SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número3Aspectos psicológicos da acalásia à luz da gestalt-terapiaAplicabilidade e releitura da teoria da personalidade e do comportamento no hospital índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.3 Belém set./dez. 2021

 

ENSAIO

 

Raça, racismo e clínica fenomenológico-existencial: elementos para a decolonização da atenção clínica

 

Race, racism, and existential-phenomenological psychotherapy: fundamentals for decolonization of clinical attention

 

Raza, racismo y psicoterapia existencial-fenomenológica: fundamentos para la descolonización de la atención clínica

 

 

Hernani Pereira dos Santos1

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Câmpus Londrina, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Procura-se apresentar as contribuições da fenomenologia da raça e do racismo para a decolonização da atenção clínica em sua interface com a clínica multicultural e com a educação de jovens terapeutas. Norteando-se por uma fenomenologia crítica, a primeira seção procura demonstrar como uma fenomenologia crítica pode fornecer recursos para a análise dos fenômenos da raça e do racismo. A segunda seção, por sua vez, analisa o confronto entre psicoterapia multicultural e pensamento fenomenológico-existencial, procurando dele retirar as principais consequências para a decolonização da atenção clínica. A terceira seção, por fim, propõe uma forma de conduzir estrategicamente a decolonização da atenção para terapeutas em formação por meio de uma reflexão formativa.

Palavras-chave: Atenção; Psicologia fenomenológica; Racismo; Relações étnicas e raciais; Psicologia intercultural.


ABSTRACT

This article presents the contributions from the phenomenology of race and racism to the decolonization of psychotherapeutic attention in its interface with multicultural therapy and the education of young therapists. Guided by a critical phenomenology, first section seeks to demonstrate how a critical phenomenology can provide resources for an analysis of the phenomena of race and racism. The second section, in turn, analyzes the confrontation between multicultural psychotherapy and phenomenological-existential philosophy, seeking to draw the main consequences for the decolonization of psychotherapeutic attention. Finally, the third section proposes a way to strategically conduct the decolonization of attention for training therapists through formative reflection.

Keywords: Attention; Intercultural Psychology; Phenomenological Psychology; Racial and Ethnic Relations; Racism.


RESUMEN

Este artículo busca presentar los aportes de la fenomenología de la raza y el racismo a la descolonización de la atención psicoterapéutica en su interfaz con la terapia multicultural y la formación de jóvenes terapeutas. Guiada por una fenomenología crítica, la primera sección busca demostrar cómo una fenomenología crítica puede proporcionar recursos para un análisis de los fenómenos de raza y racismo. La segunda sección, a su vez, analiza el enfrentamiento entre la psicoterapia multicultural y la filosofía fenomenológico-existencial, buscando extraer las principales consecuencias para la descolonización de la atención psicoterapéutica. Finalmente, el tercer apartado propone una forma de conducir estratégicamente la descolonización de la atención para la formación de terapeutas a través de una reflexión formativa.

Palabras clave: Racismo; Relaciones raciales y étnicas;


 

 

1. Introdução

Os estudos psicológicos sobre o racismo têm uma complexa história e apresentam uma diversidade teórica importante na abordagem dos assuntos de raça e racismo (Santos, Schucman & Martins, 2012). Tais estudos ganham maior relevo e interesse nos últimos anos, apesar de ainda serem necessários importantes avanços e aprofundamentos nesta área de pesquisa (Sacco, Kouto & Koller, 2016). Nota-se um número pequeno de estudos que abordam o entrelaçamento entre as questões raciais e aspectos psíquicos, além de suas conexões com a psicologia como um todo e com a psicologia clínica, em particular (Couto, Köller & Sacco, 2016; Martins, Santos & Colosso, 2013). Segundo Gouveia Damasceno e Zanello (2019), é diminuta a percepção de psicólogos da saúde e clínicos sobre os efeitos negativos das relações étnico-raciais. Ainda, Santos e Schucman (2015) evidenciaram o quanto a formação de psicólogas e psicólogos é deficitária quanto ao tema, sendo tratado, amiúde, de forma periférica. Além disso, faz-se notar a falta de um posicionamento ou um olhar crítico dos psicólogos atuantes sobre as relações étnico-raciais e suas implicações no contexto de saúde (Tavares, Oliveira, & Lages, 2013).

Como evidenciado por estas pesquisas e pela diálogos em torno da clínica multicultural (Sue & Sue, 2003), ao se abordar a temática no contexto clínico, deve-se levar em conta a dinâmica entre clínica e sociedade e as tramas que envolvem tanto a vivência singular do paciente quanto, também, as estruturas sociais e o próprio manejo e papel do terapeuta. De forma mais ampla, a teorização sobre raça e racismo no contexto clínico deveria abranger uma meditação a respeito dos próprios fundamentos da clínica psicológica para o acolhimento de pessoas vítimas de racismo em diferentes contextos. Certamente, esta discussão poderia ampliar o escopo da formulação do enquadre clínico não apenas nos termos tradicionais do consultório bipessoal como também de práticas de clínica ampliada e daquelas aplicadas a contextos institucionais universitários, dentre os quais as clínicas-escola, ao mesmo tempo em que poderia contribuir com o desenvolvimento de estratégias e ponderações para a formação de terapeutas.

A partir disto, o praticante ou o pesquisador de uma orientação fenomenológico-existencial pode até mesmo interrogar-se como os seus referenciais próprios podem responder a estas problemáticas. Tendo origem na percepção da necessidade de formulação de um serviço de acolhimento em clínica-escola para jovens que sofreram discriminação racial no contexto universitário, esboça-se a direção deste ensaio como uma tentativa de formular uma resposta uma questão mais elementar e que pretende fundamentá-lo: O que pode e como deve ser estruturada uma fenomenologia da raça, do racismo e de seus impactos sobre a saúde e a clínica psicológica? Ao mesmo tempo, considera-se como ponto de partida de nossa investigação a seguinte interrogação de Fanon (2008, p. 37):

Devemos postular uma realidade humana típica e descrever as suas modalidades psíquicas, levando em consideração apenas a ocorrência de imperfeições; ou, ao contrário, devemos tentar sem descanso uma compreensão concreta e sempre nova do homem?

Com base nestas questões e direções, procura-se apresentar as contribuições da fenomenologia da raça e do racismo para a decolonização da atenção clínica em sua interface com a clínica multicultural e com a educação de jovens terapeutas. Para tanto, este ensaio norteia-se por uma fenomenologia crítica contemporânea (Ahmed, 2007; Alcoff, 2005; Al-Saji, 2014; Ngo, 2017; Santos, 2017; Staudigl, 2012). A primeira seção procura demonstrar como uma fenomenologia crítica pode fornecer recursos para a análise dos fenômenos da raça e do racismo. A segunda seção, por sua vez, analisa o confronto entre psicoterapia multicultural e pensamento fenomenológico-existencial, procurando dele retirar as principais consequências para a decolonização da atenção clínica. A terceira seção, por fim, propõe uma forma de conduzir estrategicamente a decolonização da atenção para terapeutas em formação por meio de uma reflexão formativa.

 

2. Metodologia

Este trabalho constitui-se como um ensaio de caráter teórico e filosófico. Pode-se concebê-lo, nesta direção, como partindo da perspectiva de uma psicologia teórica (Teo, 2019). Assim, constitui-se como um texto que veicula o pensamento crítico e antidogmático (Berardinelli, 2012) e que responde às questões filosóficas, de ordem ontológica e epistemológica, mas também ético-política, presentes no discurso psicológico e das ciências humanas, colocando o autor em uma posição de reflexividade – na desconstrução, reconstrução e criação de saberes (Teo, 2019). Metodologicamente, a pesquisa de base para a construção do ensaio assenta-se na leitura sistemática e análise crítica de um conjunto de textos selecionados para cada linha argumentativa. A construção da argumentação, por sua vez, conduziu-se como dialética filosófica, que incide em um processo de "crescente sofisticação e complexificação" (Rescher, 2006, p. 93) das perspectivas encontradas em cada texto. Isso significa que os seus diferentes argumentos e conceitos foram clarificados e confrontados entre si para, então, chegar-se à sistematização de um quadro suficientemente coerente de argumentos sobre o assunto estudado. Assim, e tendo em vista a problemática de partida, foram desenvolvidas as três linhas argumentativas principais do ensaio.

Detalha-se, a seguir, o conjunto de literatura selecionada para leitura e análise teórica e filosófica. Elencou-se um conjunto de obras de fenomenologia crítica contemporânea (Ahmed, 2007; Alcoff, 2005; Al-Saji, 2014; DeRoo, 2013; Heinämaa & Jardine, 2021; Marrato, 2021; Ngo, 2017; Staudigl, 2012) e de autores fundamentais que evidenciavam tanto uma perspectiva decolonial (Fanon, 2008) quanto uma perspectiva social (Schütz, 2011) na teoria fenomenológica para construir a argumentação sobre a fenomenologia da racialização (primeira seção). Obras sobre a terapia multicultural, como as de Ivey (1987), Moodley (2007), Moodley, Shipton e Falken (2010), Pedersen (1999), Sue, Arredondo e McDavis, (1992), Sue e Sue (2003), Sue (2004), por sua vez, foram selecionadas, lidas e analisadas para construir a segunda linha argumentativa deste ensaio (segunda seção). Por fim, no que diz respeito à linha argumentativa focada na formação de terapeutas, foram selecionados, especialmente, os textos de Al-Saji (2014) e DeRoo (2013), em um primeiro momento, e Fu (2015), em um segundo momento, como complementar às discussões fornecidas pelos demais textos.

 

3. Resultados e Discussão

Fenomenologia da racialização

Uma fenomenologia da raça e do racismo, sem dúvida, depara-se, de início, com os impasses da presunção de uma universalidade da experiência humana. É o que advoga, de maneira semelhante, o psiquiatra Erwin Straus:

Na analítica, o Dasein não é nem homem, nem fêmea, nem jovem, nem velho. Dasein é um termo para a entidade do modo de Ser: homem. A psiquiatria, contudo, não está preocupada com o homem, mas com homens em seu caráter natural, condicionado (Straus, 1969, p. 11).

Precisamente, Staudigl (2012) chama a atenção para o fato de que as construções ideal-típicas sobre o racismo falham em apreender a sua diversidade. Segundo nos parece, o apontamento de uma consideração situada e renovada sobre as pessoas, citado na introdução deste ensaio, é um apelo a um uso hermenêutico da fenomenologia e o compromisso com uma redução fenomenológica de caráter parcial, ou fundada sobre o caráter já imiscuído nas referências do mundo da vida da existência humana.

A partir disso, podemos concordar com Almeida (2018, p. 50): "Pessoas racializadas são formadas por condições estruturais e institucionais. Nesse sentido, podemos dizer que é o racismo que cria a raça e os sujeitos racializados". Uma análise fenomenológica crítica, portanto, deve ser capaz de traçar de volta a partir das "figuras" racializadas tanto a estrutura racializada da percepção (ou orientação perceptiva) quanto a sua origem em práticas sociais a partir das quais os hábitos são adquiridos, sedimentados e mantidos. Sendo assim, deve-se tomar o adjetivo "racializado" como designando os efeitos das relações de poder sobre os sujeitos. A racialização pode se dar de forma independente de uma tomada de consciência explícita e dos processos atrelados à formação de uma identidade racial positiva. Na verdade, é a tomada de consciência da racialização, entendida no sentido aqui empregado, que pode permitir a formação da identidade racial positiva.

Uma posição semelhante se encontra registrada na fórmula de matiz existencialista de Almeida (2018):

[...] uma pessoa não nasce branca ou negra, mas torna-se a partir do momento em que seu corpo e sua mente são conectados a toda uma rede de sentidos compartilhados coletivamente, cuja existência antecede à formação de sua consciência e de seus afetos (p. 53).

Desse ponto de vista, o racismo não deve ser concebido como uma crença ou um ato cognitivo isolado que se aplica sobre a alteridade, construindo-a como inferior, subumano ou desumano. Concordamos com Heinämaa & Jardine (2021) quando argumentam que a desumanização – dentro da qual podemos incluir o racismo – não se restringe a processos cognitivos e mesmo individuais. Afastar-se desta forma individualizante e reificante dos atos racistas é fundamental para uma consideração fenomenológica apurada do assunto. Segundo os autores, estes mesmos atos cognitivos somente recebem a sua significação de desumanização "quando conectados a contextos práticos e emocionais específicos" (Heinämaa & Jardine, 2021, p. 311). Desta forma, deve destacar-se, por um lado, a dimensão encarnada, afetiva e prática, e, por outro, a dimensão intersubjetiva dos envolvimentos dos sujeitos racializados no mundo da vida. Isso requer que consideremos o horizonte de sentidos dentro do qual se produz a racialização.

É possível dizer que os sistemas de relevância (Schütz, 2011) compartilhados pelos grupos dominantes de uma situação social-histórica formam uma ontologia para os seus participantes: estabelecem os horizontes de sentido do ser em geral e, portanto, designam o sentido dos entes e as suas relações por remissão mútua. Mesmo a raça compõe esta ontologia historicamente situada na medida em que traça a diferença entre os entes humanos e constitui, entre eles, um conjunto de relações diferenciais, inclusive hierárquicas (ver Ngo, 2017). Esta ontologia traça o campo semântico específico do colonialismo e de suas práticas racistas e desumanizantes. Como tal, com efeito, constitui os liames do mundo da vida das sociedades ocidentais modernas, especificamente colonialistas.

O mundo da vida, no sentido aqui empregado, que segue uma linha de pesquisa psicossociológica de matiz schütziana, designa as relações de mútua pertença entre a vida subjetiva e o campo de objetos pré-dados ao campo de consciência a partir dos quais algo pode se tornar temático. Assim, configura, além de uma experiência individual, um campo intersubjetivo e histórico a partir do qual podemos desenvolver as nossas atividades cognoscitivas, acionais e afetivas e a partir do qual cada experiência tem seu significado garantido. Com relação a isto, pode-se dizer que a racialização é o efeito preponderante da referida ontologia e um dos recortes estruturais do mundo da vida colonial. De acordo com Al-Saji (2014, p. 137), podemos conceituar a racialização da seguinte forma: "A racialização é [...] o processo histórico e social por meio do qual as raças são construídas, vistas e, quando interiorizadas ou epidermizadas, vividas". Por esta razão, aliás, é impossível separar os processos econômicos do processo de interiorização do racismo/colonialismo, de sua epidermização (Fanon, 2008).

Para conceituar este processo de interiorização – ou o racismo internalizado –, autores reconhecem a originalidade e o pioneirismo da obra de Fanon (2008), "Pele negra, máscaras brancas", no campo das análises fenomenológicas (DeRoo, 2013; Heinämaa & Jardine, 2021; Marrato, 2021; Ngo, 2017; Staudigl, 2012;). Isto nos permite dizer que é à obra de Fanon (2008) que a descrição fenomenológica da vivência racializada remonta de forma paradigmática. O autor conceitua a desumanização ocorrida em um contexto colonialista como inferiorização e, também, como "epidermização" (Fanon, 2008, p. 28). A conceituação de Fanon sugere que a raça se apresenta sedimentada na corporeidade, ou seja, no corpo considerado pela perspectiva subjetiva e realizador de sentido, que pode ser tomado como o correlato funcionamento cinestésico e sinestésico pelo qual os objetos corporais aparecem e recebem a sua forma significativa. É por esta espécie de âncora fenomenológica da análise cultural (Csordas, 2008) que Fanon destrincha as camadas de constituição da raça e do racismo. O autor aborda como o esquema corporal do negro colonizado se encontra alterado ao se deparar com o olhar do Outro branco colonizador. O autor descreve, por exemplo, um momento em que, ao dividir o espaço de um trem com Outros brancos, colonizadores, a sua experiência espacial, por exemplo, é alterada e seu corpo parece ficar distorcido. O corpo do negro é "atacado" pelo olhar do branco colonizador e por seus discursos, presentes em diferentes veículos de comunicação e produtos da cultura dominante.

Fanon aborda o conceito de "esquema corporal" de forma um tanto diferente das linhas estudadas por Merleau- Ponty (2006) em "Fenomenologia da percepção", embora em diálogo com elas. Para Fanon (2008), o esquema corporal não fica restrito a sentimentos corporais e cinestésicos, mas envolve uma fundamental dimensão narrativa e intersubjetiva. Pois, para ele, o olhar do Outro – o homem branco colonizador – e os fragmentos narrativos do discurso do branco constituem, sobre o esquema corporal básico, uma camada de significação distinta, as quais o alteram. É isto que ele conceitua como "esquema histórico-racial" (Fanon, 2008, p. 108). Baseando-se na teoria intersubjetiva da corporeidade desenvolvida por Sartre (1994) em "O ser e o nada", Fanon (2008) propõe que os conflitos colocados entre a imagem corporal do negro colonizado e a violência discriminativa do olhar do branco levam a um "colapso" do esquema corporal e, por conseguinte, dão origem ao que o autor nomeia como "esquema epidérmico-racial". A função transcendental do corpo é, portanto, minada no confronto com o olhar do branco, de tal forma que mesmo a espaçotemporalidade é afetada.

O corpo vivido (corps vécu), ou corpo próprio, analisado por Merleau-Ponty (2006) demonstra ser, desta perspectiva, uma experiência não-problematizada, invisível, mas que se torna foco de problematização a partir do "olhar branco", assim racializando o esquema corporal (Staudigl, 2012). O que o autor está trazendo à luz é o fato de que, sobre a superfície da pele do negro, projeta-se um conjunto de referências oposicionais que distinguem o branco e o preto, organizadas em termos de uma hierarquia, e que se esconde o conjunto de fatores estruturais que permitem essa organização (Al-Saji, 2014). Ainda que dado também de forma pré-reflexiva, o corpo negro, especialmente quanto às suas autorrelações, continua assim implícito até o encontro com esta espécie de espelho crítico que o interpela e, por assim dizer, bagunça a estrutura unitária de seu esquema corporal, ou, pelo menos, se pudermos distinguir os dois, de sua imagem corporal (Ngo, 2017). Complementando Fanon, Ahmed (2007) diz que a raça não apenas interrompe, ou bagunça, o esquema corporal, mas o organiza e estrutura, fornecendo-lhe um conjunto de referências indicativas e diacríticas em relação a outros sujeitos, como, por exemplo, nas diferentes manifestações de racismo internalizado. É o que fica manifesto quando Fanon (2008, p. 132) afirma, por exemplo, que "pouco a pouco se forma e se cristaliza no jovem antilhano uma atitude, um hábito de pensar e perceber, que são essencialmente brancos". Isso implica que a corporeidade é permeável aos elementos discursivos e simbólicos da cultura. Desta forma, o corpo próprio pode ser considerado em sua função transcendental, operativa, como o lugar da experiência vivida, porém, ao mesmo tempo, como produto de discursos e de relações de poder, desta forma circunscrevendo a identidade encarnada e situada (Marratto, 2021). Com isso, conforme Marrato (2021), "a fenomenologia pode nos ajudar a compreender o que as abordagens estruturais e genealógicas não podem sozinhas: a forma em que o poder e a violência são vividos no corpo juntamente ao sentido de agência implicado nesta noção do ‘vivido'" (p. 400).

Este ponto permite tanto aproximar os aspectos estruturais de análise da sociedade e cultura quanto também vislumbrar a forma como os sistemas de relevância impostos e, por conseguinte, o poder (Goetllich, 2011) podem agir sobre o corpo e sobre a formação da percepção. De acordo com a teoria de Schütz (2011), os sistemas de relevância correspondem às formas como os sujeitos podem interpretar o seu mundo a partir de sua experiência situada e encarnada como também de sua história autobiográfica, com todo o estoque de conhecimentos e a cadeia motivacional que permitem a circunscrição da emergência do significado. Estes sistemas implicam tanto a análise do campo de consciência enquanto tema, campo temático e margem (Gurwitsch, 2010) – ou, nos termos preferidos por Schütz (2011), tópico e horizonte – quanto, também, da origem destes esquemas que permitem a significação, os quais se encontram sedimentados na experiência pessoal, por meio da operação das sínteses ativa e passiva2 (Husserl, 1966), e remontam a tipificações de origem social, em sua maior parte anônimas ou pouco óbvias, as quais são "impostas" sobre a experiência perceptiva e interpretativa, funcionando, para ela, como uma norma. Esta estrutura encontra-se situada e ancorada na corporeidade enquanto ponto originário de referências e de seleção das tipificações do mundo da vida. A abordagem schütziana do corpo permite aproximar o esquema corporal, enquanto o "eu posso", no sentido fenomenológico, e o corpo enquanto produto discursivo ou "superfície da inscrição" (Marrato, 2021), no sentido foucaultiano. Neste caso, os "ataques" colocados sobre o corpo negro podem ser conceituados como relevâncias impostas, designando uma dinâmica cultural coercitiva.

Ao mesmo tempo, seguindo as sugestões destas análises, pode-se compreender que a própria percepção passa a seguir a estrutura normativa destes sistemas relevância. Alcoff (2005) apresenta a ideia de que a raça não diz respeito aos tópicos percebidos, mas, antes, diz respeito ao "campo" da percepção, que, como tal, é organizado e reorganizado através de nossas transações corpóreas com o mundo, ou seja, por meio dos hábitos encarnados. É importante notar que, para esta teoria, a raça não é o visível, mas o invisível na percepção, enquanto seu elemento estruturante. Se retomarmos a teoria de Gurwitsch (2010) sobre o campo de consciência, a raça é o elemento contextual – ou, em sua linguagem técnica, a "ordem de existência" – a partir do qual os tópicos (os corpos) são indexados como racializados. Comentando esta definição de Alcoff (2005), Ngo (2017, p. 26) define a raça como "operativa no nível de nosso enquadre perceptivo ou horizonte" e como "aquilo através e contra o que nós percebemos". Se os corpos negros, pardos, amarelos, brancos etc., são a "figura" comumente tomada por óbvio, este tópico racializado só pode surgir como tal contra um horizonte de sentido baseado na diferenciação racial do mundo intersubjetivo, com significados e sentidos fundados nesta diacriticidade.

A significação da raça, por conseguinte, estrutura a nossa percepção do mundo humano, por mais que se torne, a cada momento, invisível, assim como funcionamento de nosso corpo vivido. A este respeito, também é importante sublinhar que esta dinâmica entre corporeidade e cultura também atravessa ou constitui os afetos. Segundo Al-Saji (2014, p. 148), aqui é importante considerar o afeto como "um encontro entre eu e outro, onde o corpo age sobre si próprio em resposta ao que é outro". E, ademais, conforme complementa a autora: "Ele representa a intersecção de autoafecção e heteroafecção, um encontro mediado por forças da socialidade e da historicidade, pelas estruturas de dominação e privilégio, que permanecem invisíveis" (Al-Saji, 2014, p. 148). Trata-se, segundo a autora, de uma vivência pré- intencional e pré-reflexiva, centrada no corpo e vivida como uma consciência corporal, mas que, concebida desta forma, implica a conexão com a alteridade e com a sua possibilidade de invadir a minha própria perspectiva (Sartre, 1994).

Porém, nesta invisibilidade também se esconde o conhecimento contextual sedimentado que é estocado a partir de nossas experiências intersubjetivas com os grupos que participam de nossa sociedade, inclusive em relações de tensão e opressão. A formação dos tipos sociais que permitem a diferenciação e categorização de corpos humanos em termos de raças precede a percepção individual e pertence, ou faz referência implícita, à dinâmica política destes grupos sociais (Alcoff, 2005). Ao mesmo tempo, contudo, a invisibilização deste horizonte de significação racial é o que permite a naturalização e a justificação epistêmica tanto da percepção racializada, que se desdobra em preconceito, estigma e discriminação, quanto, também, das práticas racistas. Os efeitos do racismo são incorporados das estruturas sociais, na dinâmica de sedimentação das experiências significativas, assim formando hábitos herdados culturalmente (Ahmed, 2007; Marrato, 2021).

Alguns autores (DeRoo, 2013; Marrato, 2021) estão de acordo ao apontarem que uma fenomenologia relativa a atos como os de racismo – DeRoo (2013) coloca-os sob o termo "opressão" – pressupõe um olhar para a dimensão da formação e reformulação de sentidos, ou a aprendizagem, seja ela abordada pelo viés da síntese passiva (DeRoo, 2013) ou da instituição (Marrato, 2021). Isso implica retirar a ênfase da análise de uma ênfase cognitiva e concentrar-se na maneira como os hábitos são formados, ou como determinadas tipificações são cristalizadas na percepção e autopercepção. Ahmed (2007) desenvolve dois conceitos importantes para esta análise, a saber, o de "hábitos" (pelos quais a branquitude é mantida) e "herança" (pelos quais a branquitude é estocada e invisibilizada). Identidades raciais se tornam invisíveis, segundo Ahmed (2007), porque são "orientações herdadas", inscrevendo os nossos corpos, as nossas existências, em um campo social e estruturando, desta forma, a experiência subjetiva. Estão instituídas, na temporalidade de nossos antepassados, e por isso prescindem de nossa agência e autoconsciência declarativa. Por isto, não é de se estranhar que os hábitos racistas sejam praticados sem qualquer hesitação de seus autores. E esta ausência de reflexão, acolchoada nas ondas constitutivas da síntese passiva (Husserl, 1966), é o indicativo tanto da estrutura iterativa destes hábitos quanto também de uma antecipação que, aspirando à "completude ontológica", não inclui de maneira amigável a possibilidade da novidade e da diferença (Al-Saji, 2014).

Al-Saji (2014) descreve esta habitação afetiva instituída socialmente como um "campo perceptivo racializado mapeado previamente" (p. 148). É a partir deste mapa que os afetos são distribuídos e as reações emocionais são circunscritas a partir do eixo da normalização e da normatização. Deste ponto de vista, portanto, o modo de ser racista corresponde a uma calcificação temporal e habitual da afetividade e da percepção, que tende a um fechamento das conexões significativas entre eventos e à repetição das receitas interpretativas das experiências. Em uma metáfora, é como se o sujeito reproduzisse, continuamente, histórias cujas vozes estão fixadas em um passado e cuja autoria ele é incapaz de precisar. A "branquitude" é, conclui Ahmed (2007), uma "habitação" da subjetividade branca, que permite ao sujeito branco o "eu posso", o poder, que oblitera o "eu posso" do negro. A esta habitação está associada, sem dúvida, também a "ideologia de cegueira de cor racial" (Mazzocco, 2017). Quando assimilada pelo negro, coloca-se ele em um lugar contraditório e de embaraço justamente porque são as referências e tipificações que minam o seu próprio poder-ser ("eu posso") quanto também as suas possibilidades de reconhecimento intersubjetivo.

A partir destas análises, talvez possamos chegar a uma conclusão parcial de que as descrições e explicitações fenomenológicas sobre a raça e o racismo sugerem, de nosso ponto de vista, uma colonização dos sistemas de relevância, do corpo, da percepção e da atenção. Contudo, ainda nos parece importante insistir no fato de que o referencial teórico fenomenológico permite afirmar que, apesar da constituição do racismo pela via das sínteses passivas, não é tão rápido e fácil assimilar esta ideia com a de uma reprodução automática ou de ausência de responsabilidade. Segundo DeRoo (2013), as teorias de opressão estrutural necessitam lançar mão da noção de "responsabilidade não intencional" (p. 87). Ao mesmo tempo Marrato (2021), sugere, através da noção merleau-pontyana de instituição, que as camadas de constituição passiva na relação entre eu e alteridade englobam, ao mesmo tempo, a restrição e a abertura e exigem a referência à agência encarnada, que se demonstra, por exemplo, através de uma "instauração criativa" (Marrato, 2021, p. 402). Assim, conclui que "o poder que age sobre os corpos não possui a palavra final na formação da identidade pessoal" (Marrato, 2021, p. 402). Este caminho nos leva a uma consideração das formas de psicoterapia que podem ter uma especial consideração quanto à colonização da atenção e deixam aberta a possibilidade para a referida instauração criativa diante das camadas sedimentadas de poder na experiência.

A terapia multicultural e a fenomenologia existencial

A partir de discussões dos contextos estadunidense e europeu a respeito da dinâmica cultural das sociedades da modernidade tardia e da presença do que se convencionou chamar de "multiculturalismo", teve origem a discussão de um enquadramento para a clínica psicoterapêutica e para o aconselhamento psicológico que levasse em conta, de maneira específica, as variações culturais de grupos sociais e os seus atravessamentos na experiência dos consulentes e na relação terapêutica. Este enquadramento ficou conhecido como "psicoterapia multicultural" ou "aconselhamento multicultural" (Sue, Arredondo & McDavis, 1992; Sue & Sue, 2003; Sue, 2004). Pedersen (1999), por exemplo, fala desta perspectiva multicultural como a "quarta força" do aconselhamento e da psicoterapia, ao lado das perspectivas psicanalítica, behaviorista e humanista. Sue, Arredondo e McDavis (1992) propuseram que o terapeuta ou aconselhador deveria apresentar um conjunto de competências culturais, dentre as quais destacam-se a percepção da própria visão de mundo cultural e a compreensão da visão de mundo do consulente que é culturalmente diferente. A mesma ideia encontra-se em Sue (2004). Mas, como pode esta questão ser reformulada em termos fenomenológico-existenciais? E como ela pode contribuir para uma psicologia fenomenológico-existencial antirracista?

Apesar de a terapia multicultural ser um campo bastante diverso e heterogêneo de conceitos e modelos teóricos e práticos, consideramos que algumas de suas propostas centrais devem ser consideradas como uma espécie de remodulação da orientação perceptiva do enquadre clínico predominante na formação ocidental e que chamamos, sugestivamente, de decolonização da atenção clínica. Para tanto, consideramos as competências acima destacadas como assunto de particular interesse para uma abordagem fenomenológica da clínica multicultural. Acessar a visão de mundo cultural própria e do paciente, questão central para a psicoterapia multicultural, é uma preocupação que se reflete em uma espécie de ampliação de noções por vezes tomadas de forma individualista como as de "consciência", "campo fenomenológico" e "tomada de consciência" (awareness), parte de diferentes modelos de psicoterapia fenomenológico- existencial.

Neste sentido, ecoa o que diz Ivey (1987, p. 197): ao comentar a noção de empatia, o autor afirma que, em um enquadre clínico, estão presentes quatro participantes, a saber, "a/o terapeuta e seu fundo cultural-histórico, e o consulente e seu fundo cultural-histórico". Do ponto de vista do mesmo autor, isso implica que o terapeuta ou aconselhador esteja sensível, ou aberto, para a singularidade individual e alteridade de cada consulente, o que é modulado por fatores sociais e históricos, e, é claro, também para a sua própria experiência cultural e social concreta. Por conseguinte, considerar de forma transcultural a clínica psicoterapêutica corresponde a, por um lado, analisar o campo de consciência – com sua estrutura de tema, campo temático e margem – em uma dimensão complexa e enredada a diferentes ordens de existência (Gurwitsch, 2010) e, por outro, a considerar "um desenvolvimento contínuo da consciência interpessoal e intercultural" (Ivey, 1987, p. 200), por meio da qual o eu e o outro são considerados como um "ser cultural com uma família, um grupo e uma herança cultural".

Tomemos um exemplo de uma das modalidades clínicas da terceira força e que comumente é lida por uma óptica fenomenológica. É conhecido que Rogers gravou uma série de consultas clínicas com a finalidade de compor materiais para a formação de psicoterapeutas. Dentre estes vídeos, destacam-se as consultas intituladas "O direito de estar desesperado" (The right to be desperate) e "Machucado e furioso" (Hurt and anger), nas quais Rogers atende um consulente que está lidando com experiências atravessadas por um viés racial (Moodley, Shipton & Falken, 2010). Nestas sessões, Rogers pode ter falhado em apreender a disparidade racial entre terapeuta e consulente, ignorando as pistas raciais presentes em seu discurso e, sobretudo, ignorando a sua própria identidade racial enquanto branco (Moodley et al., 2010). Ao mesmo tempo, Moodley (2007) sugere que a clínica centrada na pessoa tende a obscurecer o que podemos chamar de as dimensões diacríticas da relação terapêutica (étnicas, raciais etc.) ao pretender-se "culturalmente isenta". Sub- repticiamente, uma concepção do psiquismo parece prevalecer nesta e em outras modalidades clínicas, passando a valer de forma normativa e universal (para todas as pessoas e contextos), sobretudo quando o assunto não é tematizado de forma crítica e assente. Ora, o ponto central é que estes atendimentos parecem ter sido matizados por uma espécie de "cegueira de cor racial" (Mazzocco, 2017), de forma que a "visibilidade" do sofrimento racial fica mascarada e é substituída por uma apreensão daquilo que se mostra como autoevidente pela perspectiva da branquitude, ou seja, sem ter conexão de relevância com os aspectos da racialização, que se tornam acessórios.

Considerar os fenômenos clínicos de uma perspectiva decolonial implica, pois, considerar as intricadas conexões de relevância entre eles e processos sociais e históricos, que permitam "desembaraçar e abordar algumas das questões complexas que confrontam consulentes de minorias étnicas, tais como o racismo, o sexismo, os diferenciais de poder, e a política identitária." (Moodley, 2007, p. 2). Para isto, é necessário "colocar entre parênteses" as próprias condições das formas de ver e sentir coloniais e que se refletem em uma visão asseada e homogeneizante do "multiculturalismo" (Moodley, 2007, p. 8) ou, no caso brasileiro, da "democracia racial" (Santos et al., 2012). De acordo com Moodley (2007, p. 8), "reconhecer o racismo é o primeiro passo na substituição do multiculturalismo". Com isso, o autor está, ao mesmo tempo, distanciando-se das propostas multiculturalistas acríticas e posicionando-se claramente contra a crença difundida de que o racismo não existe. Discursos contemporâneos tendem a mascarar o racismo e substitui-lo por uma narrativa da diversidade multicultural. Mesmo as práticas institucionais racistas são ocultadas em proveito do multiculturalismo. E é isto que é, em um momento inicial, fundamental de ser criticamente apreendido e suspendido.

Esta suspensão permite, ainda, a reconsideração da distribuição multiforme da significação e relevância das experiências e discursos de determinados grupos sociais. Enquanto as experiências de alguns grupos ficaram, historicamente, à margem das explorações clínicas habituais, as formas hegemônicas de existência moldaram as formas de terapeutas, brancos e não-brancos, responderem à experiência humana (Moodley, 2007). Isso implica, ao mesmo tempo, que a representação de sofrimento e a elaboração da queixa destes grupos passou ao largo das formulações acadêmicas e científicas predominantes e que, para os próprios grupos racializados, por exemplo, a queixa de sofrimento racial costuma não ser formulada como uma demanda propriamente psicoterapêutica. Além disso, é possível considerar que sujeitos que passaram por vivências de subjugação, dominação, deslocamento e diáspora, requerem um cuidado, sobretudo afetivo, para além da marginalidade social. Vivendo em um espaço de exclusão, estes sujeitos podem ser seduzidos pelo multiculturalismo, e seus efeitos mágicos e ilusórios, de negação da realidade pela suposição de uma equidade. Esta conjuntura representaria aquilo que Moodley (2007) concebeu como um "terceiro espaço" dentro da lógica em que predominam os que estão "dentro" do discurso hegemônico e os que estão "fora" dele, ou seja, "uma recolocação na qual as margens se tornam o centro e onde o sujeito pode estar livre de suas próprias origens e mitos" (Moodley, 2007, p. 8-9), tal como estes foram elaborados pelos discursos e pelas tipificações socialmente predominantes. A partir disto, Moodley (2007) sugere passar-se das identidades fixas, que é um produto do multiculturalismo, para a consideração de experiências socioculturais, religiosas, sexuais, geopolíticas, de deficiência, além das relações de poder e de gênero, das desigualdades sociais e econômicas e das questões de justiça social e inclusão. Com efeito, é impossível desassociar identidade, poder e opressão.

Uma clínica fenomenológico-existencial que pretenda entrar em diálogo com as contribuições da clínica multicultural e, especificamente, lidar com a problemática das presentificações raciais na relação terapêutica não deve reduzir o seu escopo à correspondência racial de paciente e terapeuta (ou identificação racial) (Pope-Davis et al., 2001), sob o risco de especificar-se e focar-se no espectro calcificado da visibilidade das relações raciais (conforme foi exposto na primeira seção). Mas, além disso, deve considerar uma série de desafios da psicoterapia multicultural e, de fato, propor desafios em retorno à psicoterapia multicultural (Sue, 2004). Acreditamos que uma clínica fenomenológico-existencial embasada na fenomenologia crítica e em uma leitura situada do mundo da vida é capaz de dar respostas coerentes a estes desafios e mesmo problematizá-los em acordo com uma visão suficientemente complexa e concreto da experiência humana. Para isto, é necessário considerar, ao mesmo tempo, as análises fenomenológicas críticas a respeito da dimensão racial e sociocultural, integrando as variações de classe, gênero, orientação sexual e deficiência, e ousar uma espécie de não-saber que permita ao terapeuta atravessar as diferentes sobreposições de significação e de relação de poder que constituem as opressões sociais e acessar as "representações de sofrimento" sempre subjetivas e singulares, apesar de moduladas pela cultura e pelas estruturas racializadas do mundo da vida (Moodley, 2007), o que inclui, aliás, no enquadramento terapêutico, a sua própria experiência racial.

A terapia pode, assim, constituir-se como uma espécie de prática reflexiva que permite com que preconceitos, ideologia e poder-ser sejam examinados e rearticulados. Afinal, a ideia de uma psicoterapia fenomenológico-existencial se refere menos à diminuição de sintomas do que a promover a abertura para o reconhecimento do consulente em sua vulnerabilidade existencial (Brencio, 2013). Primeiramente, trata-se de criar um ambiente facilitador em que o consulente possa falar e explorar os eventos humilhantes, dolorosos e difíceis por ele experienciados, onde seja respaldado pela identificação, validação e discussão destas experiências vinculadas ao racismo (Harrell, 2000, p. 52). Ao mesmo tempo, este ambiente poderá facilitar a "perlaboração" (ou ressignificação) de tais experiências (Harrell, 2000, p. 52). Mas, além de reconhecer o "sofrimento específico associado ao racismo" (Carter, 2007) e manejá-lo individualmente, o terapeuta deve ser capaz de dar condições para uma forma de reconhecimento ampliada. Isso pode dar-se na articulação com as formas de cura grupais (Watts-Jones, 2002) ou mesmo tradicionais e alternativas, responsivas ao contexto existencial daquele sujeito ou grupo (Moodley, 2007; Santos, 2015). Com Fanon (2008), podemos considerar que é na esfera ética e política que se instala propriamente a vivência intersubjetiva do preconceito e do racismo e, por conseguinte, também a luta pelo reconhecimento por parte do negro, isto é, a sua busca de que seja reconhecido como alguém que deseja, que se transcende na liberdade, e que busca viver em "um mundo de reconhecimentos recíprocos" (Fanon, 2008, p. 181). É desta forma, por exemplo, que o craquelamento da experiência intersubjetiva presente na desumanização pode ser superado ou transcendido na forma de novas significações.

A psicoterapia e o aconselhamento multiculturais podem ser lidos, desta forma, como um esforço para decolonizar a atenção, ou percepção, do terapeuta, considerando, precisamente, que os seus sistemas de relevância para a escuta clínica podem apresentar-se colonizados, mas também do consulente, cuja apropriação de seu próprio modo de existência pode apresentar-se defasado ou enviesado pelas estruturas discursivas coloniais, nas tipificações e relevâncias que veiculam e fomentam. Afinal, os seus corpos estarão, em um contexto colonial, posicionados pelos efeitos da racialização. Embora tenham sido formuladas uma série de competências multiculturais que serviriam como uma espécie de protocolo para o consulente, este nos parece um objetivo não tanto acessório como contraditório com a clínica fenomenológico-existencial. Seu objetivo é favorecer a apropriação das próprias ek-stases de cada consulente e vislumbrar a singular abertura de perspectiva para o mundo, apesar e contra toda sedimentação impessoal da cultura. Há que se considerar, para tanto, a facticidade da raça e da multiculturalidade, com as suas diferentes camadas de interseccionalidade, como manifestações do campo entre terapeuta e consulente, seja composta a díade de um terapeuta branco e um consulente não-branco ou mesmo de terapeuta e consulente não-brancos. Acreditamos, enfim, que estas formulações e sua ênfase sobre as competências podem servir como um trampolim para a elaboração de uma preocupação sobre a formação de psicólogos de orientação fenomenológico-existencial.

A questão da formação de terapeutas antirracistas

A partir do que foi abordado nas duas seções anteriores, podemos passar a considerar, agora, uma terceira questão, de cunho formativo ou pedagógico. É a questão sobre como formar terapeutas antirracistas ou sensíveis para as questões raciais, ou seja: se e como é possível "explodir", por assim dizer, a orientação perceptiva racista, sobre a qual pode se assentar, de forma automática e silenciosa, o terapeuta, e as suas antecipações já carregadas de significação sobre quem é a alteridade e quem se é? Afinal, embora o componente discursivo e cognitivo esteja presente nos atos racistas, o seu fundamento é habitual e afetivo, colocando a dimensão pré-reflexiva e implícita da experiência como principal alvo de uma intervenção educativa desta natureza. Estamos de acordo com Al-Saji (2014), quando diz que "é na percepção e na afetividade que eu acredito que a prática antirracista deve encontrar as suas ferramentas" (p. 142). Este é o exercício fundamental para a decolonização dos sistemas de relevância de terapeutas, especialmente aqueles que se encontram em formação.

Com efeito, a orientação perceptiva racista encontra-se fundamentada na sedimentação de experiências em nosso estoque de conhecimentos e afetos (DeRoo, 2013). Certamente, implicam experiências passadas formadas no âmbito de práticas e discursos sociais; como tais, estas experiências encontram-se disponíveis no modo de "estoque" ou de intencionalidades neutralizadas, sem que o sujeito possa agir diretamente sobre elas, mas ao mesmo tempo formam antecipações que permitem com que novas experiências sejam "encaixadas" nas camadas de significação das anteriores (Schütz, 2011), o que, conforme Al-Saji (2014), forma uma espécie de "sentido totalizante de completude", ou "expansividade ontológica" (p. 147), por meio da qual toda novidade é prevista e englobada. Porém, a "reação" a estas experiências – tanto em nível emocional e afetivo quanto intelectual – pode ser mudada e, assim, novos horizontes perceptivos e interpretativos podem ser abertos e criados. Ademais, seguindo Al-Saji (2014), pode-se aventar a possibilidade de que a desmobilização dos hábitos de ver e sentir enraizados no lugar racista e de privilégio que é a branquitude e a demonstração de suas limitações e condições, tanto históricas quanto sociais, podem encontrar terreno na "hesitação" e em seu significado fenomenológico e existencial. É esta via que Al-Saji (2014) encontra como sugestão para desmoronar a habitação subjetiva segundo a qual cada sujeito subsumido a esta trama se assenta e se protege, ainda que de forma pré-reflexiva, por meio de um: "Eu não posso ver ou sentir de forma diferente". Segundo a autora,

A hesitação afetiva pode [...] fazer sentir a historicidade, a contingência e a sedimentação de ações e percepções habituais, bem como sua plasticidade. Ademais, se nós entendermos o afeto como uma tendência, então o afeto não é uma realidade completada ou uma coisa atomística, mas um processo sempre aberto para novas elaborações, bifurcações e devires (Al-Saji, 2014, p. 143).

O exercício pedagógico da hesitação pode, pois, além de tornar os hábitos visíveis, desamarrar os afetos do campo perceptivo racializado mapeado de antemão que citamos anteriormente. Através de um tempo meditativo próprio, relativa à hesitação, um tempo que é da ordem do relaxamento e da passividade (Depraz, Varela & Vermersch, 2006), permite, ao mesmo tempo, interromper as receitas automáticas que são aprendidas na lida diária com o mundo e com a alteridade, na forma de tipificações sociais anônimas ou impostas, e colocar as projeções sociais fora de circuito. Neste sentido, também retoma a agência dos sujeitos racializados. Em uma palavra, procura-se escapar dos mapas preditivos que estão sedimentados em nossos hábitos encarnados, perceptivos e afetivos, e permitir o contato com a diferença e com a incompletude, ou seja, com aquilo que ainda não possui lugar – em uma "explosão" da familiaridade, conforme Schütz (2011) propõe a respeito do encontro com a novidade. Logo, torna possível uma espécie de perlaboração (um trabalho sobre a memória), capaz de conectar o hábito com a dimensão temporal da existência e sua rede significativa de conexões, e uma abertura sensível para o futuro e o imprevisto no encontro com a alteridade. Por mais que uma mudança ambiental possa ser favorável à formação de práticas antirracistas, ela não parece ser suficiente para este tipo de reacomodação dos horizontes de sentido sedimentados (Al-Saji, 2014).

Esta pedagogia pode se inspirar, por exemplo, no trabalho de Fu (2015) e ter por base atividades experienciais para o desenvolvimento da referida mudança subjetiva. A autora cita um conjunto de práticas e estratégias que podem agir menos no sentido de ensinar de forma predicativa o que é o racismo e mais em criar condições para uma efetiva experimentação dos hábitos que moldam a experiência atravessada pelo racismo. Citaremos três exemplos. Uma primeira estratégia por ela citada corresponde à "história de meu nome", em que estudantes são convidados a contarem a história de seu nome e, por conseguinte, a de seus antepassados. Com isso, entram em contato com o fato de que muitos de seus referenciais são herdados e que a sua posição existencial repousa sobre eles, ao mesmo tempo em que se surpreendem com a história de seus colegas e podem apropriar-se das diferenças de trajetórias para compreender a posição existencial da alteridade. Outra estratégia é chamada de "diálogos difíceis" e segue a linha da apresentação de situações-problema que mobilizam os sistemas de relevância dos estudantes e, por conseguinte, os convocam a tomar posição frente a temas socialmente sensíveis e controversos no que tange às questões étnicas e raciais. Outro ainda é um modelo, chamado pela autora de "ADRESSING model', em que um colega, primeiro, se apresenta com base em critérios de interseccionais e, depois, apresenta um colega com base nos mesmos critérios, assim trazendo à tona a diversidade multicultural de cada indivíduo e do grupo como um todo. Além de citar outras estratégias interessantes, parece-nos importante dizer que estas devem estar baseadas em uma perspectiva multicultural e atenta às relações interseccionais presentes no ensino, por exemplo, em grupos heterogêneos e culturalmente diversos. Ao mesmo tempo, a reflexão do supervisor sobre a sua própria identidade racial e sua posição frente às relações interseccionais parece-nos imprescindível.

Também nos parece importante dizer que o estudo de Fu (2015) permite vislumbrar como as treliças de sentido habitualmente constituídas e automaticamente aplicadas e replicadas na experiência podem ser suspensas por uma experiência de interrupção ou parada reflexiva. A reorganização da experiência decorrente daí permite novas dinâmicas de encaixe sobre a interpretação do mundo. Porém, certamente, isto não ocorre sem resistências. Pois a posição social de privilégio permite menos a hesitação e, por conseguinte, a reflexão crítica sobre os hábitos (Al-Saji, 2014). Afinal, trata- se de uma forma de ver e sentir tornada habitual e, portanto, de uma camada invisível que produz a visibilidade do entorno social. Assentada no sucesso contínuo de suas receitas socialmente típicas e sancionadas, torna-se um lugar seguro e confortável. Esta pedagogia é uma forma de retirar da invisibilidade a própria máscara de branquitude, assumida de forma tácita, e seu enquadre atencional específico para torná-lo tema e, então, com isso em mãos, tornar possíveis níveis ou platôs originais para novos modos de ressonância e abertura pática à existência da alteridade. Mais importante do que uma abordagem judicativa quanto ao fenômeno – isto é, de formular e reformular proposições conscientes a seu respeito –, que seria correlata a uma visão do racismo enquanto ato cognitivo (criticada na primeira seção), este esforço deve vir acompanhado de um processo afetivo e afetuoso para com o fenômeno. Com isso, acreditamos, podem criar-se condições para o dar-se conta da alteridade e da diversidade cultural e para novas formas de existência coletivas e intersubjetivas.

 

4. Considerações Finais

Partimos da perspectiva de uma fenomenologia crítica para uma releitura de trabalhos de Husserl e outros fenomenólogos, como Schütz, e de conceitos fundamentais de uma clínica orientada pela fenomenologia. Esta releitura implicou colocar as análises fenomenológicas a serviço de uma leitura situada do mundo da vida e dos sujeitos enquanto existentes no mundo. Ao mesmo tempo, implicou interpretar este mundo como recortado pelo colonialismo e por seus efeitos deletérios sobre os corpos racializados e marginalizados. Entrementes, esta fenomenologia crítica forneceu subsídios para compreender um dos efeitos subjetivos proeminentes desta situação histórica e social, a saber, a formação de um campo perceptivo mapeado por critérios raciais e constitutivo do lugar simbólico da branquitude, que contorna as subjetividades de negros e não-negros, brancos e não-brancos, habitantes de sociedades multiculturais. A raça demonstrou ser aquilo contra o que percebemos a nós mesmos e aos outros em uma sociedade racializada, ainda que seja seu lastro invisível e, amiúde, impensado. A atenção, que recorta e diferencia o mundo entre figura e fundo, demonstra estar, portanto, colonizada por critérios raciais em contextos como estes.

Também pudemos analisar como a proposta de uma psicoterapia multicultural ventila alguns pontos impensados pelas escolas tradicionais de psicoterapia e como uma cegueira racial e cultural pode estar presente na relação entre terapeuta e consulente e, com isso, estar na base de confusões e equívocos. Em sociedades multiculturais, e em razão da colonização dos sistemas de relevância, algumas disparidades econômicas, raciais, de gênero, e outras, podem ser ignoradas pelas teorias sobre a natureza humana que orientam as diferentes formas de psicoterapia como também na concretude da relação terapêutica. A suspensão dos pressupostos racistas de uma atenção colonizada deve ser efetuada para liberar o espaço da relação terapêutica para o enfrentamento das questões complexas e difíceis que podem aí se fazer presentes. Por mais que uma psicoterapia fenomenológico-existencial possa entrar em diálogo com a psicoterapia multicultural, estes questionamentos também podem se aplicar a ela. Além disso, ainda é necessário que psicoterapia fenomenológico-existencial se proponha a responder aos desafios específicos da psicoterapia multicultural (Sue, 2004) e elabore respostas fundamentadas sobre a diversidade de modelos e modalidades clínicas, sobretudo aquelas que respondem à situação existencial de sujeitos marginalizados (Santos, 2015). Será necessário decolonizar a própria psicoterapia fenomenológico-existencial?

Por fim, é possível entrever, a partir das análises fenomenológicas sobre a racialização e das preocupações clínicas sobre a decolonização da atenção, ao menos uma forma de promover uma pedagogia fenomenológica centrada em desconstruir as iterações constitutivas das perspectivas sobre a alteridade e o mundo. Uma pedagogia experiencial e atenta às resistências presentes no lugar da branquitude pode ser elaborada em linhas fenomenológicas a partir do exercício pedagógico da hesitação e de estratégias fundamentadas sobre ele. Outras reflexões sobre o ensino de relações étnico-raciais e, especialmente, que sigam a linha de uma educação crítica e libertária podem se somar a este breve recorte.

 

Referências

Ahmed, S. (2007). A phenomenology of whiteness. Feminist Theory, 8(2): 149-168. https://doi.org/10.1177%2F1464700107078139         [ Links ]

Alcoff, L. M. (2005). Visible identities, race, gender, and the self. Oxford University press.         [ Links ]

Almeida, S. (2018). O que é racismo estrutural? Letramento.         [ Links ]

Al-Saji, A. (2014). A phenomenology of hesitation: interrupting racializing habits of seeing. In: E. S. Lee (ed.). Living alterities: phenomenology, embodiment, and race (pp. 133-172). Suny Press.         [ Links ]

Berardinelli, A. (2012). A forma do ensaio e suas dimensões. Remate De Males, 31(1-2), 25–33. https://doi.org/10.20396/remate.v31i1-2.8636220        [ Links ]

Brencio, F. (2013). From diagnosis to therapeutic empathy: a journey into recognition. Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 28(1): 11-13. Retrieved from https://doi.org/10.1353/ppp.2021.0001         [ Links ]

Carter, R. T. (2007) Racism and Psychological and Emotional Injury: Recognizing and Assessing Race-Based Traumatic Stress. The Counseling Psychologis, 35(1):13-105. doi:10.1177/0011000006292033        [ Links ]

Csordas, T. (2008). Corpo/significado/cura. Editora UFRGS.         [ Links ]

Depraz, N., Varela, F. J., & Vermersch, P. (2006). A redução à prova da experiência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 58(1), 75-86. Recuperado em 30 de março de 2021, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672006000100008&lng=pt&tlng=pt.         [ Links ]

DeRoo, N. (2013). Phenomenological Insights into Oppression: Passive Synthesis and Personal Responsibility. Janus Head, 13 (1): 81. Recuperado em 15 de março de 2021, de https://digitalcollections.dordt.edu/faculty_work/16         [ Links ]

Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA.         [ Links ]

Fu, M. (2015) I Don't See Color, All People Are the Same: Whiteness and Color-Blindness as Training and Supervisory Issues. Women & Therapy, 38(3-4), 279-294. https://doi.org/10.1080/02703149.2015.1059212         [ Links ]

Goettlich, A. (2011). Power and powerlessness: Alfred Schutz's theory of relevance and its possible impact on a sociological analysis of power. Civitas, 11(3): 491-508.         [ Links ]

Gouveia Damasceno, M., & Zanello, V. (2019). Psicoterapia, raça e racismo no contexto brasileiro: experiências e percepções de mulheres negras. Psicologia Em Estudo, 24. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.42738         [ Links ]

Gurwitsch, A. (2010). The Field of Consciousness. In: Embree, L., & Zaner, R. M. (Eds.). The Collected Works of Aron Gurwitsch (1901-1973). Volume III. The Field of Consciousness: Theme, Thematic Field, and Marginal Consciousness. Springer.         [ Links ]

Harrell, S. P. (2000). A multidimensional conceptualization of racism-related stress: implications for the well-being of people of color, American Journal of Orthopsychiatry, 70(1). https://doi.org/10.1037/h0087722        [ Links ]

Heinämaa, S, & Jardine, J. (2021). Objectification, inferiorization, and projection in phenomenological research on dehumanization. In M. Kronfeldner (Ed.). The Routledge Handbook of Dehumanization (pp. 309-325). Routledge.         [ Links ]

Husserl E. (1966). Analysen zur passiven Synthesis: aus Vorlesungs- und Forschungsmanuskripten 1918-1926. Husserliana (GW), Bd. XI. Martinus Nijhoff.         [ Links ]

Ivey, A. E. (1987). The multicultural practice of therapy: Ethics, empathy, and dialectics. Journal of Social and Clinical Psychology, 5(2), 195–204. https://doi.org/10.1521/jscp.1987.5.2.195        [ Links ]

Marratto, S. (2021). Identity as institution: power, agency, and the self, Phenomenology and the Cognitive Sciences, 20: 387-405, 2021. https://doi.org/10.1007/s11097-020-09707-w         [ Links ]

Martins, E., Santos, A. O., & Colosso, Ma. (2013). Relações étnico-raciais e psicologia: publicações em periódicos da SciELO e Lilacs. Psicologia: teoria e prática, 15(3), 118-133. Recuperado em 15 de fevereiro de 2021, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 36872013000300009&lng=pt&tlng=pt.         [ Links ]

Mazzocco, P. J. (2017). The Psychology of Racial Colorblindness. Palgrave Macmillan. DOI 10.1057/978-1-137-59302-3        [ Links ]

Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Martins Fontes.         [ Links ]

Moodley, R. (2007). (Re)placing multiculturalism in counselling and psychotherapy, British Journal of Guidance & Counselling, 35(1). https://doi.org/10.1080/03069880601106740        [ Links ]

Moodley, R., Shipton, G., & Falken, G. (2010). The right to be desperate and Hurt and Anger in the presence of Carl Rogers: a racial/psychological identity approach, Counselling Psychology Quarterly, 13(4): 353-364. http://dx.doi.org/10.1080/713658498         [ Links ]

Ngo, H. (2017). The habits of racism: a phenomenology of racism and racialized embodiment. Lanham: Lexington.         [ Links ]

Pedersen, P. B. (1999). Multiculturalism as a fourth force. Taylor & Francis.         [ Links ]

Pope-Davis, D. B., Liu, W. M., Toporek, R. L., & Brittan-Powell, C. S. (2001). What's missing from multicultural competency research: Review, introspection, and recommendations. Cultural Diversity and Ethnic Minority Psychology, 7(2), 121–138. https://doi.org/10.1037/1099- 9809.7.2.121        [ Links ]

Rescher, N. (2006). Philosophical Dialectics: An Essay on Metaphilosophy. State University of New York Press.         [ Links ]

Sacco, A. M., Couto, M. C. P. P., & Koller, S. H. (2016). Revisão sistemática de estudos da psicologia brasileira sobre preconceito racial. Temas em Psicologia, 24(1), 233-250. https://dx.doi.org/10.9788/TP2016.1-16         [ Links ]

Santos, G. A. O. (2017). Psicologia fenomenológico-existencial e pensamento decolonial: um diálogo necessário. Revista do NUFEN, 9(3): 93-109. https://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol09.n03artigo16         [ Links ]

Santos, G. A. O. (2015). Terapia fenomenológico-existencial nas comunidades populares: por uma terapêutica hilética e brasileiramente situada. Editora CRV.         [ Links ]

Santos, A. O., & Schucman, L. V. (2015). Desigualdade, relações raciais e a formação de psicólogo(as). Revista EPOS, 6(2), 117-140. Recuperado em 02 de abril de 2021, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2015000200007&lng=pt&tlng=pt.         [ Links ]

Santos, A. O., Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2012). Breve histórico do pensamento psicológico brasileiro sobre relações étnico-raciais. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(spe), 166-175. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000500012        [ Links ]

Sartre, J.-P. (1994). L'être et le néant: Essai d'ontologie phénoménologique. Gallimard.         [ Links ]

Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.). Alfred Schütz, Collected Papers V: Phenomenology and the Social Sciences. (pp. 93-200). Springer.         [ Links ]

Staudigl, M. (2012). Racism: On the phenomenology of embodied desocialization. Cont Philos Rev, 45, 23–39. https://doi.org/10.1007/s11007-011- 9206-5         [ Links ]

Straus, E. W. (1969). Psychiatry and Philosophy. In M. Natanson (Ed.). Psychiatry and Philosophy. Springer Verlag.         [ Links ]

Sue, D. W., Arredondo, P., & McDavis, R. J. (1992). Multicultural counseling competencies and standards: a call to the profession. Journal of Counseling and Development, 70, 477-486. Recuperado em 05 de fevereiro de 2021, de https://psycnet.apa.org/doi/10.1002/j.1556-6676.1992.tb01642.x        [ Links ]

Sue, D. W. , & Sue, D. (2003). Counseling the culturally diverse (4th ed). Wiley.         [ Links ]

Sue, D. W. (2004). Multicultural counseling and therapy (MCT). In J. A. Banks, & C. Banks (Eds.), Handbook of research on multicultural education (pp. 813-827). Jossey-Bass.         [ Links ]

Tavares, N. O., Oliveira, L. V., & Lages, S. R. C.. (2013). A percepção dos psicólogos sobre o racismo institucional na saúde pública. Saúde em Debate, 37(99), 580-587. https://doi.org/10.1590/S0103-11042013000400005         [ Links ]

Teo, T. (2019). Beyond Reflexivity in Theoretical Psychology: From Philosophy to the Psychological Humanities (pp. 273-288). In T. Teo. (Ed.). Reenvisioning Theoretical Psychology. Palgrave Macmillan.         [ Links ]

Watts-Jones, D. (2002). Healing internalized racism: the role of a within-group sanctuary among people of African descent. Family Process, 41(4):591- 601. https://doi.org/10.1111/j.1545-5300.2002.00591.x         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Hernani Pereira dos Santos
E-mail: hernani.santos@pucpr.br

Recebido: 30/04/2021
Revisado: 07/07/2021
Aceito: 01/07/2021
Publicado: 08/10/2021

 

 

1 Hernani Pereira dos Santos: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5003-4143
2 Em suas "Análises sobre a síntese passiva", Husserl (1966) sustenta a distinção entre dois níveis ou duas formas de sínteses pelas quais o sentido dos objetos é construído: por um lado, a síntese ativa, que corresponde a uma posição de sentido mediada pela formulação predicativa e categorial; e, por outro, as sínteses passivas, que indicam um conjunto de condições de fundo da experiência subjetiva que veiculam sentidos parciais para a aparição significativa do objeto dotado de sentido, tais como, por exemplo, a síntese cinestésica do corpo próprio (Leib) ou, ainda, as sínteses temporais da "consciência interna do tempo".

 

Creative Commons License