, inquietações, inseguranças, medos. Estas nos convidam a adentrar em terrenos desconhecidos dos quais fugimos a todo instante, sobretudo, quando passamos a pensar na morte do outro como uma possibilidade que também é nossa e entendemos que esta é algo intrínseco e característico de nossa condição finita. Todo esse emaranhado de questões e possibilidades convoca a posicionamentos diante de si e do mundo e, sobretudo, a assumirmos tudo isso de modo próprio e singular. Não se trata mais de morte, mas da minha morte, ou melhor, do modo pelo qual eu construo a minha vida e me torno autor da mesma. Falar de morte se torna então falar de apropriação, de singularização e de posicionamento diário de como viver a cada dia dessa vida finita e frágil.

O homem contemporâneo, marcado por uma não tematização de sua própria vida, não suporta incertezas e encontra abrigo seguro e confortável no impessoal. Ou seja, distanciado de si próprio, agindo a partir do projeto do outro tudo se torna mais seguro e confortável. "A insurgência dos quadros ansiogênicos provocados pela angústia parecem fazer parte da própria constituição do homem contemporâneo, que em sua experiência de vida não abre espaço para as imprevisibilidades, sobretudo em relação à própria morte" (Dantas, 2010, pp. 55-56).

Seguindo o pensamento de Heidegger (2008) para articulá-lo com o cenário atual, pensamos que o contemporâneo se enuncia para além de uma simples ruptura dos modos já apresentados ou característicos da modernidade, na verdade a contemporaneidade é um exagero em relação a todos os aspectos modernos. Não temos tempo para tematizar a respeito disso, mesmo que tempo tivéssemos, é angustiante, inquietante. Mesmo assim, torna-se pertinente um exercício de "pôr em jogo a nossa condição mais própria, desvencilhando-se assim do impessoal que encobre a possibilidade do antecipar do ser-para-a-morte, chamando pelo poder-ser mais próprio" (Feijoo, 2010, p. 160).

Se a nossa existência é pura possibilidade e a única certa de que temos é da morte, então a nossa existência tem que ser sempre uma existência para-a-morte. Desde que nascemos já estamos morrendo. A cada dia, nós temos mais proximidade da morte. Não é a morte objetiva a que nós nos agarramos, mas a qual não deveríamos nos agarrar, é um simples elemento que o autor vai chamar de finitude, quer dizer que algo tem um fim. A nossa vida tem um fim (Heidegger, 2008).

A finitude é um fenômeno que marca as várias rupturas, as várias perdas que temos ao longo da vida, a saber, relacionamentos, projetos, conquistas. As experiências diante dessas perdas são as vivências de finitude. Esse fenômeno precisa ser abraçado e entendido como privilégio, porque, se fôssemos infinitos, sempre tenderíamos a adiar as ações. Além disso, a finitude nos lembra da urgência de se vivenciar o agora. A importância que damos à vida é exatamente porque ela é finita (Heidegger, 2008).

Quando nos dispusemos a falar de morte, estamos falando de nós, da nossa morte e não apenas da morte do outro. Quando falamos sobre isso colocamos uma possibilidade de liberdade, frente ao aprisionamento que essa palavra nos traz socialmente. Quando a pessoa tem consciência de que é finita e, por isso, valora a vida, ela tem a abertura para se tornar sua melhor versão. A vida enquanto finita nos convida à reinvenção, à ousadia e à apropriação.

É muito importante entender a morte como essa possibilidade insuperável. E não se trata de vê-la como algo impessoal e distante. O viver-para-a-morte é o autêntico sentido da existência, pois nos afasta da simples submissão aos fatos e às circunstâncias, trata-se então de um movimento de antecipação da morte. Quando realizamos esse movimento de antecipação estamos trazendo a possibilidade de uma construção de vida mais singular, mais pessoal, mais assinada, com autoria. Ser autor da própria vida é um desafio (Heidegger, 2008).

Como exercício fundamental na contemporaneidade, a morte passa a ser uma experiência que, ao contrário de ser neutralizada ou evitada, possa propiciar reflexões diversas para que novas histórias possam ser escritas. A morte viabiliza a escrita de nossa vida, a nossa biografia, ou seja, como estamos tecendo nosso "eu" diante dessa condição de certeza.

Por fim, se não podemos superar a morte, precisamos encontrar um jeito de lidar com ela. Precisamos encontrar um jeito de usá-la ao nosso favor. Justamente entendendo a importância que ela dá a nossa vida e entendendo a morte como uma face de um todo. Ou seja, como sujeitos, nos constituímos exatamente nesta relação de vida e morte. Tematizemos esta condição inerente e eminentemente humana para não morrermos tentando nos proteger da nossa própria vida (Heidegger, 2008; Dantas, 2011).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paradigma ou tabu em relação às temáticas que dialoguem com assuntos sobre o findar da nossa existência permanece presente na nossa sociedade ocidental contemporânea. Mesmo diante desse fato, buscamos ao longo deste estudo, nos aproximar do fenômeno da morte e de como o ser humano vem se comportando ao longo dos tempos diante do fato de sermos finitos, tendo por foco a civilização ocidental.

A partir dessa reflexão, encontramos a partir da antiguidade uma mentalidade duradoura e intensa com relação ao fenômeno da morte, entendida pela sociedade como algo familiar, próximo, possível, considerada um acontecimento natural, glorioso. Em seguida, na Idade Média, os homens e mulheres da época tinham mais temor de não serem bons cristãos em vida. A Idade Média tem na fé, o pecado e o castigo como pilares de sustentação de toda crença e prática do homem em sociedade (Coulanges, 2006; Ariès, 2017).

Compreendemos também que o período moderno é atravessado por um sentimento mais íntimo e pessoal pela vida, enxergando-a com tamanho apego que a simples possibilidade de tematizar a própria "existência-para-a-morte" gerava grande desespero. Com o advento da Ciência inicia um processo de corrida contra a morte em favor do viver orgânico e biológico se inicia, nomeado de domar a morte. Em seguida, a morte na contemporaneidade e tornou-se inominável e, para além de domada, tornou-se interdita (Ariès, 2017).

Tematizar a própria morte hoje é um ato entendido socialmente como mórbido ou depressivo. Tal sentimento reflete a tentativa técnica e científica de controlar a vida e a morte presentes nos discursos cotidianos. Além de não poder tematizar, também não podemos morrer em casa para morrer nos hospitais. Na mudança de gestão do corpo do morto, dos familiares e comunidade para o âmbito médico e técnico, um novo protagonista entra em cena: o próprio médico, que encara a morte como enfrentamento, combate, adiamento e fracasso técnico e existencial (Veras & Soares, 2016; Ariès, 2017).

Acreditamos que, a partir dessas e de outras inquietações trazidas à luz deste estudo, possamos tematizar nossa própria existência, enxergando vida e morte como parte da mesma tessitura de sentido, do mesmo plano ontológico existencial, entendendo que é apenas tendo consciência de que somos finitos que valoramos nossa vida.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Jurema Barros Dantas
E-mail: juremabdantas@gmail.com

Jean Elyson Rodrigues Borge
E-mail: jean_rodrigues@live.com

Adryssa Bringel Dutra
E-mail: adryssa_bringel@hotmail.com

Recebido em: 02/04/2020
Aprovado em: 10/10/2020

 

 

1 Jurema Barros Dantas: Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia Social na área de História Social, Imaginário e Cultura pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: juremabdantas@gmail.com
2 Jean Elyson Rodrigues Borge: Graduado em Psicologia (UFC). Mestrando em Psicologia (UFRN). E-mail: jean_rodrigues@live.com
3 Adryssa Bringel Dutra: Graduada em Psicologia (UFC). Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC. E-mail: adryssa_bringel@hotmail.com

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