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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.2 Belém maio/ago. 2021

 

EDITORIAL

 

Sofrimento, Crise e Cuidado na Universidade: intervenções clínicas e fenomenológicas

 

Suffering, Crisis and Care at the University: clinical and phenomenological interventions

 

Sufrimiento, crisis y cuidados en la Universidad: intervenciones clínicas y fenomenológicas

 

 

Marciana Gonçalves Farinha1,I; Shirley Macêdo2,II; Andrés Eduardo Aguirre Antúnez3,III

IUniversidade Federal de Uberlândia - UFU, Brasil
IIUniversidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Brasil
IIIUniversidade de São Paulo (USP), Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Nas últimas décadas, as Instituições de Ensino Superior (IESs) do país têm enfrentado impactos diversos devido não somente ao sofrimento e a crises psíquicas entre universitários, mas também no que concerne aos processos de trabalho que afetam sobremaneira a saúde de professores, pesquisadores, dos próprios estudantes e colaboradores diversos.

Enquanto entre universitários o sofrimento psíquico é considerado uma questão de saúde pública (Padovani et al., 2014; FONAPRACE, 2014; Castro, 2017; Graner & Ramos-Cerqueira, 2017; Macêdo, 2018; Silva & Azevedo, 2018), a realidade vivida por docentes nas universidades inspira cuidados por parte de gestores, devido à precarização das condições e relações de trabalho, que envolve, dentre outros, longas jornadas e produtivismo acadêmico (Oliveira, Pereira, & Lima, 2017; Facci & Esper, 2020).

Dados epidemiológicos recentes apontam aumento da incidência de transtornos mentais e do comportamento entre universitários, com prevalência para ansiedade e depressão, além de comportamento suicida, inclusive relacionados à dinâmica da universidade (Silva, Todaro, & Reis, 2020). O trabalho de quem atua nas academias de ensino superior também leva ao adoecimento psíquico, e muitos trabalhadores da educação recorrem ao uso de medicação (Facci & Esper, 2020). A pandemia da COVID-19, no entanto, potencializou essa realidade, considerando-se as exigências advindas de novos modos de ensinar e aprender, o excessivo uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, assim como o aumento da sobrecarga de trabalho, o que pode favorecer mais fatores de risco para que aqueles que fazem a comunidade acadêmica vivenciem sofrimento e/ou adoecimento. Tudo isso demanda urgências de pesquisas que denunciem a situação e/ou indiquem estratégias de intervenção que favoreçam fatores protetivos no sentido de beneficiar a saúde mental nas IESs, sejam públicas ou privadas.

Esse dossiê, portanto, apresenta artigos de pesquisadores de diversas IESs públicas brasileiras que contribuem para refletir sobre essa realidade, inclusive com relatos de estratégias clínicas utilizadas em suas próprias instituições e contextos de trabalho. Os artigos envolvem levantamentos sobre sofrimento psíquico em universitários, estratégias de intervenção para minimizar ou promover saúde mental (a exemplo de plantão psicológico, psicoterapia on-line e psicodança), relatos sobre serviços voltados à comunidade universitária em diferentes lugares do Brasil, estudos específicos com pós-graduandos, docentes em home office, a crise nas universidades.

Shirley Macedo, uma de nossas editoras, Natan Damasceno Sudário, Melina Pinheiro Gomes de Souza e Monica Aparecida Tomé Pereira de Souza, da Universidade Federal do Vale do São Francisco, fazem um levantamento sociodemográfico no período de 2017 a 2019 com intuito de identificar principais demandas e fatores de risco psicossociais enfrentados por universitários do interior pernambucano e chamam a atenção para a importância da implementação de políticas públicas com foco na prevenção e promoção de saúde mental para jovens universitários daquela região. A equipe encabeçada por outro de nossos editores, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, da Universidade de São Paulo, apresenta uma análise fenômeno-estrutural de desenhos produzidos em psicoterapia on-line por um estudante universitário com ideação suicida e as possibilidades de acompanhar o processo terapêutico através de desenhos.

Cíntia Guedes Bezerra, Kilvia Pereira Moura e Elza Dutra, amparadas pela hermenêutica heideggeriana, relatam sua experiência na Universidade Federal do Rio Grande do Norte com plantão psicológico on-line implantado para a escuta de universitários no cenário pandêmico. Outra ação promovida para a comunidade universitária é a descrita no relato de experiência de Consuelena Lopes Leitão, Loristeffane Castro Moreira e Sander Firmo de Souza, da Universidade Federal do Amazonas. Neste artigo, as autoras se referem a intervenção realizada através da dança, lives, gravações de vídeos e rodas de conversa. A prática possibilitou perceber que a dança foi além do exercício físico favorecendo a diminuição de ansiedade, preocupações, estresse e possibilitando a construção e fortalecimento de vínculos entre os participantes. Já Virgínia Teles Carneiro, Monalisa Peixoto Soares e Sâmmia Rodrigues de Souza descrevem uma pesquisa fenomenológica interventiva realizada na Universidade Federal de Campina Grande, demonstrando como processos grupais podem ser uma estratégia propiciadora de cuidado e novas produções de sentido para estudantes universitários.

Ticiana Spyra Drummond dos Reis, Elaine Cristina Schmitt Ragnini e Samantha de Toledo Martins Boehs, da Universidade Federal do Paraná, retratam o sofrimento e adoecimento dos estudantes da pós-graduação em um estudo qualitativo-descritivo e exploratório. As autoras descobriram que a estratégia usada pelos pós-graduandos foi o uso de psicofármacos e alertam para a importância do fortalecimento e ampliação de políticas e dispositivos de atenção à saúde mental desses estudantes.

Fernanda Nascimento, Renata Almeida, Edna Granja e Diogo Helal apresentam a realidade do Centro Universitário UniFBV, uma faculdade privada de Pernambuco, com relevantes discussões em um relato de experiência vivida por eles mesmos no trabalho docente realizado em home office durante a pandemia. Enquanto André Guerra e Lúcia Marques Stenzel nos brindam com um ensaio teórico, enfocando, a partir de uma leitura fenomenológica, o empreendedorismo organizacional e a gestão das mentes, refletindo sobre a universidade pública como gestora de adoecimento e como ela vem favorecendo o não pensar criticamente daqueles que dela fazem parte.

Sobre a pandemia temos as contribuições de três artigos no contexto universitário. Ana Maria Campos da Rocha, Lana Yasmin Leal da Silva, Daniel Castro Silva e Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo apresentam a importância do acolhimento psicológico em emergência na Universidade Federal do Paraná e mostram a oferta de um cuidado por meio da escuta qualificada e como amparam estudantes em vulnerabilidade social através de atendimentos síncronos e remotos, sendo um apoio à formação de estagiários. Mirela Guimarães Cavalcanti, Amanda Fernandes Rocha e Sílvia Raquel Santos de Morais desenvolvem a experiência do aprendizado no serviço escola da Universidade Federal do Vale do São Francisco e seu estágio profissionalizante e destacam a angústia, o cansaço, o compromisso ético e a desconfiança encoberta, bem como a importância da supervisão no aprendizado. Adriana Patrícia Egg-Serra, Lis Andrea Pereira Soboll, Giovanna Miola e Isabela Bastos Pelanda mostram o desafio no contexto acadêmico da Universidade Federal do Pará, em um relato de uma intervenção e suporte emocional à comunidade acadêmica, tendo em vista o cuidado de si e do outro, oferecendo assim espaços de suporte coletivo no momento de crise.

Acreditamos que os estudos aqui publicados enriquecem sobremaneira as ciências humanas, sociais, aplicadas e da saúde, por que, mesmo que eles tenham sido realizados no bojo de um fazer clínico e/ou fenomenológico em Psicologia, permitem pensar que uma das formas de se garantir prevenção e promoção de saúde mental frente ao sofrimento e à crise nas universidades brasileiras é a união interdisciplinar de esforços para que nas academias, centros por excelência de produção de conhecimento, possamos transcender limites impostos e construir possibilidades de cuidado.

Assim, agradecemos a todas e a todos que contribuíram com a elaboração desse dossiê, o qual, esperamos, seja fruto para um constante processo de pensar e questionar a realidade das IESs. Boa leitura!

 

REFERÊNCIAS

Castro, V. (2017). Reflexões sobre a saúde mental do estudante universitário: estudo empírico com estudantes de uma instituição pública de ensino superior. Revista Gestão em Foco, 9, 380-401. Recuperado de: http://portal.unisepe.com.br/unifia/wpcontent/uploads/sites/10001/2018/06/043_saude_mental.pdf        [ Links ]

Facci, M. G. D., & Esper, M. B. S. B. (2020). Adoecimento e medicalização de professores universitários frente a precarização e intensificação do Trabalho. Movimento-Revista De educação , 7(15). https://doi.org/10.22409/mov.v7i15.42453        [ Links ]

FONAPRACE (2014). IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das instituições federais de ensino superior brasileiras. Uberlândia: Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis/ANDIFES. Recuperado de: http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Pesquisa-de-Perfil-dos-Graduanso-dasIFES_2014.pdf

Graner, K. M., & Ramos-Cerqueira, A. T. A. (2017). Revisão integrativa: Sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Ciência e Saúde Coletiva, 16(3), 1327-1346. Recuperado de: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/revisao-integrativa-sofrimento-psiquico-em-estudantes-universitarios-e-fatoresassociados/16374?id=16374&id=16374        [ Links ]

Macêdo, S. (2018). Sofrimento psíquico e cuidado com universitários: reflexões e intervenções fenomenológicas. Eco: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 8(2): 265-277. Recuperado de: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/2844        [ Links ]

Oliveira, A. S. D., Pereira, M. S., & Lima, L. M. (2017). Trabalho, produtivismo e adoecimento dos docentes nas universidades públicas brasileiras. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 609- 619.. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111132        [ Links ]

Padovani, R.C. et al. (2014). Vulnerabilidade e bem-estar psicológicos do estudante universitário. Rev. bras.ter. cogn, 1(10), 2-10. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180856872014000100002        [ Links ]

Silva, M.V. M., & Azevedo, A. K. S. (2018). Um olhar sobre o suicídio: vivências e experiências de estudantes universitários. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 7(3), 390-401. Recuperado de: https://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1908/0        [ Links ]

Silva, E. P., Todaro, A. P., & Reis, A. C. (2020). O sofrimento do universitário e suas relações com a dinâmica da universdade. FAROL: Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 7 (18). https://doi.org/10.25113/farol.v7i18.5528        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Marciana Gonçalves Farinha
E-mail: marciana@ufu.br

Shirley Macêdo
E-mail: shirley.macedo@univasf.edu.br

Andrés Eduardo Aguirre Antúnez
E-mail: antunez@usp.br

 

 

1 Marciana Gonçalves Farinha: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2024-772
2 Shirley Macêdo: ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1619-2353
3 Andrés Eduardo Aguirre Antúnez: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5317-4459

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