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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.2 Belém maio/ago. 2021

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Uma canoa na tempestade: o acolhimento psicológico emergencial na pandemia da COVID-19

 

A canoe in the storm: Emergency Psychological Reception in the COVID-19 pandemic

 

Una canoa em la tormenta: Recepción Psicológica de Emergencia en la pandemia del COVID-19

 

 

Ana Maria Campos da Rocha1; Lana Yasmin Leal da Silva2; Daniel Castro Silva3; Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo4

Universidade Federal do Pará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A oferta de programas de assistência aos estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) tem se apresentado como uma rede de apoio fundamental ao realizar ações integradas de acolhimento pedagógico, psicossocial e amparo econômico, viabilizando, dessa forma, a promoção de saúde dos discentes e a sua permanência na universidade. Na UFPA, as ações de assistência estudantil são gerenciadas pela Superintendência de Assistência Estudantil e sua Coordenadoria de Integração Estudantil (SAEST/CIE), sendo um destes serviços o Acolhimento Psicológico Emergencial (APE), o qual buscou ofertar uma escuta qualificada e amparar os alunos em vulnerabilidade emocional, disponibilizando atendimentos remotos por meio de chamadas de vídeo. O serviço se mostrou como uma rede de apoio importante aos discentes que estão vivendo neste momento pandêmico. O APE foi um serviço benéfico não apenas aos discentes da graduação que buscaram atendimento, mas também a formação da equipe de estagiários que prosseguiu atuando mesmo diante das adversidades.

Palavras-chave: Assistência Estudantil; Psicologia Humanista; Saúde Mental; Terapia Centrada no Cliente; Plantão Psicológico.


ABSTRACT

The offer of assistance programs to students at the Federal University of Pará (FUOP) has been presented as a fundamental support network when carrying out integrated actions of pedagogical, psychosocial and economic support, thus enabling the health promotion of students and his stay at the university. At FUOP, student assistance actions are managed by the Student Assistance Superintendency and its Student Integration Coordination (SAS/SIC), one of these services being Emergency Psychological Reception (EPR), which sought to offer qualified listening and support students emotional vulnerability, providing remote assistance through video calls. The service is shown as an important support network for students who are living in this pandemic moment. The EPR was a beneficial service not only for undergraduate students who sought care, but also the formation of the team of interns who continued to work even in the face of adversity.

Keywords: Student Assistance; Humanistic Psychology; Mental health; Client Centered Therapy; Psychological Duty.


RESUMEN

La oferta de programas de asistencia a estudiantes de la Universidad Federal de Pará (UFPA) se ha presentado como una red de apoyo fundamental a la hora de realizar acciones integradas pedagógico, psicosocial y económico, posibilitando así la promoción de la salud de los estudiantes y su estancia en la universidad. En la UFPA, las acciones de atención al estudiante son administradas por la Superintendencia de Atención al Estudiante y su Coordinación de Integración Estudiantil (SAEST/CIE), siendo uno de estos servicios la Recepción Psicológica de Emergencia (RPE), que buscaba ofrecer escucha calificada y apoyar a los estudiantes en vulnerabilidad emocional, brindando atención remota asistencia a través de videollamadas. El servicio resultó ser una importante red de apoyo no solo para los estudiantes que viven en este momento de pandemia, sino también para formar el equipo de pasantes que continuaron trabajando incluso frente a la adversidad.

Palabras clave: Asistencia Estudiantil; Psicología Humanista; Salud Mental; Terapia Centrada en el Cliente; Deber Psicológico.


 

 

1. Introdução

Em um momento de total reorganização e reconfiguração de relações de trabalho, familiares, profissionais, estudantis, entre outras relações, entendemos que os serviços de atendimento psicológico institucionalizados precisam estar em sintonia com as demandas da sociedade. Falar dessa "contemporaneidade relacional" é falar de mudança, novos olhares e habilidades estão se configurando sobre os mais diversos domínios de saber que se ocupam do campo das relações humanas, entre eles a psicologia. Somos convidados, talvez como nunca em nosso passado recente, a (re)pensar a dimensão política e social da psicologia, assim como nossa forma de conceber o encontro terapêutico.

Na atualidade e por questões bastante concretas assistimos o presencial e o virtual serem convocados a construírem pontes, cedendo espaço um ao outro e não há mais sentido em associar desumanização à virtualidade das relações, tão pouco pensar o sentido da efetividade da presença a partir do concreto e do palpável de um encontro presencial. Pode-se afirmar que a arte do encontro foi desafiada a transmutar-se, assumindo-se enquanto radicalidade para além da presença corporal, a lógica da psicologia convencional precisou ser alterada pela emergência global de se buscar perspectivas complementares de atendimento à dimensão psicológica no cenário de pandemia e, por extensão, de isolamento social a que fomos submetidos. Não deixa de ser desafiador o processo de construção e readaptação de um trabalho que se organiza academicamente a partir de um projeto de extensão voltado à comunidade universitária e que tem, nestes mesmos universitários, sua força motriz. Nossa ideia seminal, elaborada a partir do desejo de prestar assistência estudantil aqueles que estão vivenciando situações de crise ao longo de sua graduação, assumiu novos contornos.

Este artigo trata de como entendemos e experimentamos a possibilidade de continuar prestando um serviço de escuta qualificada aos estudantes de graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA). Movidos por um posicionamento político de que a psicologia pode contribuir não só para o processo de transformação pessoal, mas que, ao fazê-lo reafirmamos nosso compromisso com a transformação social, nossa proposta foi a de integrar um saber e um fazer já consolidados na perspectiva do Plantão Psicológico Centrado na Pessoa, integrando-o a rede de assistência estudantil de nossa Universidade. Ao relatar tal trabalho acabamos por elaborar esta experiência, buscando maior clareza de nossas ações e em certa medida revisitando nossa prática.

A política de assistência estudantil nas universidades.

Segundo Salata (2018), o acesso à educação superior no Brasil ainda é um processo que reflete as desigualdades sociais presentes no território, sobretudo referentes às questões que envolvem classe social dos estudantes e do acesso aos processos educacionais que são anteriores à graduação. A autora ainda salienta que embora os processos de expansão do ensino superior tenham criado condições mais democráticas de acesso ao ensino superior, as desigualdades sociais ainda persistem e continuam repercutindo sob os estudantes após a entrada nas Universidades. Neves, Raizer e Fachinetto (2007) destacam que as políticas públicas e ações afirmativas atuaram na democratização do acesso às universidades e redução das desigualdades que atuavam como entraves para o ingresso na educação superior, no entanto, a maior parte destas acabaram sendo voltadas para as redes particulares de educação. Diante disso, é preciso destacar que não basta apenas garantir o acesso à educação superior, como também garantir a permanência e continuidade da graduação por parte destes estudantes – sobretudo aqueles que historicamente tem mais dificuldade de ingressar e concluir a graduação.

Desde de 2010, o decreto nº 7.234 regulamentou o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), instituído anteriormente por meio da Portaria Normativa nº 39/2007. O PNAES objetiva democratizar o acesso às condições de permanência aos jovens que ingressam na educação superior pública, matriculados em cursos de graduação presenciais em instituições que ofertam ensino superior (Brasil, 2010). Para tanto, o programa prevê amplas ações no âmbito da assistência estudantil realizadas com o intuito de assegurar a continuidade da graduação. As ações previstas nesta política pública englobam áreas referentes à moradia, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e inclusão de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Recktenvald, Mattei e Pereira (2018) avaliaram que o PNAES não resolve o binômio acesso-permanência às universidades, dada a complexidade envolvida nas relações que circundam este cenário, no entanto, há de se destacar que de um ponto de vista funcionalista, o programa tem atuado de maneira positiva na criação de condições que promovam a permanência e a diminuição dos índices de evasão dos estudantes beneficiados.

Uma das provas do benefício advindo da implantação do PNAES nas Instituições Federais é apresentado por Saccaro, França e Jacinto (2016). Os autores realizaram uma pesquisa a respeito do impacto do auxílio financeiro promovido pelo PNAES na graduação de estudantes ingressos por meio de ações afirmativas (cotas). Os resultados apontam para a diminuição da evasão escolar entre os estudantes cotistas contemplados com o bolsa permanência em relação aos restantes que não receberam o auxílio. Diante disso, é preciso destacar que cada instituição tem autonomia para promover sua própria forma de seleção de estudantes que terão acesso aos projetos previstos no PNAES, optando por favorecer estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica (Brasil, 2010), nesse sentido, é interessante contextualizar as disposições do programa realizadas em cada universidade, de maneira a entender quais ações de assistência são desenvolvidas em seu território.

Paula (2017) destaca que as políticas de inclusão e democratização no ensino superior aos alunos de perfis socioeconômicos variados e que historicamente não tinham acesso a este nível de ensino não acontece de forma plena a menos que estas não visem apenas suprir necessidades de moradia, transporte e alimentação, mas também condições amplas que favoreçam a ocupação dos espaços da universidade, sobretudo em cursos elitistas. Considerando tais fatos, não se pode apenas falar na promoção de políticas públicas, mas na adoção de mudanças mais profundas na política institucional das universidades.

A saber, a assistência ao estudante desenvolvida na Universidade Federal do Pará (UFPA), integrando os princípios da legislação, orientada pelo Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) para o período 2016-2025, preocupa-se em não apenas atender às necessidades básicas do estudante de graduação, mas oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento e aproveitamento do estudante em sua graduação. Assim, a assistência estudantil visa a sua expansão para o cuidado e promoção do bem-estar físico e mental do estudante, bem como a realização de ações de integração e inclusão na forma de programas de caráter universal que consideram as características condicionantes que integram realidade do aluno que ingressa na graduação, incluindo estudantes regionais, advindos de outros estados e estrangeiros.

Em contexto institucional, as ações de assistência estudantil são regulamentadas e organizadas pela Superintendência de Assistência Estudantil e sua Coordenadoria de Integração Estudantil (CIE/SAEST), criada em 2017, assumindo a supervisão e coordenação dos programas de assistência ao estudante, os quais anteriormente eram responsabilidade da Diretoria de Assistência e Integração Estudantil, vinculada à Pró-reitoria de Extensão (DAIE/PROEX). A UFPA (2020) executa estrategicamente a Assistência Estudantil através de dois macros programas:

• "Programa Institucional de Assistência e Integração Estudantil (PROAIS) – desenvolvido através de programas e ações de extensão que se configuram enquanto suporte da assistência ao estudante por meio da execução de programas e projetos de extensão. Esse apoio é realizado em dos eixos principais: Assistência Estudantil e Integração Estudantil

• "Programa Incluir-Acessibilidade" (PROACESS), considerado um macro programa e orientado sob a legislação nacional de inclusão da pessoa com deficiência, atua em acréscimo ao Programa de Acessibilidade na Educação Superior (INCLUIR). O PROACESS tem em vista garantir o acesso à educação da pessoa com deficiência, assistindo-os independente da condição e necessidade para a conclusão da graduação, estando vinculado aos ambos eixos do PROAIS.

 

 

Fadairo, Mattos, Santiago e Teixeira (2020) produziram uma pesquisa com alunos assistidos por variados programas ofertados na UFPA, a fim de conhecer suas opiniões a respeito da assistência oferecida pela instituição. De modo geral, a avaliação da qualidade dos serviços, bem como de seu desenvolvimento na universidade foi tido como positivo, ressaltando a importância em dar continuidade a essas políticas e salientando a necessidade de melhorar as possibilidades de acompanhamento da instituição dos alunos assistidos por seus programas. Imperatori (2017) destaca que o a oferta e a continuidade dos programas de Assistência Estudantil, em virtude das próprias lacunas da legislação, não são precisas quanto a disponibilidade e manutenção de alunos nos programas, a exemplo, o PNAES não vincula de forma clara a relação entre o suporte financeiro e apoio pedagógico aos alunos assistidos.

Uma discreta solução para o conflito realizada pela UFPA é apresentada por Pinheiro (2016), que desenvolveu uma pesquisa a respeito da implantação do PNAES nas dependências da instituição. A autora apresenta que parte dos auxílios financeiros ofertados pela universidade são oferecidos de acordo com o preenchimento de um questionário socioeconômico a fim de evidenciar a carência de recursos dos alunos e o acompanhamento, viés pedagógico, observa o desempenho através do coeficiente de rendimento dos alunos no semestre.

Mas não apenas de auxílios financeiros se constitui a proposta da UFPA. Tal como evidenciou Paula (2017), a Assistência Estudantil perpassa também a expressão de sua singularidade e escuta de qualquer desconforto institucional que um estudante pode se deparar ao encarar a realidade oferecida pelas universidades. Nesse sentido, é importante disponibilizar serviços vinculados à Assistência Estudantil que cuidem da saúde mental do aluno, acolham suas demandas e possibilitem a prevenção de agravos psicológicos, ampliando a própria perspectiva do que implica assistir integralmente o estudante. A SAEST/CIE concretiza suas ações no âmbito psicossocial através do PROREDE, programa que apoia projetos voltados para a promoção de saúde mental, direitos humanos, acolhimento social e apoio psicossocial.

O PROREDE sintetiza a importante interlocução entre o serviço social, psicologia e as políticas públicas ofertada pela instituição através do PNAES. Para Almeida, Barreto, Oliveira, Silva e Rodrigues (2020) a manutenção de serviços que promovam essa junção no âmbito da assistência estudantil é essencial diante de um cenário de mercantilização da educação superior, se mostrando tanto como uma forma de resistência e proteção da saúde mental do estudante frente à insegurança, quanto como uma manutenção da assistência devido aos sucessivos cortes do repasse de verbas para a educação superior.

A assistência estudantil na pandemia: o desafio para resguardar a saúde mental do estudante

Se anteriormente a inclusão da esfera de cuidado à saúde mental do estudante era uma demanda pertinente para o desenvolvimento de uma Assistência Estudantil ampla e integrada, o contexto atual parece exigir ainda mais a oferta deste tipo de serviço, em conjunto com as demais ações previstas em programas e projetos que visam concretizar suporte aos estudantes nas áreas previstas pelo decreto 7234/2010. Essa maior necessidade vincula-se a atual realidade imposta pela Pandemia de COVID-19 que parece inaugurar uma nova dinâmica para os serviços de assistência, atualizando a gama de demandas que passam a ser inclusas para o desenvolvimento desta política na universidade, bem como suas formas de execução dentro das possibilidades viáveis no contexto imposto pelo surto da doença.

Poucos meses transcorreram desde o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o mais alto nível de emergência sanitária internacional relacionado ao surto da doença até a que este tenha sido considerado pela organização como Pandemia (OPAS, 2020). Para evitar a propagação desta doença, transmitida por gotículas de saliva e contato de superfícies contaminadas com a face, sobretudo, olhos e boca (WHO, 2020), estratégias protetivas foram adotadas para evitar o contágio de pessoa para pessoa, incluindo medidas de distanciamento e isolamento social. Ainda que tenham sido implantadas para salvar vidas, é preciso destacar que tais medidas representaram alterações na maneira como as pessoas se relacionam, exigindo a manutenção de espaços entre elas, limitando o contato com entes queridos, colegas de trabalho e amigos, além de alterar sua rotina.

As alterações nas formas de estabelecer e manter relacionamentos foram modificadas significativamente devido às medidas de prevenção e proteção, sobretudo pelo isolamento social, impedindo que as pessoas/populações mantivessem suas rotinas, provocando efeitos negativos para o bem-estar das pessoas (Yuri & Shung, 2020). Destaca-se sobre este assunto o fato de que é inédito o acontecimento de uma quarentena nessas proporções impostas para conter uma doença, envolvendo um elevado número de pessoas isoladas ao mesmo tempo por um período extenso, tornando os efeitos posteriores sobre a saúde mental das pessoas ainda incertos (Afonso, 2020).

Cabe lembrar que não apenas o isolamento social pode ter impactado no bem-estar das pessoas, mas considerar as outras questões impostas pela pandemia, a exemplo o processo de luto envolvido na perda de ente querido ou colega em decorrência da COVID-19. Os protocolos de distanciamento entre as pessoas também limitou a maneira com a qual enterros e despedidas passaram a acontecer, impedindo que as pessoas realizassem as despedidas face a face durante o processo de morte do ente querido ou familiar, considerados essenciais para a internalização dos sentimentos envolvidos nesse processo (Lisboa & Crepaldi, 2003), que por sua vez, alterou a forma com a qual as pessoas têm vivenciado o luto e vivenciado perdas (Crepaldi, Schimidt, Noal, Bolze & Gabarra, 2020).

Portanto, desenvolver a Assistência Estudantil nesse contexto implica não apenas oferecer suporte financeiro usual aos estudantes que comumente são assistidos pelos programas da universidade, mas expandir, dentro das possibilidades disponíveis, os serviços de apoio psicossocial aos estudantes que vieram a ser afetados emocionalmente pela pandemia. Um estudo realizado com estudantes universitários portugueses indicou um aumento de impactos psicológicos negativos durante o decorrer da pandemia, incluindo a experiência de sintomas de ansiedade e depressão, variando de acordo com as vivências singulares e fatores pessoais envolvidos no enfrentamento da situação (Maia & Dias, 2020). Não obstante, sabe-se que a disseminação de infecções de surtos potencialmente pandêmicas, bem como a vivência de uma pandemia gera medo do acometimento pela doença (Ornell, Schuch, Sordi & Kessler, 2020), agravando sintomas de transtornos psicológicos e psiquiátricos pré-existentes (Shigemura, Ursano, Morganstein, Kurosawa & Benedek, 2020). Em situações como esta, como o acometimento de países do continente africano pelo Ebola, evidenciam que o número de pessoas a apresentarem efeitos psicológicos negativos em resposta à disseminação da infecção é maior do que propriamente o número de infectados pelo patógeno (Reardon, 2015).

Nesse sentido, ofertar serviços de assistência e suporte emocional é uma necessidade cada vez mais emergente, considerando a possibilidade de que, mesmo que haja o encerramento da pandemia, os efeitos psicológicos negativos desta perdurem por muito mais tempo, tornando necessária que serviços de saúde mental sejam disponibilizados não apenas durante, mas após a pandemia (ORNELL; SCHUCH; SORDI, KESSLER, 2020) Responder a estas novas demandas, portanto, parece se tornar agora parte da agenda da Assistência Estudantil das universidades, se tornando um projeto a ser realizado enquanto perdurarem as possíveis consequências.

 

2. Metodologia

O Plantão Psicológico tem sua origem em 1969, no Serviço de Aconselhamento Psicológico da Universidade de São Paulo (SAP) – integrante do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Deste período até então muitas experiências estruturaram-se em nosso país de tal forma que a ideia de plantão, como a concebemos, é eminentemente brasileira. O referencial teórico utilizado é a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP).

Adotar a ACP como referencial para o desenvolvimento de um trabalho é muito mais do que se basear em uma estrutura de atendimento ou a adoção de técnicas específicas no atendimento clínico. Trata-se da adoção na política interpessoal que permeia a abordagem. Desde 1940, Carl Rogers, fundador desta forma de fazer e pensar psicoterapia, inaugura seu pensamento com a proposta de uma psicoterapia centrada-na-pessoa, a fim de desenvolver um trabalho no qual o foco do trabalho era o indivíduo, seu crescimento e independência a despeito do problema que o leva à terapia e dos resultados decorrentes da intervenção do conselheiro/terapeuta (Rogers, 2001).

A perspectiva de inversão do foco do trabalho para o cliente instituiu a primeira ruptura do autor com a então política interpessoal vigente nas relações de ajuda de diversas frentes. Seu pensamento não permaneceu restrito ao campo clínico, seja em psicoterapia ou o aconselhamento psicológico, mas permeou seu trabalho em diversas frentes: educação, organizações, relações familiares e matrimoniais e grupos intensivos. Em suma, em qualquer relacionamento interpessoal ou grupal em que haja o interesse de proporcionar o crescimento e desenvolvimento baseada em uma crença simples sobre o outro como alguém digno de confiança (Rogers, 2001). Tal crença orienta o trabalho nos diversos cenários que este possa intervir, não visando o controle ou a condução do outro em direção a um resultado esperado, mas proporcionando um ambiente facilitador, em que este possa encontrar em si os recursos que auxiliaram em seu desenvolvimento pessoal.

A figura do conselheiro em ACP constitui-se como um profissional que recebe uma certa gama de demandas e que possui recursos e flexibilidade para propor alternativas de ajuda, incluindo informação, orientação, encaminhamento e psicoterapia.

Na década de 1980 temos a primeira sistematização publicada sobre esta modalidade de serviço e nela encontra-se a primeira definição dada ao plantão. "A expressão Plantão está associada à certo tipo de Serviço, exercido por profissionais que se mantêm à disposição de quaisquer pessoas que deles necessitem, em períodos de tempo previamente determinados e ininterruptos" (Mahfoud, 1987, p. 75).

Temos como características do plantão: oferta de ajuda no momento da emergência, objetivo de facilitar uma visão mais clara de si, a possibilidade de encerrar-se em uma única sessão, não ter fila de espera (inversão da lógica do serviço) e um interesse genuíno pelo outro se sobrepondo à formação tecnicista. E como princípios norteadores: abrangência, ampliação de demandas e evitação da cronicidade.

Nossa experiência pauta-se na proposta de plantão como concebida a partir do referencial teórico da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), resgatamos aqui a ideia seminal do SAP, acreditando na possibilidade de um modelo clínico de psicologia que ultrapasse o consultório para chegar à comunidade, no caso, a comunidade acadêmica da UFPA.

A definição de plantão proposta por Tassinari (1999) nos satisfaz a despeito de outras definições terem sido apresentadas mais recentemente:

(...) um tipo de atendimento psicológico, que se completa em si mesmo, realizado em uma ou mais consultas sem duração pré-determinada, objetivando receber qualquer pessoa no momento exato de sua necessidade para ajudá-la a compreender melhor sua emergência e, se necessário, encaminhá-la a outros serviços. Tanto o tempo da consulta, quanto os retornos dependem de decisões conjuntas (plantonista/cliente) no decorrer do atendimento. É exercido por psicólogos que ficam à disposição das pessoas que procuram espontaneamente o Serviço em local, dias e horários pré-estabelecidos, podendo ser criado em diversos locais e instituições. Em cada ambiente, precisará, criar estratégias específicas, desde sua divulgação (processo de sensibilização à comunidade) até sua relação com a própria instituição/local (p. 44).

Tassinari e Durange (2019) defendem o plantão psicológico como um ato de promoção de saúde na medida em que a escuta do plantonista objetiva ajudar a pessoa atendida a situar-se melhor no momento que vive e clarear para si mesma o que necessita, destacando que, o atendimento ao dar-se no momento próximo à urgência e por iniciativa própria, acaba por estimular o cuidado consigo, atingindo os objetivos da prevenção.

A partir de nossa experiência acrescentamos que a experiência do plantão também pode auxiliar o outro a descobrir o que é curador em si mesmo, sendo também um instrumento de empoderamento com sua visão integrativa de mundo, que comporta sofrimentos, dificuldades, tristeza assim como superação, alegria, crescimento.

A estrutura do plantão em si é organizada a partir da imprevisibilidade e do inesperado, mas sermos atravessados por uma pandemia está na ordem do imponderável, assumindo-se ao extremo a necessidade de se abrir mão do controle e a situação que se apresentou foi encarada como um desafio a ser enfrentado e um espaço a ser conquistado.

Nossa estrutura institucional era a de um espaço físico destinado aos atendimentos em dias específicos da semana onde bolsistas ficavam de plantão acolhendo o aluno que lá chegasse. Instaura-se a pandemia da COVID-19 no mundo, a universidade é fechada e entramos em quarentena, de um dia para o outro tudo se modifica e as certezas caem por terra. Passado o período de luto e inércia vamos aos poucos voltando ao cotidiano e academicamente somos atravessados pelas incertezas sobre calendário, formaturas, estágios, ensino remoto e algumas perguntas nos capturam: Que tipo de futuro buscamos? Que aprendizagem é possível? Como podemos continuar frente a circunstância que se apresenta?

A resposta em forma de serviço por nós oferecida foi a criação de uma modalidade de acolhimento psicológico que se mostrasse viável para atender os estudantes, configurado da maneira com a qual se pode ser efetuado nesse momento, oferecendo cuidados e conforto àqueles que necessitarem de ajuda e suporte emocional. Com as atividades presenciais suspensas nas dependências da universidade e os demais serviços de Assistência Estudantil ocorrendo de forma remota, adaptar também os serviços de psicologia para essa modalidade pareceu uma alternativa viável para atender as demandas psicológicas desencadeadas pela pandemia.

Uma adaptação do projeto "Plantão Psicológico", vinculado ao PROREDE, foi pensado para suprir a necessidade de demanda por um serviço de psicologia. O serviço foi pensado e configurado nos moldes de um acolhimento psicológico, acessível aos estudantes da universidade através de uma plataforma digital popular. Os mesmos princípios do plantão psicológico foram mantidos, bem como a orientação da abordagem adotada no projeto anterior. Ainda que emergencial e provisório, acreditou-se que a orientação da ACP poderia ser aplicada na modalidade remota com a mesma qualidade que era realizado de forma presencial, uma vez que ambos possuem o intuito de acolher, oferecer clarificação de sentimentos e, se necessário, oferecer encaminhamento para as demais formas de assistência disponibilizadas pela SAEST as quais podem ser de interesse e necessidade do estudante acolhido.

Ademais, assim como ACP, se baseia no princípio de que mediante às dificuldades é ainda possível crescer e até florescer. O que chamamos de tendência atualizante é aplicado às pessoas e esperamos, agora, que essa tendência se aplique também aos serviços e a esta tentativa de adaptá-lo.

Assim surgiu o APE, um serviço de apoio e acolhimento aos discentes de graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA) durante a pandemia provocada pela COVID-19. O serviço funcionava em quatro dias da semana, sendo dois dias voltados para o agendamento prévio das sessões e nos outros dois dias ocorriam os atendimentos individuais. Os agendamentos aconteciam as quintas-feiras, das 14:00 às 17:00 e as sextas-feiras, das 8:30 às 12:00, os quais poderiam ser realizados através de dois contatos que foram divulgados aos alunos pela Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST). Os atendimentos individuais eram realizados nas segundas-feiras, das 8:00 às 12:00, e as terças-feiras, das 13:30 às 17:30.

O serviço foi organizado para atuar no turno matutino e vespertino de forma que fosse possível abarcar o maior número de discentes. Além disso, durante os atendimentos, eram disponibilizados 50 minutos para cada discente da UFPA e, caso desejasse, o mesmo poderia retornar 4 vezes durante o semestre, o que se configurou insuficiente em alguns casos e, entendendo a gravidade da situação, cada caso era analisado pela equipe com alguns alunos permanecendo vinculados ao serviço por mais do que em 4 atendimentos, até que fosse possível um encaminhamento a outro serviço. Cabe ressaltar que não era obrigatório a participação contínua do discente no APE, estando ao seu critério escolher o momento em que retornaria ao serviço.

Os atendimentos no APE iniciaram no dia 14 de setembro de 2020 e finalizaram no dia 26 de janeiro de 2021. Ao todo, foram realizados 140 atendimentos, sendo que 106 se referem a primeira sessão e 34 são configurados como retornos de discentes ao serviço. Ademais, o APE acolheu alunos de 49 cursos distintos, destacando-se os graduandos de Serviço Social e Pedagogia como as pessoas que buscaram o atendimento em maior número, com 20 e 11 sessões respectivamente. Também foi possível observar que as principais demandas apresentadas pelos discentes estão relacionadas à vivência de sintomas depressivos, ansiedade, preocupações com o semestre letivo e as dificuldades em viver em um momento pandêmico.

Além dos atendimentos ofertados aos discentes, a equipe de trabalho do APE realizava supervisões semanalmente com a coordenadora do projeto para abordar as sessões realizadas, avaliar o desenvolvimento das atividades e orientar a atuação da equipe. É importante salientar que foram produzidas Versões de Sentido (VS) sobre as sessões como instrumento para observar aspectos do atendimento e realizar intervisões.

Em vistas desses aspectos, é possível constatar que o Acolhimento Psicológico Emergencial viabilizou o amparo e a promoção de saúde mental aos discentes de graduação da UFPA. O serviço buscou não apenas acolher e identificar as demandas, mas também orientar os alunos acerca das redes de apoio internas e externas à UFPA.

 

3. Resultados e Discussão

Pensar a adaptação de uma proposta de serviço solidamente ancorada em experiências anteriores e reconhecimento científico não é das tarefas mais simples. Apesar de acreditarmos na viabilidade e nos sentirmos confortáveis em seguir adiante com nossa opção teórica, enquanto equipe nos deparamos com uma pergunta essencial: como transpor nossa presença para as chamadas de vídeo? Como tornar o ambiente virtual em um espaço acolhedor?

Diferentemente do trabalho realizado presencialmente, onde as condições de ambiente estavam sobre o controle e organização prévios, sendo o caráter de imprevisibilidade relacionado ao desenvolvimento da sessão e ao conteúdo acolhido durante a escuta, um atendimento virtual nos impõe diante da possibilidade de também enfrentar a imprevisibilidade da conexão e da própria chamada, além de considerar interrupções e intercorrências ocorridas durante a sessão próprias do encontro realizado à distância sobretudo com clientes que cumpriam o período de isolamento em suas casas, às vezes na companhia de familiares e em espaços geralmente compartilhados. Nos deparamos com atendimentos em que o sigilo e o conforto para o pleno desenvolvimento da sessão nem sempre puderam ser atendidos plenamente, necessitando por vezes de interrupções. Quando as condições não são favoráveis, então, resta fazer com que a escuta e propriamente "a presença" dos terapeutas estagiários se sobreponha às dificuldades encontradas durante a sessão.

Com isso, compartilhei minha frustração pela sessão ter ocorrido assim e que lamentava muito que tenha sido difícil para gente continuar e deixei a minha frustração e cansaço aparecerem para a cliente. Por uns dois minutinhos, foi ela quem me acolheu, dizendo que entendia que a tecnologia não tinha nos ajudado, mas que a sessão tinha ido bem apesar de tudo. Encerramos e eu me sentia bastante cansada (Estagiário 1, 2020).

Schmid (2001) dimensiona que as atitudes facilitadoras descritas por Rogers (Congruência, Consideração Positiva Incondicional e Compreensão Empática) apresentadas valorosamente podem ser traduzidas como "presença". Uma presença que se solidifica através da abertura ao encontro com a pessoa do cliente e com seu mundo, sua diferença e singularidades, jamais reduzindo à ideia de total compreensão deste, acolhendo o que surgir; em sua a alteridade do Outro (Schmid, 2001). Diante das circunstâncias em que o serviço foi desenvolvido, nunca se fez tão necessário tornar "a presença presente", ajudando de forma que o ambiente de aceitação e consideração pudesse sobressair frente às condições nem sempre adequadas para a realização do próprio encontro.

A partir daqui, ficou impossível aprofundar o atendimento com AM5, pois ocorreu intercorrência atrás de intercorrência. Seu filho de 2 anos entrou no quarto querendo saber o que a mãe estava fazendo. Deu vários "oi tia" para mim. Ela chamou alguém para tirar a criança dali, mas o pedido foi em vão. Depois veio o seu filho mais velho tirando dúvidas sobre algo. Então as intercorrências não cessaram mais. Literalmente foi uma loucura ver aquela situação acontecendo, fiquei angustiada por AM. Ela queria falar, queria ser ouvida, mas não conseguiu ter sequer 30 minutos apenas para si. Gritava por socorro, mas ninguém a ouvia (Estagiário 2, 2021).

Há de se considerar como parte importante da experiência que criar e disponibilizar um serviço de escuta psicológica nestas circunstâncias aos estudantes é abrir uma porta para que o sofrimento sobre o próprio contexto pandêmico, que parece ser universal, adentre a escuta e mereça ser considerado e trabalhado com os estagiários a fim de facilitar e refinar sua atuação como terapeutas. Na construção desse trabalho, o destaque mais importante do que a própria realização dos atendimentos com os clientes, foi o momento centrado no cuidado dos estagiários: a supervisão.

No âmago das supervisões, realizadas semanalmente, a equipe encontrava o momento de voltar aos eixos e cuidar de si. Utilizando a VS como instrumento para relatar o que de mais significante era percebido ao final de cada atendimento e as implicações que os estagiários traziam não apenas sobre o encontro, mas sobre a própria implicação com o trabalho. Amatuzzi (2001) descreve a VS como um recurso escrito que presentifica a experiência do terapeuta no momento da leitura dos sentimentos vividos durante a sessão, de forma que, uma vez compartilhada com os membros do grupo, agrega também as percepções e sentimentos disparados pela leitura da VS aos outros membros da equipe.

Gostaria de dedicar um momento nessa VS para agradecer o esforço de AL6 em não apenas procurar o APE, mas também por se esforçar tanto para falar. Sei que não foi nada fácil. Também gostaria de agradecer por permitir que eu ouvisse a sua história. Ironicamente, nem AL e nem eu choramos durante a sessão, mas ficamos o atendimento inteiro com os olhos lacrimejados. Acho que AL me tocou de uma forma profunda e fez com que eu estivesse 100% presente. Finalizo essa VS novamente com lágrimas nos olhos (Estagiário 2, 2021).

Certamente perdi alguma coisa. Senti-me cansada após a sessão e desejei férias. Bem, eu senti raiva dela, depois fiquei chateada comigo. Depois passou. Fazer o que. Fazia um tempo que eu não errava, mas foi bom lembrar que não dá pra acertar sempre e que eu mereço algum descanso (Estagiário 1, 2020).

Através da VS, os estagiários podiam tornar presentes todas suas inquietações, fossem elas sobre a atuação como terapeutas ou referentes ao próprio contexto. A apresentação sincera da verdadeira experiência se tornou essencial para que este trabalho não fosse apenas ofertado, mas tivesse qualidade e prestasse um serviço de ajuda ao público-alvo, tal como se propôs. Nesse sentido, a escuta e reconhecimento da equipe promoveram um ambiente saudável o suficiente para que a proposta pedagógica dos estagiários fosse mantida, a despeito de o estágio se configurar enquanto um serviço ofertado pela SAEST.

Outro ponto importante vinculado à experiência foi perceber que, diante de um momento em que os serviços de psicologia e atenção psicossocial vinculados às redes de cuidado locais gratuitas, como as realizadas no âmbito da saúde pública, tiveram suas atividades reduzidas, aumentou-se a procura por serviços de acesso remoto facilitado, como o caso de nosso serviço, que utilizava um aplicativo de mensagem popular para o acesso. Não obstante, a possibilidade de retornos agendados ofereceu aos clientes a perspectiva de que se organizassem para o comparecimento às sessões em condições que julgassem confortáveis. A chance de retorno trouxe aos estudantes a oportunidade de receberem um acompanhamento continuado (ainda que limitado em número de sessões) para enfretamento de desamparo e sofrimento.

Por fim ela, bem emocionada e se contendo disse que leria uma cartinha de agradecimento pra mim. Confesso que fiquei bastante emocionado, pois achei um gesto lindo e verdadeiro, em um momento difícil em minha vida. Esse bilhete me ajudou a me recompor. Confesso ainda mais que gostaria muito de atendê-la por muito mais tempo, porém aceito a impossibilidade da situação. Fiz o que pude, fizemos, na verdade, dei meu melhor e fico muito feliz com o resultado. Descontada as emoções afloradas, acredito que esse caso mostra o quão valoroso é nosso esforço e dedicação no APE (Estagiário 3, 2020).

Cabe lembrar aqui que, embora os atendimentos em meio virtual não sejam novidade para a psicologia, muito menos a exclusividade quando tratamos da adesão a esse meio de prestar escuta em tempos de pandemia, é preciso ressaltar que o desenvolvimento desse tipo de acolhimento em um serviço de atendimento psicológico dentro da universidade vinculado à assistência estudantil é novidade tanto para estagiários quanto para a supervisora. Todos os delineamentos realizados, todas as decisões tomadas em torno de como realizar o serviço foram pioneiras dentro do trabalho e emergenciais, no sentido de oferecer alguma ação que se fizesse presente em serviço e qualidade aos estudantes em um momento difícil para toda a comunidade acadêmica.

 

4. Considerações Finais

A experiência da criação e realização desse serviço não teria o impacto que teve, assim como a adesão que apresentou por parte dos clientes e o especial empenho dos estagiários e da supervisora se não tivesse ocorrido em um momento emergente de mudanças sociais significativas e da emergência de uma situação nunca antes experienciada tanto pela equipe quanto para nossos clientes. De certa forma, é possível afirmar que essa foi uma das poucas vezes em que equipe e clientes compartilhavam de experiências similares, apesar de estarem em posições diferentes deste encontro, havia uma proximidade que não podia ser ignorada e que se fez presente no próprio momento de desenvolver o serviço para ser o mais acessível e disponível para às demandas dos estudantes da UFPA, porque as conhecíamos bem.

A prestação da assistência estudantil por parte da universidade visa abarcar mais de uma dimensão relacionada ao suporte dos alunos, sendo a escuta psicológica um dos aspectos mais importantes a serem oferecidos, sobretudo em um momento que parece emergir, por conta do contexto e das repercussões deste sobre a saúde mental dos estudantes tanto nesse momento quanto no futuro. A equipe conhecia a necessidade, imaginava a amplitude do sofrimento, então restava responder uma pergunta importante enquanto grupo: É possível ajudar? Há possibilidade de a equipe retomar o trabalho?

Depois de sucessivas reuniões de equipe, a resposta foi obtida coletivamente em um momento em que nos sentíamos confortáveis o bastante para organizar uma volta ao trabalho. Esse retorno não poderia ser, no entanto, apenas uma transposição do Plantão Psicológico, realizado presencialmente, para o ambiente virtual. Era preciso pensar, reprogramar e redescobrir como trabalhar no novo contexto que ainda estávamos descobrindo. Foi preciso criar, então, um formato diferente que pudesse conciliar com a grade de horários dos estagiários bolsistas e dos estagiários voluntários, assim como da professora supervisora – ambos retomando suas respectivas atividades acadêmicas dentro da UFPA –, assim como dentro de uma plataforma acessível à equipe e aos clientes, bem como uma organização que conseguíssemos trabalhar.

A proposta que alguns dos estagiários ficassem responsáveis pelo fluxo se mostrou a melhor opção para a organização do atendimento dos clientes, assim como a recepção ofertada a estes quando procuram o serviço, fosse para agendar um atendimento ou apenas para tirar dúvidas, facilitando o trabalho dos estagiários-terapeutas, para que pudessem se concentrar em prestar a melhor escuta ao cliente, sem os detalhes burocráticos que fazem parte da organização e da prestação de contas à SAEST.

Destaca-se a importância da supervisão durante a experiência, que nos permitiria continuar a nossa formação enquanto estudantes de psicologia, bem como abria um espaço confortável para a exposição de todos os ruídos presente não apenas no exercício das atividades do estágio, mas do próprio enfrentamento pessoal da pandemia e adaptação ao ensino remoto. Sem as horas dedicadas à supervisão dos casos e os encontros semanais, a continuidade do trabalho não poderia ser assegurada, bem como a qualidade dos atendimentos. Apesar do desejo em ajudar, era necessário reconhecer os limites do serviço.

A equipe quis abraçar todas as demandas que surgiam. Percebia-se um público precisando de cuidado, demandando atenção em mais de uma frente e acendendo o alerta sobre o que se podia fazer, dentro das limitações e alcance enquanto serviço. A condição do isolamento, o afastamento da universidade e adaptação à essa "nova realidade" imposta pela pandemia parece ter desvelado fragilidades e sofrimentos que até então pareciam estar escondidos do público alvo, assim como piorou outras questões que já estavam presentes, mas que podiam ser minimamente amenizadas em meio a dedicação às atividades cotidianas. O encontro consigo mesmo, sem mediação, sem desvios, trouxe à tona sofrimentos, esses sofrimentos que precisam encontrar um espaço para serem acolhidos e reconhecidos.

Há então um movimento que foi possível perceber no encontro com o cliente referente ao questionamento "quem eu era antes da pandemia?" e "quem sou agora?", ao mesmo tempo que se percebia esse questionamento nos atendimentos, pessoalmente e como equipe fazia-se a mesma pergunta e debruçava-se sobre as respostas que, mesmo sendo internas, ajudavam os estagiários a funcionar como grupo e orientavam a disposição para organizar o serviço, traçar um perfil e promover as ações possíveis para oferecer amparo.

Todos os aspectos dessa experiência foram inovadores à equipe, a qual estava sempre aprendendo, descobrindo e sendo instigada a melhorar. Dar conta de todas as situações com que se deparava, no entanto, foi se mostrando ao longo do tempo como um movimento não saudável, por mais dedicados que o grupo fosse, apesar da ânsia que tinha em ajudar. Era preciso centrar no que podia ser feito dentro do tempo de estágio e dos objetivos do serviço criado, era preciso delegar e acionar toda a rede disponível conhecida, dentro e fora da universidade, reconhecendo o momento de parar e deixar que a instituição tomasse conta das situações de ordem maior.

A estrutura dos atendimentos, desde a distribuição de tarefas entre a equipe até a determinação da quantidade de atendimentos foram realizadas em conjunto, tendo como norteador a proposta de desenvolver o melhor serviço possível para o cenário que se vivia. Sendo assim, a organização do APE, com atendimentos agendados, possibilidades limitadas de retorno e prontidão nos dias de estágio para abarcar clientes novos fez o grupo escolher por criar um serviço que oscilasse entre um Plantão (pela prontidão em atender o cliente que surgisse, caso este estivesse disposto a falar naquele momento), atendimentos tradicionais (agendamento de até cinco sessões durante o semestre), levemente similares a algo de uma psicoterapia breve, ainda que os atendimentos não precisassem ser sucessivos ou relacionados – à escolha do cliente.

O objetivo de esta ser a configuração do serviço foi: oferecer ao estudante o que quer que ele precise no momento, fosse apenas um encontro ou um acompanhamento maior, ainda que limitado pela quantidade de sessões.

A adaptação ao meio virtual nos trouxe benefícios e desafios inesperados. Dentre os benefícios, proporcionou que a escuta pudesse chegar a lugares que o trabalho realizado de forma presencial não poderia chegar, permitindo que alunos de outras cidades universitárias da instituição pudessem ser acolhidos. Entre as dificuldades, a própria criação do APE, o encontro com a limitação tecnológica e os problemas de conexão que prejudicavam o desenvolvimento das sessões e contato com o cliente, assim como o conforto e eventuais interrupções.

A confiança e o apoio do referencial teórico escolhido proporcionou segurança para o desenvolvimento do trabalho e para a configuração do formato de supervisão praticado, a qual oportunizou para além da continuidade da formação, um espaço para desenvolvimento pessoal.

 

Agradecimentos

Agradecemos a SAEST/UFPA pelo apoio ao Projeto Plantão Psicológico, que ocorreu por meio da Bolsa de Apoio à Atividade Acadêmica, vinculada ao Programa Bolsa Permanência Acadêmica (Instrução Normativa SAEST/UFPA nº. 09, de 1º de abril de 2019).

 

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Endereço para correspondência
Ana Maria Campos da Rocha
E-mail: anamaria.camposdarocha@gmail.com

Lana Yasmin Leal da Silva
E-mail: lanaleal02@gmail.com

Daniel Castro Silva
E-mail: dancastros26@gmail.com

Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo
E-mail: patrice.san@gmail.com

Recebido: 10 abril de 2021
Revisado: 25 de abril de 2021
Aceito: 10 de junho de 2021
Publicado: 25 de junho de 2021

 

 

1 Ana Maria Campos da Rocha ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7070-815X
2 Lana Yasmin Leal da Silva ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6027-9857
3 Daniel Castro Silva ORCID: https://orcid.org/0000- 0002-2451-6525
4 Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3081-3833
5 A sigla "AM" utilizada no texto é fictícia, em vista de preservar a identidade do cliente.
6 A sigla "AL" é fictícia, sendo utilizada a fim de preservar a identidade do cliente.

 

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