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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.1 Belém jan./abr. 2021

 

EXPERIENCE REPORT

 

ResiliArtes: uma experiência teatral no Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha

 

ResiliArtes: a theater experience in the Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha

 

ResiliArtes: una experiencia teatral en el Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha

 

 

Ruan Kelvin Mascarenhas de Oliveira1; Luis Eduardo Matos Reis2; Suellen Nascimento dos Santos3; Eudes Oliveira Cunha4

Instituto Federal Baiano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, apresentamos a experiência de um curso de extensão em Teatro desenvolvido no Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha. A proposta teve o objetivo de proporcionar aos cursistas conhecimentos em teatro por meio de práticas e reflexões sobre elementos artísticos e contextos socioculturais. A partir da abordagem do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, as oficinas foram organizadas em quatro módulos, destinados à (1) iniciação à linguagem teatral, (2) experimentação de práticas de interpretação, (3) conhecimento voltado às artes cênicas e dramaturgia nordestina e (4) montagem de um espetáculo teatral. Os encontros semanais consistiram em momentos de preparação técnica, estudo e debate, prática teatral e momentos de avaliação do processo. A experiência contribuiu para a formação dos participantes e indica caminhos metodológicos para a elaboração de futuras propostas de oficinas de teatro em contextos de educação escolar.

Palavraschave: Teatro; Curso de extensão; Experiências pedagógicas.


ABSTRACT

In this article, we present the experience of an extension course in theater developed at Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha. The purpose of the proposal was to provide students with knowledge in theater through practices and reflections on artistic elements and socio-cultural contexts. Based on Augusto Boal's Teatro do Oprimido approach, the workshops were organized in four modules, aimed at (1) introducing the theatrical language, (2) experimenting with interpretation practices, (3) knowledge focused on the performing arts and Brazilian's northeasterndramaturgy and (4) setting up a theatrical show. The weekly meetings consisted of moments of technical preparation, study and debate, theater practice and moments of evaluation of the process. The experience contributed to the students formation of the participants and indicates methodological paths for the elaboration of future proposals for theater workshops in school education contexts.

Keywords: Theater; Extension course; Pedagogical experiences.


RESUMEN

En este artículo, presentamos la experiencia de un curso de extensión en Teatro desarrollado en el Instituto Federal Baiano - Campus Serrinha. El propósito de la propuesta fue proporcionar a los estudiantes conocimientos teatrales a través de prácticas y reflexiones sobre elementos artísticos y contextos socioculturales. Basado en el enfoque del Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1991), los talleres se organizaron en cuatro módulos, destinados a (1) introducir el lenguaje teatral, (2) experimentar con prácticas de interpretación, (3) desarrollar conocimiento centrado en las artes escénicas y la dramaturgia noreste y (4) organizar un espectáculo teatral. Las reuniones semanales consistieron en momentos de preparación técnica, estudio y debate, práctica teatral y momentos de evaluación de los procesos. La experiencia contribuyó a la formación de los participantes e indica caminos metodológicos para el desarrollo de futuras propuestas para talleres de teatro en contextos de educación escolar.

Palabras clave: Teatro; Curso de extensión; Experiencias pedagógicas.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o objetivo de descrever a experiência de um curso de extensão em Teatro desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano) - Campus Serrinha. A proposta emerge de um grupo de professores que observou a necessidade de criação de espaços para fruição e práticas artísticas no referido Campus. Com as atividades acadêmicas iniciadas em 2016, o IF Baiano - Campus Serrinha vem se consolidando como uma instituição de referência no Território do Sisal5. Nesse contexto de ampliação das propostas educacionais da instituição, buscamos expandir as oportunidades de formação e práticas artísticas para estudantes matriculados, servidores e comunidade externa, mediante a criação do Grupo de Teatro ResiliArtes.

O nome do grupo foi inspirado na significação atribuída à palavra resiliência que, em seu sentido figurado, quer dizer a "[...] capacidade de quem se adapta às intempéries, às alterações ou aos infortúnios" (Dicio, 2020). Sendo assim, a superação de um problema pode ocorrer pela arte, indo ao encontro da perspectiva do Teatro do Oprimido (TO) de Augusto Boal, visto que trabalha técnicas teatrais que criam a representação do real, sendo estas empregadas para o debate de problemas vividos, na busca por formas de resolvê-los e/ou superá-los (Teixeira, 2011).

Cabe salientar que nenhum membro da equipe proponente do projeto possui formação em Artes Cênicas, sendo ela composta por professores de química, gestão de cooperativas, música, biologia e um bolsista, aluno do curso de ciências biológicas. Ou seja, todos os integrantes são amadores que, em algum momento da vida, tiveram participações ou contato com peças teatrais; e que aceitaram o desafio de desenvolver um projeto ímpar, distinto das atividades acadêmicas a que estão submetidos diariamente. Para tal proposta, a equipe de ensino levantou livros e artigos sobre teatro, em seu sentido lato, e mais especificamente leituras sobre os princípios e técnicas do Teatro do Oprimido, o qual serviu como referencial básico na construção do projeto visando uma compreensão mais crítica da realidade.

A atividade de extensão não teve como objetivo ser um curso de formação de ator tampouco entrar em debates do universo cênico de modo mais profundo. Nossa proposta foi a de proporcionar conhecimentos e experiências em teatro, possibilitando ao participante se conectar mais com seu corpo e, por conseguinte, com sua mente, repensando-se, e indo além, refletindo sobre o papel da arte - e o seu próprio papel - tendo como pano de fundo seu contexto sociocultural. Durante as oficinas, jogos teatrais, atividades de integração, expressão corporal e vocal e sensibilização foram articulados com momentos de estudo e reflexão sobre o teatro e sua relação com temas da vida cotidiana e da sociedade de um modo geral.

Além disso, temáticas voltadas para o teatro produzido na região Nordeste serviram de base para a compreensão desta linguagem artística e suas contribuições para a formação política e construção da identidade cultural do povo nordestino. Assim, buscamos provocar nos cursistas sentimentos de pertencimento e integração ao ambiente institucional e ao seu território.

Boal (1991), em sua proposta, mostra que o teatro é instrumento de formação política, de construção de conhecimento crítico e intervenção sobre a realidade social. No intuito de se aproximar dessa proposta é que, a seguir, serão discutidos aspectos conceituais que orientaram a realização das oficinas. Na sequência, serão descritos os caminhos metodológicos percorridos, indicando as temáticas abordadas, estratégias de ensino-aprendizagem e avaliação. Por fim, são apresentadas reflexões sobre a experiência, seguidas das considerações finais.

 

PERCURSO TEÓRICO: BASE PARA A CONSTRUÇÃO DAS OFICINAS

Arte é sinônimo de humanidade. A arte pode ser compreendida como a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética ou comunicativa e faz parte da formação ontológica do homem como ser social. Portanto, ela é condição inerente à formação do indivíduo pertencente a uma sociedade. Porém, diferente de outras formas de conhecer o mundo como a ciência ou a filosofia, a arte requer uma comunicação entre o concreto e o abstrato, o objetivo e o subjetivo, e tenta, ao mesmo tempo, mostrar e transcender a realidade. Assim, podemos entendê-la como a tentativa de compreender e expressar a vida e, por conseguinte, algo vital. Segundo Ostrower (1983),

[...] a arte é baseada numa noção intuitiva que forma nossa consciência. Não precisa de um tradutor, de um intérprete. Isso é muito diferente das línguas faladas, porque você não entenderia o italiano falado há quinhentos anos, mas uma obra renascentista não precisa de tradutor. [...] Essa capacidade de ser uma linguagem da humanidade é coisa extraordinária (p. 53).

Nessa perspectiva, o uso da arte no ambiente escolar/acadêmico mostra-se importante por ampliar a possibilidade do indivíduo conhecer o mundo e a si próprio. O filósofo Dermeval Saviani (2012) afirma que o

[...] papel da escola não é mostrar a face visível da lua, isto é, reiterar o cotidiano, mas mostrar a face oculta, ou seja, revelar os aspectos essenciais das relações sociais que se ocultam sob os fenômenos que se mostram à nossa percepção imediata (p. 2).

Assim, o que o autor coloca é que a função da escola é, como instituição formativa, proporcionar aos estudantes uma formação completa, omnilateral. Dessa maneira, o ambiente formador tem como objetivo possibilitar a apropriação de conhecimentos em suas mais diversas facetas; o uso da arte como via formativa é uma delas. O teatro aparece então como uma possibilidade de ampliar as formas do indivíduo perceber e conhecer a realidade através de uma perspectiva diferente.

No ambiente acadêmico, expressar-se pela arte também incentiva o desenvolvimento da oralidade ou mesmo da resolução de pequenos conflitos cotidianos, melhorando assim as expressões corporais e a autoconfiança. Nesse mesmo sentido, a dramatização acompanha o desenvolvimento do indivíduo como uma manifestação espontânea e de promoção de equilíbrio entre ele e o meio ambiente.

Em suma, o teatro pode ser explorado por uma instituição de ensino, na figura do professor, com objetivo de desenvolver as capacidades de expressão - relacionamento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção, as quais são próprias do ser humano, mas necessitam ser estimuladas e desenvolvidas (Reverbel, 1996).

Ao considerar estes aspectos que evidenciam a relevância do teatro para a formação dos sujeitos, a presente proposta de curso tomou como referência o trabalho desenvolvido por Augusto Boal. Este dramaturgo brasileiro criou um método de ensino que mescla o teatro à debates sociais, conhecido como Teatro do Oprimido (TO).

Na perspectiva de Boal, a arte não deve se desvincular do contexto sociopolítico e pode ser instrumento de transformação e inserção social. Dessa forma, defende que "todo teatro é necessariamente político, porque políticas são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas" (Boal, 1991, p. 13). São esses pressupostos que conduzem a atividade artística de Boal, que resulta na sua obra Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas.

O Teatro do Oprimido, que teve influência de Paulo Freire, desenvolveu-se durante a Ditadura Militar no Brasil, mais precisamente em 1971, com a publicação do livro O Teatro do Oprimido. Nesta obra, são colocadas em evidência as problemáticas relações de opressão e poder e a busca de soluções libertadoras por meio da arte inclusiva (Sullivan, 2019). O TO também é utilizado como estratégia metodológica para intervenções socioeducativas em contextos de violência, como instrumento de promoção do diálogo, superação de traumas e prevenção de crimes, entre outros (Burns et al., 2017).

O teatro pode ter em sua essência princípios e estratégias de transformação social e promoção da liberdade, mas também pode ser utilizado como instrumento de dominação, quando visto apenas como contemplação de valores estéticos e dirigido a uma minoria, notadamente as elites (BOAL, 1991). Assim, nota-se a importância em discutir e fazer arte inclusiva, de forma a reafirmar o conceito de arte por e para todos e todas, em oposição à ideias de arte como forma excludente de dominação cultural.

No âmbito educacional, o TO se conecta com o sociodrama ao perpassar por questões internas da psique dos cursistas e tratar de problemas de opressão interna, bem como promove o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores aplicáveis à vida real (Giesler, 2017).

Soma-se a este fato a dinamicidade existente nas práticas teatrais, as quais trabalham com diferentes habilidades dos indivíduos a partir do movimento subjetivo entre simbolismos, marcados por exemplo no discurso e na representação de personagens, com regras objetivas que demandam questões mais concretas de tempo, marcações, estratégias. Esse jogo entre aspectos subjetivos e objetivos é enriquecedor no desenvolvimento de diferentes competências no sujeito, tão importantes dentro das artes cênicas (Xavier, 2019).

Além disso, estimula a reflexão crítica e o diálogo sobre opressão, exclusão e injustiça, com reafirmação do comprometimento para atuar em prol de uma sociedade igualitária (Romano, 2019). A transformação a partir da reflexão se torna possível especialmente pela proposta em levar a ação do teatro para a plateia, que se torna o centro da experiência, o participante mais importante da peça teatral (SCHECHNER, 2013). Assim, projetos no ambiente acadêmico que promovam tais ideais se mostram fundamentais para alcançar os objetivos e finalidades da educação no país.

 

RESILIARTES: PRÁTICAS TEATRAIS E REFLEXÕES SOBRE O CAMINHO PERCORRIDO

A metodologia desta proposta de teatro foi inspirada no projeto "Lumiee: Arte para a Vida", ocorrido em Belém do Pará (Bassani et al, 2017), sendo estruturada em cinco módulos, em que cada um deles fora subdividido em oficinas com abordagens de temáticas variadas que, em conjunto, intencionam o alcance de metas específicas. As oficinas totalizaram 48 encontros presenciais, com duração diária de duas horas, sendo um encontro por semana. Contudo, adaptações na quantidade foram necessárias, devido a imprevistos ocorridos durante a execução da proposta.

Os encontros foram subdivididos em quatro momentos, sendo eles: (a) exercícios iniciais de alongamento, concentração, respiração, voz e meditação, com o intuito de harmonizar aos cursistas para as oficinas; (b) reflexão em grupo sobre algum tema ou questão, em que os participantes tiveram a oportunidade de contar suas experiências relacionadas ao conceito trazido pela equipe de ensino e discutido em grupo; (c) prática teatral, geralmente interligada com o tema abordado no segundo momento; e (d) autoavaliação, na qual os participantes tinham a oportunidade de contar suas percepções a respeito das experiências e sugerir práticas ou questões para o encontro seguinte. Ao longo das oficinas, estes momentos foram alternados e os conteúdos dos módulos alterados de acordo com a receptividade dos cursistas (Figura 1).

 


Figura 1 - Cursistas na turma inicial do projeto de extensão ResiliArtes6

 

As oficinas foram realizadas, em sua maioria, na sala de artes do prédio acadêmico localizada no IF Baiano - Campus Serrinha. O espaço foi aperfeiçoado aos poucos e, a princípio, apenas duas mesas, um armário e algumas cadeiras estavam disponíveis. No decorrer das oficinas, com a utilização do recurso destinado ao projeto, fizemos a compra de tatames do tipo quebra-cabeça, que passaram a revestir parte do piso. As práticas não se limitavam ao espaço interno da sala, sendo expandidas para áreas externas do Campus, como corredores, estacionamento e refeitório.

As atividades tiveram início com a seleção dos cursistas que se deu via questionário aplicado e um exercício prático. Neste momento, o projeto e o planejamento de execução foi apresentado no intuito de aproximar os cursistas aos objetivos e propostas idealizadas. Foram selecionadas pessoas de distintos perfis, dentre os quais, estudantes de graduação do IF Baiano - Campus Serrinha, estagiária do Campus, servidores (técnicos e professores) e comunidade externa.

As oficinas foram mediadas pela equipe de ensino - docentes e estudante bolsista - e professores convidados, sempre precedidas de estudos e reuniões semanais, para definir as melhores estratégias e atividades de alcance dos objetivos e metas.

O primeiro módulo, dividido em cinco encontros, teve como temática central Introdução à linguagem teatral. O intuito foi o de inserir os participantes no universo do teatro por meio da apropriação de conceitos sobre arte e da vivência de algumas práticas. Nesses encontros foram abordados os temas presentes no Tabela 1.

 

 

Este módulo foi destinado à compreensão mais geral dos conceitos sobre arte, com foco no teatro, para aproximar os cursistas da história, funções e composições textuais dessa linguagem artística. Posteriormente, demos enfoque à abordagem de teatro de Augusto Boal. Foram realizadas diversas atividades, como: aquecimento corporal e vocal, impostação de voz, exploração do espaço (Figura 2), conhecimento dos planos alto, médio e baixo e jogos teatrais presentes na prática do TO.

 

 

O módulo contou com a presença de convidados, professores do IF Baiano - Campus Serrinha, que falaram sobre os temas O texto de teatro e Drama e comédia. As oficinas permitiram experiências como exploração do ambiente e relaxamento em grupo, a exemplo da atividade em que participantes realizaram o reconhecimento dos espaços do Campus, vendados e guiados por parceiros, aguçando sentidos como audição, olfato, tato e até paladar. Com a realização desta atividade, percebemos que a dinâmica levou a situações de estabelecimento de confiança entre os integrantes.

Conforme referido, neste primeiro módulo buscamos despertar o interesse dos participantes para um estudo introdutório sobre o teatro, este compreendido como área do conhecimento. As atividades não se restringiram a exercícios técnicos, sendo vinculadas a contextos socioculturais da região do Sisal, território de identidade onde foram desenvolvidas as oficinas.

Os momentos de reflexão em grupo permitiam a compreensão de aspectos históricos e conceituais acerca do teatro. Nesse sentido, a discussão sobre o conceito de Arte e sua relação com outras formas de produção do conhecimento, como a Ciência, Filosofia e conhecimentos do cotidiano, serviram de base para uma compreensão do campo das artes cênicas. Associado a essa dimensão mais ampla e teórica da referida área, os cursistas vivenciaram os elementos que compõem as práticas do teatro, como a expressão corporal, utilização da voz, sensibilização e percepção e, ainda que inicial, características de personagens. Portanto, tivemos a intenção de inserir os participantes nesse universo artístico ao tempo que se estimulava a expressividade e reflexão crítica sobre contextos sociais.

Outro aspecto relevante, que pode ser destacado neste primeiro módulo, foi a aproximação das relações sociais entre a equipe de ensino com os cursistas. Com algumas exceções de estudantes que se conheciam, por integrarem o mesmo curso e turma na instituição, a maioria dos participantes, inclusive a própria equipe de ensino, tinha restritas relações de convivência, mesmo no ambiente de trabalho. Considerando a necessidade de estreitamento das relações de confiança e até mesmo de vínculos afetivos entre os integrantes do grupo, conforme salienta Xavier (2019), o primeiro módulo cumpriu com este objetivo de criar certa coesão do grupo para que pudessem se expressar durante as oficinas, diminuindo o desconforto de algum tipo de exposição. Alguns cuidados, como a escolha de uma sala mais reservada, para que não fossem assistidos pelo público externo durante as oficinas; a seleção dos tipos de atividades, considerando as experiências precedentes dos cursistas com o teatro, foram alguns dos aspectos observados e contribuíram para a condução deste primeiro módulo.

Sobre este aspecto, Xavier (2019) destaca que o ambiente de troca de conhecimentos entre professor ou coordenador das atividades e alunos é apropriado e impacta positivamente nas práticas teatrais em contextos escolares. Nesta perspectiva, a experiência do ResiliArtes foi marcada por práticas colaborativas entre a equipe de ensino. O fato de os professores terem formação em distintas áreas, propiciou a intensificação deste ambiente de troca de conhecimentos. Ademais, a ausência de experiências de ensino de teatro pela equipe de ensino pode ter sido um fator relevante e, até mesmo, determinante para se ter maior integração do grupo na intenção de se discutir e definir o planejamento com adaptações das atividades, a partir das avaliações de cada encontro realizado com os cursistas.

É relevante enfatizar que essas relações de troca de conhecimentos se consolidaram por meio de processos de identificação entre os membros que integram a equipe de ensino e que, por consequência, estenderam-se aos participantes do projeto. Certamente, os tipos de interações estabelecidos entre os integrantes envolveram afetividade e certa flexibilidade nas formas de conduzir o planejamento, bem como constantes discussões sobre o desenvolvimento das oficinas, tanto por parte da equipe de ensino quanto dos cursistas, foram fundamentais para os processos de aprendizagem.

O segundo módulo, composto por sete encontros, objetivou à experienciação do próprio sujeito na condição de ator, tendo em vista a temática central experimentando o palco. Tínhamos como finalidade o desenvolvimento das técnicas iniciais de teatro, com enfoque na preparação dos atores para a montagem do espetáculo, previsto para ocorrer no último módulo. Nestes encontros, foram abordados os temas presentes no tabela 2.

 

 

Temas como A personagem e suas emoções no palco e Linguagem corporal - cacoetes, emoções foram trabalhados com o intuito de desenvolver no cursista o processo de criação de personagens, visto que, para Boal (2000), o ator deve interpretar um personagem que exista dentro de si, numa perspectiva de dentro para fora, e não o contrário.

Para além disso, emergiu a necessidade de explorarmos a concentração (Figura 3), linguagem corporal e vocal dos participantes, numa atuação individual ou coletiva e, por vezes, improvisada. O cursista foi desafiado a caracterizar com maior atenção a personagem, revelando como esta se comportava, apresentava cacoetes ou manias, que incluíam características da fala, formas de andar e olhar para si e para o outro. Sobre estes aspectos, ressaltamos a importância atribuída, por Boal (2000), ao olhar como parte da criação da estrutura do espetáculo e local de nascimento das personagens.

 

 

As reflexões sobre este segundo módulo evidenciam a importância do saber de experiência em educação, conforme salienta Bondía (2002). Este estudioso define experiência como o que nos acontece, que nos marca e nos afeta de algum modo, vista como essencial nos processos formativos, evidenciado quando diz que "o sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião" (BONDÍA, 2002, p. 26).

A capacidade dos participantes se colocarem em exposição para vivenciarem o desconhecido nas oficinas de teatro, representou essa oportunidade de experimentar as incertezas. Colocar-se frente a colegas para expressar emoções de personagens, criar cenas em jogos de improvisação, explorar sons do próprio corpo, dentre outros, representou a possibilidade desses cursistas desafiarem esse universo do desconhecido e ampliarem seus saberes.

O exercício deste módulo nos faz compreender o quanto o saber de experiência ganha centralidade no fazer pedagógico em artes, o que se estende a outras áreas do conhecimento. Certamente, este saber é particular e subjetivo da equipe de ensino e de cursistas que vivenciaram esta relação entre conhecimento e vida naqueles espaços de existência das oficinas do ResiliArtes.

O terceiro módulo abordou a Dramaturgia Nordestina, de forma a propor o conhecimento de saberes históricos sobre a constituição teatral da região, por meio dos principais dramaturgos e grupos teatrais, conforme apresentado no Tabela 3.

 

 

Os cursistas foram convidados a revisitar obras, declamar e reconstruir cenas. Eles revisitaram as experiências de grupos teatrais criados e consolidados desde 1931, iniciando pelo Grupo Nossa Gente que foi um movimento teatral brasileiro surgido no Recife. Passando ao Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) e Teatro Popular do Nordeste (TEP), surgidos em 1940, 1941 e 1960 respectivamente, onde conheceram dramaturgos e características peculiares desses grupos.

Dessa forma, puderam ter uma ideia do caminho percorrido pelo teatro no Nordeste, o qual partiu da proposta de oferecer uma qualidade estética e artística aos espetáculos nordestinos, até se notar que, para além desses quesitos, essa arte tinha necessidade de ser popularizada e levada com qualidade às camadas socialmente menos favorecidas. Neste sentido, nota-se a preocupação desses grupos, bem como o pensamento crítico sobre a realidade nordestina no sentido de oportunizar o acesso à cultura e à arte.

As lições que emergem das experiências do terceiro módulo vinculam-se à ideia de práxis pedagógica. Ou seja, a compreensão de que a prática educacional – ou a técnica - deve estar imbricada com o pensamento crítico sobre a realidade, sobre os sentidos e construções históricas nos contextos educacionais. Portanto, os estudos realizados sobre temas da dramaturgia nordestina, por meio de indicação de leituras, breves exposições e debates, cumpriram com este objetivo de provocar nos participantes a reflexão vivenciada sobre produção artística e sua relação com a cultura e a sociedade.

A abordagem de algumas produções de dramaturgos como Ariano Suassuna e Dias Gomes, por exemplo, colocaram em discussão temáticas relevantes da construção da identidade cultural e estruturas de poder político presentes na região do nordeste brasileiro. O exercício de desconstrução do pensamento hegemônico nas produções artísticas, ou mesmo o exercício da crítica acerca das relações de poder nas sociedades, podem ser citados também como exemplos de debates inspirados nos referidos autores, dentre outros. Este ambiente de vivência e prática reflexiva, esteve associado a momentos de prazer estético, próprios do fazer artístico.

A partir deste terceiro módulo, surgiu o interesse pela interpretação da obra O Bem-Amado, do baiano Dias Gomes. Desse modo, o quarto e último módulo será voltado à criação do espetáculo, a partir da caracterização de personagens, figurinos, cenários, e à realização dos ensaios.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de momentos de socialização e avaliação proporcionados pelos professores nas oficinas, de uma maneira geral, verificamos relatos positivos de cursistas com relação às atividades desenvolvidas. Vale destacar a motivação dos cursistas para participarem de atividades com enfoque mais lúdico, em especial, àquelas realizadas em ambientes abertos ou fora do espaço da sala de artes. Destacamos, ainda, a participação de professores convidados, como forma de ampliar as percepções sobre o fazer artístico na área de teatro, momentos que foram mencionados pelos cursistas como relevantes para a construção do conhecimento do grupo.

Ao longo das oficinas, em alguns momentos, a equipe de ensino - professores e bolsista - percebeu a necessidade do fomento de propostas que incentivassem a participação e discussão sobre os temas abordados, como, por exemplo, a disponibilização prévia dos textos para leitura, o que permitiria maior alcance dos objetivos de cada módulo.

Entretanto, em uma análise mais crítica, a equipe de ensino reconheceu que a proposta das oficinas não se caracterizava pela composição de estudos teóricos sobre a arte, sendo os conceitos discutidos pelos cursistas, satisfatoriamente expressados via debates e atividades práticas. Além disso, ao longo do curso, houve uma tendência à redução do tempo destinado à exposição de temas e discussões, resultando em maior enfoque nas atividades práticas que estimulavam o desenvolvimento da técnica teatral.

Nesse sentido, houve uma apropriação, por parte da maioria dos cursistas, das técnicas teatrais desenvolvidas, como a noção de espaço, localização no palco, postura, impostação de voz, montagem e caracterização de personagem e práticas de improviso. Uma maior interação social entre os participantes e equipe de ensino também foi notada durante a execução do projeto. Portanto, mediante este cenário descrito, a equipe de ensino compreende que os objetivos foram atingidos até o momento, apesar de ter havido desistências de cursistas ao longo das oficinas.

O percurso de execução do projeto, até o momento, indica a relevância de propostas desta natureza, considerando que estas ampliam as possibilidades de formação em artes nos mais diversos contextos socioeducativos. Os resultados parciais da experiência indicam, de algum modo, caminhos metodológicos para a elaboração de futuras propostas de oficinas de teatro em contextos de educação escolar.

Atualmente, devido ao período de isolamento social determinado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde, no combate ao Coronavírus (SARS-CoV-2), o projeto suspendeu as oficinas presenciais, contando apenas com encontros realizados através da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que é uma Plataforma digital para a educação e que permite a realização de reuniões pela Conferência Web. A participação dos cursistas têm sido efetiva. Planeja-se a continuidade das oficinas, a partir do Módulo 4, ao término deste período.

 

REFERÊNCIAS

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Agradecimentos

Agradecemos ao IF Baiano pelo apoio ao Projeto ResiliArtes, que ocorreu por meio do Programa de Apoio Institucional à Extensão (Edital de Extensão Nº 04/2019 /PROEX/CPPEX/IFBAIANO / Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Extensão – PIBIEX modalidade superior).

 

Endereço para correspondência
Ruan Kelvin Mascarenhas de Oliveira
E-mail: ruankelvin9@gmail.com

Luis Eduardo Matos Reis
E-mail: luis.reis@ifbaiano.edu.br

Suellen Nascimento dos Santos
E-mail: suellen.santos@ifbaiano.br

Eudes Oliveira Cunha
E-mail: eudes.cunha@ifbaiano.edu.br

Recebido em: 01/06/2020
Aprovado em: 05/03/2021

 

 

1 Ruan Kelvin Mascarenhas de Oliveira - Discente do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto Federal Baiano, Campus Serrinha, Brasil. E-mail: ruankelvin9@gmail.com
2 Luis Eduardo Matos Reis - Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Professor do Instituto Federal Baiano, Campus Serrinha. E-mail: luis.reis@ifbaiano.edu.br
3 Suellen Nascimento dos Santos - Mestre em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa, Brasil. Professora do Instituto Federal Baiano, Campus Serrinha. E-mail: suellen.santos@ifbaiano.br
4 Eudes Oliveira Cunha - Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Professor do Instituto Federal Baiano, Campus Serrinha. E-mail: eudes.cunha@ifbaiano.edu.br.

5 O referido Campus está localizado na Zona Rural do município de Serrinha. Portanto, tem o Território de Identidade do Sisal como foco de sua atuação. Este território é formado por 20 municípios, sendo eles: Barrocas, Biritinga, Conceição do Coité, Ichu, Lamarão, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Tucano, Araci, Candeal, Cansanção, Itiúba, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Serrinha, Teofilândia e Valente. Atualmente, a instituição oferece três cursos técnicos de nível médio (dois integrados, Agroecologia e Agroindústria; um subsequente, Agropecuária), dois cursos de graduação em nível Superior (Licenciatura em Ciências Biológicas e Tecnologia em Gestão de Cooperativas), dois cursos de Pós-Graduação Lato Sensu (Educação do Campo e Inovação Social) e um curso de Mestrado Profissional em Ciências Ambientais.
6 Todos os integrantes assinaram termo de uso da imagem na forma de material destinada às publicações do grupo ResiliArtes.

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